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Dayse Coelho de Almeida*
O maior veículo de comunicação de
todos os tempos, a internet (Internetwork system -sistema de interconexão
comunicativa) vem revolucionando os relacionamentos, os negócios, a educação e
tudo à sua volta. Como um buraco negro divisor de galáxias, a internet influi
avassaladoramente na vida de milhões de pessoas no mundo direta ou indiretamente.
A velocidade e a fluidez das informações exigem uma seletividade ímpar, que não
se aprende com facilidade. Além desta barreira, existem os óbices de ordem
educacional, ou seja, necessidade de alfabetização, de ordem técnica
(conhecimentos de manuseio obtidos em cursos de informática) e de ordem
financeira. Essa combinação de fatores impeditivos produz a exclusão digital,
fenômeno, de conseqüências nefastas, no qual grande parcela pobre da população
fica à margem da rede mundial de computadores.
A Internet preocupa até mesmo
governos1 em razão da liberdade que nela existe. Grande mural da cultura, das
artes, da política, dos protestos e poderoso veículo de informação livre, a
Internet pode representar uma ameaça a poderes ditatoriais e até mesmo significar
um lento, mas constante processo de desmanche ideológico. Janela aberta ao
mundo, a rede mundial de computadores também apresenta distorções e a ausência
de regulamentação cria um ambiente propício à violação de direitos, crescimento
de movimentos xenófobos, pedofilia, quadrilhas de estelionatários e grupos
terroristas. Não há mais como negar, a Internet faz parte do mundo moderno e
representa inserção no capitalismo mundial globalizado. E mais do que isto, é
seu maior ícone.
A Internet e seu uso educacional2
, na pesquisa acadêmica/escolar, têm crescido abruptamente, de modo que o
professor e o pesquisador desconectados desta realidade padecem de cegueira
tecnológica e estão fadados ao ostracismo. O professor moderno tem página na
rede com material das aulas à disposição dos alunos. A pesquisa bibliográfica,
antes monopólio da biblioteca física das universidades, hoje é, em segundos,
realizada na Internet em vetores de pesquisa a exemplo do Google e do Cadê. Nos
países periféricos como o Brasil, a rede é uma ferramenta de pesquisa ainda
mais valiosa, porque reúne ao mesmo tempo material, críticas livres ao conteúdo
pesquisado, artigos, resenhas, pareceres, monografias, dissertações e teses
sobre o assunto, sem falar na bibliografia, tudo isto a disposição em apenas
alguns cliques.
Até mesmo a linguagem tem sido
afetada, como podemos observar palavras como deletar, clicar, acessar, baixar,
desconectado, conectado e outras fazem parte de uma linguagem técnica que ganha
contornos de linguagem coloquial entre os usuários da rede. Isto aponta para um
fenômeno de massificação de cultura que fatalmente ocorre no processo de
globalização. Este não é necessariamente de todo mau, mas é salutar que
preservemos nossa identidade cultural, uma vez que a massificação não ocorre em
razão de uma cultura pluralista criada pela Internet, mas por um processo de
incisivo de inserção de cultura americana e européia, principalmente americana,
seja no modo de vestir, comer, falar, relacionar-se e etc.
Toda a facilidade de acesso à
informação, trazida pela rede mundial de computadores, exige um poder de
seletividade elevado do usuário. Esta seletividade não é abordada, ensina-se a
usar a ferramenta, mas os resultados desta utilização não são questionados nem
criticamente analisados. É necessário, pois, que no ensino fundamental e médio
as discussões acerca da pesquisa à Internet sejam mais incisivas e visem,
sobretudo, incitar um comportamento ético. Não pode ser preocupação do educador
apenas proibir a cópia ou plágio dos trabalhos disponíveis na rede, mas criar
no aluno um senso de que precisa elaborar seu próprio trabalho
acadêmico/escolar e disponibilizá-lo também, porque disto depende e é vital
para o desenvolvimento da ciência ou temas pesquisados. A cidadania também está
presente nesta nova forma de educar.
A democracia se fortalece com o
uso salutar da Internet e propicia o surgimento e divulgação de dados
essenciais para o desenvolvimento das ciências e do país. Quanto maior a gama
de conhecimentos disponível maior terá que ser a capacidade de seleção do
usuário. Aspectos negativos e positivos existem, mas o realmente importante é
ensinar a utilização da tecnologia em benefício da educação e do crescimento
intelectual. Mesmo com o crescimento do uso educacional da Internet, ainda há
muito preconceito. A educação à distância, e-learning, ou curso virtual
apresenta grande crescimento, mas a resistência ao reconhecimento destes cursos
e a notória desconfiança acerca da qualidade e métodos avaliativos pesam como
pontos negativos.
Nesse enleio Nina Ranieri nos
define educação como sendo:
o ato ou efeito de educar-se; o
processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser
humano, visando a sua melhor integração individual e social. Significa também
os conhecimentos ou as aptidões resultantes de tal processo, ou o cabedal
científico e os métodos empregados na obtenção de tais resultados3 . (grifos
nossos)
Da lição acima transcrita
infere-se que a Internet está inserida no processo de obtenção de
conhecimentos. Desta sorte, faz parte da educação indissoluvelmente. O apego
desmesurado às formas de educação tradicionais (professor, aluno, quadro, aulas
expositivas) representa um óbice de ordem psicológica que precisa ser vencido,
mormente num país pobre e extenso como o Brasil, onde, por vezes, os melhores
profissionais do ensino estão no sudeste e sul do país. Por isto, as formas de
ensino a distância são mais democráticas, pois permitem ao profissional do
nordeste e norte do país ter acesso a pesquisadores e professores dos maiores
centros urbanos. Isto ocorre muito em pós-graduações e cursos preparatórios
para concursos, transmitidos via satélite ou on line.
Outro fator de preconceito são as
publicações em periódicos on line. A argumentação de que não há qualidade nas
publicações virtuais em parte é verdadeira, em razão do número exagerado de
portais. Entretanto, existem portais em que o nível é o mesmo das revistas
especializadas, inclusive contando com publicações de autores estrangeiros, de
professores e profissionais de notória excelência em todas as áreas. A exemplo
dos portais jurídicos como o Jus Navigandi, Boletim Jurídico, Revista Juristas
e o Consultor Jurídico que, dentre outros possuem todos os requisitos e
qualidades de uma publicação impressa, sem entretanto onerar o usuário com
altos valores cobrados em assinaturas. Desta forma, propicia-se ao estudante o
acesso à informação de forma, simples, barata e rápida. Em tempos de
mercantilização4 do ensino superior e proliferação dos cursos privados, esta
ferramenta pode significar uma possibilidade ao discente pobre de estudar pela
moderna teoria, sem precisar desembolsar altas quantias em livros técnicos e
periódicos, já que as universidades investem pouco em bibliotecas e não há
quantidade de livros suficientes.
Ao lado do preconceito pelas
publicações, também existe o preconceito pela citação de artigos, resenhas,
monografias e outros publicados exclusivamente na Internet. Comumente se
observa que no meio acadêmico ainda existe quem dê menos valor a algo pelo
simples fato de ter sido publicado na rede. Isto prejudica não só a evolução da
ciência, mas invoca um comportamento aristocrático e excludente de que o
conhecimento só se produz em livros e periódicos. Desvalorizar a Internet como
veículo de disseminação de conhecimento implica em tornar cada vez mais árido o
acesso à educação formal, podendo recair na incongruência e insensatez do
preconceito e da exclusão social. Além disto, constitui-se como ofensa a
Constituição de 1988 que em seu art. 205 aduz: A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Até o hermeneuta
mais inexperiente intui que é mandamento constitucional colaborar com a
educação para exercício pleno da cidadania e do trabalho.
Divisor de águas, a Internet
revolucionou o sistema educacional e viabilizou a quebra de modelos de ensino
retrógrados e ineficientes, representando um novo paradigma e paradoxo
educacional que enseja muita pesquisa e análise. Cabe a todos nós rediscutir e
reavaliar seu papel no ensino e fomentar um uso emancipatório da Internet,
alavancando nossa democracia e favorecendo os mais humildes através de sua
inserção social. Precisamos evitar que a internet esteja “de frente pro mundo,
de costas pro em volta”5 como bem disse Millôr Fernandes.
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Notas de rodapé
1. A muralha do Google: O serviço
de busca mais popular da internet instala-se na China – e rende-se à censura.
Revista Veja, 1 fev. 2006. ed. 1941, ano 39, nº 4. São Paulo: Editora Abril,
2006, p. 54.
2. Internet ajuda no ensino e na
aprendizagem. Portal UOL, 27 jan. 2006. Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/educacao/ultnot/ult105u3889.jhtm. Acesso em: 29 jan.
2006.
3. RANIERI, Nina. Educação
Superior, Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96). São
Paulo: Edusp, 2000, p. 168.
4. Em recente notícia publicada
pela Veja noticiou-se que a educação superior começa a atrair investidores
estrangeiros interessados em lucrar com o ávido potencial de jovens dispostos a
pagar para obter um diploma de curso superior, segundo a Veja 1 milhão de novos
alunos ingressam na universidade todos os anos e o número de instituições
privadas triplicou na última década. O dado mais assustador é que o ensino
superior movimentou 15 bilhões de reais em 2005, crescendo mais de 50% em
relação a 2002. Uma visão global nas universidades. Revista Veja, 1 fev. 2006.
ed. 1941, ano 39, nº 4. São Paulo: Editora Abril, 2006, p. 104-105.
5. FERNANDES, Millôr. Notáveis
(notas fora do comum). Revista Veja, 1 fev. 2006. ed. 1941, ano 39, nº 4. São
Paulo: Editora Abril, 2006, p. 20.
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Referências Bibliográficas
A muralha do Google: O serviço de
busca mais popular da internet instala-se na China – e rende-se à censura.
Revista Veja, 1 fev. 2006. ed. 1941, ano 39, nº 4. São Paulo: Editora Abril,
2006.
FERNANDES, Millôr. Notáveis (notas
fora do comum). Revista Veja, 1 fev. 2006. ed. 1941, ano 39, nº 4. São Paulo:
Editora Abril, 2006.
Internet ajuda no ensino e na
aprendizagem. Portal UOL, 27 jan. 2006. Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/educacao/ultnot/ult105u3889.jhtm. Acesso em: 29 jan.
2006.
RANIERI, Nina. Educação Superior,
Direito e Estado: Na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/96). São Paulo: Edusp,
2000.
Uma visão global nas
universidades. Revista Veja, 1 fev. 2006. ed. 1941, ano 39, nº 4. São Paulo:
Editora Abril, 2006
* A autora leciona as disciplinas Direito do Trabalho I e II no curso de Direito da Faculdade de Direito e Ciências Sociais do Leste de Minas – FADILESTE, Mestranda em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), pós-graduada lato sensu (especialista) em Direito Público pela PUC-MG, advogada em Belo Horizonte, egressa da Escola Superior do Ministério Público – ESMP/SE, membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA, do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR, do Instituto de Direito do Trabalho Valentin Carrion, autora de diversos artigos publicados em revistas especializadas de circulação nacional e Co-autora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006 (no prelo).
ALMEIDA, Dayse Coelho de. Internet, educação e preconceito. Jus Vigilantibus, Vitória, 1º fev. 2006. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/19977>. Acesso em: 14 set. 2006.