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RACISMO NA INTERNET
O problema do
racismo é sério e remonta à antiguidade, quando os povos vencidos nas guerras
eram feitos escravos pelos seus conquistadores. A escravidão vem sendo
paulatinamente varrida do mundo, mas os seus efeitos, no que tange ao
tratamento diferenciado que era dado aos escravos e raças subjugadas,
sobreviveram nas mais diversas formas de ações discriminatórias. Quer seja
impedindo o acesso de uma pessoa, pela simples razão de sua cor, raça, etnia ou
religião, a cargos ou locais públicos acessíveis a outras, ou simplesmente através
da indução ou incitação ao preconceito racial, a prática do racismo sobreviveu
à escravidão. A legislação penal das nações modernas, que ao tempo da
escravidão humana não só legalizava como mesmo estimulava o racismo, foi sendo
modificada ao longo do tempo para penalizar esse tipo de comportamento, de ação
discriminatória envolvendo certas pessoas.
Favorecidos pelas características técnicas da Internet, rede mundial de
comunicação pouco afeita a controle e regulamentação governamental, indivíduos
e grupos racistas têm encontrado nela um ambiente ideal para a realização de
seus objetivos e divulgação de suas idéias. Atualmente vivenciamos um
ressurgimento de idéias e práticas preconceituosas que se pensava extintas
desde a época da segunda guerra mundial, com a derrocada do nazismo e do
fascismo. Minorias insatisfeitas com a diversidade cultural e racial dos países
modernos, sobretudo os EUA e países da Europa ocidental, que, impulsionados
pelo fenômeno da globalização, têm recebido uma massa populacional cada vez
maior de pessoas (que migram de seus países de origem para lá se estabelecer e
encontrar condições materiais de desenvolvimento), descobriram a Internet como
lugar adequado para expressar o seu ressentimento, em forma de manifestações
preconceituosas contra outras raças e grupos sociais. A proliferação dos
chamados "hate sites", construídos com a exclusiva função de servir
como expressão do mais lídimo xenofobismo, tem atraído a atenção de governos e
entidades de defesa de direitos humanos, que lutam contra a prática de aversão
a pessoas e coisas estrangeiras e buscam, na Justiça, soluções legais contra o
avanço desses sites.
Um dos casos mais rumorosos envolve um grupo francês que combate o racismo, o
"J'accuse! - Action Internationale pour la Justice (AIPJ)", que
ajuizou ação para compelir 13 provedores de Internet a bloquear o acesso a um
site neo-nazista americano, o "Front 14", de forma a impedir que os
usuários franceses não sejam atingidos pelo material "ofensivamente xenofóbico"
nele hospedado. O "Front 14" (http://www.front14.org) é um portal de
multi-serviços que hospeda mais de 400 websites racistas. Na sua petição
encaminhada ao Tribunal de Grande Instance de Paris, o J'accuse
classificou o site neo-nazista como "um fato sem precedentes na história
da Internet", pois a finalidade proclamada do portal é tornar-se a
plataforma para a promoção do "white pride" (orgulho branco, em
português) e o combate a adversários de todas as outras extremidades, tornando
a rede um lugar comum para a troca de idéias, militância e proselitismo. De
fato, no índice da página principal do site está disposta uma mensagem com a
sua descrição, dizendo tratar-se de um portal que oferece serviço de webhosting
e e-mail exclusivamente para racistas, conclamando-os a deixarem outros portais
de hospedagem de páginas, tais como Geocities e Angelfire,
alegando que esses serviços gratuitos têm adotado uma agressiva
"anti-white policy" (política anti-branco, em português). O anúncio
diz ainda que o portal contém várias centenas de sites de supremacia xenófoba,
dentre eles sites neo-nazistas americanos e os mais ativos europeus, alguns dos
quais em francês. Segundo ainda a reclamação, em um dos sites hospedados é dito
que os europeus vivem num terreno entregue à ditadura judia e à invasão
islâmica.
O J'acusse alerta para o fato de que o "Front 14" tornou-se
internacionalmente conhecido como uma incubadora de sites neo-nazistas e que a
vulgarização do racismo e do anti-semitismo, agravado pelo suporte de alguns
serviços de Internet, é um sério atentado à dignidade humana. Pede para que os
provedores de Internet franceses sejam ordenados a barrar o acesso ao
"Front 14" em território francês, alegando que têm a capacidade
técnica para tanto, pois podem restringir um endereço de IP específico ou um
determinado servidor. Em reforço ao seu pedido, lembra que a venda direta ou
por correspondência de objetos nazistas já foi por diversas vezes proibida na
França, em reconhecimento à imperiosa e urgente necessidade de se por termo à "iniciativa
manifestamente ilícita representada pela propagação de elementos essencialmente
nazistas e racistas", considerado um comércio de natureza que
"perturba a ordem pública, em particular porque o favorecimento ao racismo
prejudica a boa educação dos jovens" , e tais atividades banalizam
perigosamente o "proselitismo ao ódio em pleno coração da capital da
França", sendo ainda observado que "a colocação à venda de tais
objetos também pode, sem demora, envolver um uso nostálgico à memória do
nazismo, que é indissociável do conceito de racismo". Essa jurisprudência
foi consagrada por un arrêt de Cassation de 18 de março de 1999, onde
ficou acentuado que a banalização do nazismo e do anti-semitismo na medida em
que configuram conteúdo obviamente ilícito pode ser cessada por meio de uma
medida preliminar. Posteriormente, o Tribunal de Grande Instance de Paris
assentou que a exposição e venda de objetos nazistas não constituíam somente
uma infração à lei francesa "porém uma ainda maior ofensa à memória coletiva
do país, profundamente martirizado pelas atrocidades cometidas em nome e pela
empresa criminal nazista".
Segundo notícia recente, o Juiz John Jacques Gomez emitiu uma primeira decisão
sobre o caso, na qual, considerando que o conteúdo do site infringe certas
provisões do código criminal francês, ordenou que o editor do Front 14 tornasse
inacessível o seu conteúdo de qualquer lugar da França e, ainda, encorajou os
13 provedores de acesso franceses a escolher, por eles próprios, os filtros e
outras medidas técnicas para restringir o conteúdo, em colaboração com a
Associação Francesa dos Provedores (AFA). Na mesma decisão, indicou que o
provedor americano que hospeda o site devia adotar medidas a seu critério para
restringir o acesso ao material infracional.
Retirado de: http://www.infojus.com.br/webnews/noticia.php?id_noticia=342&