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Aspectos internacionais do direito educacional no Brasil

 

Carla Fernanda de Marco*

 

 

 

 

  1. INTRODUÇÃO

    Serão feitos apontamentos do direito à educação no direito internacional público, ressaltando-se dispositivos do direito comparado, desde séculos anteriores até o presente, com destaque para a Declaração das Nações Unidas, o Pacto dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, e a Declaração dos Direitos da Criança. Frisa-se, no contexto de regras que proclamam o “direito à educação”, o entrelaçamento do direito constitucional com o direito internacional, na medida em que ambos visam à proteção dos direitos humanos fundamentais.   



    2. APONTAMENTOS DO DIREITO À EDUCAÇÃO NO DIREITO INTERNACIONAL


    2.1 Considerações iniciais        

    Como afirma Reis Monteiro:    

    “A árvore normativa dos direitos do homem é alimentada por uma seiva cuja composição é natural e positiva, nacional e internacional. Os direitos do homem são naturais, na medida em que, como respondeu Antígona ao rei Creonte, há leis não escritas, que não datam ‘nem de hoje, nem de ontem , e ninguém sabe o dia em que apareceram’. Os direitos do homem são positivos, porque têm a forma escrita que garante a sua proteção jurídica. São nacionais, porque, além da maior parte deles terem nascido no seio do Direito interno, o seu respeito e satisfação dependem do sistema jurídico em que vive. E são internacionais, porque foram assumidos como Ética comum pela Comunidade internacional, que os desenvolveu e pode denunciar e até penalizar os Estados pela sua violação.” [1]




  2. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é ressaltado pelo constituinte no texto constitucional no art. 1º, inciso III, restando inarredável a decisão de contemplar o respeito ao homem pelo só fato de ser “humano”, beneficiado pelo direito de levar uma vida digna de ser humano, não podendo conseqüentemente ser usado como instrumento para algo, sendo por isso mesmo pessoa dotada de dignidade.

    Para Maria Garcia[2]:


O homem – na sua condição humana - é um ser universal. Os direitos humanos decorrem da condição humana; são, portanto, de caráter universal, aplicando-se ao ser humano, onde se encontre, bem como a tudo que detiver a qualidade humana.



Sabe-se que o conceito “dignidade da pessoa humana” é muito vago. Foi Tomaz de Aquino quem expressamente utiliza a expressão dignitas humana, seguido depois por diversos outros.



O art. 1º da Declaração Universal da ONU (1948) expressa que: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.”



Adota-se aqui o conceito de dignidade da pessoa humana formulado por Maria Garcia[3] onde afirma que “a dignidade da pessoa humana corresponde à compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica, como autodeterminação consciente, garantida moral e juridicamente”.       

A dignidade da pessoa humana é a reafirmação expressa do valor da pessoa humana como fundamento de uma ordem jurídica.      

A dignidade humana sintetiza em si todos os direitos humanos fundamentais.

A constitucionalização dos direitos fundamentais não significou mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela   .

O processo de globalização, propicia e estimula a abertura da Constituição à normação internacional, abertura que resulta na ampliação do bloco de constitucionalidade, que passa a incorporar os preceitos asseguradores de direitos fundamentais.

A partir da Constituição de 1988 intensificam-se a interação e a conjugação do direito internacional e do direito interno, que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais, com uma principiologia e lógica próprias, fundadas no princípio da primazia dos direitos humanos. Testemunha-se o processo de internacionalização do direito constitucional somado ao processo de constitucionalização do direito internacional.

Maria Garcia[4] ensina que:           

Essa é a tendência do direito público, (...) em razão da compreensão humanística do Direito e de uma ética que é universal, como universal é o homem, na sua qualidade humana. (...) Verifica-se a constitucionalização do Direito Internacional, quer pela sua positivação no Direito comunitário, quer pela inclusão dos direitos humanos dos tratados no corpus constitucional, num sistema integrativo que compreende, portanto, a internacionalização dos direitos humanos/ a constitucionalização do Direito internacional.



Ressalta-se que, os tratados de direitos humanos contemplam parâmetros protetivos mínimos, buscando resguardar um “mínimo ético irredutível” concernente à dignidade da pessoa humana.         



2.2 Fontes históricas do direito à educação



Observa-se ao longo dos anos da Antigüidade que a educação sempre foi um dever natural dos pais, coextensivo ao dever de alimentação e outros cuidados, e dever e direito de iniciação na vida comunitária.      

O Renascimento originou um movimento de renovação do pensamento pedagógico. A partir do século XVI, os Estados monárquicos europeus começaram a descobrir toda a importância da educação como instrumento político e emerge a idéia de educação nacional.

Embora muitos dos grandes educadores do movimento do Renascimento tenham sido mestres, nem todos o foram. A liderança na educação foi exercida por tratados gerais sobre o novo saber ou por obras incentivadoras do gosto pela literatura.

Na Itália podemos destacar Petrarca, Boccaccio, Barzizza, Vergério e outros humanistas. Muitos desses primeiros humanistas embora fossem ligados às cortes e às universidades, recebiam salários escassos, davam aulas para estudantes em suas casas. Por esse trabalho, mais do que por meio das aulas na universidade, é que eles davam à nova cultura a sua adequada organização didática e exerceram a maior influência sobre o seu tempo e sobre a educação.          

Na Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 não se encontra a palavra “educação”, ausente também das Declarações americanas de direitos.

A Constituição Francesa de 1791 (inspirada na Declaração de 1789) previa um “estabelecimento geral de socorros públicos para educar crianças abandonas”, assim como “uma instrução pública comum a todos os cidadãos, gratuita no que respeita às partes do ensino indispensável para todos os homens”. 

No século XX, a notável Constituição dos Estados Unidos Mexicanos (1917) prescrevia, no Artigo 3 que “a educação primária será obrigatória”.

A primeira Constituição da URSS de 10 de julho de 1918, “propõe–se dar instrução completa, universal e gratuita aos operários e camponeses mais pobres”, a fim de assegurar-lhes “o acesso real à culltura”.   

A famosa Constituição alemã de Weimar (1919), no seu art. 120, declarava: “a educação das jovens gerações, com vista a fazer-lhes adquirir as qualidades físicas, intelectuais e sociais, é o primeiro dever e o direito natural dos pais; a sociedade política vigia o modo como eles os cumprem”.A referida Constituição também afirma que: “Todo o ensino está sob o controle do Estado” (art. 144), e que “há uma obrigação escolar geral” (art. 145), cuja finalidade era “desenvolver no espírito da nacionalidade alemã e da reconciliação dos povos, a educação moral, os sentimentos cívicos, o valor pessoal e profissional”, mas “com a preocupação de não ferir os sentimentos daqueles que pensam diferentemente.” Prescrevia, ainda, que: “o ensino cívico e o ensino do trabalho são matérias de ensino nas escolas”, e “todos os alunos recebem, no termo da sua obrigação escolar, uma cópia da Constituição.” (art. 145).[5]



Quando é que, verdadeiramente, foi reconhecido, pela primeira vez, o “direito à educação”? Na Constituição Francesa de 1848, se encontra “um programa de direitos sociais, entre os quais se inscreve o direito à educação”.

No entanto, apenas a Constituição Soviética de 1936 reconhece formalmente um “direito à instrução” – expressão utilizada no Direito constitucional pela primeira vez, talvez.

A expressão direito à educação apenas aparece - talvez pela primeira vez também, no Direito constitucional – no art. 38 da Constituição italiana de 1947, que aliás, a utiliza apenas para reconhecer aos “inaptos e àqueles que sofrem de uma inferioridade” o “direito à educação e à preparação profissional.”  

No quatro universal, o direito à educação é protegido e promovido por mecanismos internacionais comuns a outros direito do homem, nomeadamente no seio da Unesco, que é a principal Organização Internacional no campo da normatividade e ação específicas em matéria de direito à educação, criada em 1945, como instituição especializada do sistema das Nações Unidas.        

O direito à educação entra, também no âmbito de competência da OIT, no que respeita ao conteúdo profissional do seu objeto, havendo mesmo um Comitê conjunto OIT/Unesco para controlar a aplicação da Recomendação sobre a condição do pessoal docente. (1966).



2.3 O Direito à Educação e à Instrução nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos fundamentais       

Interessante frisar aqui, que, o processo de internacionalização dos direitos humanos inicia-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no âmbito das Nações Unidas.

Nas palavras de Flávia Piovesan[6]:           

A Declaração consolida a afirmação de uma ética universal, ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados. (...) é aplicável a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios no qual incide. (...) Ao fazê-lo, conscientemente, a comunidade internacional reconheceu que o indivíduo é membro direito da sociedade humana, na condição de sujeito direito do Direito das Gentes.      

Observa-se, em seu preâmbulo, que a Declaração assim dispõe dentre os ideais comuns a serem atingidos por todos os povos e todas as nações está o ensino e a educação, promovendo, assim, o respeito a esses direitos e liberdades.

Também, em seu art. XXVI, que toda pessoa tem direito à instrução. Interessante, no âmbito do Direito Educacional, a transcrição do referido artigo:        

Art. XXVI – 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a educação superior, esta baseada no mérito.          

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.       

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.[7]



No artigo XXVII, a dita Declaração proclama que toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.        

No âmbito internacional universal, destaca-se também, o Pacto dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, de 1966, ratificado pelo Brasil em 24.01.1992, que, em seu artigo 13 reconhece, expressamente, o direito de toda pessoa à educação. Interessante observar o item 1 do artigo que assim estabelece:        

Artigo 13 – 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
[8]

Interessante ressaltar aqui também, na ótica internacional, a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pelas Nações Unidas em 1989 e ratificada pelo Brasil em 24/09/1990, que, em seu artigo 28 ressalta que “os Estados-partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito.”[9]           

No plano internacional regional, a Convenção européia dos direitos do homem reconhece um “direito à instrução” no art. 2 do seu primeiro Protocolo adicional, em vigor desde 1954.

Nos tratados fundadores da União Européia não se encontra a palavra educação, mas contém algumas disposições sobre a formação profissional, a investigação e o reconhecimento recíproco de diplomas, certificados e outros títulos.

A educação entrou formalmente no direito comunitário só em 1992, com o Tratado da União Européia (Maastricht), no art. 126 do Tratado da CEE, revisto, abrindo uma nova era na cooperação comunitária do domínio da educação.     

No quadro regional americano, o direito à educação encontra-se no art. 13 do Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), ratificado pelo Brasil em 1988.

Assim, verifica-se que as normas do direito educacional estão em consonância com regras de amplitude internacional.   

O direito à educação é um direito fundamental, e por isso mesmo, tem sua proteção resguardada nos documentos internacionais de proteção dos direitos humanos, com destaque para a dignidade da pessoa humana.      



2.4 Qual país tem a melhor educação do mundo?

Em setembro do presente ano de 2005, interessante artigo, publicado na Revista Super interessante, revela uma pesquisa feita por três diferentes entidades, apontando qual país teria a melhor educação do mundo, e quais os critérios eleitos para a realização das pesquisas.

A Noruega é apontada como a pioneira de acordo com o índice de desenvolvimento da educação para todos, da Unesco, em 2001, onde 127 países foram avaliados, dentre outros, o Brasil, cujo ranking foi o 72º lugar    .

Em outra pesquisa, realizada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta para a Finlândia. Foram avaliados 41 países, e o Brasil pegou a 38ª posição.            

Outra pesquisa aponta para Cingapura como a pioneira em estudos de matemática e ciências; foi desenvolvida pela Associação Internacional de Avaliação de Rendimento Educacional.



3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS        

BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução – elementos para uma teoria do sistema de ensino. Trad. Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1992.

BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o direito. Conforme lei nº 9394/96 Lei de diretrizes e bases da Educação Nacional. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CAMPANHOLE, Adriano & CAPANHOLE Hilton. Constituições do Brasil, 10 ed. São Paulo: Atlas, 1992.

CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional. 6a ed. Coimbra: Almedina, 1993.

GARCIA, Maria.Limites da Ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

JOKURA, Tiago. Revista Super interessante. Qual país tem a melhor educação do mundo? São Paulo: Editora Abril, edição 217, set. 2005, p. 45.

LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos. Barueri, SP: Manole, 2005.

MONTEIRO, A. Reis. O direito à Educação. Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1999, p. 34-46.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.





[1] MONTEIRO, Reis. O Direito à Educação. Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1999, p. 34.

[2] GARCIA, Maria. Limites da Ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 211.

[3] GARCIA, Maria. Op. cit.,p. 274.

[4] GARCIA, Maria. Op. cit., p. 315/319.

[5] MONTEIRO, Reis. O Direito à Educação. Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1999, p. 37.

[6] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.

[7] PIOVESAN, Flávia. Op. cit. , p. 346.

[8] PIOVESAN, Flávia. Op. cit.,P. 369.
Grifo nosso.

[9] PIOVESAN, Flávia.
Op. cit, p. 419.

 

*mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC de São Paulo, doutoranda em Direito pela PUC de São Paulo, professora de Direito Internacional

 

MARCO, Carla Fernanda de. Aspectos internacionais do direito educacional no Brasil. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=787>. Acesso em 3 de agosto de 2006.