São indiscutíveis os benefícios trazidos
para a sociedade pelo avanço da tecnologia, pelo uso de computadores, e pelo
avanço das comunicações mundiais, em especial da Rede Internacional de Dados -
Internet, fomentando, sem precedentes na história, a paixão humana pelo
conhecimento, educação e cultura.
A Internet, chamada pela mídia de
Superestrada da Informação, nada mais é do que a interligação simultânea de
computadores de todo o planeta, algo que os futuristas em seus exercícios de
suposição jamais imaginaram.
O acesso à informação sempre foi muito
valorizado, constituindo verdadeira forma e fonte de poder, sendo seu controle
verdadeiro patrimônio econômico, político e cultural. Entretanto, esses
benefícios não aparecem sozinhos, trazem consigo os crimes e criminosos
digitais, os quais estão aumentando proporcionalmente por todo o mundo, sendo
que as mais otimistas previsões apontam para um epidêmico e exponencial
crescimento.
Os crimes praticados, também chamados de
crimes digitais ou transnacionais, podem afetar dezenas de países, sem que o
agressor saia de sua casa.
É uma preocupação que está chamando a
atenção da polícia de todo o mundo, especialmente no que diz respeito à coleta
de evidências e materialidade; há também de se considerar o princípio de
territorialidade, pois, se o computador está num determinado país, e o crime é
cometido em outro, como processá-lo se nunca entrou naquele país?
Policiais do mundo inteiro, tais como
FBI, Scotland Yard, e Real Polícia Montada do Canadá, já há alguns anos, vêm
formando os chamados "Cybercops", policiais especialmente treinados
para combater esses delitos - o desafio criminal do próximo século - sendo a
tônica, a maximização da cooperação entre os Países, alertando para o potencial
das perdas econômicas, ameaças a privacidade e outros valores fundamentais.
O que mais tem atemorizado, de sociólogos
a profissionais de polícia, é o fato de o crescimento geométrico do uso da
Internet, e sua absoluta dispersão e falta de controle, estar criando espaços
na rede exclusivamente para atividades criminosa, unindo os ideais ou
interesses de uma minoria, excitando a motivação delitiva, tais como crimes de
ódio, terrorismo e parafilias.
Não vai demorar muito para que os
criminosos ultrapassem a nossa capacidade de apanhá-los, contando com as
vantagens da forma revolucionária do espaço cibernético, desprovido de regras
sociais ou éticas, limitado apenas pela imaginação dos criminosos e pelas suas
habilidades técnicas.
Crimes de alta tecnologia
Poderíamos citar, a título de exemplo,
alguns crimes que estão sendo empregados com uso de alta tecnologia:
O estelionato, em todas as suas formas,
lavagem de dinheiro, os crimes do colarinho branco, roubo, furto, o
"salami slicing" (fatias de salame) - ladrão que regularmente faz
transferências eletrônicas de pequenas quantias de milhares de contas bancárias
para a sua própria - serviços roubados, o contrabando, o terrorismo, a
pornografia infantil, parafilia, invasões de privacidade, violação a
propriedade intelectual, propriedade industrial, a lei do Software, o
vandalismo, a sabotagem, espionagem, o vírus de computador, a pirataria, o
tráfico internacional de armas, as lesões a direitos humanos (terrorismo,
crimes de ódio, etc.), danos nas destruição de informações, jogos ilegais,
dentre outros apenas para explicitar a complexidade da matéria tratada.
A experiência tem mostrado como delicada
é uma investigação de crimes por computador, tanto pela falta de experiência
policial, como pela adoção de procedimentos desatualizados para a alta
tecnologia empregada.
Hoje temos mais de 600 milhões de
usuários de computadores em todo o planeta que, em mais de 190 países, acessam
a Internet, através de trocas de dados, sons e imagens, ou seja, literalmente
através de elétrons que viajam por fios de cobre ou fibras óticas para qualquer
parte do planeta, com eficiência e rapidez.
Quando do cometimento de crimes, como
fazer a coleta de materialidade, provas e evidências? Como localizar o agente?
Como verificar o resultado e efeitos do resultado? Como agir contra os
princípios de territorialidade e soberania? Como assimilar os efeitos da
globalização de crimes com as Leis existentes? Como adequar a conduta típica a
nossa legislação positiva? Como formar policiais para combater os crimes
digitais? A perspectiva de alívio é dada pela constatação de que, em recente
passado, novas tecnologias provocaram aflição - tais como quando da invenção do
telefone, do fax e outros aparelhos que vieram a aumentar a qualidade de vida
do cidadão - mas, logo foram assimiladas.
Os criminosos digitais
Geralmente, os criminosos são de
oportunidade e os delitos praticados por agentes que, na maioria das vezes, têm
a sua ocupação profissional ligada à área de informática.
O perfil do criminoso, baseado em
pesquisa empírica, indica jovens, inteligentes, educados, com idade entre 16 e
32 anos, do sexo masculino, magros, caucasianos, audaciosos e aventureiros, com
inteligência bem acima da média e movidos pelo desafio da superação do
conhecimento, além do sentimento de anonimato, que bloqueia seus parâmetros de
entendimento para avaliar sua conduta como ilegal, sempre alegando ignorância
do crime e, simplesmente, "uma brincadeira".
Mais: preferem ficção científica, música,
xadrez, jogos de guerra e não gostam de esportes, sendo que suas condutas
geralmente passam por três estágios: o desafio, o dinheiro extra, e, por fim,
os altos gastos e o comércio ilegal.
Crimes digitais no Brasil
A atuação da polícia em crimes de
computador requer investigação especializada e ação efetiva. Não existem no
Brasil policiais preparados para combater esse tipo de crime, faltando visão,
planejamento, preparo e treinamento.
Empresas em diversos pontos do País têm
sido vítimas dos crimes de computadores, e o fato só não é mais grave, porque
existe a "síndrome da má reputação", que leva as empresas a assumirem
os prejuízos, encobrindo os delitos, ao invés de ter uma propaganda negativa, e
também porque o grupo de criminosos digitais ainda é pequeno.
A investigação dos crimes digitais
Desde 1995, a Polícia Civil de São Paulo
orgulha-se de ter dado o primeiro passo em harmonia com a vanguarda
internacional da investigação digital, ao ser a primeira instituição da América
Latina a possuir página na Rede Internacional de Dados - Internet, com diversas
informações sobre a atividade policial desenvolvida, orientações de auxílio ao
cidadão, bem como campo para receber sugestões e denúncias, além de um arquivo
com fotos digitalizadas dos criminosos mais procurados pela polícia, e fotos de
crianças desaparecidas.
A Polícia Civil de São Paulo, através do
DCS - Departamento de Comunicação Social, vem, há algum tempo, efetuando
investigações de crimes por computadores com muito sucesso - apesar de não
existir atribuição administrativa para tanto, existe apenas o embasamento
jurídico do próprio Código de Processo Penal (art. 6º e incisos) - e decisões
em inquéritos policiais, muito bem recebidos pelo Ministério Público e Juiz
Corregedor da Capital.
E essa atuação é há muito tempo do
conhecimento do público interno e externo, causando perplexidade manifestações
de insignes autoridades.
Proposta
Enquanto não forem codificadas em Leis,
as condutas de crimes digitais devem ser adequadas à legislação positiva
existente, onde encontram guarida, ao menos incidental, variando a sua
tipificação conforme o bem jurídico agredido, mas por certeza, está a causar
certa "dor de cabeça" aos operadores de direito.
Doutrinadores já têm chamado essas
condutas de "Direito Criminal da Informática", calçados no fato de
que as atuais normas incriminadoras datam de 1940, quando poderiam ser escritas
ou datilografadas, situação que não se coaduna com a era digital.
O crescimento exponencial da tecnologia e
da Internet permite que o cybercriminoso tenha proveito dos avanços da
tecnologia. A fim de adequar as ações policiais a esse novo desafio, impõe-se a
criação da cultura de formação de policiais visando o "policiamento
futuro", ou seja, formar, adequar, equipar e treinar os policiais, sendo
que a palavra é antecipar.
O passo inicial e premente é a criação de
uma unidade policial especializada em investigação e atos de polícia judiciária
para crimes de alta tecnologia, que englobaria os crimes de computadores e
outros que aparecerem no rastro do desenvolvimento tecnológico dos próximos
anos.
O DCS - Departamento de Comunicação
Social reúne os requisitos básicos para a criação dessa nova unidade policial,
e que poderia ser como a inclusão de uma atribuição a ser inserida em alguma
unidade policial existente, ou como nova unidade policial a ser criada,
necessitando, de qualquer maneira, alterar a estrutura ou atribuições do decreto
40.120 de 1º de Junho de 1995. Nos últimos anos pudemos perceber que a
iniciativa privada anseia em colaborar com esta nova modalidade de investigação
policial, quer seja com cursos, quer com equipamentos.
Face à necessidade premente de se
antecipar ao iminente avanço dos crimes digitais, que vêm no rastro da nova
ordem mundial globalizada, propugno o encaminhamento da presente sugestão aos
escalões superiores, com proposta de estudo e deliberação.
(Leia também Crimes da era digital e Crimes & Internet.)
Revista Consultor Jurídico, 02 de
setembro de 2000
Retirado de: http://conjur.uol.com.br/textos/3293/