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Aspectos internacionais
do direito educacional no Brasil
O homem – na sua condição humana - é um ser universal. Os direitos humanos
decorrem da condição humana; são, portanto, de caráter universal, aplicando-se
ao ser humano, onde se encontre, bem como a tudo que detiver a qualidade
humana.
Sabe-se que o conceito “dignidade da pessoa humana” é muito vago. Foi Tomaz de
Aquino quem expressamente utiliza a expressão dignitas humana, seguido depois
por diversos outros.
O art. 1º da Declaração Universal da ONU (1948) expressa que: “Todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.”
Adota-se aqui o conceito de dignidade da pessoa humana formulado por Maria
Garcia[3] onde afirma que “a dignidade da pessoa humana corresponde à
compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica, como
autodeterminação consciente, garantida moral e juridicamente”.
A dignidade da pessoa humana é a reafirmação expressa do valor da pessoa humana
como fundamento de uma ordem jurídica.
A dignidade humana sintetiza em si todos os direitos humanos fundamentais.
A constitucionalização dos direitos fundamentais não significou mera enunciação
formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais
qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela .
O processo de globalização, propicia e estimula a abertura da Constituição à
normação internacional, abertura que resulta na ampliação do bloco de
constitucionalidade, que passa a incorporar os preceitos asseguradores de
direitos fundamentais.
A partir da Constituição de 1988 intensificam-se a interação e a conjugação do
direito internacional e do direito interno, que fortalecem a sistemática de
proteção dos direitos fundamentais, com uma principiologia e lógica próprias,
fundadas no princípio da primazia dos direitos humanos. Testemunha-se o
processo de internacionalização do direito constitucional somado ao processo de
constitucionalização do direito internacional.
Maria Garcia[4] ensina que:
Essa é a tendência do direito público, (...) em razão da compreensão
humanística do Direito e de uma ética que é universal, como universal é o
homem, na sua qualidade humana. (...) Verifica-se a constitucionalização do
Direito Internacional, quer pela sua positivação no Direito comunitário, quer
pela inclusão dos direitos humanos dos tratados no corpus constitucional, num
sistema integrativo que compreende, portanto, a internacionalização dos
direitos humanos/ a constitucionalização do Direito internacional.
Ressalta-se que, os tratados de direitos humanos contemplam parâmetros
protetivos mínimos, buscando resguardar um “mínimo ético irredutível”
concernente à dignidade da pessoa humana.
2.2 Fontes históricas do direito à educação
Observa-se ao longo dos anos da Antigüidade que a educação sempre foi um dever
natural dos pais, coextensivo ao dever de alimentação e outros cuidados, e
dever e direito de iniciação na vida comunitária.
O Renascimento originou um movimento de renovação do pensamento pedagógico. A
partir do século XVI, os Estados monárquicos europeus começaram a descobrir
toda a importância da educação como instrumento político e emerge a idéia de
educação nacional.
Embora muitos dos grandes educadores do movimento do Renascimento tenham sido
mestres, nem todos o foram. A liderança na educação foi exercida por tratados
gerais sobre o novo saber ou por obras incentivadoras do gosto pela literatura.
Na Itália podemos destacar Petrarca, Boccaccio, Barzizza, Vergério e outros
humanistas. Muitos desses primeiros humanistas embora fossem ligados às cortes
e às universidades, recebiam salários escassos, davam aulas para estudantes em
suas casas. Por esse trabalho, mais do que por meio das aulas na universidade,
é que eles davam à nova cultura a sua adequada organização didática e exerceram
a maior influência sobre o seu tempo e sobre a educação.
Na Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 não se encontra a
palavra “educação”, ausente também das Declarações americanas de direitos.
A Constituição Francesa de 1791 (inspirada na Declaração de 1789) previa um
“estabelecimento geral de socorros públicos para educar crianças abandonas”, assim
como “uma instrução pública comum a todos os cidadãos, gratuita no que respeita
às partes do ensino indispensável para todos os homens”.
No século XX, a notável Constituição dos Estados Unidos Mexicanos (1917)
prescrevia, no Artigo 3 que “a educação primária será obrigatória”.
A primeira Constituição da URSS de 10 de julho de 1918, “propõe–se dar
instrução completa, universal e gratuita aos operários e camponeses mais
pobres”, a fim de assegurar-lhes “o acesso real à culltura”.
A famosa Constituição alemã de Weimar (1919), no seu art. 120, declarava: “a
educação das jovens gerações, com vista a fazer-lhes adquirir as qualidades
físicas, intelectuais e sociais, é o primeiro dever e o direito natural dos
pais; a sociedade política vigia o modo como eles os cumprem”.A referida
Constituição também afirma que: “Todo o ensino está sob o controle do Estado”
(art. 144), e que “há uma obrigação escolar geral” (art. 145), cuja finalidade
era “desenvolver no espírito da nacionalidade alemã e da reconciliação dos
povos, a educação moral, os sentimentos cívicos, o valor pessoal e
profissional”, mas “com a preocupação de não ferir os sentimentos daqueles que
pensam diferentemente.” Prescrevia, ainda, que: “o ensino cívico e o ensino do
trabalho são matérias de ensino nas escolas”, e “todos os alunos recebem, no
termo da sua obrigação escolar, uma cópia da Constituição.” (art. 145).[5]
Quando é que, verdadeiramente, foi reconhecido, pela primeira vez, o “direito à
educação”? Na Constituição Francesa de 1848, se encontra “um programa de
direitos sociais, entre os quais se inscreve o direito à educação”.
No entanto, apenas a Constituição Soviética de 1936 reconhece formalmente um
“direito à instrução” – expressão utilizada no Direito constitucional pela
primeira vez, talvez.
A expressão direito à educação apenas aparece - talvez pela primeira vez
também, no Direito constitucional – no art. 38 da Constituição italiana de
1947, que aliás, a utiliza apenas para reconhecer aos “inaptos e àqueles que
sofrem de uma inferioridade” o “direito à educação e à preparação
profissional.”
No quatro universal, o direito à educação é protegido e promovido por
mecanismos internacionais comuns a outros direito do homem, nomeadamente no
seio da Unesco, que é a principal Organização Internacional no campo da
normatividade e ação específicas em matéria de direito à educação, criada em
1945, como instituição especializada do sistema das Nações Unidas.
O direito à educação entra, também no âmbito de competência da OIT, no que
respeita ao conteúdo profissional do seu objeto, havendo mesmo um Comitê
conjunto OIT/Unesco para controlar a aplicação da Recomendação sobre a condição
do pessoal docente. (1966).
2.3 O Direito à Educação e à Instrução nos documentos internacionais de proteção
aos direitos humanos fundamentais
Interessante frisar aqui, que, o processo de internacionalização dos direitos
humanos inicia-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no
âmbito das Nações Unidas.
Nas palavras de Flávia Piovesan[6]:
A Declaração consolida a afirmação de uma ética universal, ao consagrar um
consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados. (...)
é aplicável a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos,
seja qual for o regime político dos territórios no qual incide. (...) Ao
fazê-lo, conscientemente, a comunidade internacional reconheceu que o indivíduo
é membro direito da sociedade humana, na condição de sujeito direito do Direito
das Gentes.
Observa-se, em seu preâmbulo, que a Declaração assim dispõe dentre os ideais
comuns a serem atingidos por todos os povos e todas as nações está o ensino e a
educação, promovendo, assim, o respeito a esses direitos e liberdades.
Também, em seu art. XXVI, que toda pessoa tem direito à instrução.
Interessante, no âmbito do Direito Educacional, a transcrição do referido
artigo:
Art. XXVI – 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita,
pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória.
A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a educação
superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e
pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e
coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será
ministrada a seus filhos.[7]
No artigo XXVII, a dita Declaração proclama que toda pessoa tem o direito de
participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar
do progresso científico e de seus benefícios.
No âmbito internacional universal, destaca-se também, o Pacto dos Direitos
Sociais, Econômicos e Culturais, de 1966, ratificado pelo Brasil em 24.01.1992,
que, em seu artigo 13 reconhece, expressamente, o direito de toda pessoa à
educação. Interessante observar o item 1 do artigo que assim estabelece:
Artigo 13 – 1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda
pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento
da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito
pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda que a
educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma
sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas
as nações e todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as
atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. [8]
Interessante
ressaltar aqui também, na ótica internacional, a Convenção sobre os Direitos da
Criança, adotada pelas Nações Unidas em 1989 e ratificada pelo Brasil em
24/09/1990, que, em seu artigo 28 ressalta que “os Estados-partes reconhecem o
direito da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente
e em igualdade de condições esse direito.”[9]
No plano internacional regional, a Convenção européia dos direitos do homem
reconhece um “direito à instrução” no art. 2 do seu primeiro Protocolo
adicional, em vigor desde 1954.
Nos tratados fundadores da União Européia não se encontra a palavra educação,
mas contém algumas disposições sobre a formação profissional, a investigação e
o reconhecimento recíproco de diplomas, certificados e outros títulos.
A educação entrou formalmente no direito comunitário só em 1992, com o Tratado
da União Européia (Maastricht), no art. 126 do Tratado da CEE, revisto, abrindo
uma nova era na cooperação comunitária do domínio da educação.
No quadro regional americano, o direito à educação encontra-se no art. 13 do
Protocolo de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais),
ratificado pelo Brasil em 1988.
Assim, verifica-se que as normas do direito educacional estão em consonância
com regras de amplitude internacional.
O direito à educação é um direito fundamental, e por isso mesmo, tem sua
proteção resguardada nos documentos internacionais de proteção dos direitos
humanos, com destaque para a dignidade da pessoa humana.
2.4 Qual país tem a melhor educação do mundo?
Em setembro do presente ano de 2005, interessante artigo, publicado na Revista
Super interessante, revela uma pesquisa feita por três diferentes entidades,
apontando qual país teria a melhor educação do mundo, e quais os critérios
eleitos para a realização das pesquisas.
A Noruega é apontada como a pioneira de acordo com o índice de desenvolvimento
da educação para todos, da Unesco, em 2001, onde 127 países foram avaliados,
dentre outros, o Brasil, cujo ranking foi o 72º lugar .
Em outra pesquisa, realizada pela Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta para a Finlândia. Foram avaliados 41
países, e o Brasil pegou a 38ª posição.
Outra pesquisa aponta para Cingapura como a pioneira em estudos de matemática e
ciências; foi desenvolvida pela Associação Internacional de Avaliação de
Rendimento Educacional.
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução – elementos para uma teoria do
sistema de ensino. Trad. Reynaldo Bairão. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves Editora, 1992.
BOAVENTURA, Edivaldo. A educação brasileira e o direito. Conforme lei nº
9394/96 Lei de diretrizes e bases da Educação Nacional. Belo Horizonte: Nova
Alvorada, 1997.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CAMPANHOLE, Adriano & CAPANHOLE Hilton. Constituições do Brasil, 10 ed. São
Paulo: Atlas, 1992.
CANOTILHO, J. J. G. Direito constitucional. 6a ed. Coimbra: Almedina, 1993.
GARCIA, Maria.Limites da Ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
JOKURA, Tiago. Revista Super interessante. Qual país tem a melhor educação do
mundo? São Paulo: Editora Abril, edição 217, set. 2005, p. 45.
LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos. Barueri, SP: Manole,
2005.
MONTEIRO, A. Reis. O direito à Educação. Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1999, p.
34-46.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5ª
ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.
[1] MONTEIRO, Reis. O Direito à Educação. Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1999,
p. 34.
[2] GARCIA, Maria. Limites da Ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da
responsabilidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 211.
[3] GARCIA, Maria. Op. cit.,p. 274.
[4] GARCIA, Maria. Op. cit., p. 315/319.
[5] MONTEIRO, Reis. O Direito à Educação. Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1999,
p. 37.
[6] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional
internacional. 5ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.
[7] PIOVESAN,
Flávia. Op. cit. , p. 346.
[8] PIOVESAN, Flávia. Op. cit.,P. 369. Grifo
nosso.
[9] PIOVESAN, Flávia. Op.
cit, p. 419.
*mestre
em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC de São Paulo,
doutoranda em Direito pela PUC de São Paulo, professora de Direito
Internacional
MARCO, Carla Fernanda de. Aspectos internacionais do direito
educacional no Brasil. Disponível em
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=787>.
Acesso em 3 de agosto de 2006.