Responsabilidade na Internet
Quem responde por crimes cometidos
na Rede
Gustavo Testa Corrêa*
O Ministério Público do Estado da
Bahia, embasado no Estatuto da Criança e do Adolescente, ofereceu
denúncia contra determinado provedor de Internet que estava sendo
utilizado para a disseminação de pornografia infantil por
um de seus usuários.
Oferecida e acatada a denúncia pelo juiz,
foi expedido mandado para apreensão do computador usado para distribuição
de material pedófilo, e também determinada a apreensão
de todos os demais computadores do provedor.
O que poderíamos fazer, como advogados,
para proteger os interesses do provedor objeto do problema?
Até que ponto o provedor de serviço
é responsável pelo ato de seu cliente?
Quais seriam os fundamentos?
Analisemos, inicialmente, o que vem acontecendo
dentro de casos parecidos no âmbito internacional.
O presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton,
assinou em 1996, uma lei relacionada às comunicações,
de autoria do Senador James Exon do Estado de Nebraska, que tinha como
objetivo controlar o aumento da pornografia e as informações
terroristas dentro da Internet, como em um fórum de discussões,
..., etc.
A sociedade civil passou a dar mais atenção
a esse assunto, logo após do atentado a bomba ao prédio público
em Oklahoma, pois a mídia impressa e televisionada se "interessou"
mais sobre o grande volume de informações, dentro da Internet,
que ensinavam como fazer bombas caseiras, como conduzir campanhas terroristas,
além da pornografia.
Devido à pressão pública,
foi introduzida uma série de restrições na transmissão
de material indecente pela Internet, fazendo com que os provedores fossem
os responsáveis diretos pelo policiamento. Era o chamado "Exon Bill".
A punição para quem violasse tais
princípios envolvia uma multa que poderia chegar até 250
mil dólares, e dois anos de prisão.
Começou então uma batalha entre
os provedores e o governo. As discussões indagavam até que
ponto seria constitucional a política imposta pelo governo, no que
diz respeito às restrições e às penas impostas
aos provedores.
Os provedores de Internet tinham um argumento
muito sólido e realista, afirmando que o volume de dados dentro
da Internet, como dentro das listas de discussões, era tão
grande, que o processo de checar e verificar a decência dos mesmos
era humanamente impossível.
Outro argumento bastante convincente é
que tal lei conflitava com o direito individual que todos possuem, de como
adultos, escolher o que ver, e que a proteção das crianças
era responsabilidade dos pais.
Ganhou corpo, então, uma grande campanha
entre os provedores para demonstrar a desnecessidade de leis, uma vez que
seriam impraticáveis.
A Compuserver, um dos maiores provedores mundiais,
chegou a criar programas para controle de acesso às páginas
eróticas, tornando certos sites, inacessíveis a crianças.
Depois de toda pressão exercida pelos provedores
e uma briga na Suprema Corte norte americana, envolvendo de um lado provedores
e a União Americana para Defesa das Liberdades Civis, e do outro
o governo e sua Exon Bill, três juízes federais declararam
a inconstitucionalidade da dita lei.
A lei era inconstitucional por ferir um princípio
fundamental no bojo da constituição norte-americana, a liberdade
de expressão, que estende sua proteção a todos os
meios de expressão possíveis, inclusive através da
Internet.
Os juízes foram mais adiante e ainda proferiram,
"(...) por ser o maior veículo de expressão já
desenvolvido até agora, a Internet merece a maior proteção
possível contra a intromissão governamental (...)".
Decisão recente, proferida pela Suprema
Corte dos EUA, e que vale ser citada, foi a consideração
de que o provedor de acesso à Internet, America OnLine (AOL), não
pode ser responsabilizada por material difamatório divulgado através
de seus sistemas.
A Corte não alterou o parecer de um Tribunal
Federal de apelações que concluiu que um dispositivo do Ato
de Decência nas Comunicações concede imunidade às
companhias de serviços online, no tocante ao conteúdo divulgado
por terceiros.
A ação contra a AOL foi movida pelo
fotógrafo e cineasta Kenneth Zeran, que era citado como criador
de uma coleção de camisetas de mau gosto, através
de páginas residentes nos provedores da AOL, relacionadas ao atentado
contra um edifício federal em Oklahoma.
Outro caso que explicita a ausência de responsabilidade
do provedor por material de terceiros, foi chamado de "Scientology", que
envolveu a Igreja "Scientology" e a Netcom Online Communications Services,
uma empresa provedora de Internet.
Neste caso um ex-membro da Igreja publicou material
registrado, sem a autorização dos autores, na Internet, e
através da Empresa Netcom Services.
A corte da Califórnia decidiu que a Netcom
não poderia ser responsabilizada por copiar material ilegal, já
que o material era copiado em seus computadores por um procedimento automático,
o qual a mesma não exercia nenhum controle específico.
Evidenciada a tendência Internacional de
eximir a responsabilidade dos provedores no que tange ao material de terceiros,
vejamos o caso posto em questão, no Brasil.
No caso em tela não há dúvida
de que houve crime, já que o Estatuto da Criança e do Adolescente,
em seu Art. 241 nos ensina, "(...) fotografar ou publicar cena de sexo
explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
pena - reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos".
O usuário utilizou o provedor de Internet
como um meio para que consumasse a conduta acima tipificada, da mesma forma
que um homicida pode se utilizar de um revólver para consumar o
delito.
Estamos diante de um crime digital, caracterizado
pela utilização de computadores para ajuda em atividades
ilegais, como a quebra da segurança de sistemas, a utilização
da Internet ou redes bancárias de maneira ilícita, o crime
de "hacking", ..., etc., onde determinado agente, agraciado pelo anonimato
e as técnicas de criptografia proporcionadas pela Internet, disseminou
material pedófilo dentro de uma comunidade virtual, que não
tinha relação alguma com o provedor de Internet.
A maioria dos crimes digitais, como o acima citado,
encontra-se positivada em nossa legislação. O furto de componentes
de computador, não deixa de ser furto. A lavagem de dinheiro, não
deixa de ser um crime. Fraude é fraude. Extorsão é
extorsão. Sejam esses crimes cometidos através da Internet,
ou de outros mecanismos tradicionais, são eles crimes previstos
na "lege".
O problema reside em outros aspectos. Ao do processo
dos crimes digitais, sua materialidade, provas, autoria, ..., etc., além
do surgimento de crimes complexos, novos, específicos, onde o controle
passa a ser necessário. Como a criação de vírus
e o "hacking", assim como, outras formas de vandalismo eletrônico,
que acabam culminando na efetivação dos outros tipos, como
furto, disseminação de pornografia infantil, ..., etc.
No caso exposto, não poderíamos
imputar tal conduta delituosa a empresa provedora de Internet.
Primeiramente, um provedor de serviço de
Internet, nada mais é do que uma companhia que proporciona acesso
à Internet, e esta última se caracteriza por ser uma rede
mundial, não regulamentada, de sistemas de computadores, conectados
por comunicações de fio de alta velocidade e que compartilham
um protocolo comum que lhes permite intercambiar informação,
sendo assim, de domínio público.
O ordenamento jurídico brasileiro possui
como um de seus princípios fundamentais e norteadores, a legalidade.
Esse princípio está expressamente
definido na Constituição de 1988, como direito e garantia
fundamental, no Art. 5º, inciso II, afirmando que "(...) ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei".
No Brasil inexiste lei imputando responsabilidade
alguma aos provedores de serviço por atos de seus usuários,
nem mesmo no sentido de fiscalizar as suas ações, pelo contrário,
a Constituição de 1988 até proíbe tal fiscalização
conforme Art.5, inciso XII, que diz : "(...) é inviolável
o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no
último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal (...)".
Ou seja, além de não haver lei acerca
da responsabilidade dos provedores, existe norma constitucional que lhes
proíbe de examinar os dados que trafegam por via de seus servidores.
Pode-se perguntar: se a Internet recai em domínio
público, seria válido presumir que seus dados possam ser
lidos por qualquer usuário conectado a rede, contrariando o dispositivo
constitucional, não é certo?
A resposta a essa pergunta é complexa.
Depende da natureza dos dados, se os mesmos têm uma destinação
específica ou não. Mas sua relevância não é
muito expressiva, pois existe um argumento que fulmina qualquer tentativa
de atribuir responsabilidade aos provedores.
A Internet não é um jornal impresso,
com editorial, jornalistas responsáveis, ..., etc.. Absolutamente,
a Grande Rede é algo dinâmico e interativo, resultado da interligação
de milhares de computadores distintos, que por sua vez, possuem usuários
e informações distintas.
É humanamente impossível, para um
provedor de serviço, saber tudo o que ocorre dentro de seu sistema,
já que além de servir aos seus usuários, também
serve de "pista" para Internet. Assim, um infindável número
de informações, como o correio eletrônico, homepages,
grupos de discussões, chats, ..., são atualizadas instantaneamente
através de procedimentos eletrônicos automáticos, sobre
os quais o provedor não tem qualquer controle.
Como responsabilizar alguém por aquilo
que não deu causa?
Daí o posicionamento dos Tribunais norte
americanos em eximir a responsabilidade dos provedores de serviço,
já que da mesma forma que em um homicídio não se processa
a arma do crime, ou seu fabricante, em um crime digital não se processa
o computador nem quem oferece meios para seu uso.
Justamente devido à ausência de estudos
nesse campo, o Ministério Público da Bahia, apreendendo os
computadores do provedor, também fez com que saíssem do ar
outras páginas alojadas naquelas máquinas, como a das "Obras
Sociais da Irmã Dulce" e de empresas praticantes do e-commerce.
Acarretando prejuízos a usuários que nenhuma relação
tinham com a prática delituosa.
Os provedores devem alertar e fixar, por via contratual,
a responsabilidade de seus usuários acerca das condutas delituosas
que venham a ferir o ordenamento jurídico brasileiro, tornando claro
o seu posicionamento perante tais ações.
Afinal, sendo impossível a tipificação
de todas as condutas delituosas, já que o ser humano é dotado
de capacidade criativa infinita, a tecnologia contribui para a formação
de lacunas para o Direito, e será pela utilização
dessa mesma tecnologia que iremos tornar a ciência jurídica
mais eficaz e válida, trazendo respostas rápidas para uma
sociedade cada vez mais complexa.
Gustavo
Testa Corrêa é Acadêmico do Curso de Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina |