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A quebra dos sigilos
bancário e fiscal
Renata Peruzzo
reperuzzo@ig.com.br
1. Introdução
Com a evolução das relações
econômicas e sociais e a conseqüente organização dos trabalhadores em classes
profissionais específicas, tornou-se clara a importância de determinados
profissionais manterem sob sigilo as informações privativas dos cidadãos
obtidas durante o exercício de sua função. Esse sigilo recaía sobretudo a
profissionais como advogados, médicos, psicólogos, padres. Porém, a necessidade
dos indivíduos de negociar com bancos e instituições financeiras aumentou,
fazendo com que confiassem a estes informações acerca dos seus negócios e da
sua vida privada. Os bancos, por sua vez, precisaram conquistar a confiança de
seus clientes e, para tanto, com respaldo na legislação, garantem o sigilo das
informações que lhes são confiadas.
O Estado, através de órgãos e
funcionários, recebe dos contribuintes informações importantes sobre seus
negócios, bens e atividades e que necessitam ser mantidas em sigilo, já que
dizem respeito somente a esses indivíduos.
Pode-se dizer, assim, que os
sigilos fiscal e bancário têm a sua origem no dever de sigilo funcional, pois
as informações prestadas ao Estado ou a determinadas instituições, em razão de
ofício, devem ser protegidas.
O direito à intimidade e ao
sigilo de informações, previsto na atual Constituição Federal, é garantido como
medida de segurança, revestindo de excepcionalidade a divulgação de dados que
clientes tenham confiado a instituições financeiras, bem como a de dados que
tenham sido obtidos pelo agente fiscal no exercício de suas atribuições, pois o
sigilo garante ao indivíduo a indevassabilidade de informações que exponham ao
público a sua vida privada.
2. Sigilo de Dados e Intimidade
Para compreender corretamente os conceitos de sigilo bancário e
sigilo fiscal, é preciso saber onde se encontram os seus fundamentos. Para
tanto, é necessário estabelecer a diferença entre intimidade, da qual ambos
decorrem e que está prevista no inciso X do art. 5º da
Constituição Federal, e sigilo de dados, expresso no inciso XII do mesmo
dispositivo.
"Art. 5º...
(...)
X – São invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XII – é inviolável o sigilo da correspondência
e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,
salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
(...)"
Alguns autores não consideram privacidade e intimidade palavras
sinônimas e utilizam as diferenças existentes em seus conceitos para
interpretar o disposto nos incisos supracitados. Celso Bastos estabelece as
diferenças entre privacidade e intimidade dizendo que aquela abrange a
faculdade do indivíduo de não permitir que situações que lhe dizem respeito
tornem-se conhecidas de outras pessoas. A privacidade não envolve o público, a
comunidade, mas eventualmente apenas um grupo de pessoas íntimas. São as opções
pessoais, os comportamentos, os acontecimentos, as formas de convivência,
enfim, que o sujeito não quer revelar ao público, o qual seria um terceiro
nessa relação.
A intimidade está inserida na esfera da privacidade, sendo mais
limitada a assuntos os quais o indivíduo não revela nem mesmo a pessoas da
família, pois não envolve direito de terceiros; "é o âmbito do exclusivo
que alguém reserva para si". Desta forma, o sigilo bancário faz parte da
intimidade do indivíduo, pois este confia ao banco as suas intenções e
projetos, fazendo-o, muitas vezes, de seu confidente. O cliente objetiva um bom
resultado na operação que pretende realizar e, por isso, necessita confiar
dados a seu respeito ao banco.
Também o sigilo fiscal é desdobramento da proteção à intimidade
prevista no inciso X do art. 5º da Carta de 1988. As informações
fornecidas pelo contribuinte ao agente fiscal são de foro íntimo, visto
compreenderem desde o cadastro pessoal até a mais detalhada descrição do
patrimônio dos indivíduos. Imprescindível, pois, a observância de segredo sobre
tais dados.
O inciso XII do art. 5º da CF traz em sua redação a expressão
"sigilo de dados", a qual, segundo alguns autores, abrange o sigilo
bancário. Ao que parece, tal afirmação não procede, pois, analisando o conteúdo
do inciso na sua íntegra, conclui-se que o mesmo trata de sigilo da
comunicação. Ou seja, enquanto o inciso X visa à proteção de informações as
quais o indivíduo deseja conservar em segredo, não as divulgando a outras
pessoas, o inciso XII protege a comunicação das mesmas. Ao
proferir seu voto no julgamento do RE 219.780, o ministro Carlos Velloso
explica que o dispositivo constitucional em que encontra respaldo o sigilo
bancário é somente o inciso X, do art. 5º da CF. Ao apreciar o mesmo recurso extraordinário,
o ministro Nelson Jobim diz que "o inciso XII não está tornando
inviolável o dado da correspondência, da comunicação, do telegrama. Ele está
proibindo a interceptação da comunicação dos dados, não dos resultados. Essa é
a razão pela qual a única interceptação que se permite é a telefônica, pois é a
única a não deixar vestígios, ao passo que nas comunicações por
correspondência, telegráfica e de dados é proibida a interceptação porque os
dados remanescem, eles não são rigorosamente sigilosos, dependem da
interpretação infraconstitucional para poderem ser abertos. (...)"
Portanto, o legislador ao redigir ambos os dispositivos, o fez de
forma a garantir o sigilo das informações no inciso X e o sigilo da comunicação
dessas informações no inciso XII. Interpretá-los no sentido de que em ambos
estão tutelados os sigilos bancário e fiscal seria ignorar um dos princípios da
hermenêutica, segundo o qual todas as palavras constantes no dispositivo legal
devem ser interpretadas de forma harmônica e de tal modo que não se deixe de
atribuir sentido a qualquer delas.
3. Sigilo Bancário
O sigilo bancário, atualmente, pode ser compreendido como um dever
jurídico, imposto às instituições bancárias, de não divulgar informações acerca
das movimentações financeiras de seus clientes (aplicações, depósitos, saques,
etc.).
Esse procedimento é tutelado pelo Estado e necessário para
garantir a segurança jurídica e social, bem como a estabilidade econômica.
Obviamente, parece ser intrínseco à atividade bancária o dever de guardar
sigilo sobre as movimentações. Desde o Direito Romano observava-se a reserva
mantida pelos banqueiros (argentarus), que tinham um livro de créditos e
débitos (Codex), cujo conteúdo deveria ser mantido sob sigilo, salvo os
casos de conflito entre o cliente e o banqueiro, onde o litígio seria resolvido
perante a Justiça, com a divulgação dos dados necessários.
Atualmente, inclusive por questões de segurança, há necessidade de
se ter protegidas as informações concernentes ao patrimônio.
O sigilo bancário é uma forma de proteção à liberdade do
indivíduo, já que se não fosse a regra, seria permitido às autoridades o acesso
indiscriminado aos segredos confiados às instituições financeiras,
impossibilitando ao sujeito determinar se quer compartilhar determinados dados.
Ocorre que o cidadão, por serem tais informações de foro íntimo, pode não as
querer expostas. É o caso de um indivíduo que faz apostas, e não pretende que
terceiros tomem conhecimento de tal fato. Ou então de alguém que mantém encontros
com outra pessoa e quer os mesmos permaneçam no âmbito da sua privacidade.
Caracteriza-se, assim, o direito ao sigilo como a liberdade de negação do
indivíduo, qual seja, de poder optar entre divulgar ou omitir fatos que dizem
respeito à sua vida íntima.
Ao longo do tempo, foram desenvolvidas algumas teorias sobre o
fundamento jurídico do sigilo bancário.
A teoria do uso, que tem como principais expoentes Molle e
Goisi, na Itália, e Garrigues, na Espanha, entende que o fundamento do sigilo
bancário encontra-se nos usos e costumes, pois provém da relação de confiança
estabelecida com os bancos.
A teoria do contrato, que tem Sheerer como principal
defensor, sustenta a idéia de que o sigilo bancário provém da relação
contratual entre o banco e o cliente, constituindo um dever acessório situado
ao lado do dever principal objeto do contrato.
Há a teoria do segredo profissional, cujos defensores
entendem que os banqueiros têm o dever profissional de manter segredo sobre as
informações obtidas durante a relação com os clientes. Essa obrigação ligada à
sua profissão é o fundamento jurídico do sigilo bancário.
Por fim, a teoria da obrigação jurídica afirma que o sigilo
bancário encontra fundamento em uma norma legal. Nesse caso, não há que se
falar em fundamento nos usos e costumes consagrados, se há uma obrigação de
caráter legal..
No Brasil, o sigilo bancário deriva do dever de segredo
profissional e encontra respaldo na Constituição Federal, no que tange à
proteção da intimidade. Assim, é possível dizer que há uma fusão das teorias do
segredo profissional e da obrigação jurídica.
Na legislação infraconstitucional brasileira, o caput do
artigo 38 da lei 4.595/64 é o dispositivo legal que regulamenta o dever de
sigilo das instituições financeiras.
Todavia, o sigilo bancário não é absoluto, pois não deve servir de
respaldo para a prática de atos ilícitos, que atinjam a sociedade, afrontando o
interesse público. Em situações específicas, previstas em lei, é possível
permitir o acesso às informações de que necessita, tendo em vista o interesse
da justiça.
Pode ser que ocorra um conflito entre o interesse do indivíduo de
manter resguardadas as informações e o interesse coletivo de, com a quebra do
sigilo, obter esclarecimentos de certos fatos. Porém, somente no caso concreto
será possível ao magistrado julgar qual atitude ocasionará menores danos, sendo
que a divulgação das informações só será legitimada se houver forte presunção
que a justifique.
Os bancos, pela natureza de suas atividades, têm o dever de
resguardar as informações e os serviços utilizados pelos clientes, sendo vedada
a divulgação a terceiros sobre investimentos, saldo de conta, aplicações e
demais movimentos bancários. E, como instituições financeiras que são, têm
interesse em proporcionar a seus clientes a reserva de suas operações,
garantindo a confiança da população e a captação de recursos, visando, assim, a
um eficiente sistema bancário.
Sob este prisma, o sigilo é fundamental para o desenvolvimento
econômico e social de um país, fazendo com que todos exerçam suas atividades
com segurança e privacidade, dentro dos limites legais.
Ainda existe outro dispositivo legal que regula a matéria em
questão, porém, é dirigido especificamente à autoridade fiscalizadora. Trata-se
do artigo 197, inciso II do Código Tributário Nacional. Neste preceito
encontra-se a obrigatoriedade expressa dos bancos e instituições financeiras em
prestar informações que disponham sobre terceiros, excetuando-se, porém,
aquelas protegidas pelo sigilo bancário. Assim, entende-se que o disposto no
art. 197 do CTN não revogou as disposições do art. 38 da Lei 4.595/64, ao
contrário, reitera a obrigação das instituições financeiras e dos bancos de
manterem em segredo as informações que recebem no desempenho de suas
atividades.
4. Sigilo Fiscal
Semelhante às instituições financeiras, que devem observar sigilo
sobre os negócios e informações obtidas nas transações com seus clientes, a
autoridade fiscal tem o dever de manter em segredo as informações que obtém
através do exercício das suas funções. Essa obrigação de não revelar
encontra-se expressa no Código Tributário Nacional:
Art. 198. "Sem prejuízo do disposto na legislação
criminal, é vedada a divulgação, para qualquer fim, por parte da Fazenda
Pública ou de seus funcionários, de qualquer informação, obtida em razão do
ofício, sobre a situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de
terceiros e sobre a natureza, e o estado dos seus negócios ou atividades.
Parágrafo único. Excetuam-se do disposto neste artigo,
unicamente, os casos previstos no artigo seguinte e os de requisição regular da
autoridade judiciária no interesse da justiça."
O dispositivo acima, além de ordenar à autoridade fiscal manter em
segredo as informações obtidas dos contribuintes, estabelece as situações em que
ocorrerá a divulgação das mesmas.
Expressa no parágrafo único, a primeira das exceções ao sigilo
fiscal ocorrerá quando se realizar convênio entre as Fazendas da União, dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios com o fim de obterem dados para
melhor exercer a fiscalização dos tributos.
A segunda hipótese de exceção ao sigilo fiscal é dirigida aos
casos em que houver processo judicial instaurado e o juiz entender necessário
para a solução da lide a juntada, ao processo, de informações obtidas pelo
Fisco. Nesse caso, será observado o interesse da justiça, e não o interesse
particular de uma das partes. Ou seja, o juiz requisitará as informações se
restar comprovada a resistência de uma das partes em resolver o conflito.
Assim, procederá ao exame de informações úteis ao alcance da justiça.
A Quebra dos Sigilos Bancário e Fiscal
5.1 A Quebra do Sigilo Bancário
Como já observado, há hipóteses em que tanto o sigilo bancário
como o sigilo fiscal podem ser excepcionados.
As situações em que se permite a divulgação de informações
protegidas pelo sigilo bancário verificam-se especialmente nos parágrafos do
artigo 38 da Lei nº 4.595/64, que dispõem:
"Art. 38. As instituições financeiras conservarão
sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 1º As informações e esclarecimentos
ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou
pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo,
se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as
partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos
à mesma.
§ 2º O Banco Central do Brasil e as
instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo,
podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou
sigilo.
§ 3º As Comissões Parlamentares de Inquérito,
no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação
obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive
através do Banco Central do Brasil.
§ 4º Os pedidos de informações a que se
referem os §§ 2º e 3º deste artigo deverão ser aprovados pelo
plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de
Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.
§ 5º Os agentes fiscais tributários do
Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de
documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo
instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade
competente.
§ 6º O disposto no parágrafo anterior se
aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições
financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem
conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.
§ 7º A quebra de sigilo de que trata este
artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um)
a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de
Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis".
Conforme o caput do art. 38, as instituições financeiras
conservarão em segredo as informações acerca de empréstimos, descontos,
aberturas de crédito, créditos documentários – que são operações ativas; depósitos,
contas-corrente, redescontos – exemplos de operações passivas; serviços
de cofres de segurança, prestação de informações, cobrança de títulos, etc. –
classificados como serviços prestados.
Entretanto, há situações específicas em que se permite a
divulgação dessas informações. Conforme o § 1º, no caso de processo judicial em que se
reconheça a necessidade do exame de informações sigilosas, o juiz determinará
às devidas instituições que as forneçam, devendo as informações ficarem
restritas às vistas das partes.
O § 2º permite que o Poder Legislativo tenha
acesso às informações que o Banco Central e as outras instituições financeiras
públicas possuam, sem, no entanto, necessitar observar qualquer condição, não
sendo obrigado a conservá-las em segredo, exceto se as entidades respectivas o
solicitarem.
5.1.1 As Comissões Parlamentares de Inquérito e o Sigilo
Bancário
O § 3º do artigo 38 da lei 4595/64 dispõe que
as Comissões Parlamentares de Inquérito poderão promover a quebra do sigilo
bancário, desde que esta seja aprovada pela maioria dos seus membros, não sendo
necessária uma autorização judicial.
Há divergência doutrinária nesse sentido, porém, o artigo 58, § 3. º da
CF/88 atribui às CPIs "poderes de investigação próprios das autoridades
judiciais", trazendo-lhes legitimidade constitucional para promover a
quebra do sigilo bancário. Significa que as CPIs podem produzir provas através
da tomada de depoimentos, da realização de perícia e da requisição de
documentos – embora não possam fazer o que a Constituição Federal
atribuiu exclusivamente aos juízes. E é em virtude dos poderes de investigação
judicial, atribuídos pela Constituição Federal que as CPIs devem fundamentar a
adoção de tal medida, visto que o Poder Judiciário assim deve proceder.
O STF se posiciona no sentido de que podem quebrar o sigilo
independente de autorização judicial, determinando, ainda, que as CPIs
fundamentem a necessidade de tal medida.
5.1.2 A autoridade fiscal face ao Sigilo Bancário
Atenta-se para o disposto nos §§ 5º e 6º do artigo em questão, pois eles
referem-se à possibilidade do agente fiscal proceder ao exame de informações,
respeitados certos procedimentos. A respeito da primeira condição –
existência de processo, há posicionamentos divergentes sobre se o legislador
estaria aludindo a processo judicial, processo administrativo ou a ambos.
Alguns autores, dentre os quais Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, interpretam
que na expressão "processo instaurado", contida no § 5º e
igualmente aplicada ao § 6º do artigo 38, estaria subentendida a
palavra "administrativo" . Tal jurista justifica seu
entendimento explicando que o § 1º do mesmo artigo já dispõe a respeito do
procedimento a ser adotado quando as informações sigilosas forem requisitadas
pelo Poder Judiciário, não havendo necessidade de repetir os mesmos dizeres em
mais dois parágrafos, ocasionando redundância. Dessa forma, os §§ 5º e 6º
referem-se à necessidade de existência de processo administrativo, e a
autoridade competente para apreciar a questão é o próprio fiscal.
Helios Nogués Moyano e Adriano Salles Vanni, contudo, defendem que
"o processo instaurado, a que se refere a lei, só pode ser
judicial, nunca um procedimento administrativo, pois, como sabido, processo e
jurisdição são conceitos correlatos, sendo que a palavra ‘processo’ traduz
a própria jurisdição em exercício".
Referindo-se à mesma questão, o STJ decidiu que não basta o
processo administrativo para a quebra do sigilo bancário, mas o processo
judicial instaurado e a requisição do juiz. Em voto proferido no julgamento do
REsp 37.566-5, o Ministro Demócrito Reinaldo manifestou-se no sentido de que a
interpretação integrada dos parágrafos do artigo 38 da lei 4.595/64 reporta à
expressão "processo instaurado" o significado de processo
judicial, em razão de estar o interesse do Fisco em pólo oposto ao do direito à
privacidade e, para a resolução da questão, é necessária a "prévia
autorização da autoridade judicial competente para que sejam franqueadas ao
Poder Tributante as informações bancárias atinentes ao contribuinte.".
Com base no exposto, afirma-se que a regra é a proteção à
intimidade, como direito fundamental. Portanto, os dispositivos que excetuam
referido preceito, determinando a quebra do sigilo, devem ser restritivamente
interpretados.
Alega-se, ainda, que o §1º do art. 145 da Constituição é o
permissivo para o Fisco examinar os dados bancários a respeito dos cidadãos,
sem intervenção judicial. Diz o referido dispositivo constitucional:
"Art. 145. (...)
§1º Sempre que possível, os impostos terão
caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos
termos da lei, o
patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. "(Grifamos)
Realmente o parágrafo acima autoriza o agente fiscal a tomar
conhecimento de dados sigilosos, mas devem ser "respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei". Ora, o sigilo bancário é uma garantia
constitucional por ser considerado espécie de proteção à intimidade, prevista
no inciso X do art. 5º da CF. Se a administração tributária
necessita dessas informações, poderá obtê-las, desde que obedeça os
procedimentos referidos nos parágrafos do art. 38 da lei 4.595/64, não sendo
necessário ferir o direito do indivíduo de ter a sua vida privada preservada.
Tendo processo instaurado, o entendimento jurisprudencial é que o
pedido de quebra do sigilo bancário seja encaminhado ao juiz, com a devida
fundamentação e que haja elementos concretos que indiquem que o indivíduo tenha
cometido algum fato delituoso. Em não havendo elementos incriminadores, não há
como permitir a quebra do sigilo. Foi o que ocorreu com o ex-ministro Rogério
Magri. O pedido que visava à quebra do seu sigilo bancário e de sua esposa foi
fundado em uma notícia de jornal, na qual constava terem sido encontrados, no
lixo de sua residência, dois cinturões usados para envolver dinheiro. A petição
inicial foi indeferida, pois a autoridade policial limitou-se a informar que
necessitava do deferimento do pedido para instruir o inquérito que se
instaurava contra Magri. Assim, não havia elementos suficientes para que se
quebrasse o sigilo e o pedido foi indeferido.
Dispensando o requisito do processo instaurado, o Código
Tributário Nacional, no art. 197, II obriga aos bancos e demais instituições
financeiras a prestarem todas as informações referentes a bens, negócios ou
atividades de terceiros à autoridade administrativa mediante intimação escrita.
E, ainda, o parágrafo único do mesmo dispositivo determina que não se aplica
esse dever de prestação de informações à pessoa que esteja legalmente obrigado
a observar sigilo.
Procedendo na análise desses dispositivos, encontra-se dificuldade
em estabelecer critérios que identifiquem a que espécie de informações
refere-se o caput do art. 197, e quais informações enquadram-se no
parágrafo único do mesmo. Necessariamente diferentes, deduz-se que nem todas as
informações devem ser fornecidas pelas instituições financeiras ao Fisco, da
mesma forma que outras necessitam ser mantidas em segredo.
As informações protegidas pelo sigilo profissional, só serão
acessadas pelo Fisco de acordo com os procedimentos previstos no artigo 38 da
lei 4.595/64, as demais com mero procedimento administrativo.
5.1.3 A atuação do Ministério Público e o Sigilo Bancário
Não havendo nenhum dispositivo no art. 38 da Lei 4.595/64 que
permita ao Ministério Público excepcionar o sigilo expresso em seu caput,
entende-se que, como qualquer outra instituição, deva submeter sua solicitação
de exame a informações sigilosas à apreciação do Poder Judiciário. Tal
procedimento justifica-se por ser o sigilo bancário reconhecido como espécie de
direito à privacidade do cidadão, como visto, consagrado no inciso X do art. 5º da
CF/88.
Atribui-se ao disposto no art. 129, inciso VIII da Constituição
Federal legitimidade para o Ministério Público proceder ao exame de todas as
informações que entender necessárias, independente de autorização judicial.
Contudo, o posicionamento da Primeira turma do Supremo Tribunal Federal, ao
julgar o Recurso Extraordinário nº 215.301, é contrário a esse
entendimento. O ministro Carlos Velloso explicou que como o sigilo bancário
está inserido no inciso X do art. 5º da Constituição, o qual é um direito
fundamental, somente um dispositivo constitucional, expressamente, poderia
legitimar o Ministério Público a obter dados sigilosos sem a intervenção do
Judiciário. Além do que, apenas alguém com dever de agir imparcialmente pode decidir
se é necessária ou não a divulgação de informações, como é o caso do juiz.
O Ministério Público, porém, é parte interessada no processo e não
se poderia permitir que agisse de forma arbitrária, quebrando o sigilo bancário
dos indivíduos.
Entretanto, a questão não cessa neste ponto, pois ainda deve-se
considerar o disposto no art. 8º da Lei Complementar nº 75/93:
"Art. 8º. Para o exercício de suas atribuições o
Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
IV - requisitar informações e documentos a entidades
privadas;
...
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de
caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;
...
§2º Nenhuma autoridade poderá opor ao
Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da
subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado, ou do
documento que lhe seja fornecido".
De acordo com o exposto acima, é permitido ao Ministério Público
requisitar informações às instituições financeiras sem a intervenção
judiciária. No caso, a lei complementar nº 75 o faz com relação ao art. 129, inciso
VI da CF. A lei 4.595/64 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988
como lei complementar e é anterior à lei complementar nº 75/93,
estando, portanto, derrogada no que dispõe de forma contrária a esta.
O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, consolidou em diversas
decisões a necessidade do Ministério Público, inclusive o Federal, solicitar ao
Poder Judiciário a quebra do sigilo bancário.
Diante do exposto, entende-se que o Ministério Público deverá
submeter sua pretensão de quebrar o sigilo bancário à apreciação do Poder
Judiciário, muito embora pensem o contrário, tendo em vista o disposto na LC nº 75.
Ocorre que a garantia de inviolabilidade da privacidade de um indivíduo não
deve ser excepcionada sem a devida cautela, por ser demais importante, além de
dever ser ordenada por uma autoridade imparcial. Verifica-se apenas um caso em
que se julgou a possibilidade do Ministério Público agir sem a intervenção
judicial por se tratar de operações bancárias de repasse de recursos públicos,
conforme a legislação infraconstitucional, a qual estaria em perfeita
consonância com a Constituição Federal. Mas ainda há outro caso em que se
discutiu a mesma possibilidade, interpretando-se o disposto na Lei Maior, e que
se decidiu pela obrigação do Ministério Público buscar a requisição judicial.
Subentende-se, com base no inciso VIII do artigo 8º, da Lei
Complementar retro referida, que o Ministério Público teria acesso somente às
informações de caráter público, não abrangendo, neste caso, aquelas que devem
ser mantidas em sigilo, devido a um dispositivo legal.
Importante ressaltar que as informações obtidas com a quebra do
sigilo, independente do procedimento adotado para sua obtenção, devem ser
mantidas no âmbito da investigação, ficando as autoridades competentes
responsáveis pela não divulgação dos dados obtidos.
Destarte, entende-se que todos os outros órgãos que pretenderem
obter informações das instituições financeiras deverão requisitar ao
Judiciário, para que este aprecie e determine se a quebra é necessária ou não.
5.2 A Quebra do Sigilo fiscal
O Fisco deverá apresentar as informações obtidas a terceiros
também em ocasiões excepcionais.
O artigo 199 do CTN refere-se à troca de informações entre a
Fazenda Pública da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal,
determinada por lei ou convênio. Desta forma, será lícita a permuta de dados
entre os órgãos Fazendários para fins de fiscalização de tributo, quando assim
estabelecido em lei ou convênio. Este integra o rol das fontes secundárias da
legislação tributária, pois, conforme o art. 100 do CTN, é norma complementar
de leis, tratados e convenções internacionais, e decretos.
Para Aliomar Baleeiro, tais entes federativos constituem a
"própria Nação", o que justificaria a possibilidade de cooperação
entre eles, através da troca de informações, pois visam ao mesmo resultado:
fiscalizar o recolhimento devido dos tributos.
Mesmo essas informações obtidas e eventualmente trocadas entre os
órgãos responsáveis pela fiscalização ficam protegidas pelo sigilo fiscal, não
podendo ser divulgadas a terceiros. A divulgação destes dados sigilosos
constitui crime previsto no artigo 325 do Código Penal.
A outra exceção é relativa aos casos em que a autoridade
judiciária entender fundamental para a resolução da lide a divulgação de
determinadas informações. A título de exemplo, o Tribunal de Alçada do Rio de
Janeiro reconheceu, no Agravo nº 2180/96, a possibilidade de requisição
da relação de bens do executado à Receita Federal, visto que o exeqüente provou
terem sido infrutíferas todas as suas tentativas de localização de bens do
devedor a serem penhorados, sendo necessário restar provado o interesse da
justiça e não do particular.
Portanto, apenas nessas situações, previstas em lei, é permitido
ao fisco divulgar, a quem autorizado, as informações de que disponha.
A CPMF e o Sigilo Bancário
A Lei 9.311 de 24.10.1996 instituiu a Contribuição Provisória
sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de
Natureza Financeira – CPMF, dispondo no seu art. 11 o seguinte:
"Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a
administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação,
fiscalização e arrecadação.
§ 1º No exercício das atribuições de que
trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal poderá requisitar ou
proceder ao exame de documentos, livros e registros, bem como estabelecer
obrigações acessórias.
§ 2º As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento da
contribuição prestarão à Secretaria da Receita Federal as informações
necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das
respectivas operações, nos termos, nas condições e nos prazos que vierem a ser
estabelecidos pelo Ministro de Estado da Fazenda.
§ 3º A Secretaria da Receita Federal
resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das
informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário
relativo a outras contribuições ou impostos. ".
(...) (Grifo nosso).
Vistos os parágrafos do art. 11, não se questiona da sua validade,
pois é possível interpretar os §§ 1º e 2º consoantes com o disposto no art. 197,
II do Código Tributário Nacional que, como já comentado anteriormente, obriga
às instituições financeiras que informem à autoridade administrativa sobre os
negócios, bens e atividades de terceiros.
Entretanto, é possível uma segunda interpretação, pois o parágrafo
único do art. 197 do CTN afirma não ser aplicável o seu conteúdo "aos
fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo
em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão".
Ora, o caput do art. 38 da Lei 4.595/64 é claro ao vedar aos bancos e
demais instituições financeiras que divulguem informações sobre as operações
ativas e passivas dos seus clientes, bem como dos serviços que prestam. Além
disso, também já foi mencionada a posição doutrinária e jurisprudencial
reconhecendo o sigilo bancário como espécie de direito fundamental, previsto no
inciso X do art.5º da CF, o que reforça a sua inviolabilidade, embora seja
excepcionado nos termos dos parágrafos do art. 38 da Lei 4.595/64.
Seguindo esta última interpretação, pode-se cogitar a
inconstitucionalidade do § 2º do Art. 11 da Lei 9.311, pois ao obrigar
as instituições financeiras a prestarem à Secretaria da Receita Federal
informações que identifiquem os contribuintes e os valores das suas operações,
este parágrafo afronta o inciso X do art. 5º da CF, violando a intimidade do
indivíduo. Ora, a Secretaria da Receita Federal não necessita saber os nomes
dos clientes dos bancos e nem os valores que movimentam, visto que os
responsáveis pelo recolhimento da contribuição são as próprias instituições
financeiras. Bastaria, para efetuar a fiscalização, que fosse enviada à
Secretaria da Receita Federal os valores totais recolhidos, discriminados ou
não, sem, contudo, identificarem o cliente. Se o Fisco entender necessárias as
movimentações, ainda assim seria dispensada a identificação do contribuinte,
evitando que ocorresse a quebra do sigilo bancário. Em última instância, tem o
Fisco a faculdade de recorrer ao poder Judiciário para tomar conhecimento das
informações que julgar necessárias.
Ademais, a Lei 9.311/96 é uma lei ordinária. E o § 2º do seu
art. 11, parece estar contrária ao que determina a Constituição, pois dispõe de
forma contrária à Lei 4.595/64, que regula o Sistema Financeiro Nacional e foi
recepcionada pela Constituição Federal vigente como lei complementar – o art.
192 da CF/88 dispõe que lei complementar regulará o Sistema Financeiro
Nacional. Embora não haja hierarquia entre as leis complementares e as leis
ordinárias, estas não podem tratar de matéria reservada àquelas, sob pena de
inconstitucionalidade.
Os §§ 5º e 6º do Art. 38 da Lei 4.595/64 são claros ao
dispor que as informações que as instituições financeiras contenham só serão
prestadas ao agente fiscal mediante processo instaurado e que sejam
consideradas imprescindíveis pela autoridade competente, além do que, no caso
de fornecidas informações, devem ser mantidas em sigilo.
Em harmonia com a parte final do § 6º do art. 38 já mencionado, o § 3º do Art.
11 da Lei 9.311 veda à Secretaria da Receita Federal que as informações obtidas
sejam divulgadas e, ainda, utilizadas para constituir novo crédito tributário
de outro imposto ou contribuição. Porém, não é possível certificar que seja
essa a prática adotada pelos agentes da Secretaria da Receita Federal.
A Lei 9.532/97 e o dever de Sigilo Fiscal
A Lei 9.532/97 altera a legislação tributária federal e sua
redação suscita questionamentos no que se refere ao sigilo fiscal, o qual as
autoridades fiscais devem observar.
Assim, atenta-se para o disposto no artigo 64 e parágrafos:
"Art. 64. A autoridade fiscal competente procederá ao
arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos
créditos tributários de sua
responsabilidade for superior a 30% (trinta por cento) do
seu patrimônio conhecido.
(...)
§ 5º O termo de arrolamento de que trata este artigo será registrado
independentemente de pagamento de custas ou emolumentos:
I – no competente registro imobiliário,
relativamente aos bens imóveis;
II – nos órgãos ou entidades, onde, por força
de lei, os bens móveis ou direitos sejam registrados ou controlados;
III – no Cartório de Títulos e Documentos e
Registros Especiais de domicílio tributário do sujeitos passivo, relativamente
aos demais bens e direitos.
(...)
O arrolamento consiste na relação de todos os bens de cunho
patrimonial que estejam em nome do sujeito passivo da obrigação tributária ou
de seu cônjuge (independente do regime de bens). Ocorrerá sempre que o valor
dos créditos tributários for superior a 30% do patrimônio e que esse percentual
corresponder a, pelo menos, quinhentos mil reais.
Objetiva-se, com tal atitude, deixar à disposição da administração
tributária as informações sobre os bens do sujeito passivo, para facilitar a
penhora se eventualmente ocorrer processo de execução fiscal, evitando fraudes
à execução. Para tanto, não é preciso que o contribuinte esteja inadimplente,
basta que tenha o crédito tributário constituído.
Interessante notar que o arrolamento instituído na lei em comento
não impede a alienação ou outro negócio a ser efetuado com os bens arrolados.
Porém, futuramente, pode ocorrer a indisponibilidade destes, já que os
adquirentes dos bens arrolados interpretarão o arrolamento como "um
prenúncio de situação grave, capaz de ensejar problemas".
Constitui, sem dúvida, uma forma de constranger os cidadãos a
pagarem seus tributos, pois, dessa forma, o sujeito passivo fica coagido a
efetuar rapidamente o pagamento do crédito tributário, já que qualquer negócio
que desejar fazer em que esteja envolvido algum bem arrolado poderá ser
prejudicado. Além disso, as certidões negativas de débito fiscal conterão a
informação da existência de arrolamento fiscal, dificultando a realização de
diversos negócios em que se exige a comprovação de regularidade com as
obrigações tributárias.
Esclarece-se que o arrolamento em si não ocasiona ofensa alguma ao
sigilo fiscal, visto não haver nada errado em a administração fazendária
organizar os dados para melhor proceder às medidas necessárias quando da inadimplência
de contribuintes.
Todavia, ao registrar o arrolamento em cartórios públicos, as
informações também se tornam públicas. Tal fato pode ocasionar a devassa de
informações acerca da vida íntima do sujeito passivo, sendo as mesmas
protegidas pelo inciso X do art. 5º da CF/88. E, embora o § 1º do art.
145 da Constituição Federal permita que a administração tributária identifique
o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, o
mesmo dispositivo determina que sejam respeitados os direitos individuais e,
ainda, a lei. Desta forma, aponta-se a inconstitucionalidade do art. 64 da lei
9.532/97 em face desses dois dispositivos constitucionais.
O art. 198 do CTN determina que a Fazenda Pública e seus
funcionários não divulguem as informações acerca da situação econômica ou
financeira, sobre a natureza e o estado dos negócios ou atividades dos sujeitos
passivos ou de terceiros. Ora, a lei 9.532/97 ao estabelecer, no caput e
§ 7º do art. 64, que o arrolamento de bens ocorrerá quando o crédito
tributário atingir 30% do patrimônio do sujeito passivo e corresponder a R$
500.000,00, está determinando a publicação das informações sobre as quais a
Fazenda é obrigada a observar segredo.
Assim, ao estabelecer que se deva dar publicidade ao arrolamento,
há uma afronta do art. 64 da lei 9.532/97 ao artigo 198 do CTN. Está-se diante,
portanto, de um conflito entre uma lei ordinária e uma lei ordinária com força
de lei complementar.
Marco Aurélio Greco fala de "ilegitimidade
constitucional", visto que não há um caso explícito de ilegalidade; não há
hierarquia entre o CTN e lei ordinária, e também não há confronto direto com a
Constituição, pois não há dispositivo que disponha materialmente em sentido
contrário.
Porém, entendimento diverso e mais coerente é manifestado por Hugo
de Brito Machado. Para ele, como o Código Tributário Nacional possui força lei
complementar, por força do art. 146, III, b da CF/88, estaria sendo violado um
preceito constitucional, pois há dispositivo de lei ordinária versando sobre
matéria reservada à lei complementar.
8. Conclusões
De todo o exposto, aponta-se algumas conclusões.
Os sigilos bancário e fiscal possuem respaldo constitucional por
serem espécie de proteção à intimidade do indivíduo. Para tanto, invoca-se o
inciso X do art. 5º da CF e não o inciso XII, por este tratar apenas da
inviolabilidade da comunicação.
Entende-se por sigilo bancário o dever das instituições
financeiras e dos bancos de manter em segredo as informações que recebem dos
seus clientes acerca dos seus bens, negócios e atividades. É uma obrigação
prevista na lei 4.595/64, que foi recepcionada pela Constituição Federal de
1988 como lei complementar. Portanto, além de o sigilo bancário ser uma
garantia constitucional por se tratar de espécie de proteção ao direito à
intimidade, se uma lei ordinária dispuser de forma contrária à retro referida,
será inconstitucional. Embora não haja hierarquia entre leis ordinárias e
complementares, somente uma lei complementar tem legitimidade constitucional
para divergir de outra em virtude da matéria que lhe é atribuída.
As exceções ao sigilo bancário estão reguladas nos parágrafos do
art. 38 da lei 4.595, que permitem o acesso às informações mediante requisição
judicial, quando da necessidade das mesmas no processo e para vistas somente às
partes.
O Poder Legislativo pode requisitar informações ao Banco Central e
demais instituições financeiras públicas e não necessita observar segredo sobre
elas, apenas se assim o requerer a instituição financeira que as forneceu.
As Comissões Parlamentares de Inquérito, desde que fundamentem seu
pedido e obtenham o quorum necessário entre os seus integrantes, têm
permissão para proceder ao exame de dados protegidos pelo sigilo bancário.
O Fisco, por sua vez, para obter das instituições financeiras as
informações que entenda necessárias para o exercício da sua atividade, precisa
submeter-se à autorização do juiz, que determinará, após a conclusão, da
imprescindibilidade das informações.
O Código Tributário Nacional dispõe, também, sobre o sigilo
bancário e o disposto no seu art. 197, inciso II obriga as instituições
financeiras a fornecerem ao Fisco dados que este necessite. O parágrafo único,
entretanto, do mesmo artigo, desobriga aos informantes legalmente impedidos de
divulgar informações obtidas durante o exercício de suas atividades
profissionais. O legislador cuidou de preservar, portanto, o sigilo bancário,
mas não estabeleceu critérios para o discernimento entre os dois tipos de
informações: as protegidas pelo sigilo e as não protegidas.
Diante disto, encontra-se dificuldade em definir a lei
instituidora da CPMF como abrangida pelo art. 197, II do CTN ou pelo seu
parágrafo único. Não obstante, os dados que o legislador permite sejam passados
à Secretaria da Receita Federal para fiscalizar o recolhimento do tributo são
privativos dos clientes dos bancos, além de desnecessários. Logo, o disposto no
parágrafo 2º do art. 11 da lei 9.311 é inconstitucional por ferir
dispositivo constitucional garantidor da inviolabilidade da intimidade do
indivíduo, bem como por dispor sobre matéria de lei complementar.
A atuação do Ministério Público é objeto de controvérsias. Assim,
embora a lei complementar nº 75 permita que o Ministério Público
obtenha as informações que necessite sem a intervenção judicial, tem-se que por
ser o sigilo bancário um direito dos indivíduos de impedir a devassa de
informações concernentes à sua intimidade, não deve esse órgão proceder à
requisição de dados sigilosos sem antes obter autorização judicial. Trata-se de
uma garantia constitucional, e, portanto, toda exceção deve ser interpretada
restritivamente. Além disso, diferente das Comissões Parlamentares de
Inquérito, o Ministério Público não tem poderes judiciais, o que o exime de
fundamentar seus atos. Desta forma, entende-se que o Ministério Público deve
submeter sua intenção de quebrar o sigilo bancário ao Judiciário, a fim de
evitar lesão a direitos fundamentais.
Além dos bancos e instituições financeiras, outros órgãos devem
observar sigilo quanto às informações que obtêm durante o exercício das suas
atribuições. Trata-se da Fazenda Pública e seus funcionários. O sigilo fiscal
tem a função de preservar os dados que os contribuintes entreguem à autoridade
tributária, porque os mesmos dizem respeito à sua situação econômica e
financeira, bem como dos seus bens, negócios e atividades.
O Código Tributário Nacional, no seu art. 198 tratou de regular a
matéria e, após o advento da Constituição Federal vigente, lhe foi atribuída
força de lei complementar por ser desta a função de legislar sobre normas
gerais de direito tributário.
Como no caso da lei 4.595, uma lei ordinária que dispuser sobre a
matéria que compete ao CTN, será inconstitucional. É o que ocorre com a lei
9.532/97, que é ordinária, ao estabelecer a realização de arrolamento de bens
do sujeito passivo que tenha crédito tributário no valor mínimo de quinhentos
mil reais e, ainda, que este valor corresponda a 30% do valor do seu
patrimônio. Nenhum problema a administração tributária possuir um arrolamento de
bens dos contribuintes, contudo, o art.64 dessa lei obriga que tal ato seja
registrado em cartórios, o que torna essas informações públicas. Se o CTN
proíbe a divulgação por parte da administração pública de informações que tenha
obtido durante o exercício de suas atribuições, não pode uma lei ordinária
dispor de forma contrária.
Importante considerar, com relação aos sigilos bancário e fiscal,
que são garantias constitucionais e, como tal, devem ser respeitadas como parte
da segurança individual, social e econômica que são.
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Retirado de: http://www.apriori.com.br