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Roteiro Didático de Elaboração de Projetos de Pesquisa em Direito
Túlio Lima Vianna *
Toda longa caminhada
começa com um primeiro passo.
Provérbio
chinês
A recente obrigatoriedade de apresentação
de monografias de final de curso como requisito para a conclusão
do curso de graduação em Direito, bem como a
proliferação dos cursos de Pós-Graduação
lato sensu no país, gerou uma enorme demanda por trabalhos de
metodologia de pesquisa.
A grande maioria destes trabalhos,
porém, parece dar mais ênfase às lombadas dos
livros que ao seu conteúdo e não raras são as
bancas examinadoras que se limitam à discussão de
aspectos formais da obra – como formatação de
margens, notas de rodapé, bibliografia, etc. – sem
sequer tecerem considerações sobre o conteúdo do
trabalho.
Fugindo desta tendência muito em moda na
academia, procuramos tratar aqui – ainda que muito sucintamente
– dos principais elementos de um projeto de pesquisa que
resulte não em um trabalho final burocrático –
mero pré-requisito da conclusão do curso – mas em
conclusões de real contribuição para a
literatura jurídica nacional.
O problema: o que
pesquisar?
A eleição do tema da pesquisa deverá
iniciar-se pela área do conhecimento humano na qual o aluno
pretende trabalhar. Quanto mais específica for a área
escolhida, mais fácil será para o pesquisador encontrar
seu objeto de pesquisa.
Assim o aluno que deseja pesquisar em
Ciências Penais deverá escolher entre Direito Penal,
Direito Processual Penal, Criminologia, etc.; optando por Direito
Penal, deverá escolher entre Teoria do Delito, Teoria da Pena,
Execução Penal, etc. e assim sucessivamente até
delimitar a sua perspectiva de estudo.
Muita vez, o aluno
deseja trabalhar a partir de dois ou mais ramos do conhecimento
humano. Nestas hipóteses, o trabalho poderá ser
multidisciplinar (análise do tema sob a perspectiva de dois ou
mais ramos do conhecimento), interdisciplinar (análise do tema
sob a perspectiva de dois ou mais ramos do conhecimento
relacionando-os entre si) ou mesmo transdisciplinar (análise
do tema sob a perspectiva de dois ou mais ramos do conhecimento,
dando origem a um novo, distinto dos anteriores).
Selecionada(s)
a(s) área(s) do conhecimento em que o aluno pretende
trabalhar, deverá ele escolher um problema a ser solucionado
naquela área do saber.
A pesquisa jurídica não
é mera compilação do conhecimento adquirido por
seu autor, mas envolve necessariamente a criação de
soluções novas a serem incorporadas à doutrina
nacional. Oportuna é a lição de Celso
Albuquerque Mello:
“A meu ver existem duas categorias
de juristas: os criadores de novas teorias e os sistematizadores que
tentam classificar e aprofundar o trabalho dos primeiros. Contudo, em
países atrasados como o Brasil, há ainda espaço
para uma categoria, cujos integrantes não podem ser
denominados juristas, que são os ‘divulgadores de
Direito’. Ela existe devido à ausência de
bibliotecas públicas, o preço elevado dos livros
estrangeiros, bem como poucos estudantes lêem língua
estrangeira.”[1]
Na realidade, muitos dos pretensos
trabalhos científicos produzidos em nossas universidades não
passam de manuais ou resumos da matéria objeto de estudo sem
qualquer caráter inovador. Evidentemente, tais obras têm
uma grande importância como material didático, mas
decididamente não é esta a finalidade das teses,
dissertações e monografias de final de curso, que
necessariamente devem propor uma solução para um
problema previamente definido.
A escolha do tema-problema
deverá pautar-se pelo binômio interesse-capacidade
pessoal e social na resolução do problema.
Assim,
quatro perguntas básicas deverão ser respondidas
positivamente para que o tema possa ser eleito com acerto:
Tenho
interesse no problema? (curiosidade pessoal e/ou profissional em
relação ao problema)
O pesquisador deve se sentir
atraído pelo problema proposto. Sua curiosidade quanto ao tema
de estudo pode provir de interesses pessoais ou profissionais. Para
um policial, a pesquisa em Direito Penal pode ser atraente por sua
experiência profissional; para um aficcionado em computadores,
um trabalho transdisciplinar envolvendo o Direito Penal e a
Informática será um tema irresistível.
Sou
capaz de resolver o problema? (conhecimento e experiência em
relação ao problema)
O pesquisador deve propor um
problema que tenha maior facilidade em resolver por seus
conhecimentos e experiência anterior à pesquisa. Por
mais que alguém se interesse por computadores, certamente não
poderá realizar um grande trabalho em Direito Informático
se não tiver o mínimo de conhecimento em Informática.
Na eleição do problema a ser pesquisado vale a lei do
mínimo esforço: o pesquisador deverá optar por
temas em que seus conhecimentos prévios lhe possam ser úteis.
Há interesse social na resolução do
problema? (originalidade e relevância social do problema)
O
pesquisador deve propor problemas originais, pois de nada adianta
escolher um tema exaustivamente discutido na doutrina. Um problema
que pode ser solucionado através de uma simples pesquisa
doutrinária ou jurisprudencial não é adequado
para ser objeto de uma pesquisa.
Na academia são
comuns “modismos” em relação aos temas de
pesquisa o que, muita vez, acaba originando inúmeros trabalhos
com conclusões absolutamente idênticas, nada
acrescentando à literatura jurídica já
existente. Por outro lado, toda pesquisa tem uma função
social que não pode ser desprezada. Por mais que o problema
“pode o crime de adultério ser cometido pela Internet?”
possa despertar curiosidade no pesquisador, sem dúvida seu
interesse social é mínimo. A solução do
problema deve ser socialmente útil.
A sociedade em que
vivo me oferece recursos para solucionar o problema? (bibliografia,
financiamento, possibilidade de coletar dados, prazo para apresentar
os resultados, etc)
O pesquisador deve analisar se dentro do
contexto social em que irá pesquisar será viável
alcançar a solução do problema. Se sua proposta
for pesquisar o Direito Penal de Cabo Verde, deverá
certificar-se se terá acesso à legislação
e a livros doutrinários daquele país. Se necessitar de
verbas ou de autorizações para coletar dados, deverá
ter certeza de poder obtê-los.
Por fim, deverá
lembrar-se de que sua pesquisa não poderá durar
eternamente e portanto seu tema deverá necessariamente estar
delimitado principalmente quanto ao objeto, quanto ao tempo e quanto
ao espaço. Assim, em vez de indagar-se se “a
descriminalização das drogas é viável?”
melhor seria questionar-se se “a descriminalização
do uso de maconha é viável no Brasil do início
do século XXI?”[2]
Delimitado o tema-problema,
deverá o pesquisador oferecer uma resposta provisória a
sua indagação: “sim, a descriminalização
do uso da maconha é perfeitamente viável no Brasil do
início do século XXI”.
A esta resposta
provisória que é dada ao problema denomina-se hipótese
e sobre ela o pesquisador irá traçar seu objetivo que,
em última análise, será testar a veracidade ou
não da resposta previamente apresentada.
Os objetivos:
para que pesquisar?
O objetivo geral da pesquisa científica
é oferecer uma resposta ao problema que é o núcleo
da investigação, testando a veracidade da hipótese
de trabalho.
Os objetivos específicos da pesquisa, por
outro lado, são as perguntas secundárias que o
pesquisador deverá responder, cujas respostas conjuntas levará
a consecução do objetivo geral.
Tradicionalmente
os objetivos – geral e específicos – vêm
expressos através de verbos no infinitivo.
O objetivo
geral nada mais é do que o problema redigido sobre a forma de
ação: “analisar a viabilidade da
descriminalização do uso de maconha no Brasil do século
XXI”.
Os objetivos específicos são ações
a serem realizadas pelo pesquisador que tornarão possível
alcançar o objetivo geral: “1) identificar as origens
históricas da criminalização da maconha no
Brasil; 2) identificar os efeitos da droga no organismo humano; 3)
avaliar os aumento dos gastos com a saúde após a
descriminalização da droga; 4) avaliar o decréscimo
da violência urbana após a descriminalização
da droga; etc”.
A justificativa: por que pesquisar?
A
justificativa é a fase do projeto na qual o pesquisador irá
expor quais elementos dentro do binômio interesse/capacidade
pessoal e social foram decisivos na eleição do seu tema
de estudo.
Evidentemente, o principal elemento a ser
explicitado aqui é o interesse social na solução
do problema, pois será a partir dele que o orientador, a
universidade e as agências de financiamento irão decidir
se há ou não interesse institucional em se concretizar
o projeto.
O pesquisador, nesta fase, deverá iniciar
explicitando o “estado da arte”, ou seja, o atual estado
das pesquisas científicas sobre o tema. É importante
que se faça uma revisão da literatura existente,
comentando sucintamente as principais obras que tratam direta ou
indiretamente do tema proposto.
Em seguida, necessário
se faz demonstrar a relevância social do problema,
explicitando-se nesta fase o que já foi comentado
anteriormente quanto ao interesse social na resolução
do problema.
Em síntese, será nesta fase que o
pesquisador irá “vender seu peixe”, ou em uma
linguagem mais acadêmica, demonstrar ao leitor o real interesse
social de seu projeto de pesquisa.
A metodologia: como
pesquisar?
Nesta parte do projeto o pesquisador deverá
demonstrar como irá testar a veracidade de sua hipótese
de trabalho.
Para tanto deverá estabelecer um marco
teórico e definir se sua estratégia de pesquisa será
dogmática ou empírica.
Marco teórico
Na
academia a expressão “marco teórico” é
utilizada muita vez para designar o autor cujas idéias mais
influenciaram o pesquisador em sua formação. Assim, se
diz que “meu marco teórico é Kelsen”, “meu
marco teórico é Habermas”, etc.
Marco
teórico, porém, é uma concepção
teórica da realidade concebida ou consagrada na obra de
determinado pensador.
As pesquisas jurídicas sempre
retomam uma série de conceitos que necessitam de um fundamento
teórico de apoio: crime, democracia, soberania, cidadania,
direito, justiça, etc.
Se cada pesquisador precisasse
desenvolver seus próprios conceitos, a pesquisa certamente não
evoluiria. Assim, o pesquisador parte do pressuposto de que a
concepção teórica de determinado autor sobre
aquele conceito é suficientemente adequada.
Ao
indagar-se sobre a “viabilidade da descriminalização
do uso de maconha no Brasil do início do século XXI”,
o pesquisador terá como ponto de partida para solucionar o seu
problema o conceito de crime que certamente será decisivo no
rumo da pesquisa. Se seu marco teórico for juspositivista, sua
concepção de crime será diversa da de um
jusnaturalista, que também será diferente da de um
criminólogo crítico.
Assim, pesquisadores com
marcos teóricos diferentes, muita vez, usarão métodos
de pesquisa bastante semelhantes, mas chegarão a resultados
absolutamente diversos, já que o ponto de partida da análise
é distinto.[3]
Definido o marco teórico, deverá
o pesquisador optar entre uma pesquisa jurídico-teórica
ou um trabalho empírico.
Pesquisa jurídico-teórica
É
uma estratégia de pesquisa que tem por objeto a análise
da norma jurídica isolada do contexto social em que se
manifesta.
Esta concepção baseia-se na análise
do dogma jurídico, que é um ponto fundamental
apresentado como certo e indiscutível, cuja verdade se espera
que as pessoas aceitem sem questionar: a lei, a jurisprudência,
os costumes, os princípios gerais do direito, etc.
O
Direito deverá ser pesquisado enquanto ciência pura e,
portanto, isolado dos elementos sociais que se relacionem com o
problema pesquisado.
O único objeto válido para
este tipo de pesquisa jurídica é o dogma, daí
porque a pesquisa teórica pode muito bem ser denominada de
dogmática.
A solução do problema não
é buscada no mundo fático, mas é concebida na
mente do pesquisador a partir da análise dos dogmas jurídicos
no tempo (História do Direito) e no espaço (Direito
Comparado).
Trata-se de uma concepção formal do
Direito que é entendido como ciência independente das
demais ciências sociais e, por conseguinte, dotada de
autosuficiência metodológica e técnica.
Vê-se
claramente que a pesquisa jurídico teórica é uma
pesquisa de gabinete, construída em uma torre de marfim e
absolutamente alienada quanto à realidade social, econômica
e política da sociedade para a qual o dogma jurídico
está sendo construído.
O pesquisador crítico
deve, pois, evitar uma análise exclusiva dos dogmas jurídicos,
procurando as respostas do seu problema não só na lei,
na doutrina ou na jurisprudência, mas principalmente na
realidade social onde está inserido seu objeto de
estudo.
Pesquisa empírica
É uma estratégia
de pesquisa que tem por objeto a análise da norma jurídica
no contexto da realidade social em que se manifesta.
Por esta
concepção, deverá o pesquisador analisar uma
série de fatores econômicos, políticos e sociais
e a partir destas constatações empíricas,
estabelecer a solução do problema pesquisado.
Parte-se
do “ser” para se alcançar o “dever ser”;
do “real” para o “ideal”; por isto, é
uma concepção realista de pesquisa jurídica.
A
observação direta (espontânea ou dirigida), a
coleta e análise de documentos, de legislações,
jurisprudência, etc, a aplicação de questionários
(abertos ou fechados) e as entrevistas (espontâneas ou
dirigidas)[4] são alguns dos principais procedimentos da
pesquisa jurídica empírica.
Nem sempre, porém,
é possível obter os dados de forma direta, através
dos procedimentos acima. Assim, na pesquisa empírica, poderá
o pesquisador valer-se de dados obtidos indiretamente que podem ser
encontrados em livros, em artigos de periódicos e em todo e
qualquer material bibliográfico impresso ou informático.
Ainda que o ideal – até por uma questão
de confiabilidade dos dados – seja obter os dados diretamente,
vale lembrar que o pesquisador empírico não necessita
obrigatoriamente de realizar trabalhos de campo, pois muitos dos
dados da realidade social, política e econômica de seu
problema podem perfeitamente ser encontrados em material
bibliográfico das mais diversas fontes.
O que
caracteriza a pesquisa empírica não é a coleta
dos dados, mas sim a postura do pesquisador em relação
ao objeto da pesquisa: enquanto na pesquisa teórica a solução
do problema encontra-se no dogma, na pesquisa empírica deverá
o pesquisador buscá-la na realidade social.[5]
O
cronograma: quando pesquisar?
Como já foi dito
anteriormente, nenhuma pesquisa pode prolongar-se indefinidamente no
tempo. Assim, necessário é que o pesquisador estabeleça
um cronograma no qual especificará quanto tempo levará
na realização de cada etapa de sua pesquisa.
Em
geral este cronograma é apresentado através de uma
tabela na qual as colunas representam os meses em que será
realizada a pesquisa e as linhas, as tarefas a serem
concluídas.
Dentre outros itens, deverão constar
no cronograma: levantamento bibliográfico, observações,
entrevistas, transcrição das entrevistas, análise
das entrevistas, leitura do material bibliográfico, cruzamento
de dados, redação preliminar do texto, discussão
do texto preliminar com o orientador, redação final do
texto, revisão e edição final.
A
bibliografia preliminar: onde pesquisar?
Para encerrar o projeto
de pesquisa, o pesquisador deverá listar toda a bibliografia
que potencialmente irá utilizar na realização do
trabalho.
Evidentemente, na fase do projeto, não há
necessidade de o pesquisador ter acesso físico às
obras, muito menos de adquiri-las.
Deverá, no entanto,
ter as referências completas das obras que futuramente poderá
consultar devidamente formatadas no padrão ABNT.
Atualmente,
é indispensável a consulta através da Internet
às bibliotecas das principais Faculdades de Direito do Brasil,
bem como à base de dados da Biblioteca do Senado
Federal
Conclusões
Evidentemente, não tivemos
a pretensão de nestas breves linhas esgotar o assunto, mas
tão-somente de oferecer os primeiros subsídios à
elaboração de um projeto de pesquisa original.
Esperamos ter despertado o interesse daqueles que darão
os primeiros passos na trabalhosa, mas sempre instigante, pesquisa
jurídica.
*Professor de Direito Penal
da PUC Minas. Mestre em Ciências Penais pela UFMG.
www.tuliovianna.org
Disponível em:
http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=538
Acesso em: 02 agosto 2006.