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O PROCESSO SELETIVO VESTIBULAR NAS UNIVERSIDADES E FACULDADES PARTICULARES E A NOVA LDB (Lei 9.394/96)







Fernando José Araújo Ferreira, PR/PR





Recentemente o Ministério Público Federal através da Procuradoria da República no Paraná enfrentou o tema envolvendo a análise de denúncias de irregularidades em processo seletivo vestibular realizado por instituição de ensino superior privada.



No desenvolvimento desse trabalho tivemos oportunidade de enveredar por uma área da legislação pouco conhecida do público em geral e até dos profissionais da do Direito, que nesse artigo procuraremos transmitir e assim desmistificar alguns temas como: quais os limites da autonomia universitária, as regras do processo seletivo vestibular, o destino a ser dado aos documentos e provas recebidos e/ou produzidos pela instituição de ensino, natureza jurídica do ensino superior privado, a competência para o questionamento judicial de atos emanados dos seus dirigentes (federal ou estadual) os direitos dos candidatos e os limites do edital, entre outros.



"A educação é serviço público essencial que ao Poder Público impende possibilitar a todos, daí a preferência constitucional pelo ensino público, pelo que a iniciativa privada, nesse campo, embora livre, é, no entanto, meramente secundária e condicionada (arts. 209 e 213, CF)."



A Constituição Federal dispõe sobre a educação nos artigos 205 a 214, dos quais se destaca:



"Art. 205. - A educação, direito de todos e dever do Estado ..."



"Art. 209. - O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da Educação Nacional;

II - Autorização e avaliação da qualidade pelo Poder Público."



Dispõe o artigo 22 da Carta Magna que compete à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional.



A Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, que determina que as instituições de ensino superior privadas constitui o Sistema Federal de Ensino (art. 16, II).



Prevê o artigo 44, inciso II, da LDB, que a educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:



"II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;



A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional exige a realização de processo seletivo para acesso aos cursos de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente.

É direito difuso de todos os brasileiros que atendam aos requisitos legais, fundamentais ao ingresso no ensino superior, participar de um processo público seletivo legítimo (art. 44, II, Lei 9.394/96) bem como a educação é direito de todos e dever do Estado (CF, art. 205) e, o ensino deve subordinar-se ao princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (CF, art. 206, I).



Um processo seletivo apenas será legítimo à medida que forem respeitadas todas as disposições legais pertinentes e observados todos os princípios jurídicos a que se encontram submetidas as partes.

A educação, porém, só poderá ser considerada como um direito de todos se houver escolas para todos. Se há um direito público subjetivo à educação, isso quer dizer que o particular tem a faculdade de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional do Estado.

Em se tratando de uma delegação do Poder Público Federal (art. 46, caput, e § 1º, Lei n.º 9.394/96) a atividade do ensino superior exercida por pessoas jurídicas de direito privado, o processo seletivo deve pautar suas regras em harmonia com o sistema jurídico no qual se acha inserido, respeitando as regras insculpidas na Constituição Federal e na legislação em vigor no País.

A Constituição Federal no artigo 206 exige:



"O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;"



Portanto, o processo seletivo vestibular em tema de educação como serviço público essencial em regime de delegação autorizado à exploração particular, deve respeitar preceitos de legalidade, razoabilidade, impessoalidade, publicidade e moralidade.



Não se pode esquecer que as instituições de ensino superior privada funcionam mediante autorização, reconhecimento e credenciamento, por prazos limitados, submetidos à fiscalização e avaliação do Ministério da Educação (art. 46, caput, e § 1º, Lei n.º 9.394/96).

O Sistema Jurídico impõe responsabilidade tamanha à autoridade de ensino superior delegada que a mesma deve se resguardar com toda a cautela e seriedade na condução do processo seletivo, sob pena de, sem prejuízo das responsabilidades penal e civil, sofrer até a sanção de improbidade administrativa prevista no artigo 11, inciso V, da Lei n.º 8.429/92, aplicável ao particular por força do dispositivo inserto no artigo 3º da aludida norma.



Exige o artigo 18 do Decreto Federal n.º 2306/97 - que regulamenta a Lei n.º 9.394/96 - que todas as instituições de ensino superior tornem públicos seus critérios de seleção de alunos. Refere o Decreto Presidencial ao processo seletivo pois expressamente remete ao artigo 44, II, da LDB.

Os critérios do processo seletivo geralmente são veiculados através dos Editais, publicados no Manual do Candidato, e em nenhum momento pode estabelecer regras ofensivas à legislação e normas regulamentares em vigor, como por exemplo, que serão destruídos os documentos e provas do processo seletivo, logo em seguida à realização do certame.



O edital é a lei interna do concurso vestibular, que, em harmonia com a legislação vigente, vincula nos seus termos tanto os candidatos quanto a Instituição que o expediu. Assim, estabelecidas as regras do certame, tornam-se inalteráveis para aquele processo seletivo durante todo o procedimento, pois possui dupla finalidade:



- a escolha dos melhores candidatos ao ingresso no ensino superior e,

- o resguardo dos direitos dos possíveis candidatos aprovados.



A legislação federal proíbe expressamente a destruição desses documentos:

A Lei Federal n.º 8.159/96, que trata dos arquivos públicos e privados conceitua tais documentos como públicos:



"São também públicos os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por instituições de caráter público, por entidades privadas encarregadas da gestão de serviços públicos no exercício de suas atividades."(art. 7º, § 1º)



"Consideram-se permanentes os conjuntos de documentos de valor histórico, probatório e informativo que devem ser definitivamente preservados." (art. 8º, § 3º)



O Decreto Federal n.º 2.942, de 18 de janeiro de 1999, define:



"Art. 2º - São arquivos públicos os conjuntos de documentos:



III - produzidos e recebidos por pessoas físicas e jurídicas que, embora se submetam a regime jurídico de direito privado, desenvolvam atividades públicas, por força de lei;



Art. 3º - Às pessoas físicas e jurídicas mencionadas no artigo anterior compete a responsabilidade pela preservação adequada dos documentos produzidos e recebidos no exercício de atividades públicas."

Ainda, a Secretaria Nacional de Educação expediu a Portaria n.º 255, de 20 de dezembro de 1990, que dispõe, litteris:



"Considerando que têm sido inúmeras as consultas originárias de instituições federais e particulares de ensino superior, sobre arquivamento e inutilização de documentos;



Considerando a necessidade de se estabelecer orientação objetiva sobre o assunto, uma vez que o arquivo escolar das instituições de ensino devidamente autorizadas pelo Poder Público, constitui patrimônio da União;



Considerando, finalmente, que as instituições, como depositárias, são responsáveis pela conservação das provas documentais que impõe cuidados especiais para resguardo dos aspectos de natureza jurídica, acadêmica e mesmo as de sua memória;



RESOLVE:



Art. 1º - O arquivamento de livros e documentos referentes às atividades dos estabelecimentos de ensino, será mantido rigorosamente em dia, para pronto manuseio, consulta e comprovação, de maneira a facilitar toda e qualquer pesquisa.

... omissis...

Art. 3º - A responsabilidade da movimentação do arquivo é do Secretário da instituição, sob supervisão de direta do respectivo Diretor, devendo ser mantido em lugar de total e absoluta segurança, sendo manuseado tão somente por pessoal vinculado à secretaria.



Art. 4º - Além do pessoal a que se refere o disposto no artigo anterior, terão livre acesso ao arquivo os representantes do Poder Público responsáveis pelo acompanhamento das atividades da instituição, bem como aqueles credenciados pelas autoridades competentes."



Ora, é cediço que a prática de algumas instituições de ensino superior públicas ou privadas de destruírem os documentos e provas relativos aos processos seletivos vestibulares, logo em seguida ao certame, além de violar as normas legais e regulamentares acima descritas, violam também a Constituição Federal, pois o cidadão tem assegurado o direito ao manejo do Mandado de Segurança pelo prazo de cento e vinte (120) dias, instrumento garantidor de direito fundamental (art. 5º, LXIX, CF).



A Fundação Getúlio Vargas, renomada instituição de ensino superior, tem inclusive um estudo materializado em livro por ela editado - TEMPORALIDADE DE DOCUMENTOS, CRITÉRIOS E TABELAS - onde com base na Lei n.º 8.159/91 preserva os seus documentos de acordo com uma classificação da sua importância:



"PARA A COMPROVAÇÃO DOS DIREITOS DE TERCEIROS E DA PRÓPRIA INSTITUIÇÃO"

Resta claro que essa Instituição tem consciência do seu papel na sociedade e de que exerce atividade típica de Estado - a educação o acesso à mesma é serviço público essencial - e atuando neste campo por delegação do poder público federal e sob fiscalização de Órgãos do Estado.

Ademais, preocupa-se com sua reputação e com os direitos dos terceiros que com ela interagem, como seus candidatos e alunos que não podem ser tolhidos do seu sagrado direito Constitucional de ter acesso ao Poder Judiciário para reparação de seus direitos que entenda estejam sendo desrespeitados (art. 5º, XXXV, CF).



As Universidades e Faculdades ao destruir documentos e provas de um processo seletivo que permite o acesso de poucos ao ensino superior, atividade que exerce por delegação da União, viola a legislação (arts. 7º, § 1º e 8º, § 3º, Lei 8159/91, arts. 2º, III e 3º do Decreto 2942/99 e Portaria 255/90 da Secretaria Nacional de Educação-MEC) o direito dos candidatos (art. 5º, XIV e XXXV, CF) e afrontam ainda o Estatuto, Regimento Geral e o próprio Edital do processo seletivo, que não podem prever a destruição dos documentos e provas.



Não se fale em autonomia universitária para justificar tais comportamentos, pois a mesma está circunscrita às limitações do sistema jurídico em que se acha inserida, não podendo ferir princípios jurídicos como os da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, etc.

A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça vai no sentido do texto, como se observa em processo relatado pelo eminente Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, sobre os limites da autonomia universitária:



" ...A autonomia Universitária, prevista no artigo 207 da Constituição Federal, não pode ser interpretada como independência e, muito menos, como soberania. A sua constitucionalização não teve o condão de alterar o seu conceito ou ampliar o seu alcance, nem de afastar as universidades do poder normativo e de controle dos órgãos federais competentes.



Ademais, o ensino universitário, administrado pela iniciativa privada, há de atender aos requisitos, previstos no artigo 209 da Constituição Federal: cumprimento das normas de educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público."

Muito esclarecedor para a hipótese aqui analisada os fundamentos no corpo do voto do eminente Relator, citando o grande jurista SAULO RAMOS, então Consultor-Geral da República:



"...a autonomia universitária objetiva assegurar às universidades um grau razoável de autogoverno, sempre sob controle estatal em função de sua destinação: ensino, pesquisa e extensão.



E mais, é dever do Estado controlar administrativamente as universidades, sendo de plena convivência o instituto da autonomia de um lado, e os poderes de ordenação e de controle do Estado de outro."

Finalmente, remata o Ministro ANTÔNIO PÁDUA RIBEIRO:



"A noção de autonomia universitária, contudo, não se confunde com a de independência, posto que supõe o exercício limitado de competência e de poderes, consoante prescrições e regras estabelecidas pelo ordenamento jurídico.



A gestão de bens e interesse próprio e o poder de auto-administração e desempenho de funções específicas não afetam a possibilidade jurídica de controle administrativo do Poder Público sobre as universidades, nem subtraem, a este, a competência para autorizar-lhes o funcionamento, reconhecê-las e fiscalizar-lhes as atividades. É dever do Estado, diz a Constituição.



O regime de tutela que disciplina as relações entre o Estado e as universidades não impede que estas sejam submetidas a fiscalização de ordem institucional, ou de ordem político-administrativa ou ainda, de ordem econômico-financeira.



A esse poder de vigilância, não é oponível o princípio da autonomia universitária, posto que o exercício da prerrogativa estatal visa, tão-somente, à realização, por meios regulamentares e conformes ao ordenamento jurídico, dos fins institucionais para que a universidade foi concebida, idealizada e criada.



O grau de autonomia concedido ao ente universitário sequer priva o Estado - nos casos de violação do ordenamento jurídico - de até intervir na Universidade, suspendendo-lhe, em consequência desse ato radical, o gozo e o exercício da própria autonomia..."(destaquei)



Os responsáveis pela condução de processo seletivo, que abusam de sua liberdade e autonomia, praticam ato com desvio de finalidade. Com efeito temos:



"O desvio de finalidade ou de poder se verifica quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal;

...

O ato praticado com desvio de finalidade - como todo ato ilícito ou imoral - ou é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e do interesse público. Diante disto, há que ser surpreendido e identificado por indícios e circunstâncias que revelam a distorção do fim legal, substituído habilidosamente por um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador"

Do mesmo sentir são os ensinamentos do renomado Professor Celso Antônio Bandeira de Mello:



"Em rigor, o princípio da finalidade não é uma decorrência do princípio da legalidade. É mais do que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la, é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la. Daí porque os atos incursos neste vício - denominado 'desvio de poder' ou 'desvio de finalidade' - são nulos. Quem desatende o fim legal desatende a própria lei"



A finalidade do processo seletivo, previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, perfectibilizando dispositivo Constitucional (art. 206, I) , com certeza visa garantir o acesso democrático em igualdade de condições à escola e, também, logicamente, propiciar todas as condições necessárias a que os brasileiros melhor preparados, dentre todos os interessados em ingressar na instituição de ensino, passem a integrar o corpo de alunos.



De tudo o quanto foi analisado ressai a conclusão de que a competência para análise de eventual impugnação a processo seletivo vestibular é da Justiça Federal (art. 109, I, CF), pois o ente privado, na hipótese, está exercendo função delegada do poder público federal.

Assim, o Ministério Público Federal através de Ação Civil Pública realizará o controle da legalidade propugnando a nulidade do vestibular, perante a Justiça Federal, sem prejuízo da ação penal correspondente e ainda de Ação de Improbidade Administrativa aos responsáveis..























Retirado de: http://www.prsp.mpf.gov.br