UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL - CENTRO DE CIÊNCIAS NATURAIS E EXATAS
INTERNET E CENSURA
Prof. Daniel Nehme Müller
Paulo Luciano Souza Mello
Canoas, 14 de Abril de 1999
Censura na Internet I
Outro ponto que deve ser levado em conta é a própria definição do que é material "indecente e ofensivo". A Internet está repleta de informações de mérito científico que podem servir, inclusive, como fontes de informação valiosas para crianças e adolescentes. Há, por exemplo, páginas sobre doenças sexualmente transmissíveis que, normalmente, vêm acompanhadas de fotos de homens e mulheres nus. No caso do tema "puberdade", é comum haver fotografias de órgãos sexuais. Neste caso, como seria feita a diferenciação entre o que é ou não pornográfico? Os responsáveis por esta definição entrariam numa verdadeira caça às bruxas.
Um outro argumento utilizado pela procuradora geral Janet Reno é que a intenção do governo é de "garantir a liberdade de expressão na rede" porque a pornografia impede que pais - usuários em potencial - possam exercitar este direito, já que às vezes, eles preferem não acessar a Internet para evitar que os filhos também o façam. A afirmativa é, de certa forma, contraditória. Basta lembrar que o primeiro artigo da Constituição norte-americana, que garante a liberdade de expressão, permite que este tipo de material circule livremente nas livrarias dos Estados Unidos. Na verdade, ao dizer que está tentando proteger os pais, o governo tira deles o direito de escolher a que tipo de informação seus filhos podem ter acesso.
A iniciativa deixa espaço também para um outro questionamento: se a circulação de material na rede ficar à mercê do que for apropriado para crianças, como fica o interesse dos adultos? Isso sem falar no lado ético já que o Ato de Decência nas Comunicações dá poderes aos servidores de acesso à Internet de exercitarem a censura também sobre troca de mensagens, fóruns de debate abertos e listas de correio. Isso significa que qualquer comunicação, por mais confidencial e particular que seja, passe por uma espécie de "grampo" porque em muitos casos, a conversa é similar àquela feita através do telefone, utilizando inclusive, o mesmo meio físico.
Felizmente, o Ato tem encontrado rejeição dentro do próprio Estados Unidos. O governo já foi derrotado duas vezes em instâncias inferiores, uma em Manhattan e outra na Filadélfia. Nos dois casos, o documento foi considerado inconstitucional. Por outro lado, no caso Reno X União das Liberdades Civis Americanas, houve uma preocupação adicional: o total despreparo dos juizes para lidarem com a matéria. Dos nove, nenhum era usuário regular da Internet. Oito possuíam computador em seus escritórios, mas eles não eram conectados à rede por questões de segurança, e um deles, David H. Souter, sequer tinha um à sua mesa.
A reação dos cibernéticos na Internet também tem crescido bastante. Hoje, uma das quatro páginas mais visitadas da World Wide Web é a da Campanha da Fita Azul (http://www.eff.org/blueribbon.html) que lança uma campanha contra a tentativa do governo censurar a Internet. Outra demonstração de desagrado é o luto nas homepages. Alguns usuários mudaram a cor de fundo de suas páginas para o preto, utilizando a cor como um instrumento visual de crítica à censura.
É preciso que usuários de todo o mundo se preocupem com
o assunto e demonstrem, de alguma forma, sua opinião sobre o caso
que hoje está sendo julgado nos EUA, até porque a Internet
não pertence aos Estados Unidos. Hoje, mais de 150 países
estão interligados à rede e esses milhões de usuários
não podem ser regulamentados por uma lei norte-americana. Ao propor
regulamentação na Internet, o governo dos EUA não
só retira os direitos garantidos pela Constituição
daquele país, mas, principalmente, ameaça a própria
existência da rede. E isso afeta todos nós.
A censura na Internet ganhou contornos explosivos no final de 1995 e reacendeu, ainda que dentro de um novo contexto, importante debate acerca de questões que, na realidade, são bem antigas.
O estopim do debate foi uma decisão de uma corte da Baviera que, às vésperas do Natal, ordenou que a CompuService (uma das principais provedoras de acesso à Internet) suspendesse da rede mais de 200 grupos de discussão que tratavam de matérias ligadas a sexo. A ordem judicial buscou seu fundamento na legislação de pornografia alemã.
Sucede que, ao parcialmente negar acesso à Internet a seus 200 mil assinantes alemães, a CompuService simultaneamente sujeitou, ainda que involuntariamente, a igual pena seus mais de 4 milhões de clientes espalhados por dezenas de outros países, impondo, assim, os padrões morais bávaros ao resto do mundo. Tal restrição decorreu de uma limitação de ordem técnica: dada a natureza global da Internet, a CompuService não possui ainda recursos técnicos para bloquear acesso de assinantes seletivamente, em função de sua localização geográfica.
O incidente não deve ser tratado de forma maniqueísta. Nem aqueles que pregam a irrestrita liberdade de comunicações via Internet nem os que a querem sujeitar a rigoroso controle devem ser atendidos.
Não obstante sua inegável importância e a justificada paixão que desperta, a Internet não pode estar acima da lei. E a lei, em geral, tem validade e eficácia limitadas ao território do país onde foi prolatada.
É evidente que a censura não é desejável, ainda que seja tratada de maneira distinta em cada país. No mais das vezes, a censura constitui instrumento abominável que serve, quando muito, aos propósitos políticos e ideológicos dos que a impõem.
A Constituição brasileira de 1988 consagra a liberdade "da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (artigo 5°, IX) e expressamente veda a censura de "natureza política, ideológica e artística" (artigo 220, § 2). Tais princípios constitucionais, que garantem a liberdade do pensamento, não podem se sobrepor, porém, a outros princípios constitucionais igualmente fundamentais. Assim, quer nos parecer aceitável que o Estado exerça seu poder de polícia para evitar, por exemplo, a propaganda do racismo ou a instigação à prática de outros crimes. O exercício deste poder de polícia para assegurar respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família é matéria especialmente sensível, já que estes valores subjetivos variam no tempo e no espaço.
Como a Internet funciona em tempo real e desconhece o espaço, a intrincada questão da censura ficou mais complexa ainda.
De qualquer forma, não é crível que os diferentes países venham a renunciar a suas leis e aos critérios mínimos de moralidade pública (seja lá o que esses critérios forem) em função da Internet. Vale lembrar que tramitam no Congresso norte-americano dois controvertidíssimos projetos de lei cujo objetivo é criminalizar mensagens "obscenas" por computador.
Nesse tocante, a revista The Economist (edição de 12 de janeiro) sugere que os provedores de serviço de acesso local à Internet fiquem encarregados de "filtrar" o conteúdo da Internet, de sorte a adequar os dados à legislação de cada país. Essa proposta, além de tecnicamente questionável, obrigaria os ditos provedores a se transmudar em censores, o que não nos parece desejável.
Em grande parte, o deslinde da questão já está a caminho. As próprias provedoras de acesso à Internet estão trabalhando em soluções técnicas que permitam restringir acesso à Internet, tão apenas na região abrangida por uma decisão judicial. Ademais, várias empresas de software já estão comercializando programas que permitem aos pais e educadores bloquear acesso a materiais que julguem prejudiciais às crianças e aos adolescentes.
Os que prenunciaram na decisão da corte bávara o apocalipse
da Internet se equivocaram. A Internet, com sua congênita vocação
universal, veio para ficar e conviver com velhas leis e padrões
morais preexistentes, freqüentemente de abrangência apenas territorial.
Extraido do site: http://mozart.ulbra.tche.br/~danielnm.htm/if/trab_qua/g1/censura.htm - jul/99