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Virtualidades do direito?
Patrícia Valinho
(Trabalho realizado para a cadeira de Direito e Deontologia da Comunicação Social, no 1º semestre do ano lectivo de 97/98, cujo docente é o Prof. Dr. Hermenegildo Borges)



Nota Introdutória

O tema deste trabalho não podia, na minha opinião, ser outro. Nos dias que decorrem, a emergência de novos meios de comunicação e de novos paradigmas, como é o caso da Internet, não pode deixar de ser ignorada e deve ser cautelosamente estudada.

A este novo panorama comunicacional são apontadas qualidades e defeitos e até já houve quem lhe cavasse uma sepultura!

Com este trabalho pretendo levantar um pouco a cortina que cobre o novo mundo, o novo conceito de Aldeia Global (termos de Nicholas Negroponte), questionar qual a pertinência da regulação e quais as suas hipóteses de execução.
 
 

Um novo paradigma comunicacional: a Internet

Vivemos hoje uma revolução tecnológica, social e, consequentemente, comunicacional.

A sociedade mudou e com ela, todos os comportamentos societais. O Homem tornou-se mais solitário e, ao mesmo tempo, mais social, o mundo tornou-se mais pequeno e, ao mesmo tempo maior.

A culpa é toda dela: da Internet. E que é isso de Internet? A Internet é um espaço virtual onde milhares e milhares de informações giram a uma velocidade incrível, onde as pessoas podem aprender, conversar com pessoas de nacionalidades diferentes, é a maior biblioteca do mundo e o maior dos espaços públicos!

A Internet, enquanto rede internacional de informação, sem fronteiras, desintegra a noção de um possível poder estatal: é de todos porque todos a utilizam e não é de ninguém porque ninguém a governa…Existe apenas uma associação, a Internet Society, que coordena todas as suas actividades, cujos membros são literados nas áreas da telemática.

Os seus serviços, como por exemplo, a World Wide Web, a Usenet, os File Transfer Mode (FTP) e o correio electrónico estão em todo o mundo. Qualquer um que possua Internet pode receber ou transmitir informação, tornando-se, alternadamente, quer em publicador de informação quer em leitor dela!

Esta rede de informação rapidamente modificou o modo de vida da sociedade, pouco a pouco o «mundo das letras» e dos verdadeiros jornais (de papel e tinta), tornando-os coisa do passado.

Á noite, quando saímos para tomar café, já não vamos ao café do Sr. João para conversar com os nossos amigos, mas a um Cibercafé para conversar com alguém que não conhecemos, de preferência do outro lado do mundo, a quem não podemos ver a cor dos olhos ou do sorriso; quando queremos ler um livro ou ver um filme e não temos tempo para o fazer, já não há problema: na Internet está disponível (certamente) o resumo; queremos ler o jornal mas não temos tempo para o ir comprar, ou sequer sítio para o guardar: vamos lê-lo à Internet - para além de podermos seleccionar apenas o que nos interessa, ainda podemos guardar (em bits) o que queremos…

A Internet não é só uma infraestrutura: é um medium sui generis. Para além do conjunto emaranhado de informações e de links (hyperlink = ligação dinâmica) que é, provocou um conjunto emaranhado de opiniões, de sentenças, de ódios, paixões. Todos falam dela: uns idolatram-na como exponente máximo da liberdade de expressão, outros condenam-na por isso mesmo, por permitir que circulem textos que devassem a vida privada, que incitem à violência, ao racismo, à pedofilia…

Com este novo conceito de comunicação, fomos obrigados a olhar de outra forma a liberdade de expressão, a esfera pública e a sociedade democrática.
 
 

Questões e estórias…

Com que Direito?

A nova paisagem comunicacional decorre das auto-estradas da informação. Estas levam a uma necessidade de controlo sobre si mesmas. O direito não acompanhou o ritmo das inovações tecnológicas e, então, surgiram novas situações não previstas no direito. O direito tenta regular a sociedade através de normas, cujo processo é moroso, então, o direito nunca pode andar à frente da própria realidade, pois é uma representação do próprio real.

As auto-estradas da informação criam problemas novos, como é o caso do desconhecimento das fontes de informação e da incapacidade de provar a autoria e culpa das pessoas que violam a informação.

A Internet tem reflexos jurídicos dos quais normalmente não nos apercebemos, até porque os chamados cibernautas negligenciam a omnipresença do Direito.

Uma das funções do Direito é determinar as regras da convivênvia humana. Sendo a Internet um novo meio de comunicação, é natural que com o crescimento em massa dos utilizadores, surjam prblemas que reclamam uma definição de soluções jurídicas a aplicar.

No entanto, as respostas a estes problemas nem sempre são simples, uma vez que implicam uma alteração em certas coordenadas tradicionais do Direito, implicando também uma evolução de alguns conceitos jurídicos, exigindo aos juristas uma actualização constante tanto na sua área como na área do multimedia.

A aplicação do direito tradicional, em relação à Internet, esbarra contra duas condicionantes: o espaço e o tempo. A questão do espaço torna-se um problema no que diz respeito à aplicação do direito, uma vez que esta se encontra limitada pelo conceito de soberania dos Estados. A lei portuguesa destina-se a portugueses que estejam em território nacional. Se a Internet desintegra a noção de território (enquanto estado virtual) e a noção de nacionalidade (para além de chegar a vários países, é também constituída por informações oriundas de todo o mundo), como aplicar a lei? Na Aldeia Global, da qual todos somos cidadãos, não há fronteiras e as possibilidades de um Estado aplicar uma lei, seja ela qual for, praticamente não existem.

A questão do tempo é também um problema, uma vez que a Internet trata tudo em termos de tempo real. Um crime informático (por exemplo uma fraude informática de desvio de fundos é activada numa fracção de segundos e o seu autor, quando o seu acto ilícito é tornado público, pode já estar - e costuma estar - a salvo noutra parte do mundo) é instantâneo, perdendo limitações temporais.

Esta questão da Internet e do Direito é extremamente delicada e muito complexa, tendendo a ferir susceptibilidades quando é proposta a sua discussão.

No entanto, esta deve ser estudada; caso contrário, para além de susceptibilidades, continuar-se-ão a ferir máximas como a liberdade de expressão, o direito à privacidade, entre muitas outras.

Na verdade, os crimes proliferam a olho nu na Internet… só não vê quem não quer! Até que ponto se devem manter impunes pessoas que atentam contra os direitos humanos, contra o direito à igualdade, contra os princípios do Homem, apenas em prole da liberdade de expressão? Desde quando começámos a colocar os valores humanos numa balança, pesando-os num espaço (meramente virtual) onde nem a balança da justiça tem lugar?

Todavia, com que Direito vamos regrar a Internet? Com que leis?

A globalização das relações económicas, provocou a desintegração do Estado-Nação, sustentado no pressuposto da unidade territorial, política, social e económica. As fronteiras diluem-se, o estado deixa de se constituir como um espaço fechado e daí que a sua capacidade reguladora deixe de ter a eficácia pretendida e esperada.

No entanto, vários países tentaram já estabelecer algumas medidas. Por exemplo:

- A Alemanha obrigou a CompuServe (empresa concessora de acessos à Internet) a fechar duzentas páginas de Internet, uma vez que tratavam de sexo explícito e, como tal, violavam as leis alemãs.

- No Canadá, um membro liberal do parlamento levou a ausência de regras na Internet ao parlamento com o intuito de resolvê-la, tentando impedir a propaganda do ódio, da violência e, ao mesmo tempo, tentando salvaguardar o uso legítimo da liberdade de expressão.

- Em lugares como os EUA, onde várias leis acerca deste assunto já foram votadas, existe ainda quem levante a voz contra elas, alegando que violam a liberdade de expressão e que não passam de uma forma de censura.

Apesar destas medidas terem sido tomadas, continuam a ser infrutíferas uma vez que, caso regulamentem algo, não será, certamente a Internet, a Aldeia Global!
 
 

Crimes?

Na Internet, vários problemas e desafios se começam já a desenhar. Uns concordam, outros discordam e há quem não tenha opinião formada. O que é certo é que, cada vez mais assistimos a conflitos (mesmo que virtuais) que vão, a pouco e pouco, separando as opiniões, nomeadamente:

- Alguns conteúdos ilegais e perigosos obrigam à dicotomia censura vs liberdade de expressão;

- A propriedade dos direitos de autor obriga à dicotomia liberdade de acesso à informação vs propriedade dos direitos de autor;

- A privacidade, a segurança e a confidencialidade implicam uma outra dicotomia: criptografia vs perseguição;

- Verifica-se ainda uma outra dicotomia: comércio electrónico vs acesso livre a uma vasta biblioteca de conhecimentos.

A crise de valores que se vive hoje na sociedade é, de certa forma, provocada pelos conflitos acima referidos. São estes os temas de discussão, sendo para uns verdadeiros crimes e, para outros, uma coisa natural, necessária e compreensível.

Tendo em conta que «Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão» (Declaração Universal dos Direitos do Homem, Artº 19º, Liberdade de Expressão e Informação), como podemos argumentar que são cometidos crimes na Internet?

Até que ponto textos que incitem o racismo, a pornografia, a pedofilia e a difamação devem continuar on-line, percorrendo todos os lares, todos os países, todo o mundo? Até que ponto a luta pela liberdade de expressão é superior a estes crimes?

Há que convir que, na Internet, a privacidade e a liberdade de expressão entraram em rota de colisão com as noções de obscenidade e segurança nacional… são inúmeros os crimes identificados e apontados na Internet, aqui fica uma pequena listagem de alguns:

- Difamação - é crime porque se atinge a honra e a dignidade de alguém que não está presente. Este tipo de crime é assim intitulado porque o autor ou locutor do mesmo não sabe da inveracidade do facto relatado. É frequentemente executado na Internet, nomeadamente contra figuras públicas, alvo de mexericos e boatos sobre a sua vida privada, boatos esses que, mesmo infundados,são publicados pois os seus autores não vão tentar procurar uma confirmação, se são ou não verdadeiros. De acordo com as leis portuguesas, este crime está previsto no Artº 180º do Código Penal.
Qualquer informação na Internet que seja difamatória, pode ter como consequência uma acção contra o seu autor. No entanto, na Internet, é um pouco difícil, por vezes, identificá-lo. Este tipo de crime levanta ainda uma outra questão: até que ponto se pode confiar num servidor que permite a publicação de uma informação difamatória? Não deveria também ser tomada em conta uma possível responsabilidade do servidor?
- Calúnia - Este crime ocorre nas mesmas circunstâncias que o acima mencionado, diferindo apenas numa coisa: o seu autor tem pleno conhecimento de que o facto relatado não é verdadeiro. Este crime está contemplado no Artº 183º do Código Penal português.

- Violação da reserva da vida privada - ocorre quando todos os nossos dados pessoais percorrem toda a rede: não há confidencialidade, as empresas prestadoras de serviços necessitam dos nossos dados (por exemplo para efectuarmos uma compra) e estes estão à disposição de cada um. Parece que cada letra que escrevemos acerca da nossa vida está a ser espiada por alguém. É, na minha opinião, repugnante que pormenores tão valiosos para nós possam estar acessíveis a qualquer um, via Internet. No entanto, uma coisa é certa: se não queremos ver os nossos dados pessoais como livro de cabeceira de alguma mente mais depravada, podemos sempre não os fornecer! Este crime é tutelado pelos artigos 2º e 26º da Constituição Portuguesa e regulamentado pelos artigos do Código Penal Português 190º e seguintes.

- Apologia à prática de um crime - Existem, por exemplo, páginas na Internet que nos ensinam a construir uma bomba, a concretizar um crime perfeito, incitando-nos à prática de um determinado crime. Este crime está tutelado no Artº 298º do Código Penal Português .

- Apologia à violação de direitos e liberdades (garantias fundamentais do Homem) - Infelizmente, muitos são os textos na Internet que possuem palavras de ordem a favor do racismo, do desprezo de direitos fundamentais do Homem.

- Impedimento do acesso à informação - Por incrível que possa parecer, já há quem se queixe de uma certa impossibilidade de aceder a determinadas informações devido ao uso da criptografia (sistema utilizado para codificar a informação de modo a que algumas pessoas não possam compreendê-la).

- Proliferação de imagens falsas - Muitas são as fotografias, mais uma vez de figuras públicas, espalhadas pelo mundo e que ou retratam um «caso» amoroso ou uma altura em que a estrela em questão resolveu mostrar como veio ao mundo. Pois bem : essas fotografias são quase sempre falsas - nalguns casos meras montagens de amadores, noutros montagens profissionais… Que se pode fazer contra isto? Como lutar contra imagens que, para além de contribuírem para o fim de lares, também o fazem para o fim de carreiras…

Todos estes crimes se tornam virtuais uma vez que é quase sempre impossível identificar o autor. Como se pode aplicar uma pena sem a existência de um executor, de um autor?
 
 

Jornalismo On-line

A mudança sofrida pela sociedade foi, consequentemente, sofrida por inúmeras profissões como é o caso do jornalismo. No entanto, esta mudança, cujas consequências ainda estão por determinar, provocou uma crise de valores no jornalismo, provocando a crise do jornalismo tradicional.

Se, por um lado, com as novas tecnologias, a actividade do jornalista foi facilitada - maior acesso à informação e ampliação do raio de acção do poder do jornalismo à escala mundial - também foi dificultada, pois a realidade da Internet é o agora; logo após a publicação de uma notícia on-line, milhares de pessoas a lêem no mundo inteiro: não há tempo para errar! Além disso, como a publicação de textos na Internet não tem qualquer tipo de barreira, qualquer um, mesmo que iletrado se pode tornar num jornalista, nem que seja para relatar uma situação meramente esporádica!

A informação é o negócio do momento, como consequência da era da informação, que criou novas formas de poder. A informação vale ouro: qualquer um que consiga negar o acesso de uns ao conhecimento de outros (a nível da Internet isso acontece sempre que se verifica uma codificação) e consiga controlar os canais pelos quais circula a informação, detém um poder incalculável.

A informação, enquanto poder, é muito flexível, uma vez que muda constantemente de mãos. Com o desenvolvimento das novas tecnologias, com a rapidez das comunicações, do empacotamento e digitalização da informação, é cada vez mais fácil vender e distribuir informação.

Não basta forrar os media tradicionais com um embrulho de modelo interactivo on-line. Por exemplo, é certo que uma publicação deve abranger todos os temas de interesse geral; no entanto, isto só é possível quando se conhece a comunidade para quem se trabalha, estabelecendo um sistema de produção, mantendo-o e não caindo nunca na tentação de estar sempre a fazer experiências técnicas, de design e de conteúdo. Para fidelizar o público é importante mantê-lo informado das novidades e o recurso ao e-mail é a melhor forma para manter esse contacto e receber uma resposta ao trabalho que está a ser desempenhado.

O conteúdo que tem hipóteses de ganhar leitores não é aquele dirigido às massas, no caso das informações disponíveis on-line, mas aquele que não tem conteúdos de fácil pericidade - há que procurar uma informação especializada e dotá-la de atributos apenas aplicáveis on-line.

Muitos jornais, na febre da Internet, ignoraram estas questões, despejando os seus conteúdos on-line, sem qualquer restruturação ou novidade editorial. Mas outros houve que procuraram ir mais longe, oferecerendo forums de debate e a possibilidade de correspondência via e-mail pelos jornalistas.

O diálogo constante entre leitores e jornalistas, como no caso da revista TIME, afecta profundamente o trabalho destes mesmos. É certo que sempre houve a possibilidade de reacção às reportagens editadas, por parte das audiências, dos leitores. No entanto, nunca como agora, essa possibilidade teve efeitos tão concretos, possibilitando mesmo aos jornalistas um diálogo com os seus leitores, de forma a dotar de uma maior veracidade e coerência muitos dos seus escritos.

O e-mail é, portanto, uma poderosa ferramenta para falar com as fontes e entrar em contacto com outros jornalistas. No livro de Fred Moody "I sing the body electronic", o e-mail é descrito como "both distance and intimacy, since the parties to an e-mail exchange may be thousands of miles way, yet, still share their most personal thoughts in an instant". O facto de ser electrónico e, ao mesmo tempo, escrito, faz com que as pessoas tomem determinadas decisões que normalmente não teriam coragem para tomar; por exemplo, no caso da relação jornalistas/fontes, fica tudo muito mais simplificado pois a fonte não tem medo de dizer toda a verdade, uma vez que não pode ser identificada para possíveis represálias. Na conversação por telefone ou pessoal, as pessoas acabam por denunciar a sua nacionalidade, idade, aparência... No e-mail, os participantes têm controlo sobre a forma como são apresentados e vistos.

No entanto, apesar das facilidades que o e-mail oferece, o computador deve ser usado apenas como assistente de uma reportagem e não como única fonte da mesma.

O computador é uma ferramenta, tal como o telefone, sendo muitos os perigos que o jornalista corre por nele confiar piamente, como única fonte de informação.

Não se pode negar que no início houve uma certa tecnofobia entre a classe dos jornalistas. Hoje em dia o panorama já é um pouco diferente: editores e jornalistas assimilaram já ferramentas como o e-mail, introduzindo a Internet na sua rotina. Como resultado, não só mudaram radicalmente a forma como comunicam uns com os outros e com as suas fontes, mas também aumentaram a quantidade e qualidade das suas investigações, permitindo assim alargar o horizonte do seu trabalho, a sua amplitude, pois é distribuido para todo o mundo.

O ciberespaço é ainda no entanto um espaço perigoso, com muitas armadilhas. Qualquer um pode proclamar ser um jornalista, ou pelo menos editor e ter a sua própria publicação.

É dito que os leitores começam a perder a confiança nos media tradicionais. Cabe aos jornalistas lutar pela credibilidade perdida; têm, para isso, ao seu dispôr, a maior biblioteca do mundo, apetrechada de ferramentas e recursos com que os jornalistas sempre sonharam. As novas tecnologias, apesar das fobias que criaram inicialmente aos jornalistas, são um bom presságio de liberdade e democracia pois permitem uma liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, facilitam a procura da verdade - «… a busca da verdade é uma aitude inequívoca, transparente e palpável. Ela é a marca do jornalismo superior, o jornalismo humanista», palavras de Alberto Dines, em «O rigor da notícia e a ética jornalística/O relacionamento com as fontes», in O Rigor da Notícia, Colóquio, Maio de 1996, AACS.

O facto da Internet facilitar tanto o trabalho dos jornalistas pode também fazer com que estes percam a motivação para ir para as ruas e falar cara-a-cara com as pessoas. O trabalho do jornalista é lidar tanto com pessoas como com facto e informação e é preciso que isso não se perca.

Há quem diga que o espírito da Internet encoraja qualquer um a ser um editor de um jornal mas a verdade é que o próprio espírito de anarquia que se vive na Internet, leva os utilizadores a terem apenas confiança na informação que vêem associada a um jornal que conhecem. É difícil para uma publicação on-line encontrar um nicho de mercado que as distinga do mercado tradicional dos media. Os jornais tradicionais já criaram um nome, uma marca, e os leitores dirigem-se a eles; não à novas publicações.

As publicações on-line, apesar do número de utlizadores aumentar de dia para dia, vivem perante difíceis dilemas e confrontos: os editores querem bons jornalistas, os patrões querem publicidade.

Apesar dos medos e dos receios que a Internet colocou inicialmente nos jornalistas, hoje em dia, esta é um importante instrumento jornalístico, permitindo uma melhor execução das suas investigações, tornando o trabalho jornalístico mais coerente e verídico, com menos probabilidades de conter informações erradas.

Há, no entanto, que procurar bem as informações pois tudo o que a Internet tem de bom também tem de mau. Á parte do e-mail, os instrumentos de pesquisa da Internet ainda não são, infelizmente, inteligentes e não podem só procurar informação fidedigna e verdadeira, contribuindo, por vezes, para que o trabalho jornalístico seja ainda mais erróneo e dúbio.

O jornalismo on-line será, certamente, num futuro próximo, tema de debates e conferências. O jornalismo sofreu alterações com este meio de informação: surgem novas maneiras de ver as coisas e, como tal, de as fazer.

Provavelmente, se fossem os jornalistas, profissionais que, por direito, devem exercer a actividade de jornalista na Internet, questões como as que têm sido apontadas em todo este trabalho não se colocariam, uma vez que existe todo um código de conduta, todo um código deontológico que só um jornalista pode cumprir e que passa, necessariamente, pelo rigor. O rigor é uma categoria técnica, é uma categoria ética que pode ter relevância jurídica, instrumental embora, não como uma verdade oficial mas na medida em que pode influenciar as soluções jurídicas que sejam necessárias para resolver os conflitos que existam na vida social perante direitos individuais e perante valores comunitários, palavras de Vieira de Andrade, em «Mecanismos de regulação», in O Rigor da Notícia, Colóquio, Maio de 1996, AACS.
 
 

Auto ou hetero-regulação?

Estamos certos de que a Internet necessita de algumas regras, de alguma organização. Sabemos que essa tarefa deverá ser entregue a uma organização internacional, composta por cada país.

Qual o carácter destas regras, destas restricções?

Na minha opinião, esta regulação deve ser uma auto-regulação, devendo derivar de um organismo que represente a Net, deve ser exercida pelos próprios utilizadores, por todos aqueles que lhe conferem o seu carácter internacional e não pelos outros, pelos que governam, pelos que pretendem dominar, os hetero.

Será difícil, se não impossível, desenvolver regras comuns para regular conteúdos variadíssimos que vão desde a aprendizagem de um cozinhado até à pedofilia e ao crime organizado. Por exemplo, as leis europeias que contemplam discursos que incitem o ódio, são incompatíveis com as dos EUA, acerca da liberdade de expressão.

Há quem diga que «não devemos censurar a Internet pois não é nem sensato nem possível». Outros são os que defendem, não uma regulação da Internet, mas dos servidores que dela se utilizam, no que diz respeito à informação.

Várias são as críticas apontadas à Internet e, no entanto, poucas as soluções apresentadas…

Toda a regulação de que a Internet possa vir a ser alvo deverá, necessariamente, passar por todo um conjunto de critérios consensulamente aceites pela comunidade internacional.

Governar a Internet e re-regular este sector através de políticas nacionais de comunicação, poderá ser alvo de três estratégias: uma é a de seguir a estrada das tradicionais regras hierárquicas; outra é a que defende que os organismos da Internet deveriam ser auto-reguláveis, fazendo com que a intervenção do Estado fosse uma espécie de mão invisível; e, a outra, seria o que se pode chamar de política industrial: a regulação é baixa mas há um investimento nas infraestruturas e na criação de programas que regulem o comércio electrónico.

Por enquanto, a questão da regulação na Internet continua na «Idade dos ses…»: "e se…?"; "e se…?".
 
 

Conclusões

A actual revolução na comunicação e na informação representa um desafio para a sociedade de hoje - muitas coisas devem ser repensadas e revistas: novos modelos implicam sempre novas estratégias, novas regras, novas mentalidades.

A Internet é um meio privilegiado de transmissão de conhecimentos, de informações, de noticias, a sua crescente possibilidade de tornar presente o imediato, evidencia as incapacidades, as inadequações do modelo de Estado a que estamos ligados, provocando-lhe uma pressão constante e inquestionável, exigindo-lhe respostas em tempo a que não consegue responder.

Nos dias de hoje, o poder está íntimamente ligado ao binómio tecnologia/conhecimento, resultado directo do crescimento das tecnologias da informação.

A noção de conhecimento foi alterada com a chegada das novas tecnologias, uma vez que este está agora mais disponível a qualquer um. No entanto, a Internet, como maior biblioteca do mundo que é, possui informações boas e más. Cabe a cada um de nós saber escolher que tipo informação queremos, que tipo de formação pretendemos conquistar - por exemplo, numa livraria, existe uma gama enorme de livros e de autores a escolher (uns são best-seller, outros verdadeiros fracassos…) cabe a quem compra os livros decidir quais quer, tendo em conta as suas preferência; o mesmo se passa com a Internet. Surge também uma outra questão que é a da quantidade de informação. Se tentarmos ler vários livros ao mesmo tempo, o mais provável é não percebermos uma única história - pois acaba por se gerar um contexto de confusão que pode levar a uma maior ignorância e destruição de conhecimento, do que a já existente.

Daí que afirme que seja, na minha opinião, necessário possuir uma espécie de filtro, um mecanismo estruturado que separe a informação relevante da irrelevante. Esse mecanismo deverá, única e exclusivamente depender dos ideais, valores e consciências de cada um, sendo por isso, algo intrínseco ao utilizador.
 
 

Bibliografia Consultada

Publicações Periódicas:

Lima, Francisco reis, Força de Lei, a Internet e o Direito, in Cybernet, nº 16, Outubro de 1996, p. 36;

Patient, Steve, Vidas Privadas, Cybernet, nº 11, Maio de 1996, pp. 15 a 17;
 
 

Livros:

Andrade, Vieira de, em «Mecanismos de regulação», in O Rigor da Notícia, Colóquio, Maio de 1996, AACS.

Correia, Carlos, Multimedia de A a Z, Editorial Notícias, pp. 5 a 9 e 64 a 66;

Dines, Alberto, O rigor da notícia e a ética jornalística/O relacionamento com as fontes, in O Rigor da Notícia, Colóquio, Maio de 1996, AACS.

TOFFLER, Alvin, Os Novos Poderes, Ed. Livros do Brasil, pp 436-437;
 
 

Material On-line:

HARPER, Christopher, New Media, New Pratices, New Journalism, CMC Magazine, Julho 1997, in http://www.december.com/cmc/mag/1997/jul/ed.html>;

People Press, Event-Driven News Audiences - INTERNET NEWS TAKES OFF, 1998 http://www.people-press.org/;

Revista Fortune on-line, 22 Junho 1998, in http://www.pathfinder.com/fortune/digitalwatch/0622tec.html;
 
 

Outras Consultas:

Aulas da cadeira de Direito e Deontologia da Comunicação Social, tendo como docente o Prof. Dr. Hermenegildo Borges;

Aulas da cadeira de Media Interactivos, tendo como docente o Prof. Dr. Carlos Correia;

Aulas da cadeira de Tecnologia dos Media, tendo como docente o Prof. Dr. Carlos Correia.


Extraido do site: http://www.citi.pt/patriciavalinho/direito.html - jul/99