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Negócio à vista
Os investimentos no cinema
brasileiro e o marketing
Silvia Costa*
Nos anos 90, foram introduzidos novos dispositivos legais
no ordenamento jurídico com o objetivo de criar condições favoráveis à retomada
das atividades da indústria cinematográfica brasileira, paralisadas com o fim
da Embrafilme. Dentre outras medidas (algumas ainda não implementadas
efetivamente por falta de regulamentação), as Leis Rouanet e do Audiovisual
estabeleceram mecanismos de incentivo ao investimento em obras cinematográficas
nacionais de produção independente por meio de renúncia fiscal. Para as
empresas investidoras, esses mecanismos constituem, na prática, oportunidade de
marketing a custo zero.
A Lei 8313/91, mais conhecida
como Lei Rouanet, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac)
visando fomentar e apoiar a atividade cultural brasileira em geral, incluindo
obras cinematográficas. Um dos mecanismos de implementação do programa permite
que importâncias aplicadas em projetos culturais sejam abatidas do imposto de
renda devido por pessoas físicas ou jurídicas. Deste modo, os contribuintes
passaram a poder aplicar parte do valor que deveria ser recolhido ao Fisco em
obras cinematográficas nacionais, tanto por meio de contribuições ao Fundo Nacional
de Cultura (FNC), como por intermédio de doações e patrocínios diretos.
Atualmente, o valor integral
aplicado no FNC ou nas doações e patrocínios diretos pode ser deduzido do
imposto de renda devido, respeitado o limite máximo de dedução, fixado em 4%. A
partir de 1º de janeiro de 2007, em virtude de modificação introduzida pela
Medida Provisória 2.228/01, a Lei Rouanet só será aplicável para projetos
relativos a obras cinematográficas de curta e média metragem, tendo sido
excluídos, portanto, os projetos de filmes de longa metragem.
Em 1993, a Lei 8.685, denominada
Lei do Audiovisual, passou a prever duas novas formas de incentivo. O art. 1º
prevê um mecanismo de capitalização de produções cinematográficas nacionais,
que vigorará até o final de 2006, por meio do qual, mediante autorização da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), são lançadas quotas - Certificados de
Investimento - no mercado de capitais que podem ser adquiridas diretamente
pelos contribuintes, pessoas físicas ou jurídicas.
Os investidores são beneficiados
pela possibilidade de dedução do valor aplicado do imposto de renda devido (até
o limite estipulado por lei) e, ainda, pela possibilidade de ganhos de capital
decorrentes da valorização das quotas adquiridas. Para que a regra se aplique é
necessário que os investimentos sejam direcionados para projetos de produção
independente, previamente aprovados pela Agência Nacional do Cinema (Ancine).
O limite de dedução fixado, para
2003, foi de 3% do imposto de renda devido por pessoas jurídicas e de 6% do
imposto de renda devido por pessoas físicas. No caso de pessoas jurídicas
tributadas com base no lucro real, os investimentos previstos no art. 1º
poderão ser abatidos também como despesa operacional, fato que importa, no
final das contas, uma dedução efetiva até maior do que o total investido.
O artigo 3º prevê outra forma de
incentivo, desta vez, alcançando as grandes distribuidoras estrangeiras de
obras cinematográficas (denominadas majors), instaladas no país. A lei
possibilita a utilização de até 70% do imposto de renda (alíquota de 25%)
incidente sobre créditos ou remessas para produtores, distribuidores ou
intermediários, no exterior, relativas a rendimentos decorrentes da exploração,
aquisição ou importação a preço fixo de obras audiovisuais estrangeiras
exibidas no território nacional.
Tal dedução é possível desde que
os recursos sejam canalizados para investimentos no desenvolvimento de projetos
de produção de obras cinematográficas brasileiras de longa metragem e na
co-produção de telefilmes e minisséries brasileiros e de obras cinematográficas
brasileiras, sempre de produção independente.
Além disso, a Lei 10.454/02
passou isentar as majors do pagamento da Contribuição para o Desenvolvimento da
Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), instituída pela Medida
Provisória nº 2228/01, caso o mecanismo previsto no artigo 3º da Lei do Audiovisual
fosse utilizado. Com efeito, ao optar por investir em obras cinematográficas
nacionais, conforme previsto no referido artigo, as majors, com atividades no
Brasil, não teriam de pagar a Condecine incidente sobre as operações de crédito
e remessa para o exterior, com alíquota de 11% sobre o valor da operação.
Em sua natureza, a Condecine é
uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Foi instituída
para tornar ainda mais onerosa, para as majors, a opção pelo não-investimento
em obras cinematográficas nacionais, num esforço adicional de promover a
produção cinematográfica nacional.
A utilização simultânea dos
recursos captados por meio dos mecanismos previstos pelas Leis Rouanet e do
Audiovisual é possível. No entanto, a soma de tais recursos não poderá exceder
o limite 95% do valor do orçamento global dos projetos audiovisuais
beneficiados. Segundo dados do Ministério da Cultura, graças aos mecanismos
previstos nas mencionadas Leis, foram captados mais de R$ 464,8 milhões para o
financiamento de projetos cinematográficos, entre os anos de 1996 e 2002.
Até meados de julho, está em
consulta pública texto de instrução normativa da Ancine que se destina à
efetiva implementação dos Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica
Nacional (Funcines). Trata-se de outra forma de incentivo, desta vez prevista
no artigo 41 e seguintes da Medida Provisória 2.228/01. Os Funcines serão
administrados por instituições financeiras e caberá à CVM autorizar,
disciplinar e fiscalizar sua constituição.
Ficou estabelecido na MP 2.228/01
que os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda devido parcela do
valor aplicado em quotas do Funcine. A Medida Provisória, contudo, afasta essa
possibilidade de dedução quando o contribuinte-investidor já estiver se
beneficiando do mecanismo de incentivo previsto no art. 1º da Lei do
Audiovisual que vigorará até 2006.
Os recursos dos Funcines poderão
ser destinados a obras cinematográficas de produção independente; obras
cinematográficas ou videofonográficas seriadas (com no mínimo 26 capítulos) ou
telefilmes de produção independente; à construção, reforma e recuperação de
salas de exibição; ou à aquisição de ações de empresas nacionais com atividades
relacionadas à produção, comercialização, distribuição ou exibição de obras
cinematográficas brasileiras, de produção independente.
Além dos mecanismos introduzidos
pelas leis federais aqui mencionadas, ainda existem leis estaduais e municipais
de incentivo à produção cinematográfica que oferecem outras formas de captação
de recursos. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Lei estadual nº 1.954/92 (com
última alteração introduzida pela Lei 3.555/01) permite que empresas instaladas
no estado deduzam, até o limite de 4% do ICMS devido, valores aplicados em
patrocínio de projetos culturais, inclusive de obras cinematográficas. Os
projetos culturais de que trata a lei deverão possuir certificado de aprovação
emitido pela Secretaria de Estado de Cultura e Esporte para que estejam aptos
para receber o patrocínio.
Fica evidente que a aplicação de
recursos em obras cinematográficas nacionais pelo uso dos mecanismos de
incentivos em discussão não onera e nem importa riscos para os investidores.
Além disso, não há qualquer restrição à realização de marketing institucional pelas
empresas investidoras. Desta forma, as obras cinematográficas beneficiadas
servem como veículos de divulgação das marcas e, portanto, dos produtos dos
investidores, a custo zero.
Os surpreendentes resultados de
bilheteria de filmes como o Cidade de Deus, Deus é Brasileiro e Carandiru
apontam para o crescente interesse do público brasileiro pelo cinema doméstico.
A associação do nome ou da marca de uma empresa a filmes de qualidade,
elogiados pela crítica e presentes nos principais festivais internacionais de
cinema representa outro importante benefício para o investidor e sua imagem,
frente ao público consumidor.
Revista Consultor Jurídico, 23 de
junho de 2003.
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Silvia Costa é colaboradora da
revista Consultor Jurídico