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AS LEIS ANTI-SPAM
NOS EUA
Demócrito
Reinaldo Filho
Num
dos últimos artigos que escrevi para minha coluna no site Infojus, abordei os principais aspectos do
projeto de lei federal que atualmente tramita perante o Congresso
norte-americano, o “Can Spam Act”, que impõe uma série de exigências para o
envio de e-mail com propósitos comerciais e cria várias penalidades para o
descumprimento dessas exigências, que vão desde multa até mesmo pena prisional.
Esse projeto, apresentado em março deste ano, resultou da forte pressão
exercida nos últimos cinco anos sobre aquela casa legislativa por advogados e
representantes de organizações anti-spam
(como a “Junkbusters” e a “Coalition Against
Unsolicited Commercial Email - CAUCE), que inspiraram um movimento político
que hoje se espalhou por todo o mundo. Ao longo da última década, o spam deixou de ser apenas um
expediente aborrecido para se tornar assunto de política pública.
Para alguns leitores pareceu que os
Estados Unidos estão bem atrasados na regulamentação dessa importante questão,
talvez até perdendo para nós, que temos vários projetos junto ao Congresso
Nacional tratando sobre a questão do spam,
apresentados desde legislaturas passadas[1].
Na verdade, os esforços recentes da “Junkbusters” e da “CAUCE” têm sido no
sentido de alçar alguns princípios e práticas anti-spam ao nível da legislação federal, de forma a harmonizar
e uniformizar as exigências espalhadas pelas legislações dos diversos
Estados-membros da federação norte-americana. A quase totalidade dos Estados já
tem sua própria legislação. Desde 1998, vários Estados buscaram proteger seus
residentes de mensagens comerciais eletrônicas não solicitadas, editando leis
no vácuo de uma legislação federal sobre a matéria. Embora muitas tenham
adotado requisitos semelhantes, existem bastantes diferenças entre elas, o que
propicia muita confusão aos profissionais e agentes do meio publicitário e
retarda a utilização potencial do e-mail como legítima ferramenta de
marketing.
Atualmente[2],
19 Estados da federação norte-americana têm algum tipo de regulamentação do
e-mail comercial. O primeiro Estado a editar uma lei sobre esse assunto foi
Washington, no começo do ano de 1998. A partir daí, vários outros e influentes
Estados, como Califórnia e Virgínia, editaram suas próprias leis anti-spam.
Poucas dessas leis
proíbem completamente o spam,
ou seja, elas permitem que comerciantes e marketeiros on line enviem e-mails não solicitados. O que elas combatem
fundamentalmente é a mensagem eletrônica fraudulenta ou enganosa, pois aderem
ao princípio do “truth in labeling”, que poderíamos traduzir para alguma coisa
perto de “rotulagem honesta”. Em atenção a esse princípio, os remetentes de uma
mensagem não consentida devem indicar ou fornecer meios para que o destinatário
identifique facilmente o seu caráter comercial. A lei do Estado de Washington,
por exemplo, proíbe informações enganosas no cabeçalho da mensagem. Em face
dela, uma empresa não pode enviar um e-mail contendo o título do “subject”
(assunto) sem relação com o corpo da mensagem. A lei do Estado da Califórnia,
nesse ponto, é bem mais rigorosa, pois exige que o espaço do “assunto” – no
cabeçalho da mensagem - contenha necessariamente a sigla “ADV”, abreviatura da
palavra “advertisement”, que em inglês significa propaganda. Além de exigir
essa abreviatura para assinalar a natureza comercial da mensagem, outras leis
ainda exigem que seja seguida do complemento “ADLT”, para evidenciar também o
caráter adulto do seu conteúdo. Assim, o rótulo “ADV: ADLT” sempre deve
aparecer no campo do “assunto” na publicidade de produtos e serviços destinados
ao público adulto.
Além dos requisitos
referentes às informações do cabeçalho da mensagem, outros são exigidos nas
leis americanas sobre spam. A
maioria delas requer algum tipo de sistema “opt-out”, para permitir que o
destinatário evite o recebimento de futuras mensagens. Abaixo, apresentamos uma
lista dos principais requisitos impostos por essas leis para a regularização do
e-mail comercial:
Estado |
Exigências da lei
para o e-mail comercial |
California |
Rotulagem/ sistema opt-out |
Colorado |
Rotulagem/ sistema opt-out |
Connecticut |
Princípio geral da
informação honesta |
Delaware |
Princípio geral da
informação honesta |
Idaho |
Endereço de e-mail
correto/ sistema opt-out |
Illinois |
Princípio geral da
informação honesta |
Iowa |
Endereço de e-mail
correto / sistema opt-out |
Louisiana |
Endereço de e-mail
correto |
Missouri |
Sistema opt-out |
Nevada |
Rotulagem / sistema opt-out |
North
Carolina |
Endereço de e-mail
correto |
Oklahoma |
Endereço de e-mail
correto |
Pennsylvania |
Rotulagem (apenas
para conteúdo adulto) |
Rhode
Island |
Endereço de e-mail
correto |
Tennessee |
Rotulagem/ sistema
opt-out |
Virginia |
Endereço de e-mail
correto |
Washington |
Princípio geral da
informação honesta |
West Virginia |
Princípio geral da
informação honesta |
Wiscconsin |
Rotulagem (apenas
para conteúdo adulto) |
Nota: dados atualizados até 01 de Janeiro de 2002. |
Um dos pontos altos
dessas leis reside nos instrumentos que procuram dotá-las de eficácia. Quase
todas contêm a previsão de o destinatário prejudicado pela mensagem poder
acionar o spammer. Só que na
grande maioria delas os valores previstos para as indenizações são tarifados;
obedecem quase sempre a um limite máximo. Exceto em poucos Estados, esse limite
não ultrapassa dez dólares por mensagem enviada. Isso faz com que, na prática,
os destinatários se sintam desestimulados a acionar os spammers. Por isso, ao lado da previsão do direito de ação da
própria vítima do spam, as leis
conferem largos poderes a outros atores públicos e privados no combate a essa
prática. Muitas delas atribuem aos Procuradores Gerais dos Estados (state attorneys) o poder de multar os
infratores, aí sim em altos valores. Além disso, praticamente todas elas
permitem que os provedores de acesso à Internet acionem os usuários de seus
sistemas, quando estes enviam mensagens violando as condições contratuais,
praticamente conferindo força de lei às suas políticas de uso anti-spam. A maioria das leis
estabelece um valor de dez dólares por cada mensagem enviada, a título de
indenização ao provedor. Outras, no entanto, permitem que sejam indenizados em
até mil dólares por mensagem. Outras, ainda, chegam até vinte e cinco mil
dólares como limite do valor indenizatório e umas poucas nem sequer estabelecem
qualquer tipo de tarifação para a reparação dos danos. Isso, na prática,
funciona estimulando os provedores a policiarem as práticas de seus usuários,
atuando nos casos de reclamações de vítimas de spam. Desse modo, se o sistema legal não incentiva as ações
judiciais individualmente pelas vítimas dos spammers, estes quase nunca escapam a algum tipo de punição.
Quando uma empresa comete uma violação legal, pode defrontar-se com um
procurador geral, enfrentar uma ação coletiva ou uma demanda movida pelo
provedor de acesso, e ser obrigada a pagar milhares de dólares (ou até milhões,
nos Estados em que as indenizações não são limitadas).
A constitucionalidade
dessas leis tem sido questionada nas cortes americanas, sob a alegação de que
constituem um empecilho ao comércio interestadual e atentam contra a liberdade
de expressão (“free speech”), sem sucesso. Em 1998, o Estado de Washington
acionou um spammer pela remessa
de e-mails com a linha do “assunto” contendo título enganoso, que não
correspondia ao real caráter comercial da mensagem. Depois de ser derrotado na
primeira instância, o infrator apelou para a Corte de apelações, sendo vencido
novamente, indo até a Suprema Corte dos EUA, que, no entanto, recusou-se a
apreciar a causa, deixando intacta a lei estadual. Em junho de 2000, o Estado
da Califórnia foi vencido num julgamento de primeira instância, que considerou
que sua lei anti-spam violava
disposição do código comercial. A Corte de Apelação, no entanto, reverteu esse
julgamento, validando a regulamentação do spam na Califórnia.
Em razão do
reconhecimento (ainda que temporário) da constitucionalidade das leis
estaduais, o advogado Douglas J. Wood aconselha que as empresas americanas, na
remessa de e-mails comerciais, devem observar os seguintes cuidados[3]:
a)
rotular o e-mail
como publicidade comercial;
b)
certificar-se de
que a linha do “assunto”, no cabeçalho, reflete o conteúdo da mensagem;
c)
usar um endereço
de e-mail válido para o envio das mensagens;
d)
fornecer aos
destinatários um sistema “opt-out” para evitar o recebimento de futuras
mensagens, quer por simples meios on-line
ou através de um número telefônico toll-free.
Essas recomendações deveriam ser observadas, também, pelas nossas empresas que exploram o e-mail como ferramenta publicitária. Ainda que não tenhamos (por enquanto) uma lei brasileira sobre spam, elas estão assumindo uma feição de princípios universais. Estão sendo acolhidas paulatinamente em leis de diversos países e instrumentos normativos auto-regulatórios de associações empresariais, não tardando a sua inclusão em convenções e tratados internacionais. Além disso, o spam tem sido combatido com base na legislação tradicional vigente, notadamente o Código de Defesa do Consumidor, que acolhe princípios contra a publicidade enganosa. Vários casos já foram relatados de advogados que estão processando, aqui no Brasil, empresas que abusaram da prática do spam. Para aqueles que não querem pagar futuras indenizações, um conselho: é bom se prevenir.
Recife,
16.08.02
[1] O mais famoso deles é o projeto do Dep. Ivan Paixão (PPS/SE), que foi o primeiro projeto de lei brasileiro com o objetivo de limitar o envio de mensagens eletrônicas não solicitadas. No último dia 06.08, inclusive, o deputado apresentou um projeto renovado, o PL n. 7.093/2002.
[2] Até janeiro deste ano.
[3] Em artigo publicado no site GigaLaw.com, em março de 2002.