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Cidadania na democracia e autocracia



Edson Ferreira de Carvalho*







1. QUAL CIDADANIA ?



Pertencia Raimundo Nonato a uma pobre família de seringueiros do Seringal Nova Esperança. Enquanto na idade própria não aprendera a ler, depois de homem dera-se ao mister de cortador de seringa e apanhador de castanha, em Xapuri-AC. Sua mãe chamava-se Maria da Conceição e seu pai Manuel Nonato.



Raimundo Nonato era dotado de caráter pensativo, sem que fosse triste. Perdera os pais, sendo muito criança ainda. A mãe fora vítima de uma malária mal tratada. Na verdade, depois da oitava, perdeu a conta das vezes em que pegou malária. O pai, seringueiro como ele, morrera caindo de uma árvore de seringueira. Não ficara a Raimundo Nonato senão uma irmã muito mais velha do que ele, viúva, sem saúde e com sete filhos, de ambos os sexos. Algumas das crianças pegaram malária ainda com seis meses de idade, outras foram vítimas da Hepatite. A malária era a única certeza, uma, duas, três ou mais vezes por ano. Esta irmã criara Raimundo Nonato e enquanto tivera seu marido, agasalhara e sustentara o irmão. Mas, enfim, enviuvou. O mais velho de seus filhos tinha oito anos, o mais novo era do peito. Naquela época contemplava RaimundoNonato os seus vinte e cinco, inúmeras malárias e uma leishimaniose persistente. Para as criancinhas substituiu o pai que lhes faltara e pela sua vez, passou a amparar a irmã que o amparara. Esta mudança operou-se com a maior simplicidade, como se fora um dever, e até com orgulho da parte de Raimundo Nonato. A sua mocidade consumira-se num trabalho rude e mal retribuído. Nunca lhe tinha conhecido nenhuma afeição amorosa. Nunca tivera tempo para consumir com o amor.



Voltava à noite para casa fatigado e comia o de sempre, sem proferir uma só palavra. Sua irmã Conceição, enquanto ele comia, tirava-lhe muitas vezes do prato a melhor parte da ceia, isto é, o bocado de carne de caça ou o pedaço de macaxeira, para dar a algum dos filhos. Raimundo Nonato continuava a comer, curvado sobre a mesa, quase com a cabeça a tocava. Os cabelos muito compridos, caiam em volta do prato, e ocultava-lhes os olhos. Não se opunha à subtração, e até não se dava a conhecer que a notara. Não notava sequer as baratas que passeavam pelas paredes de palmeira, nem os ratos que vez ou outra cruzava a cozinha em alta velocidade.





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* Bacharel em Direito, Prof. Doutor da Universidade Federal do Acre, 69915-900 - Rio Branco -Acre









Havia em Xapuri, pouco distante da habitação de Nonato e do outro lado do caminho, uma rendeira chamada Maria das Graças. Os filhos de Conceição, ordinariamente esfaimados, iam algumas vezes pedir, em nome de sua mãe, uma porção de leite a Maria das Graças, e bebiam-no atrás duma sebe, ou no primeiro canto que encontravam, disputando entre si a vasilha, e com tanta pressa, que as mocinhas principalmente, o entornavam todo na barriga. Se a mãe tivesse conhecimento destes pequenos abusos de confiança, castigaria severamente os delinquentes. Raimundo Nonato, arrebatado e ralhador, pagava o leite a Maria das Graças, sem que sua irmã o soubesse.



No tempo de corte da seringa, Nonato ganhava trinta reais por mês. Terminada a temporada assoldava-se como roçador de pasto, limpador de quintal, capinador de roça e como servente de pedreiro, em suma, como homem para toda obra. Fazia o que podia. A irmã, pela sua parte, trabalhava também : mas o que poderia ela fazer com sete filhos ? Era um triste grupo, que a miséria foi, a pouco e pouco, envolvendo e apertando em seus braços descarnados. Chegou um dia a crise da borracha e a substituição dos seringais pelas pastagens. João não teve trabalho, e a família não teve pão. Sete crianças sem pão !



Num domingo à noite, dispunha-se Lindolfo Alves, padeiro no largo da igreja em Xapuri, para se deitar, quando sentiu grande pancada no mostrador envidraçado da padaria. Correu logo ali, e chegou a tempo de ver um braço passando através dum buraco feito por um soco no vidro, pegar um pão e levá-lo. Alves saiu apressadamente e correu atrás do ladrão, que corria quanto lhe permitiam as pernas, conseguiu alcançá-lo e o prender. O ladrão largara o pão no caminho, mas tinha ainda o braço ensanguentado. Era Raimundo Nonato.



Passava-se isto em 1999. Raimundo Nonato foi levado aos tribunais pelo crime de roubo noturno numa casa habitada. João possuia uma espingarda, de que se servia como o melhor atirador, caçando, por vezes, nas tapadas em que era proíbido fazê-lo, o que lhe foi muito prejudicial. Contra os caçadores furtivos há um preconceito até certo ponto legítimo : é que o caçador furtivo, bem como o contrabandista, não distam um passo do salteador. O caçador furtivo vive nas matas, o contrabandista nas montanhas, ou sobre as ondas. As cidades produzem homens ferozes, porque os corrompem. A montanha, o mar e a mata, produzem homens selvagens, desenvolvem-lhes o lado feroz, mas muitas vezes sem lhes destruir o lado humano.



Raimundo Nonato foi declarado criminoso. Os termos do código eram formais. Existem na nossa civilização momentos muito terríveis : os momentos em que a penalidade é descarregada sobre um culpado. Raimundo Nonato foi condenado a cinco anos de galés.



O texto acima foi uma simplificação e modificação de Os Miseráveis de Victor Hugo, célebre escritor francês, que retratou a triste miséria que havia na França de séculos passados. Qualquer semelhança com o que ocorre hoje com milhares de não-cidadãos brasileiros e do mundo, é mera coincidência. E por falar em cidadão, afinal o que significa cidadania ? Infelizmente, para enorme parcela do povo brasileiro, significa, ainda, pão, remédio e trabalho, ou melhor, fome, doença, sofrimento, miséria, morte prematura, desemprego ou se quiser, prisão. Vale recordar que Raimundo vive num Estado Democrático de Direito, num dos Estados mais pobres desse país. Milhares de Nonatos são conhecedores profundos da não-cidadania. Na própria pele.

2. CIDADANIA





Embora o fato narrado acima tenha se passado há séculos na França e se repete, hoje, em escala globalizada, principalmente, nos países pobres, utilizarei os estudos sobre cidadania feitos na rica Inglaterra por Thomas Marshal para fundamentar a discussão. O texto apresentado a seguir é uma síntese de ZOLO (1994)



"Marshall fez seus estudos sobre cidadania nos anos cinquenta através de uma análise da história política e social da Inglaterra, da revolução industrial ao nascimento do Welfare State. Partiu do pressuposto de que a noção de cidadania constitui a melhor chave para compreensão da dinâmica de uma moderna democracia industrial. Neste quadro, Marshall enfrentou essencialmente três temas: a definição do conceito de cidadania e de seus conteúdos normativos; o surgimento histórico e o desenvolvimento da cidadania; as interações entre os direitos de cidadania e as desigualdades sociais vinculadas à economia de mercado.



Para Marshall a cidadania moderna é um status que atribui direitos e deveres às novas classes ou segmentos sociais que surgem com o desenvolvimento da sociedade industrial a partir da segunda metade do século XVIII. Enquanto as formas pré-modernas de pertinência política são de natureza elitista e excludente, a cidadania moderna tem um caráter aberto e expansivo. Marshall distingue três componentes ou fases da cidadania: a civil, a política e a social5 .



A cidadania civil, primeiramente, em termos históricos, atribuiu aos indivíduos uma série de direitos de liberdade: a liberdade física, a liberdade de pensamento e de religião, a liberdade de expressão ou de palavra e de culto, o direito de possuir a título de proprietário e de contratar, o direito às prestações do sistema judiciário com base no princípio da igualdade de todos perante a lei.



A cidadania política se desenvolveu no século XIX e refletiu, pelo menos em parte, as reinvidicações políticas das classes subalternas. Ela consiste no direito dos cidadãos de participarem do exercício do poder político como membros dos órgãos investidos de autoridade ou como eleitores de tais órgãos. O sufrágio geral para a eleição do parlamento e das câmaras do governo local é a expressão central desse século no que toca à cidadania.



A cidadania social se afirmou no curso do século XX e consiste no direito a um grau de educação, de bem-estar e de segurança social adequado aos padrões prevalentes no interior da comunidade política. As instituições mais diretamente vinculadas a esse aspecto da cidadania são o sistema escolar e os serviços sociais (saúde, moradia, pensões, seguros, etc.)



Segundo Marshall, o que caracteriza a cidadania em todos os seus aspectos - o civil, o político e o social - e a contrapõe ao status feudal é a sua tensão em direção à igualdade. Nas sociedades em que os institutos da cidadania se desenvolvem firma-se uma imagem de uma cidadania ideal. Essa cidadania ideal funciona como um modelo para avaliar as realizações alcançadas e como uma meta para a qual se orientam as expectativas sociais. Os direitos de cidadania, não obstante sua tensão em direção à igualdade, são indissociáveis do nascimento e do desenvolvimento do capitalismo, e o capitalismo is a system not of equality, but of inequality - esse o paradoxo em torno do qual gira toda a reflexão de Marshall. Como é possível, indaga-se Marshall, que um sistema social se estabilize e se desenvolva não obstante em sua base haja um conflito tão radical entre princípios opostos ? Busca-se encontrar uma explicação para o fenômeno que, segundo o autor, é típico das modernas sociedades industriais e que as distingue nitidamente das sociedades pré-modernas, nas quais à estratificação econômico-social correspondiam critérios de pertinência política igualmente discriminatórios.



Marshall afirma que na primeira fase de seu desenvolvimento a atribuição de direitos civis aos sujeitos individuais era indispensável à economia de mercado. Neste nível a lógica (civil) do status e a lógica (mercantil) do contrato não só não colidem como são profundamente sinergéticas. A cidadania civil permite de fato a cada indivíduo que se empenhe como uma unidade independente na competição econômica pela conquista da riqueza. Ela ao mesmo tempo, legitima a recusa de qualquer proteção social em favor de sujeitos que presume-se já serem dotados dos instrumentos jurídicos para se afirmarem e se defenderem por si sós.



No que toca à cidadania política, Marshall sustenta que, conquanto ela não tenha exercido um efeito imediato sobre as estruturas da desigualdade econômico-social, ela progressivamente se revelou fonte de perigos potenciais para o sistema capitalista. Era potencialmente perigosa porque possibilitava a inserção das classes trabalhadoras nas instituições elitistas da democracia liberal, ao desenvolver o sentido de pertinência política com efeitos não só de integração social, mas também de crescente consciência reivindicativa. A cidadania política teria, sobretudo, oferecido às classes trabalhadoras um precioso instrumento para a afirmação de seu interesse à igualdade: o uso pacífico do poder político e sindical em alternativa à revolução violenta. E é a cidadania política que abre o caminho do reformismo da política igualitária do século vinte e à afirmação dos direitos sociais.



O tema mais central de Marshall é a relação entre a cidadania social e o sistema de classes capitalista pois, segundo o sociólogo inglês, os limites e a potencialidade da cidadania se imbricam em seu nível mais desenvolvido. A cidadania social, reconhece Marshall, não se encontra em posição de subverter a lógica anti-igualitária do mercado. A ampliação dos serviços sociais não tem e não pode ter como fim a igualdade das rendas, dos proventos. O que pode conseguir é a melhoria da qualidade da vida civil: a redução dos riscos e da insegurança e uma equiparação tendencial entre os cidadãos mais afortunados com aqueles de menos sorte do ponto de vista da saúde, da ocupação, da idade e da situação familiar



A cidadania social comporta, portanto, uma espécie de infiltração da lógica do status na do contrato, uma vez que tende a subordinar os preços de mercado a critérios de justiça social e a substituir a livre troca pela declaração de direitos subjetivos. Estes direitos encontram-se assim profundamente assentados no interior do sistema contratual de tal modo que não mais podem se dizer estranhos à prática do mercado. Pode-se sustentar, em definitivo, que sem a cidadania social não se tem condições de eliminar as desigualdades, ela tem, no entanto, o efeito de modificar o padrão da desigualdade social. O que resta não é mais uma desigualdade de status, mas uma simples desigualdade de renda entre alguns setores do consumo privado. E esse tipo de desigualdade é socialmente muito mais suportável, especialmente nas sociedades dinâmicas e democráticas nas quais não existam privilégios herditários e a organização sindical seja permitida.

Pode-se prever, sustenta Marshall, que no final desse processo as desigualdades não mais terão uma função econômica precisa e que também a competição social deixará de ser um fenômeno normal porque os bens essenciais para uma vida satisfatória e segura serão garantidos a todos independentemente de seu nível de renda. Por isso é razoável que se conclua que a tensão entre os princípios opostos da cidadania e do mercado, na medida em que provavelmente insuperável, não tem o efeito paralizante de uma antinominia funcional, mas é, graças aos compromissos sociais mediante os quais tende a se resolver, um fator essencial de estabilidade e de desenvolvimento das sociedades industriais.



Os fatos provaram que Marshall estava equivocado quando acreditou no caráter expansivo da cidadania na direção da igualdade, seja pela continuidade evolutiva que ele estabeleceu entre as várias formas do seu desenvolvimento, seja, por fim, pela avaliação que ele expressou em relação às metas alcançadas ou consideradas alcançáveis pelo Welfare State.



Giddens foi o primeiro a reprovar Marshall por haver apresentado o desenvolvimento dos direitos de cidadania como um processo gradual, emergente de modo espontâneo do desenvolvimento "iluminado" das instituições de mercado e graças à benevolente proteção do Estado e não ao invés como um produto do conflito social e político. A interpretação de Marshall, diz Giddens, parece ignorar que a conquista dos direitos de cidadania deveu-se em grande parte à luta política das classes subalternas: luta recorrentemente dirigida contra setores específicos da estrutura de classe e de seu poder. Além do mais, é ilusório pensar que a batalha pelos direitos civis e políticos já tenha sido cumprida e que a conquista das liberdades fundamentais possa, em razão disso, ser considerada irreversível. E no que toca aos direitos sociais introduzidos pelo Welfare State, são, por sua vez, o centro de um conflito ainda aberto e não podem de modo algum serem interpretados como fatores de exaurimento tendencial do embate, da luta social.



Na trilha de Giddens, Jack Barbalet coloca o seguinte problema: indaga-se quais são as condições econômico-sociais para que os direitos sociais operem como algo distinto de uma série de faculdades jurídicas puramente formais. Em outros termos, Barbalet propõe-se a problematizar o que na perspectiva sugerida por Marshall parecia previsto, ou seja, a afirmação de que o desenvolvimento da cidadania atenua as desigualdades, incide sobre sua morfologia, favorece o compromisso e a integração social: em suma, introduz o Welfare State e assegura o seu sucesso.



A análise de Marshall, afirma Barbalet, centra o seu foco sobre apenas uma antinominia, a antinomínia fundamental que opõe a lógica tendencialmente igualitária da cidadania à lógica antigualitária do mercado. Nesta interpretação os direitos de cidadania aparecem como algo substancialmente homogêneo e é por isso que o seu desenvolvimento é descrito como uma passagem linear e gradual da fase civil à política e dessa à social. Segundo Barbalet, esse enfoque impede que se vejam as tensões internas aos direitos de cidadania, em especial a tensão entre os direitos civis (liberdade de pensamento, de imprensa, de associação, o direito de propriedade, o direito contratual, etc.), cujo exercício produz poder a favor de seus titulares, e os direitos sociais que são simples direitos de consumo, e que não atribuem por isso mesmo poder algum aos seus titulares e fruidores. Além do mais, os direitos civis se dirigem contra o Estado, os direitos sociais são exigências de benefício que devem ser prestadas pelo Estado. No primeiro caso, o Estado tem simplesmente uma obrigação de não fazer, no segundo, deveria empenhar-se em prestações específicas que, na realidade, requerem complexas pré-condições econômicas, administrativas e profissionais.



Portanto, afirma Barbalet, não seria o caso de nos indagarmos se teria sentido a inclusão dos direitos sociais na categoria dos direitos de cidadania. A favor de sua exclusão militam pelo menos três ordens de argumento, sustenta ele. Os direitos sociais não são em si mesmos direitos de participação em uma common national community, mas são condições práticas que possibilitam essa participação. Em segundo lugar, enquanto os direitos civis e políticos são necessariamente universais e formais, os direitos sociais apenas têm sentido se compreendidos como pretensões a prestações concretas e essas não podem ser universais mas particularistas e seletivas. Por fim, os direitos sociais, na medida em que não se contrapõem aos civis e políticos, são condicionados pela existência de uma economia de mercado bem desenvolvida, de uma sólida infra-estrutura administrativa e profissional e de um eficiente aparato fiscal. A proclamação desses direitos é absolutamente vã na ausência dessas pré-condições. Precisamente por isso mesmo, muito antes que direitos, esses devem ser considerados como conditional opportunities, absolutamente instrumentais em relação ao efetivo exercício dos direitos civis e políticos.



O reconhecimento dos direitos sociais a favor dos cidadãos, afirma por fim Barbalet, de toda sorte não se confundiria com as políticas sociais do Welfare State. As duas coisas não são de fato equivalentes. As distribuições, as prestações assistenciais do Welfare State não podem ser compreendidas simplesmente como o resultado das lutas políticas das classes subalternas, como a sanção jurídico-formal de seus interesses imposta às classes dominantes. As políticas previdenciárias e assistenciais desenvolvem também importantes funções no plano da integração social, da segurança política e do desenvolvimento econômico, e são constantemente subordinadas à satisfação dessas exigências.



Se assim é, não se pode sustentar que enquanto a cidadania civil se encontrava em absoluta sintonia com o desenvolvimento capitalista, a cidadania política e sobretudo a social representariam um desafio, uma provocação, para o sistema de desigualdades da economia de mercado. Na realidade, os denominados direitos sociais, argumenta Barbalet recorrendo diretamente à análise marxista, não modificaram a as relações de poder porque influiram apenas sobre os mecanismos de distribuição dos recursos e não sobre os meios de produção. Marshall é, nesse ponto, por demais ambíguo porque, após haver reconstruído corretamente a oposição entre cidadania e mercado como um conflito entre princípios antagônicos, fez injustificadamente previsões otimistas acerca da possibilidade de uma solução gradual e pacífica do conflito. É evidente que Marshall preocupa-se, unilateralmente, em apresentar os direitos de cidadania como o fundamento teórico e a garantia de sucesso do Welfare State.



Em um ensaio polêmico David Held recentemente sustentou que "todo o quadro conceitual com o qual Marshall e Giddens analizaram a relação entre as classes sociais e a cidadania é parcial e limitado. Tanto Marshall quanto Giddens subavaliaram a complexidade da cidadania moderna ao vinculá-la rigidamente ao tema das classes e do modo de produção capitalista. Segundo Held, isso conduz a uma concepção restritiva da cidadania e é verdade que essa, exatamente a partir de Marshall, diz respeito à plena participação dos súditos na comunidade de que são partes. Na história do ocidente tal participação encontrou obstáculos de várias naturezas, inclusive de gênero, de raça e de idade. Uma discussão acerca da cidadania, por isso mesmo, deve ter em conta as diversas lutas que as classes, os movimentos e os grupos levaram à frente contra as formas específicas de discriminação, de estratificação social e de opressão política. Assim, não se pode ignorar, como o fizeram tanto Marshall quanto os seus críticos marxistas, questões políticas cruciais como a da reproductive freedom, reclamada pelo feminismo, ou os problemas trazidos a tona pelo movimento negro, pelos ecologistas, pelos defensores dos direitos das crianças e pelos que sustentam o estatuto moral dos animais e da natureza. Por outro lado, não obstante as muitas críticas que podem ser levantadas contra a economia de mercado, não se pode ignorar a íntima vinculação historicamente existente entre o desenvolvimento do capitalismo, a diferenciação do sistema econômico do político e a expansão dos direitos civis no quadro do pluralismo político ocidental.



Em segundo lugar, Held afirma que uma discussão sobre a cidadania hoje já não pode se limitar a considerar a situação dos direitos individuais no âmbito do Estado nacional. O processo de globalização incrementou a diversidade entre a cidadania, compreendida como atribuições de direitos no interior das comunidades nacionais singulares, e o desenvolvimento da legislação internacional que submete a novas disciplinas os indivíduos, as organizações governamentais e as não-governamentais. Não obstante essa variedade, dilata-se a área de interferência entre os direito e deveres sancionados pela autoridade jurídica nacional e as previstas pelos organismos regionais ou internacionais".





3. QUAL DEMOCRACIA ?





Etimologicamente a palavra democracia vem do grego demos (povo) e kratia, de krátos (governo, poder, autoridade). Historicamente, considera-se os ateniensis o primeiro povo a elaborar o ideal democrático, dando ao cidadão a capacidade de decidir os destinos da pólis (cidade-estado grega). Povo habituado ao discurso, encontra na ágora (praça pública) o espaço social para o debate e o exercício da persuasão. Entretanto, o ideal de democracia direta, que não se faz por intermédio de representantes, mas pelo exercício do poder não-alienado, nunca se cumpriu de fato.



O apogeu da democracia ateniense se deu no século V a. C., no perído clássico. É bem verdade que Atenas possuia meio milhão de habitantes, dos quais 300 mil eram escravos e 50 mil metecos (estrangeiros); excluídas as mulheres e crianças, restavam apenas 10% considerados cidadãos propriamente ditos, capacitados para decidir por todos. Por isso, quando se fala em democracia ateniense, é bom lembrar que a maior parte da população se achava excluída do processo político. Aliás, quanto mais se desenvolvia a idéia de cidadão ideal, com a consolidação da democracia, mais a escravidão surgia como o contraponto indispensável, na medida em que ao escravo eram reservadas as tarefas menores dos trabalhos manuais e da luta pela sobrevivência.



O ideal democrático reaparece na História, com roupas diferentes, ora no liberalismo, ora exaltado na utopia rousseauniana, ora nos ideais socialistas e anarquistas. Nunca foi posssível evitar que, em nome da democracia, conceito abstrato, valores que na verdade pertenciam a uma classe apenas, fossem considerados universais. A Revolução Francesa se fez sob o lema igualdade, liberdade, fraternidade, e sabe-se que foi uma revolução que visava interesses burgueses, e não populares.



Foi Jean-Jacques Rousseau quem melhor formulou a teoria política da Democracia. Nas páginas de O Contrato Social, está exposto, sob a mais pura das formas, o sistema democrático ideal: Todos nascem livres e iguais e, para que todos continuem livres e iguais, necessário se torna que ninguém esteja sujeito a outrem, mas que todos estejam subordinados, apenas e tão-somente, a todos. É esse o objetivo do pacto social que, nas palavras do célebre filósofo, visa achar uma forma de associação que defenda e proteja, com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada associado e pela qual cada, ao se unir a todos, só obedece a si próprio, e permanece assim tão livre quanto anteriormente. A teoria de Rousseau, embora fosse a mais perfeita racionalização da Democracia, não foi seguida, mesmo nos primórdios do regime. Com efeito a democracia institucionalizou-se sob a forma representativa e, como é sabido, Rousseau recusava o caráter democrático ao governo por representantes.



Um dos pilares da democracia é a divisão do poder. Segundo Montesquieu c'est une expérience éternelle que tout homme qui a du pouvoir est porté à en abuser. Para impedir ou dificultar esse abuso, a melhor receita, segundo a lição ainda válida contida no Do Espírito das Leis, é dividir o poder entre órgãos reciprocamente independentes, porque só o poder pode deter o poder. O essencial da Separação dos Poderes está em que, se se quiser constituir um Estado respeitoso da liberdade dos cidadãos, é mister dividir o poder, estabelecendo um sistema de freios e contrapesos. Daí a tripartição clássica do poder teorizada por Montesquieu em Legislativo, Executivo e Judiciário. A tripartição dos poderes deveria ter sido chamada de tripartição de funções, uma vez que o poder é uno e ao povo pertence. O Legislativo, o Executivo e o Judiciário são meras funções desempenhadas pelo Estado, que exerce o poder em nome do povo.



Hoje, no entanto, a divisão rígida destas funções já está superada, pois no Estado contemporâneo, cada um destes órgãos é obrigado a realizar atividades que tipicamente não seriam suas. Ao contemplar a tripartição dos poderes nas Constituições, o objetivo foi não permitir que um dos Poderes se arrogue o direito de interferir nas competências alheias, portanto não permitindo, por exemplo, que o Executivo passe a legislar e também a julgar ou que o Legislativo, que tem por competência a produção normativa, aplique a lei ao acaso.



A democracia é considerada o governo do povo, subentendendo-se governo da maioria, o governo das maiorias constitucionais. A democracia é o regime antagônico à monarquia que se baseia na herança do cargo público, à aristocracia com seus privilégios sociais, e bem assim à ditadura, porque nesta uma pessoa se apossa do poder pela força ou pela violência, nele se mantém enquanto disto é física ou moralmente capaz, não está sujeito a nenhum freio ou restrição salvo o medo, e não pode ser posto para fora do poder senão mediante o recurso à violência das revoluções.



O regime democrático, em teoria, repousa não só nas maiorias, porém em um sistema da vida em que se assegure às minorias políticas a possibilidade de existência legal na vida nacional, de tal forma a garantir aos cidadãos seus direitos individuais. Há nessa idéia, a compreensão da pluralidade de partidos políticos ou da coexistência legal de vários partidos políticos dentro da comunidade. A pluralidade de partidos é indispensável à democracia. Esta se concretiza mediante a coexistência legal dos partidos, pelo rodízio das maiorias, pelo respeito às minorias, como também pela representação proporcional nos Parlamentos, pela representação nas próprias comissões parlamentares.



Assim como para a cidadania, existe a concepção de que a democracia é uma técnica da igualdade. A democracia do século XIX buscou eliminar os privilégios de crença, nascimento e raça, mas excluiu dos benefícios do progresso científico e tecnológico milhões de pessoas. Na verdade a democracia neoliberal contemporânea cristalizou-se como uma técnica de desigualdade e exclusão. Embora se tenha tentado equacionar legalmente a proteção às massas operárias, a globalização, o desenvolvimento tecnológico e o livre mercado lançaram milhões de pessoas ao desemprego.



Há, assim, três concepções sobre o regime democrático. A concepção clássica, afirmando que a democracia é o governo do povo; a concepção liberal, sustentando que ela é o regime realizando uma técnica de liberdade através de uma expressão pluripartidária; e a concepção da democracia econômica, que endossa a opinião de que ela é uma técnica da igualdade.



A definição de democracia encontrada nos manuais é a do governo constitucional das maiorias que, sobre as bases de uma relativa liberdade e igualdade, pelo menos a igualdade civil (a igualdade diante da lei), proporciona ao povo o poder de representação e fiscalização dos negócios públicos (cidadania política).



Em princípio, democracia é o governo do povo, ou o governo das maiorias constitucionais, porque realmente quem preconiza a democracia tem de preconizar o governo das maiorias constitucionais. Porém este governo da maioria se realiza através do voto ou da operação eleitoral. Historicamente, este poder de voto era um poder restrito pela condição de fortuna, como no século XIX, porém no século XX o sufrágio tornou-se universal, isto é, cada cidadão teve a fruição legal do direito de voto, segundo a fórmula inglesa : a cada cidadão um voto. Todavia, o poder de representar continua a ser condição de fortuna, pois, principalmente, candidatos financiados por poderosos grupos econômicos possuem chances reais de eleição.



Mas, afinal, existe democracia ? Para responder a este questionamento, reportar-me-ei a discussão levantada por Andrade e proposta, inicialmente por Georges Burdeau, de que "não se pode falar em democracia, no singular, senão apenas no plural, salvo se se acrescentar ao vocábulo um qualificativo, como real, verdadeira, formal, clássica ocidental, econômica, social, popular, etc. Tantas são as formas que pode assumir, diz, ainda, que a concepção da democracia se torna subjetiva, não comportando um conceito universal, isto é, válido para todas as pessoas ou situações.



Assim imprecisa e dútil, a idéia democrática pode servir a todos os regimes. Todos com efeito, proclamam-se democráticos, mesmo aqueles, prossegue Burdeau, que utilizam as técnicas mais autoritárias. Querem, com isso, evitar que o homem se sinta aviltado, por se submeter, no plano político, a ordens que lhe são impostas do exterior .



Este primeiro questionamento levantado pelo escritor brasileiro, baseado nos pensamentos de Burdeau é, sem dúvida, cabível para a situação em apreço, pois, não fora assim, poderíamos buscar o que diz, por exemplo Mangabeira, para quem democracia é o regime constitucional de governo da maioria, que, sobre a base da igualdade política e da garantia das liberdades civis, assegura às minorias, com seu direito de representação, o da fiscalização e crítica. Este é um conceito jurídico de democracia, que tem por base, inclusive, a representatividade garantida pela Constituição.



Alguns autores, por sua vez, preferem basear-se no conceito de democracia criado por Aristóteles e melhorado no correr dos séculos por outros pensadores, que o atualizaram. Assim, Maluf diz que a idéia de democracia pode ser tomada em duplo sentido formal e substancial. Ou seja, um sentido estrito e outro amplo. Em sentido formal ou estrito, democracia é um sistema de organização política em que a direção geral dos interesses coletivos compete à maioria do povo, segundo convenções e normas jurídicas que assegurem a participação efetiva dos cidadãos na formação do governo. É o que se traduz na fórmula clássica: todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. Neste conceito são pressupostos os princípios da temporalidade e eletividade das altas funções legislativas e executivas. Em sentido substancial, sobre ser um sistema de governo temporário e eletivo, democracia é um ambiente, uma ordem constitucional, que se baseia no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana".



Para Andrade, questionando tal conceito, tornou-se cláusula de estilo, repetida nas Constituições, a de que todo poder emana do povo. Aquelas que não a tornam explícita, aderem, por alguma forma, à idéia. O próprio Maluf reafirma, com relação ao conceito de que a democracia é o governo da maioria, que o próprio Rousseau, admite que a vontade geral é uma presunção e resulta da definição legal. Assim, preliminarmente, tenha-se em vista que governo da maioria, tem um conceito legal, não real.



O conceito final, fruto de todas as análises que faz, para Maluf é o de que a democracia consiste em um sistema de organização política no qual: 1º) todo poder emana do povo, sendo exercido em seu nome e no seu interesse; 2º) as funções de mando são temporárias e eletivas; 3º) a ordem pública baseia-se em uma Constituição escrita, respeitando o princípio da tripartição do poder de Estado; 4º) é admitido o sistema de pluralidade de partidos políticos, com a garantia de livre crítica; 5º) os direitos fundamentais do homem são reconhecidos e declarados em ato constitucional, proporcionando o Estado os meios e as garantias tendentes a torná-los efetivos; 6º) o princípio da igualdade se realiza no plano jurídico, tendo em mira conciliar as desigualdades humanas, especialmente as de ordem econômica; 7º) é assegurada a supremacia da lei como expressão da soberania popular; 8º) os atos dos governantes são submetidos permanentemente aos princípios da responsabilidade e do consenso geral como condição de validade. Eis o conceito mais formal que se poderia encontrar para democracia, pois que, segundo seu próprio autor, junta o conteúdo dos conceitos formal e substancial de democracia.

Agora cabe discutir tal conceito. Cunha ressalta que numa sutilíssima observação, ponderou PREVOST-PARADOL que a democracia é um misto de verdade e de ficção, porque, sem dúvida, ela comporta, em alta voltagem, realismo político e sonho (...) O conceito de democracia deve exprimir, conseqüentemente, uma realidade dinâmica, em contínuo evolver, não estratificada e exaurida, que exige do intérprete dotes de pensador, capaz de observar, penetrantemente, e de aspirar, com idealismo.



Para Burdeau, pondo-se de lado nuances menos importantes, os tipos de democracia podem reduzir-se, basicamente, a dois: a democracia governada e a democracia governante. A primeira tem por premissas a liberdade abstrata do cidadão e a não-intervenção do Estado. Caracteriza-se pela divisão dos poderes, pela independência do governo e pelo controle do governo pelo povo. Diz-se que o povo controla, mas não governa, o que autoriza a qualificação governada, porque o governo, se teoricamente se sujeita a controle, é, de fato, independente. O direito político do indivíduo é muito menor do que a sua subordinação ao Poder, mas só é assim no plano político, pois, quanto às suas atividades econômicas e sociais, o Estado não interfere: abstém-se. Trata-se, como se vê, do Estado liberal, sob influência da filosofia individualista da Revolução francesa.



Já a democracia governante é uma democracia de luta, dinâmica e ativista, que não quer apenas liberdades abstratas, pois quer também fazer a lei, participar, influir nas decisões. A ordem espontânea, preconizada pelo individualismo do Estado liberal, não lhe pareceu satisfatória, desde que não se mostrou capacitada a equacionar corretamente os problemas da maioria. Quer substituí-la por uma ordem nacional, ainda que se imponham sacrifícios à liberdade. Não quer, em suma, perecer em estado de liberdade.



Esta não é, por certo, justificativa para o fim das liberdades democráticas, de cunho puramente individualista, como já vimos, mas, o mesmo autor faz questão de ressaltar que "o marxismo vale-se dos defeitos notórios da democracia clássica para denunciá-la como puramente formal, porque, construída no plano da abstração, sem correspondência com a realidade, destina-se, na verdade, a preservar interesses das classes dominantes, e não a integrar, efetivamente, o povo na vida política. Aliena-se o povo, ao submeter-se a um poder que, dados os mecanismos e expedientes expostos, não emana dele, ainda que a lei declare que todo poder emana do povo".



Se, por um lado está colocado, no conceito formal-substancial emitido por Maluf que a democracia liberal baseia-se na não interferência do Estado, por outro lado, conforme ressalta, Cunha, "a democracia exige um Estado forte, para não perder-se num Estado de força".



Tentando, por sua vez, talvez agradar a "gregos e troianos", por exemplo, Rosenfield ressalta que a democracia moderna ganhará um novo rosto, inaugurando um novo sentido do político, ao determinar-se por um espaço público de discussão, de luta, de negociação e de diálogo. A reunião de todos aqueles que constituem a sociedade numa forma de organização política aberta ao seu aperfeiçoamento dá aos cidadãos um novo sentido da comunidade, não excluindo ninguém, por princípio, dos assuntos públicos.



Isso posto, é necessário frisar que a democracia não pode e nem deve ser confundida com uma forma ou com um regime de governo, isso seria torná-la estreita, pequena, menor do que é de fato. É preferível situá-la como um ambiente em permanente construção, aberto, onde a luta das idéias seja princípio fundamental, garantido a todos, mas, essencialmente como um direito social, ou seja, que esteja vinculado aos interesses da comunidade e não aos interesses individuais. Dentro desta concepção, os direitos individuais não podem sobrepor-se aos direitos coletivos. O Estado, por sua vez, num determinado momento, deve ser parte da sociedade, mesmo estando, por designação desta mesma sociedade, acima dela, para gerenciar os interesses coletivos, mais do que os individuais, respeitando, no entanto, estes, desde que não se contraponham aos interesses do social. Cabendo ao povo determinar até quando ainda necessita da presença de tal gerente. As definições formalistas de democracia não atendem mais, hoje, ao interesses sociais dos seres humanos. O individualismo, base do liberalismo, não pode, jamais, sobrepujar-se ao coletivo, somente assim haverá, realmente democracia.





4. VIVEMOS NUMA DEMOCRACIA?





Formalmente sim. A atual Constituição brasileira acolhe os princípios Democrático e o do Estado de Direito, nos quais se orientam a submissão à lei e à vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos. Todavia, vale ressaltar que a democracia é algo dinâmico, em constante aperfeiçoamento, sendo válido dizer que nunca foi plenamente alcançada. Desde sua concepção, na Grécia, até os dias atuais, o ideal da democracia não se cumpriu de fato. Muitos foram e continuam sendo excluídos do direito à cidadania e poucos detiveram e detêm efetivamente o poder.



Na democracia, o poder supremo reside no próprio povo, nunca como agora o povo esteve tão eficientemente dominado e sem poder de mudar a situação miserável em que se encontra. A democracia é mais que forma de governo. Como concepção de vida, é próprio da democracia que todos participem da formação dos valores que regulam e estimulam a existência da comunidade. Como forma de governo, a democracia estabelece os meios adequados a que essa participação se realize. Só que na prática, um pequeno grupo impõem os valores que manipulam a maior parte do povo, de tal forma a legitimá-los no poder.



A concepção democrática é otimista, pois deposita confiança na perfectibilidade da natureza humana, no que cada indivíduo pode dar à comunidade em esforço criador, em cooperação inteligente. Conforme diz JOHN DEWEY, a base da democracia é a fé na inteligência humana e no poder da experiência cooperante e selecionada. Não é a crença de que essas coisas já sejam em si mesmas perfeitas, mas que, através do próprio desenvolvimento, poderão gerar progressivamente o conhecimento e a sabedoria necessários para guiar a ação coletiva.



Um dos valores supremos da democracia é a igualdade política. Modernamente, a reinvidicação da igualdade consumou-se primeiro na igualdade política pelo princípio de que o povo deve participar da constituição dos governos. O consentimento dos governados tornou-se elemento indispensável para a legitimidade do poder político. No Brasil, isso não ocorre de maneira legítima, uma vez que o poder de manipulação da mídia associado com o poder econômico viciam o processo de escolha dos representantes do povo. O pequeno grupo que detem a maior parcela do poder nele perpetua-se, através da manutenção da pobreza e do analfabetismo, facilitando a dominação do povo e barateando a compra do voto. O governo deve ser eleito pelos cidadãos, controlados pelos representantes do povo, limitado pela lei. Dai o sufrágio universal, o parlamento, a constituição e as declarações de direitos. O fato é que a democracia brasileira é ainda formal. Se faz eleições para garantir os privilégios de uma minoria, as instituições atuam em favor dessa minoria, enquanto o povo vive em condições as vezes subumanas.



A igualdade perante a lei é um dos princípios supremos da democracia. É o princípio que perante a lei não devem existir privilégios para certa categoria especial de indivíduos. Na verdade nem todos são iguais perante a lei. O povo sabe que isto, ainda, é uma grande mentira. Existem ditados populares, que evidenciam tal percepção tais como: "Para os pobres a ordem, para os ricos o progresso", "Cadeia é só para ladrão de galinha" e "Justiça quem pode compra, quem não pode paga".



Outro princípio sagrado da democracia é a igualdade econômica. Nunca as pessoas foram tão desiguais neste aspecto, como nos últimos anos. O fosso entre ricos e pobres só aumentou. Houve grande transferência de riquezas da maioria do povo para uma minoria privilegiada. Os ricos ficaram cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. A desigualdade econômica repercute diretamente na distribuição do poder político, prejudica, parcializa e limita a igualdade política e a igualdade perante a lei. Não há, nem pode haver verdadeira democracia e cidadania sem igualdade de oportunidades. As grandes desigualdades econômicas, já dissera Platão, são incompatíveis com a unidade de interesses na comunidade, com uma orgânica comunhão de bens.



Numa sociedade onde o mercado é soberano e dita as ordens, se cristaliza não mais o binômio exploradores x explorados, mas sim entre excluidores x excluídos. Não poderá haver uma autêntica cidadania e democracia, onde a educação é privilégio das classes ricas, como no Brasil, onde 30% da população é analfabeta. Só mediante uma situação econômica mais justa é que se possibilitaria a elevação do nível de vida das classes desfavorecidas. Não havendo poder aquisitivo do povo em seu conjunto, é impossível que ele venha a desfrutar dos benefícios da civilização, porque a educação ainda é para o povo brasileiro o privilégio de uma minoria e não a herança da própria comunidade.



Como fazer valer os direitos individuais e sociais garantidos pela Constituição e aplicar os valores de justiça numa realidade estigmatizada de contradições sociais e desigualdades econômicas ? Como é possível postular o princípio da igualdade formal perante a lei numa sociedade em que, segundo LEAL (1997), 1% dos mais ricos possuem 17% da riqueza nacional e os 50% mais pobres detêm apenas 10% ? A última década registrou o empobrecimento de 90% da população, enquanto 10% enriqueceu. De que modo no âmbito de uma formulação social em que a pobreza atinge cerca de 60 a 70% da população, interpretar o princípio segundo o qual os juízes devem atender aos fins sociais e às exigências do bem comum na aplicação da lei ?



Com um povo analfabeto, asfixiado, doente, faminto, espoliado, é impossível uma autêntica democracia. Com um povo analfabeto não há cidadãos, com um povo faminto e doente não há trabalhadores, com um povo asfixiado e espoliado não há liberdade, com dependência econômica não há soberania, com distância e abismos sociais não há unidade, com exploração do homem pelo homem não há ordem nem progresso, com desigualdade não há justiça nem paz. Não há liberdade nem cidadania entre homens necessitados.



A democracia, histórica e ideologicamente, corresponde a um ideal político. Um país onde uma minoria concentra a maior parte da riqueza e uma grande parcela da população não possui teto para morar nem trabalho, nem acesso a educação, saúde, cultura e recreação, não pode ser considerado uma democracia real, muito embora vista toda a roupagem da democracia. A democracia é extremamente dependente do desenvolvimento político do povo (cidadania política). Este desenvolvimento importa na participação ativa, espontânea, intensa e multiforme da maioria na vida cívica. Importa, igualmente, na consciência que tem cada um de seu papel e de sua contribuição para com o todo e de sua responsabilidade social.



O desenvolvimento social é função do grau de desenvolvimento econômico. O nível cultural é dependente da economia. Só pode ele crescer na medida em que esta permite que os indivíduos disponham de tempo para cuidar de outros interesses que não o elementar de permanecer vivo. Não é possível desenvolvimento cultural, e consequentemente desenvolvimento político, para quem tenha de dar o máximo de esforço e de tempo para obter o mínimo necessáro à própria sobrevivência.



Nenhum arranjo institucional, esboçado teoricamente ou realmente praticado, logrou permitir que o povo, a maioria, se governe a si próprio. A razão disso é uma só e muito simples : é impossível que a maioria se governe a si própria e à minoria; é impossível a democracia entedida como governo do povo pelo povo. O governo é sempre exercido por uma minoria, sempre é uma minoria que governa enquanto a maioria não faz mais que obedecer. Esta é uma verdade realista.



Apesar de no Brasil haver pluralidade de Partidos, e as leis determinarem as garantias individuais do cidadão, ainda não se alcançou o nível de satisfatório de cidadania e democracia para toda sociedade brasileira. Toda forma de governo, não importa qual o sistema que o inspire, depende, em sua realização, de uma base econômica, política e social e sofre as vicissitudes dos problemas do momento. A democracia não é exceção à regra. Ao invés, sendo talvez a mais complexa e sensível das formas de governo, acentuadamente reflete a fase por que passa a infra-estrutura eonômica e social. Diante de um Estado expoliado e anêmico, vivemos a democracia neoliberal, comandada pelo mercado e permitida pelas forças sociais e econômicas que têm o poder real em suas mãos. Assim, ao contrário do que previu Marshal, quanto mais soberano o mercado menos cidadania. Eis a questão, como construir a cidadania, a democracia, eliminar a miséria, atenuar a pobreza, dar acesso a saúde, alimentar, vestir, dar trabalho e abrigo as populações pobres do mundo se cada vez o mercado tende a produzir mais excluídos ?

Voltando à discussão suscitada por Andrade, baseado em Burdeau, "no mundo ocidental, adota-se o sistema de poder aberto, que possibilita a livre discussão de todas as aspirações e idéias. Pode-se ser a favor ou contra. Admite-se a oposição. A contradição é natural e faz parte da rotina. O Estado não toma compromisso exclusivista com qualquer idéia de direito. A vontade popular é instável, podendo variar a cada momento, para indicar uma nova linha de ação governamental.



No mundo socialista, vigora o sistema de poder fechado. A vontade popular se considera definitivamente fixada, por efeito da própria implantação do regime. O Estado adota uma idéia de direito, fornecida pela concepção marxista ou marxista-leninista. Há, assim, uma ideologia oficial, única e homogênea. O Poder é dogmático e se coloca a serviço da ideologia que encarna. As concepções divergentes consideram-se heréticas. A sociedade homogênea e sem classes ignora a diversidade de opiniões. O sistema de poder aberto é cético, pois não concebe qualquer idéia como definitiva e admite que a discussão pode destruí-la. O sistema de poder fechado é ortodoxo, partindo de que não há alternativa e só o marxismo pode conduzir a uma sociedade perfeita. Ao concluir a análise, Burdeau entende que ainda está por criar a verdadeira sociedade democrática, que não existe em parte alguma. Não há chances semelhantes, em nenhum país, pois as desigualdades dos homens as excluem".



Vivemos numa democracia ? Formalmente, sim. A Constituição diz que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição, temos as funções de mando temporárias e eletivas, uma Constituição escrita, com a tripartição dos poderes, a pluralidade partidária, a liberdade de expressão, os direitos fundamentais do homem são garantidos pelo artigo 5º da Constituição Federal, no plano jurídico todos os cidadãos são iguais perante a lei, sendo esta a que expressa a soberania popular e os atos dos governantes são submetidos permanentemente aos princípios das responsabilidades e do consenso geral, sendo aprovados ou não pelos representantes do povo.



As eleições no Brasil tem funcionado como mecanismo de tapeação. São feitas eleições para que a população tenha a imprensão de que se está mudando a realidade. Mas é pura ilusão. Democracia política não significa, de imediato, a prática da democracia econômica ou social. A democracia política é permitida e tolerada pelas elites dominantes brasileiras (MAGALHÃES, 1998), como forma de tapear, para parecer que há democracia. Se as eleições dessem vitória a um candidato que não desse respaldo aos interesses das elites, dificilmente tomaria posse. As mesmas elites chamariam as forças armadas e os Estados Unidos se manifestariam impondo sua vontade.



Não obstante, se observarmos outros conceitos de democracia, poderíamos dizer que não, não vivemos numa democracia, pois não há, no sistema político-econômico em que vivemos igualdade de oportunidades e não há justiça social, daí que, se utilizarmos a análise marxista, por exemplo, a democracia é, na verdade uma forma de maquiar as desigualdades, pois que, constituída esta no plano da abstração, sem correspondência com a realidade, destina-se, na verdade, a preservar interesses das classes dominantes, e não a integrar, efetivamente, o povo na vida política. Aliena-se o povo ao submeter-se a um poder que, dados os mecanismos e expedientes expostos, não emana dele, ainda que a lei declare que todo poder emana do povo (...) A democracia clássica seria, assim, apenas uma forma de oficialização da luta de classes, a serviço da superioridade econômica e, portanto, da classe dominante, cujos interesses os partidos exprimem e defendem.



Talvez fosse melhor acompanhar, até certo ponto, Burdeau, quando diz que não existe democracia de fato. Não há um Estado verdadeiramente democrático, quer no que tange à democracia clássica, quer no que diz respeito à democracia popular, como propõem os socialistas, a começar por Marx.



A democracia, a meu ver, é uma construção constante e, se vivemos num país onde as "liberdades democráticas" foram duramente conquistadas, não quer dizer que vivemos numa democracia plena quando cerca de vinte e cinco por cento da população do país está absolutamente marginalizada de qualquer tipo de participação política; são os mais de trinta milhões de miseráveis, excluídos da sociedade em que vivemos e sem nenhum tipo concreto de representante no Congresso ou nas Assembléias Legislativas. Por outro lado, mais um quarto da população tem forma precária de participação, servindo de massa de manobra para que a politicalha e o coronelismo ainda continue vigorando em vastas áreas do território nacional. É isso democrático: metade da população sem nenhuma ou com pequena representatividade no processo político brasileiro?





5. EXISTE CIDADANIA NA AUTOCRACIA ?





Eis aqui um pequeno relato do livro Brasil Nunca Mais (p. 248 e 249), revelativo do que pode acontecer com a cidadania política em qualquer autocracia, seja de direita ou esquerda:



O assassino de João Lucas Alves e Severino Viana Calú foi denunciado, em 1970, no interrogatório, em Juiz de Fora, do estudante Afonso Celso Lana Leite, de 25 anos :



(...) que os interrogatórios dos acusados, inclusive os do interrogado, foram feitos sob torturas as mais atrozes, ocasionando a morte de dois companheiros seus: João Lucas Alves e Severino Viana Calú; que esses dois companheiros morreram em virtude de não terem aquiescido com os depoimentos que lhe eram impostos pelos torturadores THACYR MENEZES SAI, do DOPS, ARIOSVALDO, do DOPS e diversos outros, dos quais não se lembra o nome, no DOPS; (...)



No mesmo processo, o trocador de ônibus Antônio Pereira Mattos de 36 anos, reforça a denúncia:



(...) que dá, como exemplos de torturas, o caso de João Lucas Alves que, depois de seis meses de prisão, mais ou menos, e depois de barbaramente torturado, em consequência veio a falecer, e foi dado pelas Autoridades Policiais, como causa mortis, o suicídio, quando é do conhecimento do público, e isto consta da perícia médica, que esse companheiro tinha os olhos perfurados ao falecer e as unhas arrancadas; (...) que morreu também, em razão de torturas, um outro companheiro do interrogado, de nome Severino Viana Calú; (...) que Severino Viana Calú faleceu na Guanabara e João Lucas Alves, na (delegacia de) Furtos e Roubos de Belo Horizonte, ambos companheiros do interrogado na Guanabara; que soube que o falecimento do João Lucas Alves ocorreu em razão de torturas, porque os próprios policiais contaram ao interrogado; (...)



O auto de corpo de delito de João Lucas Alves, 36 anos, foi realizado a 6 de março de 1969 no Departamento de Medicina Legal de Belo Horizonte, e está assinado pelos doutores Djezzar Gonçalves Leite e João Bosco Nacif da Silva. Nele consta:



"Autoridade que requisitou - Del. De Furtos e Roubos.

LESÕES CORPORAIS: (...) Duas escoriações lineares alargadas, medindo a maior cerca de 5 cm, e situadas na face interna, terço inferior do antebraço esquerdo. Escoriações vermelhas situadas nos 4 últimos pododátilos (dedos do pé) esquerdos: Edema do pé direito. Contusão com equimose arroxeada na região glútea direita, face posterior da região escapular direita e flanco direito. Região anal normal. Ausência da unha do primeiro pododátilo esquerdo.

CAUSA DAMORTE - asfixia mecânica.



A autocracia é nome genérico aplicado a diversas formas de dominação política exercida, discricionariamente, por uma pessoa ou um pequeno grupo de pessoas. Despotismo, tirania, ditadura, oligarquia e absolutismo são formas de autocracia (AZEVEDO, 1981). A autocracia é o governo de um só homem: o dos Faraós, no antigo Egito, dos reis da França, na monarquia por direito divino, dos czares, na Rússia. Na Alemanha nazista, a lei era o que Adolf Ritler ordenava, sua vontade era a última instância de que dependiam todas as sentenças proferidas pelos tribunais do Reich. Era o que afirmavam dois teóricos de grande autoridade da mais torva e nefasta autocracia de todos os tempos: "O Direito é o plano formulado pelo Fuher" (Frank); "O juiz é obrigado a investigar se o íntimo de sua alma está de acordo com o Fhurer" (Freisler), (PIMENTA, 1955).



Existe democracia e cidadania em autocracias como China e Cuba ? Nenhum desses países apresentam os dois pilares básicos da democracia, que é a pluralidade de partidos e o respeito as garantias individuais do cidadão. Na China, houve o massacre de cerca de 4000 estudantes na Praça da Paz Celestial, em Pequim, quando eles clamavam por democracia. Em Cuba, ficou famoso o Paredão, no qual se fuzilava os opositores do governo. O projeto de construir sociedades igualitárias por meio da mão forte do Estado teria custado, segundo estimativas, 100 milhões de vidas. A maior parte delas foi ceifada na China e na ex- URSS.



Nas autocracias Chinesas e Cubanas não há liberdade de expressão e o povo não se governa de forma alguma. O povo simplesmente ratifica, sem qualquer opção, a seleção de representantes que lhe é apresentada. A organização constitucional desses países é em forma de pirâmide. No ápice dessa pirâmide está o órgão máximo em cujas mãos se concentra todo o poder. Os deputados são eleitos pelo povo, mas através de eleições que não importam em qualquer disputa. Nelas, meramente se ratifica uma lista estabelecida pelo Partido Comunista que, assim seleciona todos os ocupantes de postos políticos.



O historiador Stéphane Courtois, no "Livro Negro do Comunismo" defende a tese de que o comunismo é irmão gêmeo do nazismo, alegando que ambos utilizaram o genocídio como estratégia de reoganização social. Os mecanismos de segregação e de exclusão do totalitarismo de classe se parecem muito com aqueles do totalitarismo de raça. O autor cita Hannah Arendt, para quem os princípios do comunismo e do nazismo têm muito em comum. Ambos dividem o mesmo credo num partido único, que deve controlar de forma absoluta o aparato estatal. Além disso, amparam-se em ideologias incontestáveis, recorrem à polícia política e à repressão implacável dos dissidentes.



Nas autocracias de Partido único, este tem o monopólio da escolha de candidatos tanto quanto do programa a ser seguido. Procede, desdarte, na linguagem da Constituição, como vanguarda da classe operária, cuja vontade, por uma imputação dogmaticamente imposta e que é vedado discutir. A deportação, o exílio, a prisão e a morte sempre foi uma medida típica desses países para quem ousasse discordar. Não aceitam o elementar direito de divergir, inscrito em todas constituições democráticas e na Declaração dos Direitos do Homem. A violência praticada contra os dissidentes desses países, que encarnam a oposição, tem sido uma constante nos regimes autoritários, como se vê das diversas condenações, exílios locais e expulsões de intelectuais e pela utilização de hospitais psiquiátricos como meio de dissuação dos opositores.



O que caracteriza os governos autocráticos é que o poder é investido numa pessoa que pretende exercê-lo durante toda sua vida, como se dele fosse proprietário ou em nome de um grupo que se julga acima do bem e do mal, como os militares no regime ditatorial brasileiro. É o caso de Fidel Castro, Mao Tse Tung, Deng Xiao Ping, Stalin, Suharto, Sadam Hussein etc.



Identificado com determinada pessoa ou grupo, o poder personalizado nestes é um poder de fato, e não de direito, pois não é legitimado pelo consentimento da maioria, mas depende do prestígio e da força dos que o possuem. Trata-se de uma usurpação do poder, que perde o seu lugar público quando o poder é incorporado na figura de um indivíduo, como se fosse de um príncipe. Que tipo de unidade decorre desse poder ? Como não se funda na expressão da maioria, ele precisa estar sempre vigiando e controlando o surgimento de divergências que poderão abalá-lo. Busca então a uniformização das crenças, das opiniões, dos costumes, evitando o pensamento divergente e destruindo a oposição.



Em Cuba e na China o poder foi incorporado ao partido único, representado por um homem todo poderoso. O Partido onipresente se incumbe de difundir a ideologia dominante por todos os setores de atividades, a todos unificando, de tal forma a permitir a reprodução das relações sociais conforme o modelo geral. Logo, nesses países naõ há democracia, mas sim ditadura, e a cidadania política pode acabar em supressão da vida dos opositores.



Andrade, ao concluir a discussão sobre o conceito de democracia, diz que mais clara se torna, agora, a afirmação de Burdeau de que já não se pode falar de democracia (no singular), senão apenas de democracias (no plural), uma vez que o rótulo é invocado pelos regimes mais díspares e até antagônicos, como elemento de fascínio e legitimação. A democracia clássica ou política é uma: a democracia social ou popular é outra, totalmente diversa. Não há conceito válido para as duas. E, se os conceitos diferem, nenhuma pretensão de exclusivismo se justificaria: a democracia clássica não é democracia, no entender dos socialistas, do mesmo modo que o capitalismo não reconhece como democracia aquele sistema que os países socialistas praticam, sob o rótulo de democracia social ou democracia popular.



Talvez aqui fosse importante parodiar Mao Tse Tung, quando diz que o "conceito de povo tem diferente conteúdo, nos diversos Estados e nos diferentes períodos históricos de cada Estado", para dizer que o conceito de democracia tem diferente conteúdo nos diversos Estados e nos diferentes momentos históricos de cada Estado, assim, não é justo dizer que há ou não democracia na República Popular da China ou em Cuba a partir do conceito clássico de democracia, desconsiderando-se a categoria marxista introduzida sob o manto de democracia popular, que esses países procuram exercitar.



Segundo ARON (1965), historicamente, os regimes que se estabeleceram pela violência se tornaram constitucionais. Isto é, promulgaram uma Constituição, as regras segundo as quais os governantes seriam designados e a autoridade exercida. Em geral, eram Constituições tipicamente de estilo ocidental. Nós sabemos e os cidadãos sabiam que se tratava de uma ficção. Os governados tinham, em teoria e sobre o papel, todos os direitos fundamentais, liberdade de palavra, liberdade de imprensa e liberdade de reunião. As pessoas eram sagradas, tudo em nome do e para o interesse do povo. A questão era quem definia o interesse do povo.



É interessante como os regimes autocráticos tentam vestir a roupagem democrática. Diz a Constituição da República Popular da China em seu artigo primeiro: La República Popular China es un Estado socialista de dictadura democrática popular, dirigido por la classe obrera y basado en la alianza obrero-campesina". Para, logo no artigo seguinte dizer que "todo el Poder en la República Popular China pertenece al pueblo. Los órganos por medio de los cuales el pueblo ejerce el Poder estatal son la Asamblea Popular Nacional y las asambleas populares locales de los diversos niveles.



No artigo 5º do mesmo diploma legal está dito que: El Estado salvaguarda la unidad y la autoridad de la legalidad socialista. Ninguna ley, disposición administrativa o reglamento de carácter local debe contradecir la Constitución. Todos los organismos del Estado y las fuerzas armadas, los partidos políticos y organizaciones sociales, las empresas e instituciones deben observar la Constitución y las leyes. Se exigirá responsabilidad por todo acto que viole la Constitución y las leyes. Na aparecência este artigo garante a soberania da Constituição e das leis, bem como a pluralidade partidária, o que são exigências básicas da democracia clássica. No entanto, é literal a opção pela ditadura democrática popular.



A partir do artigo 33, a Constituição da República Popular da China fala dos Direitos e Deveres Fundamentais do Cidadão e diz: Es ciudadano de la República Popular China todo el que haya adquirido la nacionalidad de la misma. Todos los ciudadanos de la República Popular China son iguales ante la ley. Todos los ciudadanos gozan de los derechos establecidos por la Constitución y las leyes y, al mismo tiempo, deben cumplir con los deberes contenidos en las mismas.



Los ciudadanos de República Popular China que hayan cumplido los 18 años tienen derecho a elegir y a ser elegidos, independientemente de su nacionalidad, raza, sexo, profesión, procedencia familiar, religión, grado de instrucción, situación económica y tiempo de residencia; sin embargo, se exceptúa a aquellas personas que por ley hayan sido privadas de sus derechos políticos (Art. 34).



Los ciudadanos de la República Popular China tienen libertad de palabra, de prensa, de reunión, de asociación, de desfiles y de manifestaciones (Art. 35).



Los ciudadanos de la República Popular China son libres de profesar creencias religiosas. Ningún organismo del Estado, organización social o indivíduo puede obligar a un ciudadano a profesar tal o cual religión o a dejar de practicarla, ni tampoco discriminar a los ciudadanos creyentes ni a los no creyentes. El Estado protege las actividades religiosas normales. Ninguna persona puede realizar, al amparo de la religión, actividades que atenten contra el orden público, causen daño a la salud de los ciudadanos o perturben el sistema educacional del Estado...(Art. 36).



La libertad personal de los ciudadanos de la República Popular China es inviolable. Ningún ciudadano puede ser detenido sin la autorización o decisión de una fiscalía popular o la decisión de un tribunal popular, y la detención no puede ser ejecutada sino por los organismos de seguridad pública. Se prohibe practicar ilegalmente el arresto de cualquer ciudadano o privarle por otros medios ilegales de su libertad personal o restringir la misma. Se prohibe realizar sin autorización registros personales a cualquier ciudadano (Art. 37). E seguem outros artigos com as garantias dos direitos individuais, até o art. 51.



Sobre a estrutura dos poderes de Estado, a Constituição diz que o órgão supremo de poder do Estado é a Assembléia Popular Nacional da República Popular da China, que é o poder Legislativo, eleita diretamente pelo período de cinco anos (Art. 57 e 60). Já o Poder Executivo é exercido pelo Conselho de Estado ( Art. 85). O Presidente e o Vice-presidente são eleitos pela Assembléia Popular Nacional e não podem ser reeleitos mais de uma vez (Art. 79). O Poder Judiciário é exercido pelos Tribunais Populares (Art. 123 a 128) e pelas "Fiscalías Populares", equivalente a Procuradorias, que são independentes e exercem o poder fiscalizador (Art. 129 e seguintes), ou seja, cumprem-se outras exigências da definição de democracia clássica ou liberal: há independência dos poderes e há eleições periódicas para legisladores e para os membros do Poder Executivo.



Com relação a Cuba, diz o art. 3º da Constituição daquele país: En la República de Cuba la soberanía reside en el pueblo, del cual dimana todo el poder del Estado. Ese poder es ejercido directamente o por medio de las Asambleas del Poder Popular y demás órganos del Estado que de ellas se derivan, en la forma y según las normas fijadas por la Constitución y las leyes....



Dizem, por sua vez, os artigos 41 e 42 do mesmo Diploma Legal: Todos los ciudadanos gozan de iguales derechos y están sujetos a iguales deberes (Art.41). La discriminación por motivo de raza, color de la piel, sexo, origen nacional, creencias religiosas y cualquier otra lesiva a la dignidad humana está proscrita y es sancionada por la ley. Las instituciones del Estado educan a todos, desde la más temprana edad, en el princípio de la igualdad de los seres humanos.



Os Direitos Fundamentais estão previstos a partir do Art. 45, sendo que, de forma muito interessante até, o que primeiro se garante ao cidadão é o direito ao trabalho, à educação, à saúde, ao desporto, não obstante, a partir do Art. 53 comecem a ser prescritos os chamados "direitos fundamentais" mais gerais: Se reconoce a los ciudadanos libertad de palabra y prensa conforme a los fines de la sociedad socialista. Las condiciones materiales para su ejercicio están dadas por el hecho de que la prensa, la radio, la televisión, el cine y otros medios de difusión masiva son de propiedad estatal o social y no pueden ser objeto, en ningún caso, de propriedad privada, lo que asegura su uso al servicio de pueblo trabajador y del interés de la sociedad. Entretanto, estes direitos não são auto-aplicáveis, pois a Constituição cubana remete para lei ordinária sua regulamentação: La ley regula el ejercicio de estas libertades (Art. 53).



Los derechos de reunión, manifestación y asociación son ejercidos por los trabajadores, manuales e intelectuales, los campesinos, las mujeres, los estudiantes y demás sectores del pueblo trabajador, para lo cual disponen de los medios necesarios a tales fines. Las organizaciones de masas y sociales disponen de todas las facilidades para el desenvolvimiento de dichas actividades en las que sus miembros gozan de la más amplia libertad de palabra y opinión, basadas en el derecho irrestricto a la iniciativa y a la crítica (Art. 54).



La libertad e inviolabilidad de su persona están garantizadas a todos los que residen en el territorio nacional. Nadie puede ser detenido sino en los casos, en la forma y con las garantías que prescriben las leyes. El detenido o preso es inviolable en su integridad personal (Art. 58).



Nadie puede ser encausado ni condenado sino por tribunal competente en virtud de leyes anteriores al delito y con las formalidades y garantías que éstas establecen. Todo acusado tiene derecho a la defensa. No se ejercerá violencia ni coacción de clase alguna sobre las personas para forzalas a declarar. Es nula toda declaración obtenida con infracción de este precepto y los responsables incurrirán en las sanciones que fija la ley (Art.59)".



Sobre a soberania da Constituição e das leis, diz o Art. 66: El cumplimiento estricto de la Constitución y de las leyes es deber inexcusable de todos.



Sobre os órgãos de Poder do Estado, a alínea "a" do artigo 68 diz que todos os órgãos representativos de poder do Estado são eletivos e renováveis.



O Poder Legislativo é exercido pela Assembléia Nacional do Poder Popular (Art. 69 e seguintes), sendo que a iniciativa de apresentação de propostas de leis cabe aos deputados, ao Conselho de Estado, ao Conselho de Ministros, às Comissões da Assembléia Nacional do Poder Popular, ao Comitê Nacional da Central de Trabalhadores de Cuba e às Direções Nacionais das demais organizações de massas e sociais, ao Tribunal Supremo Popular, em matéria relativa à administração da justiça, à Procuradoria ("Fiscalía) Geral da República, em matéria de sua competência e aos cidadãos. Neste caso será requisito indispensável que exercitem a iniciativa dez mil cidadãos, pelo menos, que tenham condição de eleitores (Art. 88). Está presente aqui a possibilidade da iniciativa popular para a apresentação de projetos de leis, muito rara ou difícil nas constituições dos países liberais, ditos "democráticos".



Pelo Art. 95, está previsto que o Conselho de Ministros é o órgão máximo executivo e administrativo, constituindo o governo da República. O Art. 120 da Constituição Cubana dispõe: La función de impartir justicia dimana del pueblo y es ejercida a nombre de éste por el Tribunal Supremo Popular y los demás Tribunales que la ley instituye.



O Art. 122 do mesmo diploma legal estabelece a independência dos juízes, dizendo: Los jueces, en su función de impartir justicia, son independentes y no deben obediencia más que a la ley. E o artigo seguinte diz que os despachos e demais resoluções firmadas pelos tribunais, ditados dentro dos limites de sua competência, são de obrigatório cumprimento pelos organismos estatais, as entidades econômicas e sociais e os cidadãos, tanto pelos diretamente afetados por eles, como pelos que não tendo interesse direto em sua execução venham obrigados a intervir na mesma. Parece assegurada a independência do Poder Judiciário, no entanto este encontra-se vinculado à fiscalização da Assembléia Nacional do Poder Popular, conforme preceitua o art. 121 da Constituição cubana.



Sobre o direito ao voto e à eleição, diz o Art. 131 do diploma em estudo: todos los ciudadanos, con capacidad legal para ello, tienen derecho a intervenir en la dirección del Estado, bien directamente o por intermedio de sus representantes elegidos para integrar los órganos del Poder Popular, y a participar, con ese propósito, en la forma prevista en la ley en elecciones periódicas y referendos populares, que serán de voto libre, igual y secreto. Cada elector tiene derecho a un solo voto.

Outro ponto importante, com relação à Constituição de Cuba, diz respeito à sua reforma que somente pode ser procedida mediante a aprovação, através de acordo, de dois terços da Assembléia Nacional (Art. 137), mas, no caso de reforma total ou se refere à integração e faculdades da Assembléia Nacional do Poder Popular ou de seu Conselho de Estado ou a direitos e deveres consagrados na Constituição, requer, além, disso, ratificação pelo voto favorável da maioria dos cidadãos com direito eleitoral, em referendo convocado para esse fim pela própria Assembléia.



As Constituições Chinesa e Cubana, na forma, parecem bastante democráticas, mas sabe-se que na realidade ocorre violação sistemática dos direitos humanos. Nas ditaduras a miséria campeia, mas não se pode contestar. Nas democracias do terceiro mundo a miséria e a violência também são regras, e o povo miserável e analfabeto "têm a liberdade de reclamar" mas não possuem os canais para fazê-lo. Na autocracia os meios de comunicação pertencem ao Estado, dominado por um pequeno grupo partidário, na democracia, pertence a uma pessoa ou a um grupo de empresários. Ambos defendem interesses particulares, de gurpos ou de classes.



Bobbio, ressalta que "nas sociedades capitalistas avançadas, onde o poder econômico está se tornando crescentemente concentrado, a despeito do sufrágio universal, da formação de partidos com base de massa e de um grau razoavelmente alto de mobilização política, a democracia não conseguiu ainda, manter suas próprias promessas, que se concentram principalmente em três objetivos: 1) participação (...); 2) controle a partir de baixo (...); 3) liberdade de dissentir. Nos Estados onde as instituições democráticas estão mais formal e plenamente desenvolvidas, verificou-se que ocorrem dois fenômenos que militam contra o declarado princípio da participação geral: por um lado, a apatia política, ou em outras palavras, a não participação (que é tacitamente interpretada como uma manifestação do mais alto grau de consenso com o sistema predominante); e, por outro, a participação que é distorcida, deformada ou manipulada pelas entidades que têm o monopólio do poder ideológico sobre as massas. O controle a partir de baixo torna-se progressivamente menos eficaz, à medida que o centro de poder se transfere para essas entidades, com o resultado de que as instituições que o cidadão consegue controlar são cada vez mais fictícias como centros de poder (...) Quanto ao direito de dissentir, ele só pode manifestar-se dentro de uma esfera altamente circunscrita: dentro do sistema econômico dominante, que nunca oferece a possibilidade de uma alternativa radical".



Para ZOLO (1994), hoje, existe uma tensão funcional no que diz respeito à relação entre o exercício dos direitos de cidadania e a autonomia individual. Por autonomia entende-se a capacidade do sujeito de conhecer e de controlar, em algum nível, os processos que influenciam os seus próprios atos cognitivos e volitivos. A tese que o autor sustenta é a de que nas sociedades pós-industriais, dominadas pela comunicação eletrônica, cresce a tensão entre o exercício oligopolístico da liberdade negativa no setor da cultura, da editoração, da informação, do entretenimento e do tempo livre, por um lado, e, por outro, a capacidade de orientação e de auto-identificação dos sujeitos expostos à pressão simbólica do mass media.



É evidente a assimetria existente entre o papel comunicativo dos sujeitos emitentes e dos receptores. No primeiro caso trata-se de grupos profissionais organizados, na forma de empresas capitalistas ou de aparatos burocráticos; ou se trata ainda de grupos não profissionais - os partidos, os grupos de pressão, a imprensa, as organizações religiosas, etc. - que dispõem de acesso privilegiado ao uso da mídia. No segundo caso lida-se com sujeitos desprovidos de qualquer forma de agregação social e que usufruem - mais ou menos seletivamente, mas sem nenhuma capacidade de interação comunicativa - de um universo simbólico já drasticamente selecionado pelos sujeitos emitentes.



Assim, acontece que os procedimentos seleto-distorsivos da comunicação de massa não transferem para os sujeitos receptores apenas os conteúdos de uma informação selecionada e distorcida: transmitem também as próprias grades de seleção e distorção. A longo prazo essas se depositam na psicologia do público - é o denominado efeito de agenda - até se transformarem em critérios subjetivos de relevância e de organização seletiva das atenções, das consciências e das motivações. A mídia tende a corresponder, segundo uma circularidade autoreferente e virtual, às expectativas do público e as expectativas do público se identificam com o que ao longo do período foi selecionado pela mídia como relevante e digno de ser comunicado.



Esta forma de dependência é reforçada pela tendência de economizar a experiência direta dos destinatários da comunicação de massa, habituados a uma percepção prevalentemente simbólica do ambiente social. Daí derivam os comportamentos de torpor social e de inércia operativa, especificamente nos confrontos com as formas tradicionais de participação coletiva na vida política. A isso se acrescenta a circunstância de que a comunicação política, dominada pelo código televisivo do sucesso, do espetáculo e da personalização, tende a se esvaziar de seus conteúdos argumentativos e "racionais" e a alimentar novas formas de delegação plebiscitária. Segundo alguns analistas esta poderia ser uma das razões do eclipse da cidadania política no sentido de pertinência que caracteriza as sociedades intensamente informatizadas como a norte-americana. Também, o triunfo imprevisto, nas recentes eleições políticas italianas, de um empresário da televisão como Silvio Berlusconi e na eleição de Collor de Melo, patrocinado pela Rede Globo, seriam interpretados neste marco teórico, como o excesso de poder comunicativo de que pode dispor os candidatos "liberais-democráticos".



Como pode-se ver, chega-se a conclusão que, julgada à luz de alguns pressupostos de sua própria concepção, a democracia liberal pode ser condenada, assim como, a chamada democracia popular dos países socialistas. Poder-se-ia, ainda que se cometa enorme erro conceitual, chamar a ambas de democracias autocráticas.



A democracia, historicamente, representa um sonho acalentado pela humanidade, em busca da liberdade, da tolerância e da justiça social. A democracia nunca foi plenamente alcançada, ela é algo dinâmico, em constante aperfeiçoamento. A democracia perfeita seria aquela onde se processasse a coexistência legal de todos os partidos políticos, quaisquer que sejam os pontos de vista dos indivíduos. Que as votações fossem livres e sem coação, num clima de tolerância e de respeito às opiniões alheias, às diversas polarizações articuladas e distribuídas nos partidos políticos. Que se respeitasse as garantias individuais dos cidadãos e que não faltasse alimento aos famintos, roupa aos maltrapilhos, teto aos desabrigados, remédio aos enfermos, instrução aos ignorantes, liberdade aos oprimidos, de tal forma que todos tivessem acesso a cultura e ao progresso num ambiente saudável.



A democracia evoluiu sob a atuação de um conjunto de forças sociais e culturais. O cristianismo com sua filosofia cultural elevou a dignidade da pessoa humana, num mundo onde dominava a economia escravocrata, cultivando-a e criando um ambiente ideológico favorável à expansão do futuro credo democrático. À medida que ia se aniquilando a sociedade feudalista com seus privilégios e a sua tirania econômica, com as suas corporações, à medida que se foi dissovendo a sociedade medieval e no momento em que surgiu o espírito do capitalismo, com a idéia da liberdade econômica, criou-se o ambiente histórico dos séculos XVII, XVIII e XIX, favorável à expansão histórica da democracia e da cidadania civil. Organizaram-se novas estruturas sócio-econômicas, floresceram as doutrinas políticas, como a do contrato social, de Rousseau ou a da separação de poderes de Locke e Montesquieu, que se apresentaram como armas de luta, como instrumentos espirituais de combate, para as revoluções da Inglaterra de 1968 e da França de 1789. Revoluções políticas, mas que no fundo refletiram a convulsão da vida econômica, isto é, o nascimento da civilização industrial.



Assim, em razão desse longo aperfeiçoamento da democracia, que nasceu na Grécia, e floresceu na Europa Ocidental, principalmente, na França e Inglaterra, e depois se espalhou para outros países como a Holanda, Bélgica, países Escandinavos, EUA e outros, pode-se considerar que eles alcançaram um nível mais avançado de democracia, não podendo, entretanto, deixar de ressaltar que sob condições materiais alcançadas muitas vezes com o domínio violento de outros povos e sob condições de relações comerciais internacionais injustas para os países pobres.





6. DEMOCRACIA SEM CIDADÃOS





Estamos no limiar do Século XXI, muito tempo se passou desde os primórdios da democracia. Nesse período ocorreu a mais fantástica evolução científica e tecnológica, ao mesmo tempo que se multiplicaram os miseráveis. Ironia do destino, a ciência e a tecnologia apregoada pelos seus defensores como neutra e solução para os problemas da humanidade, só fez agravá-los. A classe média se empobreceu na mesma proporção que se aumentou as favelas. E o pior, há parcelas enormes da humanidade na América Latina e África, que ainda se encontra em fase primitiva de civilização. Os seringueiros e índios da Amazônia, ainda são coletores e caçadores, nescessitando de grandes áreas para manutenção da fauna e da flora, das quais dependem sua sobrevivência. A substituição da floresta pelas pastagens, a desestruturação da cultura indígena, e a falta de apoio aos agricultores dos projetos de colonização tem expulsado enormes contigentes da população rural para a cidade. A espoliação do Estado foi seguida pela ditadura do mercado, que passou a ser uma máquina de produção de excluídos.



Sem assistência médica, sem acesso a educação, sem acesso a justiça, sem meios de comunicação, sem estradas para escoar a produção, sem saúde e sem possibilidade de trabalho, vendem o pedaço de terra que conseguiram com muita dificuldade, por preço irrisório, frequentemente, para o fazendeiro que sempre lutou para expulsá-los da terra. Na cidade, não há outra alternativa que morar em áreas de invasões, lotes geralmente alagados ou alagáveis, sem água encanada, sem rede de esgotos, sem energia elétrica, sem postos de saúde, sem escolas e sem transporte eficiente. Só não estão ausentes as companheiras de sempre, a malária, a hepatite , as verminoses etc.



Falar em mercado de trabalho, em direitos de 1a , 2a , 3a e 4a geração para essa gente é cair no ridículo. Nunca tiveram oportunidades, nem trabalho nem direitos. Na cidade, o mercado de trabalho para os homens e crianças é vender picolé, carregando uma caixa nas costas ou empurrando um carrinho sob sol escaldante ou montar um caixote na porta de um banco ou agência de correios para vender cigarros. Existe ainda alternativas piores, como pedir esmola, morrer à míngua, de fome, ou ser assassinado por doenças, que o homem há muito já conhece a cura. Para as filhas, resta ainda alternativa mais triste, a prostituição. Em pleno século XX, há regiões do Brasil, que um homem vale menos que um boi.



A transformação do Estado-providência ou Estado-assistencial (que na realidade só providenciou e assitiu a pequena parcela da população e, principalmente, a um grupo de salteadores do Estado) em Estado liberal jogou mais gente na miséria. O pouco de direitos sociais alcançados por uma parcela da população estão sendo eliminados. É a evidência de que grande parte da população, que nunca teve acesso aos mínimos direitos, dificilmente o terão.



O Facismo, o Nazismo e o Comunismo traziam em seu bojo a ditadura, o autoritarismo. O Capitalismo carrega consigo uma lógica macabra. É o efeito Mateus ao contrário : Aquele que tudo tem, tudo lhe será dado, ao que pouco tem, tudo lhe será tirado. Basta ver os corredores dos hospitais cheios de doentes, o crescimento das favelas, os camelôs, os mendigos, as filas dos desempregados e as crianças abandonadas nas ruas. É o paradoxo do sistema. O capitalismo não é um sistema de igualdade, mas de desigualdade. Assim, quanto mais prevalecer a ditadura do mercado, mais rapidamente caminharemos para a "democracia" dos excluídos e dos não-cidadãos.



O modo de produção capitalista dominante nas relações econômicas maximiza as desigualdades sociais. A ciência e a tecnologia evolui a uma velocidade nunca imaginada. As conquistas científicas são superadas em questão de ano ou até meses. O homem foi à lua, realiza viagens em ônibus espaciais, cria satélites cada vez mais modernos, inventou o fax, supercomputadores, aparelhos ultramodernos de medicina, aviões supersônicos e robôs. Através do melhoramento genético, desenvolveu frangos que alcançam dois kilogramas em menos de dois meses, suinos que alcançam cem kilos em menos de três meses e híbridos de milho que alcaçam produção de vinte cinco mil kilos de grãos por hectare. Tudo isso, ao invés de tornar a sociedade mais justa, só aumentou a miséria e o fosso entre os poucos muito ricos e os muitos, muito pobres. Tudo foi feito com o único objetivo de maximizar lucros, não importou se para isso, o homem explorou o próprio homem.



Antigamente, escravizava-se os negros, que eram alimentados em troca de sua força de trabalho. Hoje, negros e brancos se oferecem para ser escravizados em troca de um salário mínimo, mas não encontram quem os queira explorar. Inventaram os robôs, escravos sem vida, que trabalham dia e noite, sem férias, sem encargos sociais, não fazem greve e não discutem. Faz o trabalho sujo, perigoso e mal remunerado de pessoas que sem outra oportunidade na vida se sujeitavam a fazê-lo, em troca da sobrevivência. Até esse tipo degradante de oportunidade está sendo eliminado. Milhares de trabalhadores estão sendo lançados na rua, em todos cantos do mundo. Da sociedade dos explorados passou-se a sociedade dos excluídos, a sociedade de trabalhadores sem trabalho.



Para se ter uma idéia, a indústria paulista está produzindo a mesma quantidade de cinco anos atrás, com 25% de trabalhadores a menos. Nos setes países mais desenvolvidos do mundo há 35 milhões de desempregados. Na Espanha, o desemprego é de 23% e na Finlândia, onde o desenvolvimento sempre se revestiu de uma face humana, a taxa dos desempregados bateu nos 19%. Para sobreviver no capitalismo tem de ser competitivo, para isso foi necessário perder braços para ganhar em eficiência. Em certas áreas industriais brasileiras, as tarefas antes feitas por braços humanos são executadas por robôs. Em muitas empresas, demitem-se operários antigos, treinados para tarefas repetitivas em máquinas rudimentares, e contrata-se gente com nível de escolaridade maior para operar equipamentos mais novos e complexos (VEJA, 1994). Na realidade o objetivo de tudo isso é demitir o máximo possível e sobrecarregar de trabalho os que ficam.



Modernamente, decretaram o fim do emprego. Para se conseguir um emprego que preste, hoje, é necessário falar inglês e saber operar um computador como um craque. Leva vantagem quem fala duas línguas além do Português. Há quem exija que o candidato já tenha vivido no exterior. Prevê-se que num futuro muito próximo, quem não souber usar um computador terá dificuldades até para ser porteiro. Mal sabem alguns, que parte significativa dos brasileiros não viram nem mesmo o nascimento do emprego, e já foi decretada sua morte. A alternativa que lhes sobra é se afundar cada vez mais no pântano da miséria. Se antes, através do trabalho, os trabalhadores não conseguiam sair da pobreza e agora, o que fazer ?



Todas essas habilidades e conhecimentos se adquirem em escolas decentes. Mas como a massa de despossuídos de trabalho e de saúde, poderão sair da condição de miséria se não tem acesso às escolas de qualidade, que são muito caras ? Quando têm acesso, são de péssima qualidade e só à escolaridade mínima, e o máximo que conseguem lá é sair semi-alfabetizados.



O Brasil, tem uma parte desenvolvida e um exército de milhões de desempregados e subempregados, que também são desdentados, doentes e analfabetos, vivendo nas favelas e ruas das grandes cidades e em bolsões de pobreza como o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, Nordeste e Amazônia. Para esse contingente de desamparados é preciso dar colocação minimamente decente, carteira assinada, assistência médica e acesso à escola para seus filhos. Para eles a distância que existe entre a norma na Constituição e a lei na ação é imensa. A maioria deles não sabe o que são direitos sociais, muito menos o que é constituição, nem que o art. 7o. da CF garante salário mínimo capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e da família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo..., férias, décimo terceiro salário, salário família, aposentadoria, assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade, em creches e pré-escolas e pasmem, proteção em face da automação, na forma da lei.



Imagine uma cena de um "cidadão" em época de re-eleição e a cata de voto, trajando roupa limpa, perfumado, empregando a gramática corretamente, tentando convencer e explicar as conquistas sociais da nova Constituição ao seringueiro desempregado Raimundo Nonato, da estória narrada no início do texto. Que cena surrealista ! O encontro daquele que faz as leis, que fala da miséria, de direitos sociais garantidos no livro, da falta de emprego e da fome com aquele que sente a fome no estômago, o desemprego no dia a dia e a miséria cada vez mais apertando seus braços. Esse contraste seria rico em lições a começar pela observação da casa luxuosa do "cidadão", com vigilância diurna e noturna, grades altas e ponteagudas, cães enormes e sistemas de segurança sofisticados.



Desse contraste, se poderia deduzir a relação entre leis, mercado de trabalho e miséria, não-cidadania e violência. Quando o Estado não regula o mercado e não oferece oportunidades para que os pobres através da educação e do trabalho possam sair da miséria e não tem mecanismo eficiente de promover distribuição de riqueza, de forma justa e pacífica, mas ao contrário opera um mecanismo perverso de aumento das desigualdades sócio-econômicas, crescem a violência, o tráfico de drogas e os sequestros. O sequestro é uma forma de distribuição de renda pelas próprias mãos, por meios extremos de violência. É notório o fato de que os ricos são os que mais sonegam impostos no Brasil. Não pagam impostos, mas já estão tendo de pagar resgate. Mata-se um sequestrador surgem outros mais audazes e violentos. E por falar em violência, só se percebe a violência disseminada pelos meios de comunicação. Não se percebe como violência uma criança abandonada na rua; o desemprego, a miséria e o sofrimento gerados por ele. Como Raimundo Nonato, milhares de outros não-cidadãos têm uma existência desumana, sem possibilidades de progresso, acabando por terminar sua vida nas prisões, por ser ladrão de galinha, e outros mais audazes por sequestro.



A consciência de que a história futura do ocidente e do mundo ainda pode reservar manifestações inéditas de irracionalidade coletiva deve nos induzir a um enfoque de grande realismo. A situação do planeta é por diversos motivos alarmante. As ondas migratórias, as explosões dos particularismos étnicos, os desequilíbrios ecológicos, a assimetria crescente na distribuição internacional do poder e da riqueza, a difusão das armas nucleares, a própria crise das instituições liberal-democráticas, arriscam fazer de todo o planeta uma sociedade de náufragos. E no naufrágio corremos o risco de nos afundarmos, após a grandiosa utopia da emancipação comunista, bem como as ilusões do projeto iluminista da "modernidade", a começar pelos valores e pelos direitos de cidadania (ZOLO, 1994).



Para este autor, os direitos de cidadania foram percebidos instrumentalmente, como alternativa gradual e pacífica à revolução socialista, e não como objeto estratégico em si mesmo. Hoje, com o exaurimento teórico do marxismo e da eclipse da experiência do socialismo real, não há mais espaço para consideração instrumental da cidadania democrática. Na era pós-comunista, a disputa acerca da potencialidade anticapitalista dos direitos de liberdade e dos direitos sociais perdeu qualquer interesse teórico e político, inclusive no interior do Welfare State. Não se prevê a vitória futura de um socialismo real ou imaginário, mas em seu lugar, duramente presente, revela-se a economia de mercado.



Eis a questão : Como fazer conviver os direitos de cidadania com o mercado ? É possível haver cidadania democrática no âmbito da sociedade pós-industrial ? Há espaço para a democracia e o Estado de Direito, que não sejam totalmente subordinados ao modelo do mercado e à sua lógica seletiva e concorrencial ?. Tratam-se de questões muito complexas, porque para garantir a sobrevivência e o desenvolvimento dos direitos de cidadania hoje, os direitos de liberdade (a chamada liberdade negativa) não parecem suficientes, se torna essencial a autonomia individual (a liberdade positiva) ou seja, a capacidade dos cidadãos de controlar reflexivamente os próprios processos de formação de sua preferência política.

A desarticulação do subsistema político pela crescente autonomização do subsistema econômico em relação ao político tem levado a ditadura do mercado. Como o mercado é um sistema produtor de desigualdades, livre do controle político, as grandes corporações econômicas passaram a ditar as regras e o resultado é o incremento da concetração de cidadania e a socialização da não-cidadania. Antes mesmo de se tornarem realidade, muitas das atribuições políticas e jurídicas da cidadania estão sendo retiradas dos textos legais. Nas sociedades industriais e pós-industriais contemporâneas o sistema político, em grande parte, é simplesmente um subsistema subordinado ao sistema econômico e científico-tecnológico.



A observação realista dos acontecimentos do constitucionalismo das democracias liberais e socialistas permite concluir que a afirmação de direitos não é o principal indicador do progresso histórico no mundo moderno. A reivindicação dos direitos subjetivos e a sua proclamação nas constituições dos Estados e nas cartas das instituições internacionais encontram-se no centro do projeto iluminista da modernidade e de sua idéia individualista, racionalista e secularizada de emancipação. Há, também, quem esteja disposto a subscrever sem reservas este projeto e a considerar a modernização como um progresso histórico decisivo. No entanto, não se pode deixar de admitir que esse projeto encontrou dificuldades imprevistas e permanece em grande parte irrealizado. A crise do pós-moderno e da colonização tecnológica da vida e da sociedade planetária denuncia a realização falha ou mesmo a falência desse projeto.



Tanto a idéia de um desenvolvimento linear dos direitos - do âmbito civil para o político e do político para o social - quanto a idéia de que este desenvolvimento fosse a conquista gradual das lutas políticas ocorridas, são expressões conjuntas de uma visão enfática e retórica da modernidade. Uma análise realista da história e da teoria dos direitos, a começar pelos direitos civis e políticos, revela que as vicissitudes de sua declaração e sanção prática não assinalam um tipo de afirmação cumulativa dos valores individuais contra a opressão política e econômica. Assinalam, precisamente a permanente presença dos conflitos sociais, e sobretudo a crescente consciência dos perigos que ameaçam, subvertem, os valores individuais nas sociedades altamente complexas (ZOLO, 1994).



Prossegue o autor dizendo que estamos diante de um inquietante paradoxo: o processo de diferenciação social leva à afirmação da cidadania civil e política como complexo de direitos de liberdade e de participação dos indivíduos, mas num mundo dominado por desenvolvimento tecnológico cada vez mais acelerado esses direitos são ameaçados pelo constante aumento de poder do homem sobre o homem, além do aumento do poder do homem sobre a natureza, e este poder é em grande medida um poder desproporcional e destrutivo. Hoje, as nações do mundo gastam a cada minuto quase dois milhões de dólares em armamento, a cada hora 1500 crianças morrem de desnutrição, a cada semana um número crescente de pessoas são presas, torturadas, assassinadas ou forçadas a emigrar, a cada ano é derrubada uma área de floresta tropical de dimensões pouco inferiores à da Coreia.



Marshall foi otimista ao acreditar que o Welfare State seria capaz de superar o antagonismo entre os princípios opostos do mercado e da cidadania. Ao seu ver, o mercado havia deixado de ser um produtor de desigualdades no sentido da lógica igualitária de status. Teria assim, contaminado, profundamente, a lógica competitiva do contrato ao relegar a desigualdade à esfera dos consumos, após tê-la retirado do âmbito dos direitos. Uma afirmação desse tipo hoje pareceria uma provocação política. Está amplamente documentada a incapacidade das versões mais intervencionistas do Estado social de eliminar a pobreza, até em suas formas mais duras e mortificantes, de amplas parcelas da população. O Welfare State não conseguiu garantir o pleno emprego, mas o seu substituto, a ditadura de mercado, a globalização e as novas tecnologias estão, com grande celeridade, promovendo o pleno desemprego. Como sabemos, a contrário senso, a desocupação de milhões de pessoas é uma patologia endêmica (ou uma fisiologia) do mercado de trabalho nas sociedades industriais mais desenvolvidas. E entre desocupação e pobreza há um nexo que ninguém pode negar.



A autocracia de mercado magnificou as novas formas de estratificação social em todos os países, industrializados e pobres, dando supercidadania, por um lado, a uma maioria opulenta, enriquecida pelo mercado ou beneficiada pelo Estado, e, por outro, a uma verdadeira subclasse: um estrato de sujeitos excluídos, não só em termos econômicos e de consumo privado, mas também sociais, étnicos e culturais e assim excluídos, não apenas de fato do exercício dos direitos de cidadania.



A cidadania implica o exercício de prerrogativas e liberdades. Entretanto, é com a igualdade que o laço parece mais substancial. É impossível conceber cidadãos que não sejam juridicamente iguais, mesmo se isso ocorra na miséria material ou numa grande servidão diante do poder político originado da vontade popular. Portanto, é um dos fatores de eficácia simbólica do conceito de cidadania reunir indissociavelmente igualdade e liberdade (BRAUD, 1997)..

Segundo ZOLO (1994) , hoje, na verdade, poder-se-ia sustentar tese exatamente oposta à de Marshall: nos direitos de cidadania encontra-se presente uma tensão em direção à desigualdade. Não se pode ignorar a lição que vem do fracasso do comunismo e da crise do socialismo democrático, ou seja que a liberdade e a igualdade são valores entre si amplamente incompatíveis. Não existe nenhuma pulsão humana fundamental em direção à igualdade que seja longinquamente comparável, por sua intensidade e universalidade, à pulsão de liberdade. A reinvidicação política da igualdade é, na realidade, na quase totalidade dos casos, luta pela auto-afirmação de grupos e de sujeitos socialmente marginalizados na competição com as liberdades e as propriedades dos grupos e sujeitos privilegiados. É os não-proprietários querendo ser proprietários.



Prossegue o autor, afirmando que a incompatibilidade entre liberdade e igualdade, que é conclamada no caso da oposição entre os direitos de propriedade e os direitos sociais, como lucidamente reconhece Bobbio, encontra-se presente no interior da própria cidadania civil e não é compensada pelo sufrágio universal e pelos outros aspectos da cidadania política. No catálogo normativo da cidadania figura de fato uma série de direitos que se concretizam em uma simples tutela de liberdade negativa, ou seja, em um limite imposto à intervenção do Estado (e de terceiros) na esfera individual, como no caso da liberdade pessoal, da liberdade de pensamento, da inviolabilidade de domicílio, do segredo de correspondência, da propriedade privada e, de modo mais típico, das garantias processuais do habeas corpus. Mas no que se refere aos direitos como os da autonomia negocial, da liberdade de associação, da liberdade de imprensa e da liberdade de iniciativa econômica e financeira, eles são dotados de uma destacada capacidade aquisitiva porque sob certas condições o seu exercício produz poder político, econômico e comunicativo em favor de seus titulares. Em uma sociedade não planejada, apenas uma minoria de sujeitos encontra-se en condição de dispor dos instrumentos políticos, econômicos e organizativos necessários para desfrutar da propriedade aquisitiva desse segundo tipo de direitos, segue-se daí que a cidadania produz desigualdade e liberdade exatamente como a economia de mercado produz desigualdade e riqueza.



Acrescenta o autor que os circuitos de intercâmbio, de troca, político e econômico entre os sujeitos fortes da cidadania - os partidos, os sindicatos, as corporações econômicas e financeiras, as burocracias públicas, as organizações secretas, as profissionais, etc. - realizam uma discriminação sistemática entre os interesses das organizações dotadas de maior poder organizador (mobilizador) e reinvidicativo, os das associações que não ocupam posições estratégicas no organismo da divisão tecnológica do trabalho e, enfim, a grande maioria dos cidadãos, simples consumidores econômicos e políticos, que não dispõem de nenhum recurso organizador e reivindicativo e aos quais nenhuma afiliação (nem mesmo secreta ou criminal) pode oferecer uma vantagem mínima na promoção de seus interesses difusos. Daí deriva não só a satisfação das expectativas sociais, como também, a própria tutela das liberdades fundamentais corre o risco de passar a depender para cada cidadão, não da titularidade do mesmo de direitos, mas de seu potencial de filiação corporativa. Quanto mais potente for a organização da qual é membro o cidadão e mais elevado o nível que nela ele ocupe tão mais eficaz será a satisfação de suas expectativas de proteção. Inversamente, a incapacidade de filiação coincide com a exclusão de fato (e às vezes também de direito) da cidadania. Se se encontra implícito no conceito de cidadania a titularidade individual dos direitos civis e políticos e da igualdade dos sujeitos de direito, é a própria dimensão formal da cidadania que resulta ameaçada, pois que os sujeitos efetivos da vida civil e política não são mais os indivíduos enquanto tais, mas, os indivíduos enquanto afiliados.



Pode-se objetar, recorrendo às teses de Marshall, que no interior do Welfare State a lógica igualitária dos direitos sociais e a lógica competitiva dos direitos aquisitivos podem conviver harmoniosamente porque a primeira tende a compensar e até mesmo a inibir a segunda. Ou talvez se possa supor menos otimisticamente, que não há alternativas à tradução das necessidades em direitos universais a não ser em um retorno à lógica das obras de caridade, ou seja, em uma aceitação resignada e hipócrita das desigualdades. As críticas mais severas que se fazem contra o Estado social são motivadas precisamente por sua incapacidade de produzir a igualdade, não obstante o excepcional volume de recursos que formalmente destina a este fim. Se o Estado social foi incapaz de produzir igualdade, muito menos pode-se esperar que o Estado liberal possibilite a todos gozarem de um elevado padrão de vida e de uma grande variedade de bens e serviços.



Os direitos civis e políticos concretizam-se, tendo-se em vista as garantias, em prestações públicas que, por exemplo, permitam aos cidadãos solicitar e obter medidas policiais e decisões judiciais. para a tutela da liberdade ou da integridadade da própria pessoa ou de seus bens, ou ainda que garantam as condições para que cada um possa expressar livremente o seu voto ou candidatar-se a uma eleição política. Nesses casos a prestação pública é facilmente formalizável e ritualizável nas prestações burocráticas padronizadas, porque consiste essencialmente na preparação dos procedimentos e das instituições - por exemplo nos tribunais judiciários, nos processos cíveis e penais, no sistema carcerário - destinados à tutela de bens como a integridade física, a liberdade pessoal ou a propriedade privada, bens que permitem aos seus titulares deles gozarem por conta própria.



No caso dos direitos sociais, trata-se de expectativas que têm como objeto as prestações públicas - como a previdência, as transferências monetárias, as garantias de níveis mínimos de instrução, de saúde e de bem-estar - que apresentam, no que se refere a relevantes elementos organizativos e procedimentais, sobretudo um aspecto material, de conteúdo, e, por isso, consumem uma quantidade extraordinariamente elevada de recursos. E a definição dos conteúdos e da quantidade das prestações sociais depende constantemente, na medida em que não conflite com os direitos civis e políticos, da disponibilidade dos recursos econômico-financeiros garantido pelo mercado, pelas decisões descricionárias da Administração Pública e pelo jogo do equilíbrio da forças e das reivindicações político-sociais que surgem conflituosamente na sociedade. Em razão de seu custo muito elevado e diretamente incidente sobre os mecanismos de acumulação de riqueza e dos saques fiscais os direitos sociais apresentam um caráter aleatório nitidamente maior em relacão às prestações procedimentais postas para a proteção dos direitos civis e dos direitos políticos. É óbvio que também, em condições de exceção, os próprios direitos civis e políticos e até mesmo toda a normativa constitucional pode ser limitada ou diretamente suspensa. Mas enquanto a inefetividade do Direito do Trabalho é, por exemplo, uma condição inteiramente normal no Estado Social de Direito, não equivale de modo algum à suspensão da inviolabilidade de domicílio, do direito de voto ou das garantias da propriedade privada e das regras mercantis de formação dos preços.



O direito à saúde, à instrução e à moradia, normalmente definido, em termos de prestações mínimas (nível mínimo de instrução - a elementar-, nível mínimo do seguro desemprego ou de renda mínima) é só uma quimera. Numa sociedade de trabalhadores sem trabalho, como se poderia dar compensações (mínimas) de caráter pecuniário para milhares de pessoas que se encontram desempregadas ou nas faixas da indigência ?



Para ZOLO (1994), apenas um "salário de cidadania", atribuído a todos os cidadãos independentemente das condições econômicas e de emprego, poderia se aproximar da figura do "direito social" em um sentido mais rigoroso, porquanto alguns autores indicam os riscos latentes assistencialistas e paternalísticos deste instituto e outros duvidam de sua eficácia retributiva. Em todo caso, se a distribuição não fosse contida dentro dos limites de uma modesta rubrica social - um tipo de caridade neobismarckiana de Estado para os mais pobres, uma dádiva irrelevante para os mais ricos - "o salário de cidadania" poderia distorcer os mecanismos produtivos e distributivos da economia de mercado. Os recursos econômicos, necessários para permitir a todos os cidadãos um nível digno de subsistência, estariam disponíveis em grande parte dos países industrializados, tem pouca relevância, já que precisamente uma aquisição desigual dos recursos é exatamente o princípio motor e o ethos da economia de mercado. A parte toda consideração estritamente econômica, é ilusório pensar que o recurso à arrecadação fiscal para cobrir o custo dos serviços sociais possa ser tratado como uma variável independente em relação à ideologia individualista e às motivações aquisitivas da enorme maioria dos agregados às atividades produtivas, comerciais e financeiras de um país industrializado.



Sabe-se que, hoje, apenas instrução mínima é insuficiente. Um direito efetivo à instrução, se compreendido como direito de todos os cidadãos de participarem da vida civil e cultural de um país em um nível de igual competência e dignidade em relação a qualquer outro sujeito - compreendidos aí os membros da elite política e econômica - deveria comportar pelo menos o direito a um nível de instrução universitária para todos. E análogas observações podem ser feitas em relação a qualquer outro conteúdo "mínimo" dos direitos sociais - no que toca à saúde, à assistência, à habitação, etc.



Não se quer apenas um Estado que dê esmola, mas que propicie condições de igualdade de oportunidades para os indivíduos. Não é em vão a distinção entre o conceito de "direito social", compreendido como pretensão a prestações públicas, garantida a possibilidade de agir eficazmente em juízo para a sua satisfação, e o de "serviço social", compreendido como prestação assistencial discricionariamente ofertada pelo sistema político por uma exigência "sistêmica" de perequação e integração sociais, de legitimação política e de ordem pública. ZOLO (1994), afirma que os potenciais de conflituosidade violenta estão ainda contidos no confronto entre a lógica do mercado, do contrato e da propriedade e a lógica da atribuição aos cidadãos dos direitos sociais. Entretanto, se a execução das prestações correlatas ao direito ao trabalho, à instrução, à moradia e à saúde pudesse ser reinvidicada como uma pretensão judicialmente acionável, os direitos sociais, superado um limiar "mínimo", rapidamente revelar-se-iam incompatíveis com as regras competitivas e seletivas do mercado e com a sua eficiência produtiva.



E assim a reivindicação dos "direitos sociais" e até mesmo a tentativa de torná-los efetivos mediante a adoção de garantias e procedimentos jurídicos mais eficazes não pode ignorar que apenas uma profunda transformação das estruturas econômicas e das ideologias produtivistas e consumistas hoje prevalentes no ocidente os poderia transformar em algo mais próximo, do ponto de vista da efetividade, dos direitos civis e políticos. Em outros termos, a cidadania social não pode pretender ou fingir ser a solução "jurídica" pacífica da secular antítese entre liberdade e igualdade que tragicamente o comunismo não alcançou superar.



A pobreza material, como se pode pensar a primeira vista, não é a fonte única da falta de cidadania. Para muitos, pobre é o faminto, quem habita mal ou não tem onde morar, é o desempregado ou subempregado. Não estamos habituados a considerar como pobre a pessoa privada de sua cidadania, ou seja que vive em estado de manipulação, ou destituída de sua opressão, ou coibida de se organizar em defesa de seus direitos. A pobreza política causada pela falta de educação e cidadania é a pior das pobrezas, pois ela faz dos pobres massa de manobra eleitoral, impedindo-os de se alcançar à consciência crítica de sua realidade de dominação e descobrimento do caminho de sua emancipação. Estas duas formas de pobreza condicionam uma a outra, mas uma não se reduz a outra (DEMO, 1996).



É pobreza política não reivindicar direitos, mas os pedir, os suplicar, os esperar passivamente. É pobreza política entender o Estado como patrão ou tutor, aceitar o centro como mais importante que a base, ver o serviço público como caridade governamental. É politicamente pobre o cidadão que somente reclama, mas não se organiza para reagir, não se associa para reivindicar, não se congrega para influir.



Segundo DEMO (1995), somente a competência humana representada pela cidadania individual e coletiva pode garantir uma democracia de fato. Não é viável um Estado melhor que a cidadania que o sustenta, nem uma sociedade socialmente mais justa sem o controle democrático organizado de baixo para acima. Esvaiu-se a quimera da capacidade do mercado equilibrar as aspirações sociais, porque qualquer efeito de redistribuição de renda provém da cidadania, nunca das pretensas leis de mercado. Até mesmo a utopia do Welfare State, de colocar o mercado a serviço da cidadania, acaba de ser enterrada, porque é impraticável no modo de produção capitalista.



Como transformar o Estado democrático de direito de forma jurídica para Estado democrático de Direito de fato ? Pedro Demo (1996), sintetizou e apontou de forma magistral a direção para construção da cidadania e democracia. A seguir transcrevo sua proposição, distinguindo cinco canais mais palpáveis de participação:





ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL





É a forma mais operacional de levantar a cidadania, e depende fortemente da competência dos grupos. Sua qualidade passa por critérios como: representatividade das lideranças, legitimidade do processo, participação da base e planejamento participativo auto-sustentado.



Não se tem desenvolvido entre nós o compromisso normal de se organizar democraticamente para a defesa dos direitos. De modo geral, achamos que o Estado tem a tarefa de nos defender. O consumidor lesado, o humilde que não tem acesso a justiça, o microempresário que é coibido de produzir e comerciar, o pequeno produtor rural que é expulso da terra, muitas vezes sequer concebem a idéia de que organizar-se é um pré-requisito fundamental de acesso àquilo que lhes é negado. Freqüentemente, emerge o mal-estar típico de quem imagina estar infringindo boas maneiras, ao reclamar seus direitos. Esta subserviência, que tem alguns lastro de traço cultural, mas é sobretudo imposição histórica, vem alimentada através dos séculos por políticas interventoras, pela presença avassaladora de lideranças centralistas, pela prepotência de quem tem dinheiro e poder. Em nossa sociedade ainda há escravos.



São fundamentais as organizações do sindicato, dos partidos, bem como das cooperativas, além das outras associações de toda sorte, sobretudo as que alcançam auto-sustentação na esfera produtiva. Organizá-las de modo competente e qualitativo é o desafio do desenvolvimento político de um povo. O objetivo histórico é atingir uma trama bem urdida e sólida de organizações de caráter popular que permita plantar a democracia como algo cotidiano e normal. O exercício democrático não pode satisfazer-se com os momentos esporádicos e um tanto caricaturais do voto. Á medida que pertencemos a um número significativo de associações, agrupamentos, sociedades, somos constantemente chamados a exercer direitos e deveres, de tal sorte que as regras de jogo da democracia acabam tornando-se as regras da vida comum e cotidiana.





PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO





São também um canal de participação as formas de planejamento e administração sob regime de autogestão ou co-gestão, em conjunção com o Estado. Embora isto esteja - e merecidamente - sob suspeita, é possível construir dentro de órgãos estatais e em programas de governo áreas de possível participação popular, desde que exista a necessária qualidade política de ambas as partes. Não vale a banalização do Estado que imagina distribuir participação por atacado, porque ela é boa no pequeno e de baixo para cima. Nem vale rejeitar a priori a presença do Estado, até porque seria puro irrealismo. Vale, isto sim, formular uma situação de negociação mútua. Neste sentido, o Estado pode colaborar no caminho de organização auto-sustentada da sociedade.





EDUCAÇÃO BÁSICA





A universalização do 1o grau é entendida como canal de participação, porque sua finalidade precípua é tipicamente política: aprende-se a ler, escrever e contar para "saber das coisas", ou seja, para poder ser menos objeto das prepotências e destino. Quem tem 1o grau poderia - pelo menos em tese - perceber melhor o mundo em que está, os problemas que a sociedade tem, o que é possível e não deixam ser, as injustiças sociais, as informações importantes que correm no espaço e no tempo e assim por diante. O 1o grau não tem função econômica propriamente, pois não resolve de modo geral a questão da sobrevivência. Mas avança muito na esfera política, colocando uma condição necessária, ainda que não suficiente, da qualidade política de um povo.





d)IDENTIDADE COMUNITÁRIA





Para deixar a situação de objeto, o sujeito necessita de identidade. Tal identidade é construída na história cultural da comunidade. Sem isto, não há comunidade, mas apenas um bando de gente. Nesse sentido, a identidade cultural é a parteira da participação, porque planta a fé do grupo em seu futuro, já que viveu um passado válido.



A desagregação das identidades culturais, através dos meios de comunicação, da pressão homogeneizante dos centros, da invasão de padrões externos, contribui para enfraquecer a energia participativa de um povo, levando a consolidar posições de dependência e de subalternidade. Países com pouca história e com pouco passado sentem maiores dificuldades de se aglutinar e formar a identidade de um povo capaz de construir um destino comum sob a lógica da autodeterminação. Há também o risco do provincianismo, como se o centro do mundo fosse a comunidade pequena, mas o risco da homogeneização repressiva é muito maior. Desenvolvimento sem identidade cultural é reconhecido hoje como descaracterização, mesmo que seja crescimento econômico.





CONQUISTA DE DIREITOS





Em teoria, direitos são devidos incondicionalmente. Na prática, necessitam ser conquistados. Porquanto, se não forem conquistados, não se realiza algo que é cerne da cidadania, a saber, a capacidade de construir com iniciativa própria seu espaço. Assim, por mais que se reconheça nas leis a igualdade da mulher com respeito ao homem, a emancipação não pode ser doação, nem concessão, mas lidimamente conquista, construção da própria mulher.



Trata-se de um caminho amplo, de horizonte aberto. Um dia será direito a terra, à medida que avançar a organização popular em torno da necessidade de sobrevivência no campo. É direito a trabalho, e não apenas contingência do mercado de trabalho. É direito a educação, porque não é mercadoria, e porque faz parte do processo de desenvolvimento político da sociedade. Destarte, despertar para seus direitos é um passo fundamental do estabelecimento da cidadania, porque a pessoa se surpreende como sujeito de seu destino, rejeitando andar a reboque, descaracterizar-se com apetrechos alheios, parasitar sobre outrem.



Colhe-se a qualidade do Estado através de sua capacidade histórica de favorecer a abertura, consolidação e dinâmica dos canais de participação. Em sua lógica tendencial, pende para os obstruir ou para fazer da participação uma farsa. Para dirigir-se ao encontro dos anseios participativos, o Estado necessita de uma matéria-prima que é a cidadania organizada. Esta matéria-prima não é resultado do Estado . O contrário é que é verdadeiro. Entretanto, se o Estado for a delegação autêntica de uma cidadania vigilante e competente, pode comprometer-se com os canais de participação e colaborar na montagem de uma sociedade onde a democracia não seja euforia, mas modo de vida.



Encerro este trabalho com as palavras de DALLARI (1997), para quem, enquanto houver pessoas excluídas da cidadania, não poderá existir sociedade democrática. Defenda-se a pessoa humana e o cidadão estará sendo defendido.





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