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Cidadania participativa, é possível na América Latina?





Noely Manfredini





Nesta parte da América Latina, carregamos todos a pesada herança da "década perdida", dos anos 80, marcada pela crise da dívida externa, problemas de infra-estrutura econômica que estão longe de serem solucionados e assim, o atraso da educação continua sendo o mais grave problema estrutural do desenvolvimento, especialmente a educação política para a cidadania participativa.

Os adolescentes deste final de século recebem, dão ou absorvem uma espécie de educação para o futuro que já é presente: a educação dos sentidos. Aceitam a educação técnica mais que a familiar. Não têm medo de situações sociais apontadas como complexas devido à carência de recursos públicos. O poder de autoridade é contestável sem nenhuma justificativa aparente. Normas, valores, regras coletivas e metas sociais têm pesos variados e tendentes a não serem exercidos senão pela vontade particular. Praticam transgressões sem problemas de consciência. Apreciam atitudes marginais e acolhem movimentos politizados das minorias sem grandes questionamentos. Sendo uma geração de pouca leituras, é, no entanto, voltada para qualquer tipo de impacto visual. Usa a inteligência o tempo todo e experimenta tudo, mesmo o que for mais difícil. A irregularidade é o desafio. Não se atém a limites entre o biológico e o tecnológico, a máquina sendo a principal parceira espiritual. Impele tudo até o limite. Carente de amplas perspectivas políticas, a nova geração não se motiva pela crise de representação de grupos de referência e assim o controle social se torna um problema a mais e de êxito imprevisível. Os direitos políticos estão ligados à formação do Estado e a ele cabe garantir aos cidadãos uma situação de certeza. É preciso, pois, colocar em evidência o indivíduo como ser social, que embora não viva mais num contexto preciso de fronteiras geográficas, precisa aclarar ou ser aclarado (particularmente para o cidadão mais jovem), sobre quais os modelos de desenvolvimento político, econômico, social e cultural que predominam no mundo em geral e no seu em particular. Mas se tanto já vem sendo feito por que não se vê resultados no diálogo aberto e franco com os jovens cidadãos?

A comunicação entre cidadão e Estado tem sido dificultada pela falta do estabelecimento de um tipo de linguagem adequada à mobilização geral e especialmente à dos adolescentes. Sabemos, todos nós, pais, políticos e educadores, que existe o problema. Falta-nos, todavia, solução.

O voto tradicional tem levado, dos pais aos filhos, à desconfiança quanto a possíveis fraudes e manipulação dos resultados da apuração na contagem das cédulas. Questionava-se e muito que a sua vontade, como eleitor, de eleger aquele que escolheu, na verdade nunca prevalecia. Diante disto, o Brasil Eleitoral posicionou-se rapidamente e adotou o modelo do voto informatizado, através do uso da urna eletrônica. Os sistemas de segurança das urnas têm tornado a vontade do eleitor uma realidade concreta e quase inquestionável. Mas ainda o esforço da Justiça Eleitoral, sozinha, foi pouco.

No sentido de ampliar os debates sobre temas de interesse para organismos eleitorais e políticos, uma pequena ONG, sociedade civil sem fins lucrativos - Instituto Brasileiro Museu do Futuro - em agosto do ano de 1999 obteve o apoio do Tribunal Superior Eleitoral e dos 26 Tribunais Regionais Eleitorais para realizar o I Congresso Internacional de Direito Eleitoral e Partidário - Forum Mundial, terminando por reunir representantes de 22 países. Obteve-se também o apoio da ONU e dos 3 maiores Institutos e Fundações que tratam e orientam sobre matéria eleitoral e política no mundo: IFES (USA), IIDH-CAPEL (Costa Rica) e IDEA (Suécia).

No grande balcão de troca de informações entre os sistemas e modelos adotados nos países representados naquele Forum Mundial, um dos temas levantados foi o da ampliação das campanhas de educação cívico-eleitoral. Ali, naquele Forum, foram apontadas falhas, paliativos, possibilidades de soluções.

Era preciso ampliar o número de eleitores para garantir a democracia e, não somente ampliar como fortalecer as atividades cívico-eleitorais dos eleitores conscientes. Porque a abstenção dos votantes tem sido alta no mundo todo, porque o desinteresse político demonstrado pelo jovem eleitor, seus pais ou irmãos menores continua em escala crescente, era preciso buscar medidas que visassem desviar da fragilidade os sistemas já implantados e que mal ou bem consolidam a representatividade política. O sistema político-eleitoral é bom no Brasil, o problema é outro: ausência de ética e caráter, de valores morais no âmbito político-público. A corrupção e os desmandos hoje vistos nas televisões não têm sido pauta de reflexões entre os cidadãos de todas as idades, mas isto sim, tem levado à desmotivação na escolha de novos representantes do povo.

O voto informatizado, ao lado da votação tradicional por meio das cédulas oficiais já elegeu no Brasil Presidente da República, Governadores, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Prefeitos, num processo muito bem organizado e que registrou um índice de apenas 6% de falhas técnicas no modelo eletrônico implantado em 1994, falhas estas reduzidas para aproximadamente 3% nas eleições de 98. Está portanto, o Brasil, hoje, plenamente capacitado para exportar a técnica para outras nações e organismos eleitorais. As falhas estão em outro lugar e não na fórmula aplicada para as eleições. Mas a Justiça Eleitoral continua tentando melhorar. Falta-lhe, agora, ampliar e referendar campanhas de educação cívico-eleitorais, por que não? - lado a lado com os Institutos e Fundações criadas pelos Partidos Políticos, com as Cortes e Comissões Eleitorais de outros países, com organismos internacionais mais experientes. Não deveria fazê-las sozinha...

Os novos programas sobre educação cívica, nas escolas e em algumas faculdades, buscam oferecer elementos para que o estudante melhore seu conhecimento como um ser por si mesmo e de sua sociedade. Para que melhor compreenda os vínculos entre direitos e deveres. Para que se reconheça com capacidade de livremente traçar suas próprias metas. Para que construa uma convicção profunda de respeito à igualdade de todos perante a lei. Para saber que um dia poderá vir a modificar as leis vigentes e, então, melhorá-las. Os valores estudados no âmbito estudantil têm no entanto a falha de não se traduzirem em convicções, atitudes, ações.

Analisar, comparar, investigar o passado e os futuros desafios a enfrentar, dialogar sobre o papel que podem os jovens vir a desempenhar, assumir enfim o papel de que são cidadãos em potencial e que deles e de seus votos vai depender o futuro desta nação brasileira, este é o papel a ser feito por oficinas de capacitação cívico-eleitorais, com a ajuda dos organismos eleitorais e políticos de cada país. É preciso interessar particularmente às crianças e aos jovens na política, dar-lhes noções mais exatas dos serviços públicos eleitorais (pois são também o sustento da vida comunitária), lembrando sempre que participar se aprende... participando. Para isto, a arte e os pincéis podem reforçar o saber.

A educação cívico-eleitoral é um dos temas a ser discutido em novo encontro internacional: FORO INTERAMERICANO DE INSTITUCIONES ELECTORALES Y POLÍTICAS - no Hotel Maria do Mar, em Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, Brasil, entre 27 e 29 de abril do ano 2000. Na Presidência e Vice-Presidência Compartilhadas, Argentina, Uruguay, Paraguay , Bolívia e Brasil. Entre os Convidados Especiais, Suécia, Angola, Moçambique, e um destaque para representantes da OEA, ONU, IFES, BID. Proferindo a Conferência de Abertura, o Ministro Néri da Silveira, Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que, durante o I Forum Mundial , em 1999, havia dito claramente: "A educação para a democracia não pode ser obra, apenas, das campanhas eleitorais. Iniciada no lar, continuada na escola, desenvolvida no quotidiano das leituras e das informações, a cultura política levará o cidadão ao Partido, à candidatura, ao sufrágio consciente e livre."

Portanto, senhores, garanto: a cidadania participativa é possível, sim, em toda a América Latina. Basta querer.



**** Noely Manfredini é paranaenses, tem 15 livros publicados , foi Coordenadora Geral do I Forum Mundial Eleitoral e Partidário e novamente Coordenadora Geral no Foro Interamericano de Instituciones Electorales y Políticas).



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