® BuscaLegis.ccj.ufsc.br



Entidades Educacionais e a imunidade relativa às contribuições para a Seguridade Social





Zélia Luiza Pierdoná - Procuradora da República em São Paulo, Mestre em Direito Previdenciário e Doutoranda em Direito Constitucional pela PUC/SP, Professora de Direito Previdenciário e Tributário.



As entidades educacionais não têm direito à imunidade prevista no § 7º do art. 195 da Carta Política.



Essa afirmação assenta-se no fato de que as entidades educacionais não estão incluídas no referido preceito. Tal entendimento impõem-se, após a análise da norma de estrutura que atribui competência à União para instituir às contribuições para a Seguridade Social.



Para tanto, serão utilizados os ensinamentos do Professor Paulo de Barros Carvalho, que reconhece força prescritiva às frases isoladas do Direito Positivo, bem como, a necessidade de tais prescrições unirem-se a outras para formarem unidades normativas, como mínimos deônticos completos. O autor utiliza o vocábulo "enunciado" como sinônimo de oração e "proposição" como a significação contida no enunciado.



Para ele os enunciados do Direito prescrevem condutas, enquanto as normas jurídicas são as significações construídas a partir dos textos positivados e estruturadas consoante a forma lógica dos juízos condicionais, sempre tomando como referência o Direito posto, mesmo indiretamente; diante disso, o enunciado é emitido pela autoridade competente e a norma provinda dele é construída pelo intérprete.



Quanto às normas, há aquelas cujo objetivo é atingir os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente como obrigatórios, proibidos e permitidos. Tais regras, quando satisfeito o direito subjetivo do titular por elas indicado, são terminativas da cadeia de normas, denominado-se normas de conduta. Porém, há outras cuja disposição também é sobre condutas, mas visam à produção de novas normas, aparecendo como condição sintática para a elaboração de outras regras, apesar de veicularem comandos disciplinadores, os quais também agirão sobre os comportamentos intersubjetivos, sendo estas nominadas normas de estrutura.



Sustenta o referido jurista que, naquelas, a ordenação final da conduta é o objetivo pronto e imediato; por outro lado nas normas de estrutura, o caráter é mediato, pois requerem outra prescrição, de modo que a orientação dos comportamentos intersubjetivos ficará a cargo de unidades a serem produzidas. Para ele, as normas de estrutura "instituem condições, determinam limites ou estabelecem outra conduta que servirá de meio para a construção de regras do primeiro tipo".



Norberto Bobbio, por sua vez, utiliza as expressões normas de estrutura e normas de comportamento, prescrevendo as primeiras, as condições e os procedimentos através dos quais emanam normas de conduta válidas. Sustenta ele que "as normas de estrutura podem também ser consideradas como as normas para a produção jurídica: quer dizer, como as normas que regulam os procedimentos de regulamentação jurídica. Elas não regulam o comportamento, mas o modo de regular um comportamento, ou mais exatamente, o comportamento que elas regulam é o de produzir regras" Sobre tais normas, continua afirmando, "é a presença e freqüência dessas normas que constituem a complexidade do ordenamento jurídico; e somente o estudo do ordenamento jurídico nos faz entender a natureza e a importância dessas normas".



É justamente na análise da norma de estrutura que atribui competência à União para instituir a contribuição destinada à Seguridade Social, que reside a exclusão das entidades educacionais na imunidade em discussão, uma vez que tanto os preceitos determinativos da afetação da receita, como a regra imunizante do § 7º do art. 195 da CF, contribuem na construção da referida norma, a qual deve ser observada pelo legislador infraconstitucional.



Em relação a afetação da receita, é importante verificar a natureza jurídica das discutidas contribuições. Nesse sentido, sob a égide da Constituição anterior, tanto a jurisprudência como a doutrina, reconheciam as contribuições especiais como espécies tributárias; porém, após a Emenda Constitucional nº 8/77, o Supremo Tribunal Federal diferençou-as dos tributos.



Vigente a Constituição de 1988, a maioria dos doutrinadores, bem como o próprio Supremo Tribunal Federal, confere natureza tributária às contribuições. Nesse sentido é o entendimento de Sacha Calmon Navarro Coêlho: "Nos termos do art. 149 da CF, as contribuições parafiscais em geral estão submetidas aos princípios vetores da tributação e as normas gerais de Direito Tributário, isto é, ao CTN. São, pois, ontológica e normativamente tributos".



Apesar de serem consideradas como tributos, apresentam especificidades, diferenciando-se das demais espécies tributárias, justamente pela afetação de sua receita.



Essa afirmação tem como fundamento o texto constitucional, que é o suporte físico, um dos três ângulos da linguagem. Constitui ele o ponto de partida, tanto para a formação das significações, como para a referência aos significados.



Baseando-se nele, texto constitucional, visto ser o competente para instituir enunciados relativos a norma de estrutura, pode-se afirmar que as contribuições distinguem-se dos demais tributos, devido à afetação de sua receita.



A nota diferenciadora em relação aos impostos é a destinação dos recursos, porquanto a Constituição, com exceção das ressalvas contidas no art. 167, IV, veda a vinculação da receita dos impostos a órgão, fundo ou despesa; porém, com relação às contribuições para a Seguridade Social, a vinculação de sua receita às áreas da Seguridade é uma imposição constitucional.



Nesse sentido, Eurico Marcos Diniz de Santi pondera: "se a Constituição, ex vi do art. 167, IV, ressalvada a repartição constitucional, veda expressamente a vinculação de receita de impostos a órgãos, fundo ou despesa, então o art. 4º, II, do CTN infirma a desimportância da destinação legal, e esse aspecto passa a tornar-se relevante (pelo menos negativamente) para se determinar a espécie tributária. Havendo destinação legal do gravame, de imposto é que não se trata"



Para esse mesmo autor são três os traços distintivos das espécies tributárias, previstos constitucionalmente: a vinculação ou não de uma atividade estatal no desenho da hipótese tributária, a previsão do destino legal do tributo e a previsão legal da restituição.



Contudo, para muitos doutrinadores, entre eles Paulo de Barros Carvalho e Alfredo Augusto Becker , a destinação da receita não é relevante para fins tributários.



Para Marçal Justen Filho, ao contrário dos autores acima nominados "A 'contribuição especial' se individualiza e se identifica não apenas pela natureza do 'fato gerador', mas pela vinculação entre a exação e o atendimento a um específico encargo estatal". Conclui ele que analisando apenas a materialidade da hipótese de incidência da contribuição, trata-se de um imposto; porém, a destinação (finalidade) de sua receita constitui a peculiaridade mais evidente, que a diferencia dos demais tributos.



Menciona ainda, que a discriminação constitucional das competências tributárias, a enumeração das materialidades das hipóteses de incidência, de observância obrigatória pelo legislador infraconstitucional, já constituíam normas condicionantes do exercício da denominada "potestade legislativa tributária". Segundo ele, antes da atual Constituição, não havia regra vinculando exercício de competência tributária à consecução de determinados e específicos fins de interesse público. Contudo, atualmente, há previsão determinando uma funcionalização específica e definida para um setor da competência tributária, determinação essa estabelecida pela Lei Maior; por isso, também contribui na construção da norma de estrutura que legitima a instituição de contribuições, pelo legislador infraconstitucional.



Segundo Wagner Balera a "nota distintiva da contribuição para a seguridade é o nexo entre contribuição e prestação". Ele utiliza a expressão "regra da contrapartida" para designar essa relação entre contribuição e prestação. Assevera, ainda, que constituiu essa uma limitação constitucional específica ao poder de criar as contribuições em apreço.



Verifica-se que o enunciado da vinculação da receita contribui para o desenho da competência tributária. Com isso, a União, ao exercitar a competência para instituir contribuições destinadas à Seguridade Social, deverá vincular sua receita ao sistema de Seguridade Social, o que não ocorre com os demais tributos, nos quais o destino da arrecadação é irrelevante.



Relativamente às contribuições, a Constituição Federal determina uma destinação específica, por isso, a competência legislativa tributária nasce afetada aos fins estabelecidos, resultando que a destinação é fator discrímen das demais espécies tributárias. Além disso, a falta de destinação da receita a uma das áreas componentes do referido sistema, torna inconstitucional a sua instituição e exigência.



Se a destinação específica a uma das áreas da Seguridade Social é requisito de validade da norma instituidora da contribuição, igualmente a relação com uma delas, será requisito de validade da norma que tornar exeqüível o enunciado constitucional referente a imunidade específica destas contribuições.



Da mesma forma que a afetação específica, o enunciado referente à imunidade exerce a função de colaborar no desenho da competência tributária relativa à contribuição. E, como se verá, o enunciado do § 7º em comento, já considerou a afetação específica determinada pela Constituição, pois restringiu seu preceito às entidades beneficentes de assistência social. Dispõe o mencionado parágrafo,



"Art. 195 ...



§ 7º "São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei."



Embora o texto constitucional refira-se à isenção, trata-se de imunidade, já que esta exerce a função de colaborar no desenho das competência impositivas.



As regras de imunidade tem sede constitucional, não cuidam da problemática da incidência, como ocorre com a isenção, cujo plano é o da legislação ordinária. A regra de isenção, no dizer do Professor Paulo de Barros Carvalho, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da conseqüência da regra-matriz do tributo.



Conforme se observa no dispositivo constitucional supra citado, a imunidade sob análise é dirigida às entidades beneficentes de assistência social, enquanto a imunidade do art. 150, VI, c, abaixo transcrito, dirige-se, não só as instituições de assistência social, como também às educacionais.



"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à união, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:



VI - instituir impostos sobre:

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei."



Assim, relativamente às contribuições para a seguridade social, apenas as entidades beneficentes de assistência social são imunes, já as educacionais são imunes somente no tocante aos impostos, pois o art. 195, § 7º, do Texto Supremo, apenas se referiu as entidades beneficentes de assistência social, enquanto no art. 150, VI, c, referiu-se a ambas.



O motivo de o constituinte estabelecer a imunidade do art. 195, § 7º, em análise, foi o fato de que essas desenvolvem atividade básica de assistência social, a qual, a princípio, cumpriria ao Estado desempenhar.



A seguridade social, conforme o disposto no art. 194, da Constituição Federal "compreende um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência". Assim, mesmo que as entidades educacionais desenvolvam atividade que caberia ao Estado desenvolver, não haveria motivo para estender-lhes a imunidade, também no tocante às contribuições para a Seguridade Social.



As entidades de assistência social desenvolvem atividades que se o Estado desenvolvesse, utilizaria os recursos das contribuições em enfoque. Já nas atividades educacionais seriam utilizados recursos dos impostos, conforme o caput do art. 212 da Constituição Federal.



Além de não estarem incluídas na norma de imunidade relativa às contribuições para a Seguridade Social, as entidade educacionais também não podem ser beneficiadas com enunciados, previstos na legislação infraconstitucional, relativos à isenção, uma vez o art. 195, caput, da Lei Maior, estabelece que toda a sociedade financiará a Seguridade Social, somente estando excluídas as entidades beneficentes de assistência social, em razão da imunidade em discussão, bem como, após a Emenda Constitucional nº 20/98, a imunidade prevista para os aposentados e pensionistas do regime geral de previdência (art. 195, II da Constituição Federal, na redação que lhe atribuíra a Emenda referida).



Também, a concessão de isenção, pelo legislador ordinário, às referidas entidades, diminuiria o ingresso de receitas, comprometendo o pagamento dos benefícios e serviços atinentes e, com isso, violaria o sistema de Seguridade Social implantado na atual Constituição, que instituiu um orçamento próprio ao referido sistema. Tanto as despesas com educação, como as receitas a ela direcionada, estarão previstas no orçamento fiscal, enquanto que as receitas e despesas ligadas as três áreas componentes da Seguridade Social, serão discriminadas no orçamento próprio, referido no inciso III, do § 5º do art. 165 da Constituição. Portanto, uma isenção às entidade educacionais reduziria as receitas da Seguridade, sem que houvesse diminuição de despesa, já que as atividades desenvolvidas pela referidas entidades, mesmo que a princípio fosse atribuição do poder público, não estão incluídas no orçamento da Seguridade.



Com isso, uma isenção apenas diminuiria as receitas, comprometendo o pagamento de benefícios. Por conseguinte, apenas se a lei que conceder isenção também estabeleça uma compensação financeira, destinando recursos do orçamento fiscal à Seguridade, além dos que a própria Constituição já determina quando estipula a forma indireta de financiamento, é possível admitir a renúncia de receita pelo legislador ordinário.



Logo, ao instituir a referida contribuição, a União não poderá abranger as entidades beneficentes de assistência social; por outro lado deverá, obrigatoriamente, incluir as entidades educacionais, salvo se houver previsão da compensação referida acima.



As normas construídas pelos aplicadores do Direito devem encontrar fundamento de validade no ordenamento jurídico. Como as entidades educacionais, pelos motivos retro elencados não podem ser imunes, nem isentas, se não houver compensação financeira, qualquer norma que as libere do pagamento das contribuições à Seguridade Social deve ser afastada, como forma de garantir a validade do Sistema Jurídico.









Retirado de: http://www.prsp.mpf.gov.br