As graves distorções que impedem o desenvolvimento do denominado sistema científico-tecnológico no Estado de Santa Catarina

 

Rosendo A. Yunes (*)

 

 

 

Uma nação é considerada dinâmica, forte e estável, política e socialmente desenvolvida quando todas as suas regiões estão devidamente integradas e todas participam com justiça dos benefícios materiais e culturais gerados pelo pais. O Brasil, sabidamente, é uma nação onde as injustiças sociais e tecnológicas são demasiadamente distorcidas para não dizer mesmo perversas. Certamente, uma análise mais profunda dessas questões nos mostram que tais fatos não ocorrem por mero acaso. Mesmo quando se trata do "sistema científico e tecnológico", mesmo sendo esse formado por uma chamada elite esclarecida, essas distorções saltam aos olhos.

 

 O sistema científico e tecnológico de uma nação está diretamente relacionado a sua capacidade de desenvolver pesquisas científicas tanto básicas quanto tecnológicas que traduzam melhorias sociais, em especial, culminando com a qualidade de vida de sua população. É também bem estabelecido que esta característica depende do número de grupos e centros de pesquisas gabaritados e consolidados. A história mostra que o Estado de São Paulo, em função principalmente da criação de uma solida fundação de apoio à pesquisa, a FAPESP, a qual vem recebendo religiosamente 1 por cento de sua arrecadação, conseguiu, através de financiamentos oportunos, o desenvolvimento da pesquisa e até em alguns casos de pólos de desenvolvimento industrial, como são os casos de Campinas e São Carlos. Desta forma conseguiram formar as universidades de melhores nível e desempenho do Brasil.

 

Por sua vez a FINEP (Financiadora de Projetos), situada no Rio de Janeiro, por essa mesma razão, apesar de ser federal, privilegiou em especial a pesquisa realizada no Rio de Janeiro. Este fato faz com que a distribuição de recursos federais por parte de órgãos de fomento à pesquisa (CNPq, CAPES, FINEP, etc), priorize somente a "qualidade" dos grupos já estruturados, sem levar em conta as diferenças regionais relevantes ocasionadas pelo processo histórico. Assim, a exemplo do que ocorre entre países onde a pesquisa e desenvolvimento se concentram quase absolutamente em alguns poucos desenvolvidos, neste caso cada vez mais os recursos vêem sendo destinados ao financiamento da pesquisa do Estado de São Paulo. Tal fato, cria uma concentração perversa e destrutiva para o sistema científico-tecnológico e notadamente para o próprio país.

 

Analisando-se por exemplo os últimos financiamentos de pesquisa aprovados pelo PRONEX (Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência) observa-se que o PRONEX I (realizado em 1996) destinou, nas áreas de Ciências Exatas e da Terra, Tecnológicas e Ciências da Vida, às universidades e institutos de São Paulo cerca de 40-45 por cento do total dos recursos disponíveis do programa. Poder-se-ia pensar que os 60 por cento restantes seriam distribuídos de uma maneira mais eqüitativa, obviamente considerando os grupos de excelência existentes no país. Grande erro! Se considerarmos apenas os Estados de São Paulo e do Rio Janeiro, verificaremos que a eles foram destinados 70-75 por cento dos recursos.

 

No PRONEX II (realizado em setembro de 1997), em média, nas três áreas de conhecimento mencionadas, mais uma vez as universidades e os institutos de pesquisa do Estado de São Paulo foram contemplados com 40-45 por cento dos recursos e, somado ao Rio de Janeiro, essa cifra atinge a casa dos 70 por cento.

 

Ainda mais: ao analisar os financiamentos aprovados pelo PRONEX II, verifica-se que na área de Ciências da Vida, somente um instituto de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi contemplado com 5 projetos de pesquisa, num total de R$ 5 milhões. Ao contrário, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e de resto todo o Estado de Santa Catarina, não teve nenhum aprovado, embora sabidamente contando com vários grupos de excelência e com uma pós-graduação já consagrada em varias áreas do conhecimento. Isto significa ou que nossa universidade e muitas outras do Brasil são ruins e deveriam ser fechadas, ou que existem reais e perigosas distorções na avaliação realizada pelos responsáveis pelo PRONEX, que na realidade não podem e não devem ser aceitas pois tratam-se de recursos públicos.

 

Se analisarmos a distribuição das bolsas de pós-graduação aprovadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e CAPES, observaremos distorção semelhante e em alguns casos mais gritantes. A situação é ainda mais dramática se considerarmos que o CNPq tem um programa especial para o Nordeste que proporciona financiamento de até R$ 200.000,00 por pesquisador (por 4 anos). Por que então não realizar um programa Sul para o estímulo ao desenvolvimento científico e tecnológico dos Estados de Santa Catarina e Paraná que, por razoes obscuras e não condizentes com seus níveis de desenvolvimento, e já próximo ao novo milênio, não contam ainda com fundações estaduais de apoio à pesquisa em funcionamento? Em definitivo, os recursos federais do país, que devem ser distribuídos eqüitativamente entre os Estados, são canalizados especialmente para São Paulo e Rio de Janeiro, algo para o Rio Grande do Sul e alguns poucos Estados do Nordeste.

 

O incrível de tudo isto é que não se observa nenhuma crítica destas graves distorções por parte das sociedades científicas organizadas, universidades, partidos políticos. Por que? Também se observa um silêncio das autoridades universitárias dos Estados esquecidos. Que esperamos? Acaso recolher as migalhas dos financiamentos e assistir de braços cruzados ao desaparecimento de nossos grupos de pesquisa que, sem financiamento adequados, nunca poderão competir nem progredir e, por conseguinte, ao desaparecimento de nossas universidades? A conseqüência de tudo isso será os reflexos negativos a curto e médio prazos que certamente trarão para nossas universidades e ao meio industrial.

 

 Acredito que sou a voz do pensamento da absoluta maioria dos pesquisadores de nosso Estados e de muitos Estados do Brasil que encontram-se em situação semelhante. Por isso, convido a todas as autoridades e instituições responsáveis a reagir para evitar que esta tremenda distorção continue afetando nossas justas e reais possibilidades de crescimento cientifico e tecnológico no Estado de Santa Catarina.

 

(*) professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)