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Legismania pátria
Ao terminar a leitura do Projeto de Lei nº 6.210, de 2002, (que limita o envio de mensagem eletrônica não solicitada ["spam"], por meio da Internet), de autoria do deputado Ivan Paixão, conscientizamo-nos da dura realidade brasileira: há uma efetiva compulsão em legislar sobre o já legislado. Se atentarmos aos fatos, veremos que pouco há a legislar. Entrementes o poder legiferante insiste.
O artigo 216-A do CP (1), é um exemplo recente da legismania pátria. Até
o seu advento, a questão do assédio sexual, consoante boa doutrina e talentosa
jurisprudência, era tida como abarcada pelo tipo penal previsto pelo artigo
146, também do CP. Mas fez-se "nova Lei" que, em vez de ampliar o
"novo direito", restringiu-o, eis que limita a tipicidade ao ambiente
de trabalho.
Se de acordo com o artigo 146 do CP o assédio sexual poderia se configurar em
qualquer situação, já de acordo com o artigo 216-A ele terá que decorrer,
necessariamente, de uma relação de trabalho. O fato de a penalização ser maior
(dois anos), nada muda, pois de acordo com o artigo 89, da Lei nº 9.099/95 (2),
é possível a suspensão condicional da pena, como no crime de constrangimento
ilegal.
O projeto de Lei sub examen confirma nossas palavras, eis que trata de matéria
já regulada pelos Códigos Civil e de Defesa do Consumidor. Além disso, sua
inspiração é decorrente de fontes alienígenas que sequer legais são. Fosse
pouco tudo isso, ele colide frontalmente com o Código de Defesa do Consumidor.
Feitas essas breves considerações, partamos para a análise do PL em questão.
artigo 1º - Esta lei dispõe sobre as limitações ao envio de mensagens
eletrônicas não solicitadas ("spam"), por meio da Internet,
originadas ou destinadas a computadores instalados no País.
artigo 2º - Considera-se mensagem eletrônica não solicitada ("spam"),
para os efeitos desta lei, a mensagem eletrônica recebida por meio de rede de
computadores, sem consentimento prévio do destinatário, e que objetive a
divulgação de produtos, marcas, empresas ou endereços eletrônicos, ou a oferta
de mercadorias ou serviços, gratuitamente ou mediante remuneração.
O objetivo desses dois primeiros artigos não foi alcançado em sua plenitude,
eis que seu autor admitiu que o spam somente pode se dar através da Internet ou
da "rede de computadores". Poderia ser mais técnico e se referir a
meios telemáticos (3).
Já que a aparente intenção do PL em discussão é a proteção contra
correspondências não solicitadas, ¿por que não ser mais amplo tratar do
problema do junk fax (ou fax não solicitado)?
Quanto a definição de spam (a mensagem eletrônica recebida sem consentimento
prévio do destinatário), concordamos.
artigo 3º - Toda mensagem eletrônica não solicitada deverá atender aos
seguintes princípios:
I - a mensagem poderá ser enviada uma única vez, vedada a repetição a qualquer
título sem o prévio consentimento do destinatário;
II - a mensagem deverá conter, no cabeçalho e no primeiro parágrafo, uma
identificação clara de que se trata de mensagem não solicitada;
III - o texto da mensagem conterá a identificação do remetente e um endereço eletrônico válido; e
IV - será oferecido um procedimento simples para que o destinatário opte pelo
não recebimento de outras mensagens do mesmo remetente.
§ único. É vedado o envio de mensagem eletrônica não solicitada a quem tiver se
manifestado ao remetente contra seu recebimento.
O inciso I foi inspirado na resolução de 21 de novembro de 2001 da Comunidade
Comum Européia, onde se instituiu o sistema de recebimento opt-out (ter que
manifestar o desejo de não receber o malfadado e-mail), o qual, por sua vez,
foi inspirado nos projetos de dos senadores Torricelli e Murkowsky, ambos da
América nortista.
Entretanto, esse dispositivo colide, frontalmente, com o Código de Defesa do
Consumidor, o qual, em seu artigo 43, § 2º, dispõe que "a abertura de
cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada
por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele". Caso não haja
solicitação do destinatário (eis que aí a mensagem passa a ser autorizada) seus
dados somente poderão estar em uma e-mailing list irregularmente. Essas
considerações se aplicam, igualmente,m ao § único do artigo 3º.
Os incisos II,
III e IV, do artigo 3º, foram moldados nos escritórios da TRUSTe, uma empresa
que, teoricamente, envolve-se em movimentes em prol das liberdades civis, na
Califórnia (EUAN). Essa empresa, com o objetivo de "moralizar" a
prática do spamming pretende emitir selos certificadores, nos moldes adotados
pelo PL em análise. Ali temos
que:
Every e-mail sent by a Trusted Sender-certified company will display a
unique seal in the top right corner of the e-mail message, by which consumers
can verify that the message is:
Legitimate: from a company that is verifiably compliant with program guidelines
based on fair information practice principles and e-mail best practices.
Genuine: the subject line of the e-mail accurately reflects the content of the
e-mail.
Accountable: consumers can bring privacy-related problems to TRUSTe's dispute
resolution program, a proven tool that has helped thousands of consumers
resolve their disputes.
Responsible: the e-mail provides information allowing the recipient to easily
request that they not receive future e-mail from the sender. (4)
Ponderemos, outrossim, se, por acaso, o spammer disfarçar seu caráter
comercial, infringirá o disposto pelo artigo 36 do Código de Defesa do
Consumidor, que determina que "a publicidade deve ser veiculada de tal
forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal". E
não nos olvidemos do bom e velho artigo 159 do Código Civil (5) que
também nos favorece.
artigo 4º - Todo usuário de rede de computadores que utilizar serviço de
correio eletrônico tem o direito de identificar, bloquear e optar por não
receber mensagens eletrônicas não solicitadas.
§ 1º O destinatário pode exigir do seu provedor de acesso ou de correio
eletrônico, ou do provedor do remetente, o bloqueio de mensagens não
solicitadas, desde que informado o endereço eletrônico do remetente.
§ 2º É obrigação do provedor atender às solicitações de que trata o parágrafo
anterior em prazo não superior a vinte e quatro horas, vedada a cobrança de
taxas de qualquer natureza.
§ 3º Não será responsabilizado pelo recebimento indevido de mensagem eletrônica
não solicitada o provedor de acesso ou de serviço de correio eletrônico que
tenha se utilizado, de boa fé, de todos os meios a seu alcance para bloquear a
transmissão ou recepção da mensagem.
O caput do artigo 4º nada esclarece além de consagrar o direito de usar filtros
antispam. Isso se nos soa o mesmo que consagrar o direito de se utilizar
alarmes antifurto em carros... Seus parágrafos. Igualmente tratam de obviedades
que já têm solução no mundo jurídico.
artigo 5º - As infrações aos preceitos desta lei sujeitarão o infrator à pena
de multa de até oitocentos reais por mensagem enviada, acrescida de um terço na
reincidência.
Esse artigo, por certo, buscou, inspiração na Lei Federal da América nortista
que regulamenta as transmissões de faxes comerciais não solicitados (junk
fax), vigente desde 24 de janeiro de 1994.
Todavia, mais uma vez mirando nossos olhos para o Código do Consumidor, vemos
que suas prerrogativas discutidas
O artigo 39, inciso iii, do Código de Defesa do Consumidor, diz que "é
vedado ao fornecedor de produtos ou serviços enviar ou entregar ao consumidor,
sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço".
Contudo...¿um e-mail pode ser considerado um produto? Entendemos que sim, haja
vista que tudo que não é fruto da Natureza, necessariamente é resultado de
processo de trabalho humano (físico ou intelectual). É conseqüência da ação
(por vezes inação), da elaboração, da organização ou da permissão de quem
coordena a produção, que pode ser o próprio agente ou um terceiro a quem ele se
subordina.
Por não ser fruto da Natureza, o e-mail deve ser considerado um produto, pois
que é resultado de um trabalho que tem custos e ônus avaliáveis (tanto para
quem o remete quanto para aqueles que o recebem - ou por desejo ou por
imposição).
Ademais, o § 1º do artigo 3º do CDC é taxativo quando determina que
"produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial". E
não poderia ser diferente.
Portanto, o spam por ser um produto (que pode se prestar para oferta de
mercadoria ou serviço) viola o disposto pelo artigo 39, inciso iii, do Código
de Defesa do Consumidor (6), haja vista que o spammer não pode enviá-lo
ao cidadão/consumidor sem sua prévia solicitação, ainda mais em se considerando
que quem arca com os seus custos não é quem o envia, mas quem o recebe.
Conclusão:
Em vez de punir os abusos dos spammers, a presente Lei mais se preocupa em
institucionalizá-lo, em nítido prejuízo à comunidade internáutica brasileira.
¡Saudações!
Notas de Rodapé:
1 - artigo 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou
favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior
hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
(Entrou em vigor aos 16 de maio de 2001.)
2 - a Lei nº 9.099/95 implementou as disposições da Constituição de 1988,
criando os Juizados Especiais, para o julgamento e a execução de causas cíveis
de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo.
3 - Telemática é a ciência que trata da manipulação e utilização da informação
através do uso combinado de computador e meios de telecomunicação.
4 - Cf. In http://www.truste.org/about/TrustedSenderReleaseFINAL.html
5 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,
violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A
verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo dosposto
neste Código, artigos 1.518 a 1.523 e 1.537 a 1.553.
6 - artigo 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços (III) enviar ou
entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer
qualquer serviço.
Retirado de:
www.conjur.com.br