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QUALIDADE NO ENSINO JURÍDICO
NOTURNO
DE INSTITUIÇÕES PRIVADAS
Eliezer
Pereira Martins
Em busca da qualidade
É possível ensino jurídico noturno
com qualidade, em especial nas universi-dades e faculdades privadas? “Sim, e
com muita qualidade” — responderão de pronto aqueles que, de uma forma ou de
outra, beneficiam-se financeira, social ou corporativamente deste ensino.
Porém, nada obstante pronta e
acabada, esta resposta não nos interessa. É de algibeira, parcial e
contaminada; existe desde o descerramento da placa de inauguração do primeiro
curso jurídico noturno privado do país. Importa-nos uma resposta isenta e
centrada numa análise realística dos cursos noturnos de institui-ções privadas
e, tanto quanto possível, científica.
Pelo exposto, convém novamente
indagar: É possível o desenvolvimento de ensino jurídico noturno em
instituições privadas que primem pela qualidade forma-tiva?
Para responder a esta pergunta,
faz-se mister, de início, definir o que seja qualidade de ensino jurídico, e —
diga-se de passagem a tarefa não é das mais fá-ceis.
Para definir o que seja qualidade
no ensino, já que tomamos a qualidade co-mo um conceito unívoco, adotaremos
aqui os elementos da moderna ciência da qualidade que floresce no âmbito da
administração.
Ali, na moderna administração,
qualidade é o que o cliente quer. Satisfazer as necessidades e expectativas dos
clientes, eis a síntese da noção mais atual de qualidade. Porém, nada obstante
a noção de qualidade ser unívoca, ainda precisa-mos saber se esta categoria de
qualidade é relevante para o ensino jurídico. Acredi-tamos que sim. Mas a noção
de qualidade apontada, somente poderá ser transpor-tada e utilizada como
parâmetro para o ensino jurídico se alargarmos e categori-zarmos a inteligência
de quem seja “cliente” no ensino jurídico noturno privado.
Clientela
Existem três categorias de clientes
do ensino jurídico: o cliente primário — o acadêmico, o universitário, aquele
que se submete ao processo de ensino ofere-cido pela instituição universitária.
Cliente secundário aquele que
participa do processo de formação jurídica, direta ou indiretamente, mas não
pertence ao corpo discente da instituição de ensi-no. Nesta categoria temos o
corpo docente, o corpo diretivo e administrativo das faculdades, familiares dos
discentes, etc.
Por fim, o cliente terciário, que é
toda a sociedade que se utilizará direta ou indiretamente do produto acadêmico
acabado, em atividades públicas ou privadas. Aqui encontramos a pessoa física
ou jurídica que contratará os serviços do advogado, que se submeterá à
prestação jurisdicional ou às decisões do parquet exaradas do profissional do
direito a Ordem dos Advogados do Brasil, a Magistratura e o Ministério Público
em todos os seus níveis, a polícia, etc.
Pelo exposto, verifica-se que o
conceito hodierno de qualidade, desde que distendida a noção do elemento
cliente, é perfeitamente adequado para o estudo das questões relacionadas com a
qualidade de ensino e, portanto,com o ensino jurídico noturno em instituições
privadas.
Equação da qualidade
Mas, além da distensão da
clientela, é necessário qualificar os termos da e-quação da noção moderna de
qualidade (o que o cliente quer). Tal noção acaba por requerer o concurso do
elemento subjetivo, pois pressupõe que o cliente “queira algo”, sendo cediço
que boa parcela dos universitários não têm “pronti-dão”, ou seja, maturidade
para compreender onde estão e o que os clientes secun-dários e terciários deles
desejam.
Porém, não convém centrar nossa
análise no desvio. Cliente primário inca-paz de querer qualidade é a exceção e
não a regra. Assim, nenhum estudo sério do problema da qualidade no ensino
jurídico noturno em instituições privadas pode estar calcado nesta categoria,
sem embargo de não dever olvidada por completo, mormente na adoção de
estratégias pedagógicas tendentes a despertar os que se encontram nos “braços
de Morfeu”, esquecidos dos rigores do mundo neoliberal que os aguarda ao cabo
de seus estudos.
Cliente tipo (padrão)
Ora, se qualidade é o que o cliente
quer, impõe-se também conhecer o clien-te em todas as suas vicissitudes. Não
basta investir na melhoria do ensino de forma aleatória. É preciso apostar no
atendimento, conhecer e satisfazer o cliente.
O cliente primário é o mais
importante no processo de ensino e, portanto, também na educação jurídica
noturna em instituições privadas. Conhecê-lo é es-sencial para satisfazê-lo.
Mas como conhecer e entender este cliente? Responde-mos: através dos
instrumentos científicos de levantamento do perfil socioeconômi-co-cultural,
como questionários, tabulação de dados, detecção de desvio de in-formações.
De início, é possível apontar a
tipologia básica do cliente primário das insti-tuições de ensino jurídico
noturno privadas do país, sem muitas oscilações de per-fil, a saber:
Em menor número, temos os clientes
primários universitários, ou seja, os acadêmicos que não trabalham, e que,
portanto dispõem, em tese, de mais tempo e condições de dedicar-se ao processo
de ensino.
Numa quantidade um pouco maior,
encontramos os clientes primários uni-versitário-trabalhador, aqueles que
trabalham em tempo parcial, de sorte que dis-põem de condições e tempo maiores
para o estudo.
Por fim, temos em maior quantidade
os clientes primários trabalhador-universitário, categoria que, pelo aspecto
quantitativo e por sua realidade, define o padrão do processo de ensino das
faculdades de direito privadas.
Cliente primário
trabalhador-universitário é aquele que trabalha, em sua maio-ria, em jornadas
diárias de (oito) 8 horas, custeia seu estudo, contribui para a eco-nomia
familiar e vive a dualidade trabalho-estudo, com todas as suas mazelas.
Nesta última categoria, são
encontradiças duas subcategorias de clientes: os que aspiram ascender às
carreiras jurídicas e aqueles que melancolicamente, numa atitude entre cínica e
desdenhosa, apenas desejam o “cartucho”. Estes últimos são o desvio; os
primeiros, o padrão.
Em outras palavras, o projeto
pedagógico do ensino jurídico noturno, em se verificando as proporções
indicadas, necessariamente deverá pautar-se em sua a-daptabilidade à realidade
do cliente primário trabalhador-universitário que aspira exercer atividades
jurídicas ao término da graduação. Olvidar a realidade, deficiên-cias e
dificuldades deste último cliente ou desviar o centro para outras categorias é
pecado capital que impede a qualidade no ensino jurídico noturno de
instituições privadas.
Quando, através dos instrumentos
científicos próprios, a instituição privada de ensino jurídico noturno define o
perfil de seu cliente mais importante, e por conseqüência o que determina a
satisfação dos demais clientes (secundários e ter-ciários), ela está apta a
cuidar do processo de ensino jurídico adaptado para o cli-ente tipo (cliente
primário trabalhador-universitário que aspira exercer atividades jurídicas).
Postas estas premissas, já estamos
conceitualmente aptos a pesquisar a pos-sibilidade de qualidade nos cursos
jurídicos noturnos em instituições privadas e um modus operandi para alcançar
tal finalidade.
Pacto pela qualidade
Na busca pela qualidade nos cursos
jurídicos noturnos, é preciso antecipar que a qualidade desejada só é possível
por meio da celebração de um pacto pela qualidade. A melhoria da qualidade, no
caso, dadas as dificuldades do cliente-tipo, exige esforço conjugado. Há que se
estabelecer, portanto, uma parceria entre os atores do processo de ensino
jurídico.
O pacto pela qualidade deve ser
celebrado entre o corpo discente, o corpo docente e as entidades
administrativas superiores das universidades ou então das faculdades (entidades
mantenedoras).
Somente por este pacto de esforço
comum é possível alcançar-se índices mínimos de qualidade dentro do contexto
dos cursos jurídicos noturnos.
Os ingredientes do pacto pela
qualidade, em sua receita mais simples, são os seguintes:
a) da parte das mantenedoras:
— investimentos em meios
(informática, biblioteca, instalações);
— requalificação do corpo docente
nos quesitos titulação, jornada e remu-neração;
— celebração de acordos e convênios
com entidades públicas e privadas geradores de oportunidades de alargamento de
conhecimento dos discentes e docentes;
— criação da cultura da
participação passando as informações aos demais atores do processo pela adoção
de projeto pedagógico voltado para a qualidade e conduzido por profissionais
competentes.
b) da parte das direções e
coordenações:
— adoção e efetiva implementação,
após discussão com os atores do processo de qualidade, de projeto pedagógico
próprio inspirado em pacto pela qualidade e adaptado à realidade em que está
inserido o curso jurídico noturno;
— manutenção de autonomia, em face
das pressões das mantenedoras, do corpo discente e docente pelo fiel
cumprimento do projeto pedagógico (honesti-dade acadêmica) posto e discutido
com a comunidade escolar através do pacto pela qualidade;
b) da parte do corpo docente:
— adoção de postura pró-ativa com
maior dedicação para a preparação de aulas e atividades complementares para o
corpo discente;
— busca de qualidade, através de processo sistemático e permanente
de troca de informações e mútuo aprendizado com seus alunos;
— transformação das impressões
colhidas do corpo discente em indicado-res de seu grau de satisfação com o
processo de ensino.
c) da parte do corpo discente:
— mudança de atitude consistente no
processo de adoção do “vivenciar o direito”, modo de agir segundo que o
acadêmico passa, nos momentos de lazer, no seu trabalho, e alhures, a se
abastecer de conhecimentos que importem à sua formação, preservando-se os
mínimos de lazer e descanso.
— adoção de postura ativa, que o
livre de ser um receptor passivo do processo de ensino.
Melhoria dos processos
A melhoria dos processos nas
instituições de ensino jurídico passa necessa-riamente pelo trato
particularizado das especificidades de tais cursos.
Universidades, centros
universitários ou mesmo cursos isolados instalados sob a presidência de uma
mesma entidade mantenedora, tendem a adotar soluções administrativas e
acadêmicas comuns guiadas pelos imperativos de praticidade e economica. Tal
postura é desconforme ao anseio de busca de qualidade nos cur-sos jurídicos de
instituições privadas. Soluções que podem ser adequadas para cursos de exatas,
biomédicas ou mesmo outros ramos de ciências humanas, po-dem ser profundamente
deletérias para a formação jurídica.
De início, deve-se ter em conta que
as instâncias administrativas e acadêmi-cas das instituição de ensino superior
privado não são tão autônomas como po-dem parecer num primeiro momento. Quem
vivencia a realidade das faculdades bem sabe que decisões administrativas podem
comprometer seriamente o projeto pedagógico instalado.
Ora, a melhoria do processo impõe
duas ordens de isolamento: a primeira, das instâncias acadêmica e
administrativa, definindo-se com precisão a competên-cia e o raio de ação das
autoridades de cada uma das órbitas, e a segunda: o iso-lamento do processo de
formação jurídica de outros processos eventualmente e-xistentes na instituição.
Estabelecidos os pressupostos do
processo, sua melhoria dar-se-á através da atuação dinâmica do pacto pela
qualidade.
Aspectos da reforma do ensino
jurídico quanto aos cursos noturnos
Questão da maior relevância para a
análise da qualidade dos cursos jurídicos noturnos é a que diz respeito à
contribuição da reforma do ensino jurídico, sinteti-zada na Portaria 1886, para
o almejado atingimento da qualidade dos cursos jurídi-cos noturnos de
instituições privadas. Em outras palavras, o que se coloca é a se-guinte
questão: A reforma da Portaria 1886 tomou em conta a realidade dos cursos que
aqui consideramos?
Em verdade não se pode negar a
contribuição de qualquer esforço tendente a mudar a realidade do ensino
jurídico, que até bem pouco tempo atrás encontra-va-se em estado de abandono,
torpor e inanição.
Porém não se pode negar que a
Portaria 1886 só de resvalo, cuidou da reali-dade dos cursos jurídicos
noturnos.
Mas, de se reconhecer que, dada a
pluralidade da realidade cultural e socioe-conômica do país, talvez tenha sido
uma dádiva o Ministério da Educação e Cultu-ra não ter descido a minúcias no
disciplinamento da realidade dos cursos jurídicos noturnos. Explicamos o
porquê: se a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 é, como sua própria rubrica
estabelece, de diretrizes e bases da Educação; se esta legislação é regente de
todo o edifício legislativo da educação, isto importa que a portaria 1886,
também, indica diretrizes e bases para a reforma do ensino jurídico noturno em
instituições privadas.
Exceto naquilo que a referida
Portaria contém de cogente, em tudo o mais apenas empresta diretivas para os
estabelecimentos de ensino jurídico, o que é re-forçado pela decantada
autonomia universitária. O que importa do aqui exposto é que os cursos
jurídicos noturnos, obedecidas as diretrizes e bases da portaria 1886, podem e
devem buscar soluções alternativas adequadas para os contextos em que se
encontram inseridos, produzindo micro-reformas do ensino jurídico, sempre na
busca da qualidade.
Conclusões
Por todo o exposto, infere-se que a
qualidade, como expressão de excelên-cia, é possível no âmbito dos cursos
jurídicos de instituições de ensino superior privadas através de pacto
celebrado entre os atores do processo pedagógico após levantamento do perfil do
cliente-tipo contextualizado em sua realidade socioeco-nômica, com perfeita
delimitação das responsabilidades dos participantes do pro-cesso para a
obtenção da qualidade.
Disponível em <http://www.trlex.com.br/resenha/eliezer/ensino.doc>