® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

Vasculhar o e-mail dos funcionários pode terminar na Justiça
Os arapongas corporativos multiplicam-se nas empresas, mas a bisbilhotagem pode acabar nos tribunais

Luiz Carlos Pires

  Afinal de contas, será que perco dinheiro porque os meus funcionários passam parte do tempo trocando piadas e visitando sites de "gosto duvidoso"?
  
  No começo os fornecedores de softwares trouxeram as novidades da Internet, do e-commerce, e-business, etc. E daí ? Daí colocamos os micros por toda a empresa e até que os negócios começaram a fluir.
  
  Mas agora os fornecedores voltaram e nos vendem programas que mostram quanto tempo e por onde meus funcionários navegam fora do rumo comercial e como posso impedi-los de continuarem fazendo isso.
  
  Para confundir as coisas, surgem notícias de empresas que estão despedindo funcionários surfistas e o meu pessoal de Recursos Humanos ao mesmo tempo que fala do ócio criativo, me apresenta uma planilha com os tais acessos duvidosos.
  
  Daria parte do meu lucro se o RH pudesse entrevistar os 20 funcionários do New York Times e os 40 da Xerox despedidos por acessarem os tais sites duvidosos. Duvido que este tenha sido o motivo principal da dispensa. Mas se foi, vai sobrar recurso tecnológico e faltar a centelha da rebeldia.
  
  Se a nossa empresa tem um sofisticado programa de saúde que tirou do buraco aquele meu gerente alcoólatra, por que eu não posso recuperar a saúde mental daquele eficiente vendedor viciado em sites pornográficos? E deve me sair bem mais barato, porque o vendedor não destruiu o carro da empresa e nem vomitou no carpete da diretoria.
  
  A coisa está meio confusa, porque se por um lado a Internet ressalta a agilidade e a criatividade nos negócios, por outro força o exercício da confiabilidade que marcará as próximas relações de trabalho e até a nossa vida pessoal, com indiscutíveis vitórias sobre a burocracia e a monitorização das pessoas. Novos cenários serão construídos nessas relações onde não haverá lugar para hipocrisias delirantes.
  
  A Internet vive o efeito êxtase. Há algum tempo uma jovem inglesa morreu de uma overdose da droga e a mídia sustentou elevadíssimos índices de audiência mostrando as trágicas conseqüências da novidade. Mas o médico que atendeu a garota agitou a história mostrando ao país que na mesma semana morreram dezenas de outros jovens por alto consumo de bebidas alcoólicas, sem merecer sequer registro num pequeno jornal. Assim como o êxtase, a Internet ainda é uma novidade e com um vasto campo para exercício da repressão e controle.
  
  Enquanto as consultorias como a SBT Accounting Systems mostram pesquisas em que os funcionários das grandes corporações aumentaram o tempo de navegação por sites que não dizem respeito ao negócio, as empresas de segurança vêm duplicar o seu faturamento em apenas 1 ano, cerceando cada vez mais o acesso e, consequentemente, a criatividade.
  
  Outra desculpa de venda desses softwares "é impedir o vazamento de informações estratégicas", como se isso não fosse possível de ser feito pelo antigo programa ax: o funcionário acessa o portal de saída da empresa com todos os arquivos copiados num cd e levados debaixo das axilas. Em todas essas situações as empresas que optarem apenas pelo controle tecnológico, além de ficarem numa eterna brincadeira de gato e rato com seus funcionários, perderão a concorrência de mercado.
  
  Enquanto a política na troca de e-mails e navegação vai utilizando programas controladores e os discutíveis códigos de ética que os funcionários são obrigados a assinar quando entram na empresa, ainda são poucas aquelas preocupadas num upgrade comportamental.
  
  As batalhas jurídicas que se avizinham nas questões de privacidade, liberdade de expressão, versos relações trabalhistas, propriedade intelectual e armazenamento de informações, terão de se adequar à esta poderosa ferramenta em que trabalho, ócio e lazer perpassam seus diversos níveis. Com tudo isso, é possível sim ainda ralar e continuar dando um rolé pela rede.
  
  Luiz Carlos Pires é articulista nos sites Patagon, Widesoft, Writters, Nova Economia e Knowledge Management Press
  

Retirado de : http://www.neofito.com.br/Doutrina.ASP?O=1&T=233