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Reconsideração versus revisão: uma distinção que se impõe





Maria Berenice Dias*





A lei cria um sistema de recursos e o coloca à disposição de quem se sente prejudicado por uma decisão judicial. Ainda assim, há uma acentuada tendência de pedir ao próprio juízo o reexame do decidido, na tentativa de reverter a manifestação anterior. De maneira singela, a doutrina e a jurisprudência não emprestam qualquer relevo nem concedem efeitos a pedidos de reconsideração, quer por falta de previsão legal, quer por parecer mera insistência impertinente de quem teve sua pretensão desacolhida.

Se eventualmente se pode entender como procrastinatória a reclamação da parte que se sentiu lesada pelo indeferimento de sua pretensão, o mesmo rótulo não merece quem está pela primeira vez trazendo à apreciação do juízo sua versão, para livrar-se do prejuízo que a decisão lhe causou, sem que tivesse tido anteriormente oportunidade de se manifestar.


Assim, imperioso revisitar este tema, pois essa sutil e importante diferenciação carece ser feita. Não mais cabe continuar confundindo pedido de reconsideração com pedido de revisão, distinção que se faz importante tanto para a identificação do marco de fluência do prazo recursal como para se evitarem recursos desnecessários, sem contar com a afronta a um dos princípios fundamentais em matéria de recursos: o do duplo grau de jurisdição.


Por tais motivos, há que distinguir pedido de reconsideração, que é o veiculado pela parte cuja pretensão foi desatendida pelo juiz, de pedido de revisão, formulado por quem se sujeitou à decisão que foi proferida em favor da parte ex adversa e que vem pela vez primeira a juízo trazendo suas razões.


Formulado por uma das partes determinado pedido, sendo este desacolhido pelo juízo, quem viu sua pretensão frustrada deve se insurgir contra o decidido por meio de recurso à instância superior. O prazo para manifestar a irresignação inicia no momento em que teve ciência de que sua pretensão não foi atendida. Nada impede que a parte, se pretender que o juiz reveja o que decidiu, isto é, reconsidere a decisão proferida, veicule pedido de reconsideração. Tal proceder, todavia, não possui efeito interruptivo do prazo recursal, que começou a fluir da intimação da primeira decisão proferida. O desacolhimento do pedido não dá início a novo prazo para a oposição de recurso.


A justificativa para não conferir efeito suspensivo ao pedido de reconsideração é elementar. Não pode ficar exclusivamente ao alvedrio da parte deslocar a fluência do prazo recursal. Transferir o início da fluência do prazo a partir da ciência da segunda manifestação do juízo – que sequer dispõe de conteúdo decisório – daria ensejo a que a parte recuperasse, a qualquer tempo, a possibilidade de recorrer. Imperiosa é a identificação de um marco inicial para o uso do recurso, não havendo como emprestar efeito suspensivo ao pedido de reconsideração formulado pela parte cuja pretensão já obteve uma manifestação judicial. Assim, rejeitada determinada pretensão, descabido facultar à parte que viu frustrado seu intento de, a qualquer tempo, recorrer, pela só formulação – e desacolhimento – de mero pedido de reconsideração.


Esse raciocínio, no entanto, não pode prevalecer quando a manifestação judicial traz prejuízo à outra parte, ou seja, quando o juiz, ao acolher pedido de uma das partes, causa prejuízo à outra. Nessa hipótese, o magistrado decidiu atentando exclusivamente nos argumentos e dados probatórios apresentados por uma parte, fazendo uso dos elementos de convicção que lhe foram trazidos por quem formulou o pedido. Acolhida a pretensão, a parte contrária, que resultou prejudicada ou se sentiu lesada pela decisão, não só pode, mas deve manifestar sua irresignação ao próprio juiz que lhe causou gravame. Nesse momento, o magistrado terá oportunidade de rever o que decidiu atentando nos argumentos trazidos pela parte que se sentiu atingida. Evidente que esse pedido revisional, formulado pela parte lesada, não se confunde com pedido de reconsideração, pois é trazida toda uma linha argumentativa da qual o magistrado não tinha conhecimento no julgamento anterior.


Tratando-se de pedido de revisão, a parte verte os seus fundamentos para que o juiz reaprecie o que decidiu, atentando nos fundamentos que não foram sopesados quando apreciou o requerimento da outra parte. Não se trata de um mero pedido de reconsideração. O pedido é de reavaliação, e a nova decisão será proferida levando em conta uma linha de argumentação trazida pela primeira vez à apreciação judicial. A mantença do decidido, portanto, dispõe de conteúdo decisório, pois significa rejeição à pretensão formulada pela parte sucumbente.


A diferença entre as duas figuras é clara. Basta identificar quem vem pedir ao magistrado que ele volte atrás, ou seja, reveja a manifestação exarada anteriormente. A depender de quem pede a retratação, se está frente a um pedido de reconsideração ou um pedido de revisão. Só se pode identificar como reconsideração o pedido veiculado pela própria parte que teve desatendida sua pretensão formulada ao juízo. No entanto, se o acolhimento da pretensão formulada por uma das partes gera gravame à outra parte, esta não está impedida de pedir ao juízo monocrático.a revisão do que foi decidido antes de ter tido oportunidade de se manifestar.


O pedido de revisão, como não se confunde com pedido de reconsideração, suspende o prazo para esgrimir agravo de instrumento. Só na eventualidade de o magistrado manter a decisão anterior é que se abre o prazo recursal. É imperioso emprestar efeito suspensivo à pretensão revisional, uma vez que descabe ser chamada a instância superior para rever decisão que, ao ser proferida, não levou em conta os subsídios do agravante, que só são trazidos no recurso. Aliás, o uso da via revisional deveria ser imperativa, sob pena de se estar subtraindo um grau de jurisdição e afrontando o princípio que o consagra como um dos basilares em matéria recursal. Nessa hipótese, é chamado o tribunal a se manifestar sobre algo de que o juízo de origem não tomou conhecimento, isto é, fundamentos, fatos e provas que não foram alvo da apreciação na primeira instância.


Imperioso impor ao magistrado o dever de se manifestar ante o pedido de revisão, por meio de decisão fundamentada. Assim, não se pode afirmar que o ônus – ora transformado em obrigação –, previsto no art. 526 do CPC, de dar ciência ao juízo do agravo interposto dá ensejo a que o juiz reconsidere sua decisão. Nessa hipótese, como não é obrigatória a manifestação do juízo, se está subtraindo do magistrado o dever de decidir, transformando a reavaliação em uma mera faculdade.


O trato diário com matéria de Direito de Família permite trazer exemplos que emprestam clareza à questão. Em uma ação de alimentos, pedidos alimentos provisórios em determinado valor, fixada a verba alimentar aquém do montante pretendido, insatisfeito o autor, mister que de imediato interponha agravo de instrumento junto ao órgão recursal. Se, eventualmente, pedir reconsideração ao juiz prolator da decisão, tal pedido não dispõe de efeito suspensivo e a mantença da decisão não irá reabrir o prazo recursal.


Cabe figurar a hipótese distinta. Fixados os alimentos provisórios tomando por base as informações do autor sobre os ganhos do alimentante, este, ao tomar ciência do montante estabelecido, pode pedir a revisão do quantum fixado, trazendo a prova de seus rendimentos, a evidenciar que não percebe a remuneração afirmada pelo autor, dado que serviu de base para a fixação do pensionamento. Esse pedido deve ser dirigido ao juiz de origem e dispõe de efeito suspensivo para efeitos recursais. Revela-se de todo despiciendo e oneroso impor à parte que de imediato interponha agravo de instrumento, quando muito provavelmente o juiz, ao tomar conhecimento de seus rendimentos, reequacione o valor dos alimentos provisórios. Somente ao tomar ciência do desacolhimento de seu pedido revisional é que terá início o prazo de recurso a ser manifestado perante o segundo grau de jurisdição.


O não-reconhecimento desse diferencial tem levado indistintamente à interposição imediata de agravo de instrumento, o que vem abarrotando os tribunais de recursos muitas vezes desnecessários, pois acaba o relator se substituindo à função revisional que cabia ao juízo de origem. Outra prática corrente é a parte concomitantemente pedir revisão e agravar. Mas o uso do recurso tem inibido os magistrados de reverem sua decisão, limitando-se a aguardar o julgamento do recurso, afirmando, muitas vezes, que o decidido merece ser revisto, mas relegando tal tarefa aos tribunais. Evidente o desnecessário desgaste que dita situação sinaliza.


Por todos esses comemorativos, mister que essa distinção seja estabelecida por lei com a precisa indicação do procedimento a ser adotado em cada uma das hipóteses. Mas, enquanto não houver expressa determinação legal de que a parte prejudicada por decisão proferida a pedido da parte ex adversa deve primeiro se dirigir ao juiz prolator da decisão, imperioso que a jurisprudência vinque essa diretriz. Basta de confundir pedido de reconsideração com pedido de revisão. Necessário que se pacifique o entendimento de que o pedido feito pela própria parte não dispõe de efeito suspensivo, preservando-se claramente o posterior uso da via recursal a quem formula prévio pedido revisional.


Essa diretriz já vem sendo acolhida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que tenho o privilégio de integrar (Agravo de Instrumento nº 70004072799 e Agravo de Instrumento nº 70001860956).


Urge que tal distinção seja levada a efeito, seja para não suprimir um grau de jurisdição, seja para não afogar a corte recursal com pretensões que, se manifestadas na origem, poderiam ser revistas por singela reavaliação do juiz, ao tomar conhecimento dos novos elementos que lhe foram trazidos.



*Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. www.mariaberenice.com.br


DIAS, Maria Berenice. Reconsideração versus revisão: uma distinção que se impõe. Jus Vigilantibus, Vitória, 27 ago. 2003. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/536>. Acesso em: 4 jul. 2006.