O ADULTÉRIO VIRTUAL E SUA CONOTAÇÃO JURÍDICA
Art. 240. Cometer adultério:
Pena – detenção, de quinze dias a seis meses.
§ 1º Incorre na mesma pena o co-réu.
...
Os fundamentos do
sistema jurídico brasileiro são emanados da sociedade que estabelece a
monogamia como forma de convivência, fulcrada na proteção da célula familiar.
O grande número de usuários da internet que visitam e participam, especialmente de chats e salas de bate-papo destinadas a
envolvimentos amorosos e estabelecedores de laços afetivos-eróticos virtuais,
têm gerado relevante discussão envolvendo o ‘clickar do mouse’ e suas
implicações jurídicas.
A Igreja Católica, por sua vez, recentemente se posicionou
acerca da matéria: “A traição por e-mail
e contatos sexuais imaginários são tão condenáveis quanto aos condenáveis
encontros físicos.”[1]
Em que pese o crime de adultério previsto no artigo 240
do Código Penal Brasileiro estar entre os chamados ‘crimes fora de moda’, ou
seja, figura entre os que devem ‘cair’ na esperada reforma do referido diploma
legal, tal dispositivo ainda faz parte do Codex repressivo vigente.
Relevantes considerações devem ser feitas acerca deste
palpitante tema.
O Código Penal Brasileiro não descreve qual a conduta
desempenhada pelo agente que caracteriza adultério, simplesmente denomina-lhe e
comina pena. Assim, recorremos a doutrina penal clássica para a dissecação da
conduta.
De um lado, temos o claro entendimento que, para
caracterização do adultério é indispensável a ocorrência da conjunção carnal de
uma pessoa casada com outra que não o seu cônjuge. Dessa forma, “Só o
caracteriza o coito vagínico”.[2]
De outra parte, ainda que tomemos por base moldes mais
amplos de conduta, destacamos que “a ação física delituosa não reside apenas na
conjunção carnal, ou seja, na união dos sexos, mas também em equivalentes
fisiológicos e sucedâneos”.[3]
Se adotarmos taxativamente a tese inicialmente suscitada,
com certeza concluímos pela atipicidade na conduta de uma mulher casada que se
envolva com outra pessoa que não seu marido na internet, ou vice-versa por meio de um programa de computador como
o ICQ, ou coisa que o valha.
Entretanto, tal atipicidade fica certa e restrita quanto
a esfera penal, visto que, o disposto no artigo 5º da Lei 6.515/77, cuida da
possibilidade de dissolução da sociedade conjugal quando um dos cônjuges
imputar ao outro o cometimento de conduta desonrosa ou grave em face das
obrigações do matrimônio. Tais constatações devem ser inseridas, discutidas e
comprovadas no campo do Direito de Família, afastando-se da matéria penal
objetiva.
Voltando à análise das relações virtuais como suposta
caracterização de adultério e, tomando como base a segunda corrente
doutrinária, que dispensa a conjunção carnal como único elemento de
caracterização do delito e inclui como causador de forma mais ampla outros atos
que levam aos prazeres sexuais, à vista dos mais rígidos, não seria errado
atribuir tipicidade a infidelidade virtual.
Todavia, a tese supra é sucumbida diante da percepção de
que para a caracterização do tipo penal devemos ter presente, além da violação
da fé conjugal, outro elemento essencial: o concurso necessário, ou seja, a
presença do amante do outro que, indubitavelmente, deva estar cometendo o
crime.
Portanto, a conclusão é simples: ninguém comete adultério
isoladamente, é o que chamamos no Direito Penal de crime bilateral. O parágrafo
único, do Código Penal Brasileiro já dispõe sobre a existência necessária do
co-réu. Caso contrário, trata-se de crime impossível e portanto sem condições
de ser atribuído a alguém.
Assim, a
complexidade do tema se concentra quanto a identificação deste co-autor, figura
necessária para a configuração do crime em questão.
Como tipo objetivo temos o adultério como “delito de
concurso necessário, porquanto só pode ser cometido por duas pessoas...”[4].
Em recente decisão da 12ª Vara de Família do Rio de
Janeiro, a Juíza Mônica Feldman de Mattos, ponderou: “como o contato físico dos
envolvidos não acontece, o adultério não existe do ponto de vista jurídico”.
Por fim, as considerações supra narradas, faz concluir
que a infidelidade virtual é sem sombra de dúvidas, uma nova forma de
relacionamento, todavia, pertinente muito mais a sublime aplicação do Direito
de Família, do que especificamente ao Direito Penal.
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ALEXANDRE JEAN DAOUN, advogado em São Paulo; Pós Graduado em
Direito Processual Penal; Examinador da Comissão de Estágio e Exame de Ordem;
Professor de Pós Graduação em Crimes de Informática; Sócio-fundador do
Instituto Brasileiro de Direito e Política de Informática (IBDI); Coordenador
do site: www.advogadocriminalista.com.br;
e.mail: daoun@sti.com.br
Retirado de:
http://www.internetlegal.com.br/artigos/