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A reforma do ensino jurídico e o papel da Ordem dos Advogados
do Brasil
Antonio Armando U. Do Lago
Albuquerque
INTRODUÇÃO. Aspectos
Históricos do Ensino Jurídico brasileiro. 2. Fundação da Ordem dos Advogados do
Brasil - Os
bacharéis do II Império à República Velha. 3. Ensino Jurídico da Era Vargas à
Resolução 03/72 do Conselho Federal de
Educação. 4. Portaria 1886/94: Um instrumento de esperanças para um novo ensino
jurídico. 5. Reforma do Ensino Jurídico e o Papel da Ordem dos Advogados do
Brasil. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.
INTRODUÇÃO
A Faculdade de Direito da
Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT -
foi criada recentemente e situa-se na região sudoeste do Estado. De fundamental
importância,
pois atende um parcela significativa de estudantes que residem nesta região e
não podem, por
várias razões, estudarem em outros Estados ou até mesmo na capital do Estado -
Cuiabá.
Consoante o ex-reitor Carlos Alberto Reyes Maldonado:
“Somos fruto de todo o
processo de edificação de
esperanças pelo qual passou a sociedade brasileira nos últimos
quinze anos. Acreditamos nas possibilidades mais ingênuas,
defendemos com o ardor dos amadores as teses que o tempo
tratou de profligar, sustentamos até o limite do possível a
vontade de fazer o novo, na busca do melhor e do certo.”
Com apenas quatro anos e
meio de criação e funcionamento, a Faculdade de
Direito encontra-se, dentro do possível, adequada a Portaria 1886/94. Possui
uma biblioteca com
aproximadamente 5000 livros atualizados, portanto, acima dos trinta por cento
exigidos, sendo o
restante adquirido em breve. Temos o Escritório Modelo de Assistência
Judiciária devidamente
instalado e equipado com computadores, estando em fase de construção a
Biblioteca Setorial no
2º piso do Escritório, o Prédio situa-se aos fundos do Juizado Especial o qual
mantém convênio.
Entre promotores,
magistrados, procuradores e advogados a Faculdade de Direito
possui 33 professores em atividade. Contamos com um Centro Acadêmico - “Silva
Freire” -
atuante, preocupado principalmente com o reconhecimento do curso. Com isso soma
esforços à
Faculdade com a finalidade de buscar recursos para adquirir livros e terminar a
construção da
Biblioteca Setorial.
Regularmente alguns
abnegados professores e discentes, escrevem artigos em
jornais de circulação estadual, ademais, encontra-se em fase de editoração a
Revista Jurídica
Voluntas, de circulação semestral e o Jornal Alterativo em que veinculará
notícias da
Universidade e Faculdade de Direito. O Centro Acadêmico também possui uma
Revista de
produção científica ainda em fase de elaboração.
Óbvio que , como a maioria
das Universidades públicas, a UNEMAT também
enfrenta problemas de “pouco caso” - neo-liberal - dos governantes, haja vista
o inadequado
repasse de recursos para que possa continuar em plena atividade. Mesmo assim, a
Faculdade de
Direito tem procurado, a par dessas insatisfações, a colaboração isolada de
alguns políticos, o que
por hora tem alcançado resultado satisfatório.
Surge, portanto, a
Faculdade de Direito da UNEMAT com o objetivo de superar as
condições sociais de desigualdade e injustiça, através da formação de uma
geração de jovens
destemidos prontos à aventura do saber e do atuar. Uma Faculdade que tenha
claro a necessidade
de respostas urgentes e concretas para a maioria do povo, num desafio diário de
se fazer uma
educação diferente não apenas por não querer ser igual, mas por ser necessário.
Isso posto, e, ainda mais pelo motivo generalizante de reclamações de colegas
estudantes, ativemo-nos neste presente trabalho, com ar desafiador, pois é
notório o baixo índice
de qualidade das Faculdades de Direito do Brasil. Buscamos evidenciar que o
estudante de
Direito deve contribuir para com o ensino, não somente com manifestações
públicas, apoio a
greves, apoio aos movimentos sociais etc, mas, sobretudo; estudando, produzindo
e pesquisando.
Faz-se necessário um ensino
jurídico que se desvincule do seu objetivo inicial de
criação, ou seja, um ensino voltado para a ocupação de cargos políticos e
administrativos, mas,
antes de tudo, um ensino crítico formador de profissionais atuantes no meio
social; operadores
jurídicos em total consonância com os anseios populares. Consoante o prof.
Amilton Bueno de
Carvalho um ensino formador de “juristas orgânicos”. Diz-se profissional
orgânico do Direito
“aquele que está permanentemente inquieto ante a estrutura posta” .
O ensino jurídico
atravessou o Período Imperial, a independência do país, a
República Velha, “Redemocratização” e boa parte do Brasil Novo sem que sua
essência tenha
sido modificada, enquanto o país transformava-se cotidianamente. Perpetua-se
até hoje a
resistência à dialética e a manutenção de um método lógico-formal baseado em
premissas muitas
vezes discordantes da realidade social. Mas, o ensino jurídico foi fundamental
na formação de
líderes que nos conduziram a grandes conquistas, tais como; a extinção do
tráfico negreiro,
independência do Brasil, a implantação de um Estado Democrático de Direito etc.
A pergunta
que se faz é: Conduziram quem e para onde?
Inúmeras reformas
curriculares foram tentadas, bem verdade que colaboraram para
o avanço significativo da discussão do ensino de Direito, porém com as
reestruturações o
pensamento permanecia o mesmo, apegado ao dogmatismo positivista, às
interpretações
exegéticas e às aulas-conferências. Na prática, tornava-se difícil a elevação
da qualidade do
ensino. Mas por qual razão?!
A Ordem dos Advogados do
Brasil durante todo esse processo senão ajudou
também pouco atrapalhou, manteve-se apática, indiferente às oscilações sociais
e às respostas
insatisfatórias dadas pelo ensino jurídico. Talvez erro de (de)formação
jurídica?
Atualmente, almeja-se um
ensino formador de “juristas orgânicos”
comprometidos com a realidade social. Desta forma, a OAB vem colaborando no
sentido de
reformar o ensino, exemplo mais concreto é o lançamento desse Concurso de
Monografia a nível
nacional.
Diante desse quadro de
mudança e discussão em 1994 publica-se a Portaria 1886
fixando novas diretrizes para o currículo mínimo dos cursos jurídicos do país.
Mas a questão que
se impõe é se as mentalidades dos operadores jurídicos acompanharam o nosso
tempo? Se,
metodologicamente atuaram conforme dispõe a aludida Portaria? Se realmente far-se-á
um novo
ensino jurídico?
Este breve trabalho
dividido em cinco partes, tem a pretensão ousada de apontar os
caminhos traçados pelo ensino jurídico, assim como indicar algumas soluções
possíveis para a
crise que o assola.
Num primeiro momento, traçaremos
um perfil histórico do ensino jurídico desde o
período colonial até a República. Procuraremos enfocar a importância dada, pela
elite dominante,
ao ensino jurídico, pois este era o formador dos filhos dessa mesma elite.
Já na segunda parte retrataremos a criação e a fundação da Ordem dos Advogados
do Brasil, inserindo os bacharéis no contexto social que abrange o segundo
reinado até a
república velha. Abordaremos a importância do IAB - Instituto dos Advogados
Brasileiros - e
OAB para o desenvolvimento de um país mais democrático.
Refletimos, num terceiro
momento, a respeito do aspecto histórico do país na Era
Vargas, traçando um paralelo com a evolução dos currículos do curso de Direito
até a Resolução
3/72 do Conselho Federal de Educação.
O penúltimo e último
capítulo abordaremos a Portaria 1886/94 e a colaboração da
OAB para a construção de um novo ensino jurídico, quiçá mais crítico,
humanístico e alicerçado
em concepções mais próximas da nossa realidade social.
1. Aspectos Históricos do
Ensino Jurídico brasileiro
Não é de se admirar o
motivo pelo qual o Brasil tem um adequado
desenvolvimento educacional e mais, especificadamente, no ensino jurídico. As
raízes deste
atraso são profundas e datam desde o período colonial.
Enquanto o empreendimento
português - no Brasil colonial - foi
preponderantemente de cunho exploratório comercial, com quase nenhuma
preocupação com a
formação intelectual; na América Espanhola, pelo contrário, os espanhóis
fizeram do país
ocupado um prolongamento orgânico do seu próprio país. Tratava-se de uma
colônia de
povoamento e não exploratória como a de Portugal. Assim sendo, já em 1538,
criou-se a
Universidade de São Domingos, logo após, 1551; a Universidade de São Marcos em
Lima; e
ainda neste ano a Universidade do México. De forma tão vertiginosa proliferaram
tais
Instituições de Ensino Superior, que ao findar o século XVI a América Espanhola
já contava com
vinte e três Universidades, dentre as quais seis de melhor categoria.
Tal aspecto justifica a
frase do historiador Sérgio Buarque de Holanda:
“Por esses estabelecimentos
passaram, ainda durante a
dominação espanhola, dezenas de milhares de filhos da América
que puderam assim, complementar seus estudos sem precisar
transpor o Oceano.”
A preocupação do governo
português em manter um vínculo com os estudantes
brasileiros - que ingressaram na Universidade de Coimbra ávidos por um diploma
de bacharel,
com o propósito de se enquadrarem na administração da Metrópole ou para
exercerem cargos
políticos - objetivava, àqueles que retornavam à colônia, fazê-los reproduzir
as idéias
metropolitanas, coibindo, portanto, qualquer curso jurídico colonial o que
poderia ocasionar uma
futura emancipação da colônia.
“O propósito de impedir a
criação de cursos superiores
no Brasil era uma manifestação consciente da Metrópole,
temendo por aí que atingisse a colônia a um processo mais
rápido de emancipação.”
Talvez, se os cursos
jurídicos tivessem sido instalados no período colonial no
Brasil, teria sido pior do que foi em 1827, haja vista, a baixa procura de
clientela, a não ser alguns
filhos de homens abastados, além da parca qualificação profissional, do
analfabetismo reinante na
maioria populacional, enfim o ambiente social não era favorável para o estudo
da ciência jurídica,
o que, com certeza contribuiria mais ainda para a reprodução da manutenção dos
interesses da
Metrópole sobre a colônia. Pouco propício para estudo jurídico, porque não se
havia formado
ainda uma educação genuinamente brasileira, com os interesses voltados para a
realidade social
do país. Assim sendo, os futuros professores se formariam na Europa e
reproduziriam um
posicionamento intelectual e prático adaptado à nossa sociedade; posicionamento
este, em favor
da classe dominante, a fim de se manter o status quo dessa classe, pois fôra
essa a patrocinadora
dos estudos de muitos bacharéis no exterior.
Por outro lado, as
dificuldades propiciam soluções inovadora. Nada obstaculizava,
teoricamente, que a colônia desenvolvesse seus próprios cursos superiores,
dentre os quais o
ensino jurídico. Dentro de um aspecto nacionalista e, portanto, mais realista,
talvez se tais cursos
tivessem sido implantados, teríamos à época, um Brasil para brasileiros, onde
formaríamos
jovens elitizados sim, mas, que estariam mais próximos de seus próprios
problemas, e dessa
forma, mais próximos de soluções que não seriam importadas e adaptadas às
nossas necessidades,
infelizmente como na maioria dos casos ainda ocorre hoje.
Após a independência pouca
coisa mudou, para não dizer quase nada, o meio
social ainda era reduzido à classe economicamente mais poderosa, a educação era
precária, o país
continuou patriacarlista, latifundiário, escravocrata, exportador, monopolista
e completamente
dependente do exterior.
Tão pouca a mudança que a
independência foi uma completa surpresa para o povo
brasileiro, para não dizer um imprevisto. Claro que não podia ser diferente,
pois a participação
civil no processo de independência foi muito pouca, senão inexpressiva. Resume
bem o momento
os escritos de Aristides Lôbo:
“O povo assistiu àquilo
bestializado, atônito, surpreso,
sem conhecer o que significava.”
A lei de 11 de agosto de
1827 cria os cursos de Direito do Brasil, em São Paulo e
Olinda. Para tanto foi organizado e adotado; um pouco antes da aludida lei,
1825; os Estatutos do
Visconde de Cachoeira que muito longe de pretenderem formar juristas
preocupados, críticos e
conscientes do seu papel socializante, tais cursos, na realidade, tinham como
propósito formar
bacharéis preocupados com a própria ascensão pessoal. Mas de que forma forma
almejava-se
garantir uma posição na elite? Através de cargos públicos, burocratizando e
fornecendo mais
qualificação às atividades públicas brasileiras, como também preenchendo o
cenário político, a
magistratura e a advocacia. Aliás, à época, não era esse o fim visado pelos
cursos jurídicos?
Assim pode ser compreendido
pela leitura do disposto nos Estatutos, ou seja, qual
o profissional que pretendiam formar, vejamos:
“homens hábeis para serem
um dia sábios magistrados
e peritos advogados de que tanto se carece; e outros que possam
ser dignos deputados e senadores e aptos para ocuparem os
lugares diplomáticos e mais empregos do Estado.”
Ainda, consoante a análise
de Sérgio Adorno:
“formar uma elite coesa,
disciplinada, devota às razões
do Estado, que se pusesse à frente dos negócios públicos e
pudesse, pouco a pouco, substituir a tradicional burocracia
herdada da administração Joanina.”
Ou seja, formar operadores
do Direito que reproduzissem na organização pública
brasileira, a ideologia jurídico-política do Estado Nacional.
De fato, o previsto pelos
Estatutos do Visconde de Cachoeira se concretizaram,
pois os cursos jurídicos realmente formaram uma elite que controlou o poder
político da vida
nacional imperial, mesmo sendo criados de forma precária, com instalações
insuficientes, pouca
qualificação profissional e total desinteresse dos estudantes.
Pode-se dizer que os
bacharéis aprenderam a Ciência do Direito mais por si
mesmos do que pelas aulas ministradas, mais na vida acadêmica participando de
jornais e clubes
filosóficos, mais na prática do que na teoria. O ensino jurídico tornara-se
“chato”, pois estava
muito aquém da realidade de seus alunos e da vida social em que eles se
inseriam, os jornais e a
filosofia proporcionavam aos acadêmicos um dinamismo bem maior do que a
aparência estática
que os mestres transmitiam do Direito.
Diante de tamanho
desinteresse, pois poucos compareciam às salas de aula, o
conselheiro Leôncio de Carvalho propõe em 1869 uma Reforma do Ensino,
instaurando o ensino
jurídico livre, que consoante o próprio artigo do decreto 7247 assim era
definido:
“Não serão marcadas faltas
aos alunos, nem serão eles
chamados às lições de sabatinas. Os exames, tanto dos alunos
como dos que não o forem, serão prestados por matéria e
constarão de uma prova oral e outra escrita, as quais durarão o
que for marcado nos Estatutos de cada escola da Faculdade” .
A reforma não logrou êxito,
tanto que o próprio pai de um aluno chegou a afirmar
que acompanhou a “gestação de uma besta .” Os cursos jurídicos continuavam
deficientes.
Mas, não fosse o surgir de
um ilustre mestre - passados três anos da reforma -, o período imperial
não se diferenciaria dos demais tempos. Trata-se de Tobias Barreto o primeiro
professor no Brasil
a pronunciar o nome de Rudolf Von Ihering na sua defesa de tese em Recife. Mas
o que o tornou
brilhante como professor foi a forma de ministrar as suas aulas, pois
discutia-se os assuntos
jurídicos, os problemas político-sociais, a liberdade, havia a criticidade em
suas aulas, o mundo
real e prático passaram a fazer parte das aulas teóricas.
Foi Tobias Barreto o
porta-voz da introdução filosófica-jurídica da teoria alemã no
Brasil, até então, nossa teoria era impregnada pelos ensinamentos franceses.
Tamanho o saber e a sua competência que não tardou a cativar os seus alunos. Em
apenas seis anos - 1882 a 1868 -, lecionando em Recife, deixou grandes e
inúmeros discípulos,
dentre os quais; Clóvis Bevilacqua, Sílvio Romero, Gumercindo Bessa e muitos
outros.
De modo geral, o ensino
jurídico no Brasil Imperial continuou tendo uma evolução
linear pouco significativa para uma transformação social tão necessária já
àquela época. A
doutrina, tinha por base o jusnaturalismo, até o momento que se introduziu o
positivismo no
Brasil. A metodologia seguia a forma rudimentar de ensino da Universidade de
Coimbra através
da aula-conferência. Enfim, pouco ou quase nada se aprendia sobre a Ciência do
Direito na
academia.
Com o início da República
uma nova perspectiva se abre para o ensino jurídico no
Brasil, principalmente, por meio da reforma de Benjamim Constant que tripartiu
o curso em três
espécies: curso de Ciências Jurídicas, Curso de Ciências Sociais e Notariado.
Este último visava
dar um enfoque mais prático ao Direito, embora sua duração tenha sido muito
pouca, uma vez
que, mal se desenvolveu e já foi extinto.
A reforma foi boa por um
lado, pois foi responsável pela quebra da dualidade do
curso de Direito entre São Paulo e Recife. Por outro lado, os cursos jurídicos
passaram a
proliferar-se pelas regiões do país.
A dita reestruturação do
ensino, era de cunho, eminentemente positivista, portanto,
a ampliação dos cursos jurídicos pelo Brasil acabara expandindo o pensamento
positivista,
colaborando para com a ideologia predominante da elite, qual seja: a de
completa estagnação.
Essa concepção de
estagnação faz surgir as mais precisas e imperativas decisões que controlavam
a sociedade dando a impressão de repouso e ordem social. Mera aparência! Isto
era o que a
sociedade e os estudantes descobririam posteriormente, frente a uma mudança da
estrutura social
brasileira, onde o já enraizado pensamento positivista e o método de ensino
lógico-formal não
permitiriam o acompanhar dessa sociedade, permanecendo um ensino jurídico
antiquado e
defasado em relação ao seu tempo.
Nota-se também que embora a
sociedade tenha mudado, a ideologia dominante
continuou a mesma, pois o brasileiro continuou a ter aquela mesma visão do
Brasil em relação ao
mundo, ou seja, a de um país dependente do mundo lá fora. Assim, a República
continuou a
manifestar os mesmos ideais do Império.
Tudo mudou, as leis; os
mestres; os estudantes, mas o espírito continuou o mesmo.
O ensino jurídico não deixou de ter uma tendência à estagnação, ao
conservadorismo e à
indiferença para com as mudanças sociais, isto é, tendência de progresso
linear. Outros cursos
passam a ter importância nacional, pois acompanharam o seu próprio tempo, o
Direito perde
campo para a Medicina e a Engenharia.
2. Fundação da Ordem dos
Advogados do Brasil - Os bacharéis do II Império à República
Velha
O Instituto dos Advogados
Brasileiros foi criado em 7 de agosto de 1843, por
Aviso firmado pelo Ministro de Estado da Justiça, Honório Carneiro Leão. Teve
sua sede
implantada na Capital do Império em 7 de setembro de 1843 e Regimento Interno
aprovado em 5
de maio de 1844.
Seu primeiro
presidente-fundador foi o jurista e parlamentar Francisco Gê Acaiaba
de Montezuma - Visconde de Jequitinhonha - médico formado na Bahia e “viajando
pata
Portugal”, formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Foi o primeiro
orador parlamentar
a atacar os importadores de escravos africanos. Teve também o privilégio de ser
um dos
precursores da campanha abolicionista.
Passados trinta e seis anos
reforma-se o Estatuto do Instituto dos Advogados
Brasileiros através do Decreto nº 7836 de 28 de setembro de 1880, dispondo o
seu art. 20 que
além de organizar a Ordem dos Advogados, o Instituto tinha também como
finalidade “o estudo
do direito e da jurisprudência em geral.”
Em 1888 impõe-se uma nova
reforma com a pretensão de transformá-lo em
Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, estendendo sua finalidade para o
estudo do
direito, na sua história, no seu mais amplo desenvolvimento, nas suas
aplicações práticas e na sua
comparação com os vários ramos da legislação estrangeira.
Pelo Decreto nº 4753-A de
28 de novembro de 1923, o Estatuto do IAB dispunha
como fins
“o estudo do direito,
difusão dos conhecimentos
jurídicos e culto à Justiça” (§ 1º), bem como “a colaboração
com os poderes públicos no aperfeiçoamento da ordem pública”
(§ 2º) e, ainda, “a prorrogação da defesa do meio ambiente, do
consumidor e do patrimônio artístico, estético, histórico turístico
e paisagístico.”
A Ordem dos Advogados do
Brasil tal qual a conhecemos hoje, foi criada em 1930
pelo Decreto nº 19408 de 18 de novembro, tendo por atribuição a seleção, o
disciplinamento e a
defesa da classe dos advogados.
Atualmente, a OAB é uma
associação dotada de personalidade jurídica e seu
estatuto dispõe, conforme a Lei nº 8965 de 4 de julho de 1994, art. 44, I e II:
“defender a Constituição,
os direitos humanos, a justiça
social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida
administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e
das instituições jurídicas.” Assim como, “promover a
representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos
advogados.” Não mantém a OAB “qualquer vínculo funcional
ou hierárquico com a Administração Pública.”
A análise histórica desse
período - II Império à República Velha - demonstra que o
IAB pouco se preocupou para com a melhoria da qualidade do ensino jurídico e
com o efetivo
acesso à justiça dos menos favorecidos.
Se por um lado, o Instituto
pouco fez pelo ensino, e pelo acesso à justiça da grande
maioria da população, bem verdade, que por outro lado, os cursos jurídicos
colaboraram
decisivamente com ideais transformadores e revolucionários. Nos dizeres do
conselheiro federal
da OAB/GO, Dr. Licínio Leal Barbosa, os cursos Jurídicos no Brasil contribuíram
para
“a construção e o
aprimoramento dos institutos
jurídicos, no País, e a fermentação de idéias que desaguariam
na proibição do tráfico negreiro, na lei do Ventre Livre, na lei
Áurea e na Proclamação da República.”
Os cursos jurídicos, como
dito antes, eram formadores de bacharéis vindos de
famílias abastadas que detinham o poder e o controle político imperial. Se tais
idéias vingaram,
não foi por acaso. A elite imperial estava mudando, a sociedade transformava-se
com a expansão
das estradas de ferro, com a exploração agrária estereotipada, ainda do tempo
colonial, dos
cafezais de 1840, a constituição de sociedades anônimas, a fundação do Banco do
Brasil, a
inauguração da linha telegráfica, enfim, o estabelecimento de meios de
transporte modernos entre
os centros produtores rurais e os centros comerciais.
Mas na realidade, tais
mudanças - devido ao advento da proibição do tráfico
negreiro -, nada mais eram do que a fachada de mudança de uma atitude
governamental,
exatamente para manter o controle exercido pela classe dominante no Império,
auqlea mesma
classe defensora das idéias importadas, que nunca ousou criar, mas somente
copiar, só que agora
sobre o pretexto de progresso. E realmente era o progredir. Mas para quem?
No início do II Império a
atividade mais lucrativa para o Brasil era o tráfico
negreiro. Com a repressão inglesa - Bill Aberdeen - a tendência seria diminuir
a importação de
escravos, mas a organização e a lucratividade já tinham atingido um estágio
tal, que não era
vantagem alguma extinguir a transação comercial, ao contrário, era perda de
lucro.
Nesse sentido está Sérgio Buarque de Holanda,
“Não é para admirar se, com
esse aparelhamento,
puderam os interessados no tráfico promover, mesmo, e,
principalmente, depois de 1845 - o ano do Bill Aberdeen -, um
comércio cada vez mais lucrativo e que os transformaria em
magnatas das finanças do Império. ”
A maior repressão inglesa
ao tráfico e o advento da lei Eusébio de Queiroz, fez
com que em meados de 1850 a importação da mão de obra escrava diminuísse
consideravelmente. Neste aspecto, o Instituto dos Advogados Brasileiros assume
um papel
fundamental na defesa da extinção do tráfico negreiro, não por acaso, pois
neste mesmo período
os negócios comerciais desenvolvem-se sem possuir ligações rurais. Não é mera
coincidência
que, no mesmo instante de diminuição da importação de escravos, expandem-se os
negócios
comerciais, haja vista o lucro obtido com aquela atividade ter sido destinado a
outros ramos de
negócio. Há aumento das especulações financeiras, e os bacharéis são preparados
a fim de efetuá-
las.
A própria fundação do Banco
do Brasil relaciona-se com o lucro obtido por meio
de tráfico negreiro, está aí a genialidade de Mauá, atento às transformações
observou que, “a
vontade nacional” estava ao lado da extinção do tráfico, e assim, eram
necessários outros meios
de reunir capitais. Nada melhor que a criação de um banco.
A extinção do tráfico de
escravos negros, começada em 1850, só se findaria com o
advento da lei Áurea em 1888. Por tudo isso, as mudanças não passavam de
superficiais, pois os
fundamentos tradicionalistas das elites coloniais ainda eram mantidos,
impossibilitando uma
mudança social profunda e mais ousada.
Os bacharéis em todo esse
processo da elite brasileira enquadram-se na expressão
de Mauá - “vontade nacional.” Ora, as elites não ouviriam o clamor popular como
hoje não
ouvem, mas atentam, sim, para o próprio ego. O IAB era a ressonância de uma
parte da elite
brasileira que discordava com o modelo escravocrata de exploração. Bem verdade
que não havia
unanimidade, Nabuco de Araújo que o diga, pois era árduo defensor do regime
escravocrata,
vejamos: “antes bons negros da costa da África para cultivar os nossos campos
férteis do que
todas as tetéias da Rua do Ouvidor (...).”
Não entendia ele que num
momento novo, agitado por novas transações
comerciais, poderia perpetuar seus ganhos advindos do tráfico e assim manter
seu status quo,
pois nada modificaria a não ser o modo pelo qual se conservaria o poder.
Muito pouco havia mudado no
nosso ensino jurídico. Parecia mesmo que nossos
intelectuais continuavam a voltar dos estudos de Coimbra. Permaneciam
totalmente afastados da
realidade brasileira, importando a velha ideologia do exterior,
transfigurando-a para o contexto
social brasileiro, como se não tivéssemos o nosso próprio contexto. “Olhavam
para o umbigo dos
outros ao invés de se preocuparem com os seus”.
Os próprios Estatutos do
Instituto dos Advogados, à época, são denunciantes dessa
situação. A reforma de 1880 nada mencionava a respeito da ligação profissional
com a sociedade.
Os operadores jurídicos ainda estavam fora do seu contexto social, simplesmente
serviam à elite
ou pretendiam fazer parte dela. Como dito anteriormente, consoante tais
Estatutos, a principal
finalidade era o “estudo do Direito e da jurisprudência” pelos seus
integrantes. Podemos então,
questionar se nessa finalidade não estão inseridos os primeiros indícios de uma
crise no ensino
jurídico, pois após formados os bacharéis ainda não conheciam o Direito, ao
ponto de terem de
estudá-lo posteriormente?! Se é que podemos mencionar “crise” para uma coisa
que nunca foi
“boa”. É verídico que a Ciência Jurídica é um eterno estudar e pesquisar, mas
não é necessário
que isso seja colocado em Estatutos, pois dá-se a impressão que o conteúdo
mínimo a saber sobre
Direito, não estava sendo transmitido.
A proclamação da República
não serviu para mudar a estrutura da sociedade. A
classe dirigente continuava a manifestar a mesma ideologia do Império, pois o
próprio brasileiro
tinha a idéia de um país dependente em relação ao mundo.
Mas, por outro lado, a
República reflete, no aspecto externo, o desaparecimento
dos fazendeiros da cana-de-açúcar, pois no novo regime político a vida citadina
e o comércio
estava em completa ascensão, de forma que esses proprietários rurais que não se
adaptaram a essa
nova forma econômica, deixaram de ter tanta importância quanto tiveram no
período Imperial.
Decresceu a importância -
do ponto de vista do mundo exterior, por ter desaparecido os
fazendeiros da cana-de-açúcar -, porém não deixou de existir a influência
desses homens na
sociedade, pois na realidade ocorreu a passagem de uma agricultura calcada na
cana-de-açúcar
para uma agricultura cafeeira, o que ocasionou o surgimento de uma nova classe
empresária,
porém sobre a mesma estrutura imperial.
Certo é que a
descentralização republicana deu maior flexibilidade política-
administrativa ao governo no campo econômico, beneficiando os grandes
interesses agro-
exportadores, por outro lado a ascensão política de novos grupos sociais de
rendas que não
derivavam da propriedade rural, mas da especulação e do comércio, fez com que
se reduzisse
consideravelmente o controle que aqueles grupos agrícola-externos exerciam
sobre o governo
central. Esse novo grupo social era composto por uma classe média urbana,
empregados do
governo e do comércio - muitos dos quais bacharéis -, os assalariados rurais,
os produtores
agrícolas ligados ao mercado interno, os nascentes grupos industriais.
Ocorre que se vivia um
período de transição econômica, mas sobre a mesma
estrutura agrária imperial, daí não haver uma mudança profunda, mas superficial
e artificial, pois
os conflitos existentes entre este dois pólos - rural e urbano - denunciavam a
imaturidade do
Brasil para que se modificasse profundamente sua estrutura.
Neste sentido está Buarque de Holanda:
“Dois mundos distintos que
se hostilizam com rancor
crescente, duas mentalidades que se opunham como o racional
se opõe ao tradicional, o citadino e cosmopolita ao regional e
paroquial. ”
Em matéria de ensino
jurídico, podemos considerar como marco no início
republicano a federalização dos cursos educacionais, juntamente com a
federalização política.
Despontam, portanto, várias
Faculdades Livres por todo o Brasil em virtude da reforma de
Benjamim Constant, da mesma forma que baixa o número de matriculados no curso
de Direito,
enquanto as outras carreiras como a medicina, a engenharia, e até mesmo a agricultura
tornavam-
se mais atrativas para os jovens.
Mas o surgimento de
reclamações em relação ao ensino jurídico eram mais
freqüentes. A vida do estudante mudara. Eles trabalhavam, ocupavam posições em
novas escolas
da Bahia, Minas Gerais, Pará, Amazonas, Ceará, devido também a considerável
elevação da vida
urbana, fez nascer o sentimento geral de decadência do ensino jurídico e com o
passar dos anos
na administração pública e comércio, a vida urbana intensificava-se. A boemia
já não era mais
um estilo de vida, pois a concepção mais realista e prática da vida era cada
vez mais freqüente.
Já não havia mais
discussões filosóficas e literárias, o intelecto que até pouco
tempo, para a elite, era um entretenimento, e para a maioria da população
sequer existia, passa a
ser um meio de ascensão social para essa nova classe média urbana, mais
preocupada com um
cargo a ocupar do que em estudar.
O desinteresse pelo estudo
jurídico era geral. Poucos compareciam às aulas, o
aprendizado estava mais no convívio extra-classe com um ou outro professor ou
nas atividades
em jornais e Centros Acadêmicos.
Impõe-se uma série de
reformas, do ponto de vista administrativo, que em nada
colaborariam para a modificação dos cursos jurídicos, porque nelas não havia
nenhuma idéia
orientadora, sendo elaboradas aleatoriamente sem qualquer critério de avaliação
positiva sobre os
resultados de tais reformas, ou seja, que tipo de bacharéis as faculdades
formavam. Cita-se a
Reforma Rivadávia de 1911 que em parte tentou restabelecer a idéia de ensino
livre o que, é
claro, não tardou a trazer ao ensino jurídico malefícios. Por isso, foi
drasticamente modificada e
coibida pela Reforma Carlos Maximiliano de 1915.
O ensino e os bacharéis não
contavam com uma qualificação profissional
satisfatória. Sua formação era repleta de teorismos afastados da realidade
prática. Alberto
Venâncio Filho comentando um fato ímpar no ano de 1907, qual seja: a publicação
do livro de
Aureliano Leal, A reforma do ensino do Direito no Brasil elogiando-o por ter
orientado o ensino
jurídico para “as realidades práticas, contra o teorismo e o verbalismo
excessivos. .”
Com a expansão das atenções
voltadas para os problemas educacionais e com o
progresso do pensamento na área educacional, ganha impulso a idéia de uma
Universidade que
englobaria as Faculdades Livres e demais Faculdades existentes no país. Tais
Instituições são
criadas no “papel” em 1920, sendo efetivamente instaladas em 1927.
Neste mesmo ano, no Rio de
Janeiro, acontece um Congresso de Ensino Superior
sendo dividido em duas fases, dentre as quais, a segunda dava o enfoque
específico para o Ensino
Jurídico. As conclusões foram surpreendentes se comparadas à atualidade, senão
vejamos:
“O direito é uma ciência
eminentemente prática quanto
ao fim, mas nem por isso deixa de ser teórica quanto ao modo de
estudar e saber. E, no ensino dessa ciência, como não há
vantagem de usar um método exclusivamente prático, também
não há vantagem de usar um método predominantemente
teórico. Cumpre ao contrário, sempre que possível, ministrar a
respeito das diversas disciplinas, o ensino teórico
concomitantemente ao prático.”
Observamos, portanto, que
as idéias de reforma do ensino jurídico e as suas
possíveis soluções já estavam bem adiantadas e maduras, porém no que se refere
a parte de
aplicabilidade desses princípios reformuladores encontravam-se inúmeras
dificuldades
impedindo-se a mudança do ensino jurídico.
Tais dificuldades não eram
encontradas somente no plano prático educacional,
mas, principalmente, no plano econômico. A levada mão de obra oferecida, somada
à abundante
qualidade da terra brasileira e ao cultivo do café, logo proporcionou uma
superprodução, sendo
combatida com políticas de valorizações pelo governo. O único meio de se evitar
prejuízo para os
produtores e para os países exportadores era retirar parte da produção, pois
“existia uma situação
perfeitamente caracterizada de desequilíbrio estrutural entre oferta e procura.
.”
De quebra, não bastasse
toda essa crise econômica vivenciada à época, para
agravar mais ainda, ocorre o grande crack da bolsa de Nova Iorque, provocando a
grande
depressão americana de 1929.
O fato principal que
realmente marca uma mudança de enfoque do ensino da
República Velha é o surgimento de novas classes sociais, e principalmente, de
uma classe média
em ascensão, que buscavam no ensino superior, não a qualificação profissional
para maiores
oportunidades de trabalho, mas, sobretudo, um instrumento de ascensão social.
Dessa forma, a
área tecnológica e médica por serem novas profissões despertam maiores atenções
dos
estudantes, descaracterizando o ensino do direito, pois ele mesmo se
descaracterizou em seus
princípios.
“A Universidade não é mais
instrumento de
enriquecimento pessoal, que permitirá melhor desempenhar o
papel social assegurado por direito de nascença ou de fortuna,
mas o instrumento de ascensão social que dará acesso às
funções através das quais se poderão auferir as mesmas rendas
e o mesmo prestígio da aristocracia.”
3. Ensino Jurídico da Era
Vargas à Resolução 03/72 do Conselho Federal de Educação
A revolução de 30 foi um
marco fundamental em que não só se alterou a política
brasileira, derrubando o regime de governo da República Velha e impondo um
Estado
centralizador representado pelas oligarquias de famílias ligadas à agricultura
cafeeira, mas
também modificou a estrutura sócio-econômica brasileira.
No início do século, boa
parte do país dedicava-se a cultura do café, basicamente
voltada para a exportação. Com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em
1929, as vendas
externas de café ficaram praticamente interrompidas o que ocasionou um aumento
do preço do
café - principal produto da economia exportadora brasileira -, abalando o
governo de Washington
Luís. Vargas assume a Presidência defendendo uma maior proteção da economia
brasileira diante
dos interesses estrangeiros.
Sob o prisma social
ascendem novas classes, pois o processo de industrialização
crescia vertiginosamente, surgindo, pois, o proletariado urbano como classe
média em completa
ascensão. O Brasil, sob o aspecto cultural, sofre um período de introspecção e
reflexão da
realidade pela qual se passava. De fato, abandonam-se os caminhos tortuosos da
arcaica estrutura
colonial.
Conforme o prof. Alberto
Venâncio Filho:
“A revolução de 30, traz o
ideário de reformas
políticas, econômicas e sociais. Promove, logo de início, a
criação de um Ministério especialmente dedicado aos assuntos
da educação e saúde; que é entregue à competência do ilustre
mestre desta casa, o professor Francisco Campos.”
A reforma de 1931 foi
fundamental no ensino de Direito, bem verdade que houve
contribuições mais no campo teórico do que no prático, pois havia ainda - como
há hoje - os mais
renitentes em mudanças, aqueles que não conseguem enxergar o amanhã, pois estão
impregnados
pela certeza que o positivismo os oferece. Fernando de Azevedo diz:
“(...) A primeira reforma
que empreendeu o novo
ministro, e sem dúvida a de maior alcance entre todas as que
realizariam neste domínio em mais de quarenta anos de regime
republicano, foi a do ensino superior, que Francisco Campos
organizou em novas bases e com grande segurança e largueza
de vistas.”
O principal aspecto da
reforma de Francisco Campos foi o desdobramento do
curso de Direito em dois: o bacharelado e o doutorado. Aquele organizado com o
propósito de
ordem puramente profissional, ou seja, formar práticos do Direito,
considerando, portanto, a
Ciência do Direito como mera técnica. Substitui-se a cadeira de Filosofia do
Direito pela de
Introdução ao Estudo do Direito. Extingue-se as disciplinas de Direito Romano e
de Direito
Privado Internacional.
Já o curso de Doutorado
destinava-se à formação de futuros professores de Direito.
Pode-se aquilatar que, na verdade, esse curso visava a consertar ou ao menos
amenizar os erros
cometidos na academia, porque o fim para o qual fora criado nunca colhera
resultados
satisfatórios e concretos, pois continuava-se a cometer as mesmas atrocidades
do curso de
bacharelado.
Ocorria que o Direito
continuava insensível às transformações sociais, encontrava-
se apegado a uma única forma de pensamento que só interessava à classe
economicamente mais
poderosa. A doutrina jurídica, à época, acreditava que a ordem jurídica só
tolerava uma forma de
regime político, o da elite, ou que os regimes erguem-se sob princípios
determinados, óbvio já
preconcebidos pela elite intelectual. Acreditava ainda na imparcialidade da
norma jurídica, isso
para manter, aparentemente, o princípio igualizador da norma para todos os
cidadãos
indistintamente. Mas, na realidade, havia a desigualdade de tratamento - como
há - entre as
classes sociais. O que acontecia era que o Direito, não como quer San Tiago
Dantas , era sim
solidário com um só pensamento político, o da classe dominante, mas esse
comprometimento
com a ideologia dominante abafava-se pela própria concepção da doutrina
jurídica de equilíbrio e
igualdade da ordem jurídica na preservação da ordem social. “A igualdade para
os desiguais e a
desigualdade para os iguais.”
Mesmo com os estudos mais
apurados do prof. San Tiago Dantas, de nada
adiantou para a mudança, pois de 1930 a 1945 o Ensino Jurídico pouco evoluiu.
Os resultados
que se apresentaram devido às inúmeras reformas foram aquém do esperado.
Acreditamos ter
tido pouco progresso, pois o pensamento jurídico-político ainda não havia sido
reformulado, o
que tornaria impossível reformas no campo prático. Por isso, restringia-se a
discussão ao plano
teórico, pouco se fazendo para a efetiva elevação do nível de qualidade do
Ensino Jurídico. Dessa
forma, o ensino continuava não acompanhando as transformações sociais,
permanecendo
estagnado num mundo multifacetário e dinâmico.
Com o advento da “redemocratização”
em 1945; como se alguma vez o país
tivesse sido democrático , parecia que novas luzes surgiriam ao final do túnel.
Acentua-se cada vez mais o anseio pelo ensino superior. Federalizam-se várias
Faculdades e criam-se tantas outras. Tudo isso, devido às aspirações de uma
classe média ávida
por ascensão social, enquanto o curso de Direito continuava a proporcionar
brilhantes carreiras
políticas ou administrativas. Porém, o espaço do Curso de Direito já estava
sendo bastante
reduzido, pois surgiam novos cursos ligados as áreas tecnológicas e biológicas
e propiciavam o
uso de novas técnicas, menos burocráticas e alheias ao desenvolvimento social,
enquanto o
Direito distanciava-se do debate dos problemas vivos, dos exames de questões
permanentes e
instantâneas da qual a ciência depende para que possa desenvolver-se. Daí o
resultado de maior
procura da clientela para esses novos cursos, e não mais para o curso de
Direito.
O fenômeno de federalização
estancava-se, mas a proliferação dos cursos jurídicos
continuava por todo o país, contribuindo mais ainda para com o descompasso
entre o ensino e as
realidades econômico-sociais que tomavam cada vez mais feição complexa, pois as
Faculdades
impregnavam-se do legalismo positivista impedindo uma visão crítico-social a
respeito do Direito
brasileiro.
O legalismo brasileiro como
forma de conceituação do Direito tinha, e tem, que
ser repensado. Não era, e não é, proliferando tais cursos pelo país afora que
se modificaria, e
modifica, essa compreensão, mas tão-somente repensando o papel da política
nacional que
editava, e edita, leis e mais leis sem algum fundamento social. Fazia-se
necessário, e faz-se
necessário, o redimensionamento do objeto da Ciência Jurídica, a fim de se
encontrar uma
resposta para os conflitos sociais emergentes.
Até 1955 o debate a
respeito do Ensino Jurídico foi praticamente inexistente. Cabe
a San Tiago Dantas indicar o que desmantelava o ensino de Direito e a propugnar
por novos
caminhos:
“A sociedade brasileira de
hoje oferece um exemplo
perfeito da crise determinada pela perda da eficácia ou poder
criador da classe dirigente. Os que se acham no comando da
sociedade perderam gradualmente o poder de encontrar
soluções para os problemas, não só para os problemas criados
pelo meio físico e pelas exigências da civilização material, como
para os problemas de autogoverno da sociedade, inclusive o da
transmissão de seu acervo cultural através da educação.”
Como vimos o problema é
emblemático no que tange a própria condução do país,
mas Dantas não para por aí, vejamos:
“Se há problemas novos sem
solução técnica adequada;
se há problemas antigos, anteriormente resolvidos, cujas
soluções se tornaram obsoletas sem serem oportunamente
substituídas; se aparecem novas técnicas, que o nosso maio não
aprendeu e assimilou; em grande parte isso se deve ao
alheamento e à burocracia estéril das nossas escolas, que
passaram a ser meros centros de transmissão de conhecimentos
tradicionais, desertando o debate dos problemas vivos, o exame
das questões permanentes de que depende a expansão; e mesmo
a existência da comunidade.”
O grande problema do ensino
jurídico e dos bacharéis é o pouco relacionamento
ativo com os conflitos sociais existentes. Viam e vêem, tais problemas
inseridos num mundo
abstrato. Situavam-se ou situam-se, fora do contexto plural de mundo, assim o
ensino não
apontava ou aponta novos caminhos ao Direito, por que preferia ou prefere
servir através de um
dogmatismo formal, a um sistema que transparece às vistas cegas dos
tradicionalistas como sendo
estável. Não se inova porque se tem medo do novo, porque o novo desafio os
conceitos arcaicos e
facilmente manipulados pela elite.
Criado em 1961 pela lei
4024 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional),
ao Conselho Federal de Educação (CFE) atribuía-se a função de autorizar o
funcionamento das
Faculdades de Direito e fixar-lhes um currículo mínimo. Este não logrou êxito,
pois não estava
aparelhado devidamente a fim de executar a tarefa que lhe fora imposta,
ademais, a política do
Conselho Federal de Educação era esponteneísta, onde as decisões tomadas não
tinham nenhum
critério objetivo. A fixação dos currículos mínimos continuavam
tradicionalistas reproduzindo
um sistema do século passado.
Alberto Venâncio Filho
destaca que:
“A experiência foi,
entretanto, que o currículo mínimo
tornou-se, a rigor, um currículo máximo, e que as cadeiras por
ele não abrangidas, ou foram incorporadas em outras
disciplinas, ou na maioria dos casos, mantidas por força da
tradição; resultado que a prática do currículo mínimo baixada
pelo Conselho Federal de Educação, não trouxe nenhum
resultado mais auspicioso.”
Após dez anos, em 25 de
fevereiro de 1972, o Presidente do CFE atendendo o
disposto no art. 26, da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, estabelecia
(Resolução 3/72) um
currículo mais flexível e mais adequado às realidades da época, para alguns.
Mas, para outros o
novo currículo mínimo apresentava a ausência de trabalho interdisciplinar e a
falta de
direcionamento para a solução dos conflitos e necessidades sociais.
Em relação às outras
reformulações curriculares a Resolução 3/72 do Conselho
Federal de Educação trouxe progressos significativos, tais como: a
flexibilização curricular, o
sistema de créditos com periodização semestral, e duração variável do curso. Os
currículos
jurídicos até então existentes e até mesmo o currículo de 1972, eram
exageradamente normativos,
permitindo a transmissão de um conhecimento genérico, dogmático e quase nada
dirigido para a
solução dos problemas jurídico-sociais, tais como os direitos à cidadania. Eram
renitentes a um
ensino interdisciplinar. Os currículos fixaram uma prática de ensino que “parte
dos códigos para
os problemas e não dos problemas para os códigos.” Nos bancos escolares dão
exemplos
grotescos com figuras fictícias como Caio e Tício, enquanto no mundo real há
uma imensidão de
conflitos que envolvem Maria(s), João(s), José(s), Antonio(s) etc. O currículo
não permitia a
reflexão do aluno, mas se preocupava, principalmente, com o ensino prático.
Corolário lógico: “o
ensino dogmatizante codificou normas e técnicas de ensino” (grifo nosso).
José Eduardo Faria é um dos
vigorosos juristas críticos em relação àqueles
currículos jurídicos. Diz ele:
“Não mais se deve confiar o
ensino jurídico aos limites
estreitos e formalistas de uma estrutura curricular
excessivamente dogmática, na qual a autoridade do professor
representa a autoridade da lei e o tom da aula magistral permite
ao aluno adaptar-se à linguagem da autoridade. Não se trata de
desprezar o conhecimento jurídico especializado. Trata-se isto
sim, de conciliá-lo com um saber genético sobre a produção, a
função e as condições de aplicação do direito positivo.”
Analisando as alterações
dos currículos jurídicos o prof. Horácio Wanderlei
Rodrigues afirma que:
“(...) nenhuma delas acabou
com a crise existente no
setor, isso leva a duas hipóteses: ou as reformas efetuadas até
hoje não foram adequadas aos problemas apresentados, ou a
questão do ensino de Direito do país não se resume a aspectos
curriculares.”
A Resolução 3/72 impôs um
mesmo currículo mínimo para todos os cursos
jurídicos, restringindo a autonomia universitária. Essa “imposição” tinha como
propósito,
desempenhar um papel de controle na qualidade dos cursos para assegurar a
formação “mínima”
dos profissionais do Direito. As Faculdades interpretaram, a referida
Resolução, de forma
errônea. A maioria adotou o currículo mínimo como sendo um currículo pleno, não
acrescentando disciplinas específicas de interesse regional.
Álvaro Mello Filho assim
afirmava:
“(...) os cursos jurídicos
não sabendo usar da liberdade
de comportamento que lhes foi concedida, optaram por uma
autolimitação, vale dizer, renunciaram à autonomia, posto que
parte dos cursos transformaram em máximo o currículo mínimo,
afastando a flexibilidade, variedade e regionalização
curricular.”
Em 1980 o Ministério da
Educação e Cultura nomeou uma Comissão de Ensino
Jurídico com a sua composição pluriregionalizada a fim de verificar com
profundidade a
organização e funcionamento dos cursos de Direito no país, bem como apresentar
propostas de
alterações do currículo mínimo.
4. Portaria 1886/94: Um
instrumento de esperanças para um novo ensino jurídico
Atualmente há duas
Comissões de Ensino Jurídico. Uma ligada ao Ministério de
Educação e Cultura, nomeada em 1993, e outra ligada ao Conselho Federal da
Ordem dos
Advogados do Brasil, instituída em 1992. O fato gerador da criação dessas
Comissões foi a
proliferação descriteriosa de cursos desqualificados para a formação de
operadores jurídicos,
como também o fato de tentar equacionar os problemas sofridos pelas Faculdades
mais antigas
que não estavam qualificando satisfatoriamente os seus bacharéis. Assim sendo,
que condições
apresentariam os outros cursos jurídicos pelo país? Se até mesmo os
considerados centros de
excelência passavam por “crise”?
Foi para objetivamente
responder a essa pergunta e a tantas outras que se criam
com outros problemas já enraizados na educação brasileira, tais como: falência
do ensino em
todos os níveis, mercantilização do ensino, baixa remuneração aos docentes,
empobrecimento
generalizado, alto custo dos livros, estrutura física insuficiente, baixa
qualificação docente,
desinteresse dos estudantes etc.; é que se criou as Comissões de Ensino
Jurídico que atuam em
conjunto numa troca de informações.
A Portaria 1886/94, de 30
de dezembro de 1994, fixa em 17 dispositivos as
diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo dos Cursos Jurídicos brasileiros.
A referida Portaria surgiu não por acaso, mas de diversas discussões sobre o
tema
realizadas durante a década de 80 e meados da década de 90. Mas,
principalmente, em
atendimento a deliberação do Seminário Nacional dos Cursos Jurídicos que foi
motivado pela
Comissão de Especialistas do Ensino de Direito do Ministério da Educação e
Cultura (MEC), e
realizado em Brasília no final do ano de 1993.
Anterior a 1993, ocorreram
outros três Seminários Regionais, em Porto Alegre,
Recife e São Paulo, em que foram recolhidas sugestões e propostas a fim de
diagnosticar os
problemas que impediam a elevação da qualidade do Ensino de Direito.
Impõe-se a discussão em torno da crise de legitimidade pela qual atravessa o
ensino jurídico. Atualmente, tal crise, não é entre o direito da elite
brasileira e o direito das
favelas da maioria populacional. É mais crônica ainda, pois contribui para a
inviabilização de
Instituições Jurídicas fundamentais ao país, tais como o Poder Judiciário.
Com relação a eficácia, a
referida Portaria encontrou ressonância aos seus
destinatários, ou seja, as Faculdades de Direito do país adequaram-se a
determinação do novo
currículo mínimo, pois a maioria delas entenderam, assim como a Comissão de
Ensino Jurídico,
que o atual ensino de Direito estava em processo de descrédito assim como os
demais níveis de
ensino.
Esse é o fundamento
axiológico da Portaria 1886/94, isto é, corresponder ao
sentimento generalizado da sociedade de se elevar a qualidade do ensino
jurídico no país. Maria
Helena Diniz diz que: “A norma é meio necessário para atingir a finalidade de
justiça requerida
pela sociedade, Não é valor, mas meio de sua expressão”.
O lapso de tempo proposto,
dois anos, para que as Faculdades de Direito se
adequassem a nova Portaria, creio que foi suficiente para que a mudança
curricular não agredisse
o transcurso normal do ensino para os estudantes. Para estes o impacto da
Portaria fora grande,
no sentido de aderirem aos problemas que afligiam ao ensino e a eles próprios.
O que já foi de
uma grande contribuição, pois antes da Portaria, os estudantes continuavam
apáticos diante de um
ensino reprodutor de idéias.
Observamos, ainda hoje, um
grande número de manifestações de apoio por parte
da comunidade estudantil a fim de que os Institutos de Ensino Superior atinjam
os dispositivos da
nova Portaria. Ressalta-se: a Instituição que não se adequar ao novo
dispositivo curricular, até o
início de 1997 poderá ter seu curso de Direito extinto ou seu reconhecimento
não autorizado.
Assim sendo, os Centros
Acadêmicos passaram a participar mais dos problemas
das Faculdades, colaborando com promoções festivas ou culturais com a
finalidade de arrecadar
fundos para a instalação de Núcleos de Prática Jurídica, Bibliotecas
atualizadas e setoriais,
Seminários etc. Ou seja, os discentes do ensino jurídico passaram a integrar
realmente as
Faculdades de Direito. Ao menos o que acabamos de discorrer, é o que pudemos
constatar na
Universidade do Estado de Mato Grosso sediada em Cáceres.
De forma genérica, embora o
ensino jurídico ainda seja transmissor de um saber
jurídico consagrado, seja uma reprodução de idéias do século passado, os
professores de Direito e
os Operadores Jurídicos precisam aprofundar-se num saber-aprender crítico da
Ciência Jurídica,
articulado com a finalidade de compreender e propor resoluções aos problemas
sociais,
trasformando radicalmente o Ensino do Direito a fim de se alcançar a
consonância com os
anseios populares.
Edmundo Lima Arruda Júnior
ensina-nos que o ensino jurídico deve estar
associado à relação direito-sociedade, vejamos:
“A reprodução do saber
jurídico é parte da ossatura do
direito e do poder, não podendo ser desprezadas as reflexões
epistemológicas sobre direito e sociedade e a inadequação entre
ordem jurídica e ordem social que vivenciamos no dobrar do
século XX.”
O novo currículo mínimo
divide-se em Disciplinas Fundamentais,
Profissionalizantes e em Atividades Complementares. Embora corrija as
distorções da Resolução
3/72 do Conselho Federal de Educação (CFE) não foge muito à estrutura formal,
porém mantém
um caráter mais acentuado de interdisciplinariedade do que na anterior
normatização.
Consoante Aurélio Wander Bastos o currículo novo está disposto em,
“(...) disciplinas
fundamentais de natureza
interdisciplinar, disciplinas de formação plena com a definição
da vocação especializada do curso (que a Resolução nº 3/72
denominava Habilitação Específica) e a formação prática
coordenada com os estágios profissionais”.
Distorções estas relativas,
principalmente, a da interpretação dúbia a respeito da
exigência de Estágio a fim de que o graduando-estagiário conseguisse a Carteira
da OAB sem
prestar o Exame de Ordem. Atualmente esse posicionamento é pretérito.
Prevê ainda, a nova Portaria, como parte integrante do Currículo Mínimo a
Pesquisa e Extensão, participação em Seminários, Simpósios, Congressos,
Monitorias,
Conferências e Iniciação Científica, obrigando a adoção de 5% a 10% da carga
horária total dos
Cursos Jurídicos em participação desses eventos.
Ao estipular a pesquisa
como fator imprescindível na formação do Operador
Jurídico, a Portaria 1886/94 obriga uma maior dedicação do corpo docente à
pesquisa,
conseqüentemente, acaba carreando a uma maior participação dos professores.
A nova Portaria instituindo
a Monografia Final de Curso como requisito para a
diplomação, exige maior disponibilidade e capacitação do professor, pois não se
pode avaliar a
pesquisa discente sem conhecimento do que seja a pesquisa, da mesma forma
propicia ao
professorado o estudo de novas obras, haja vista, a enorme amplitude dada ao
discente na escolha
do tema para a pesquisa. Assim, muitas vezes o professor terá que adquirir novas
obras e assim
novos conhecimentos.
João Maurício Adeodato ensina-nos que;
“(...) não é possível
docência de qualidade, não é
possível um bom professor sem pesquisa. E não apenas o estudo
individual que alguns poucos abnegados exercitam no
isolamento de suas bibliotecas particulares, mas sim a pesquisa
institucionalizada, o trabalho conjunto, a pesquisa-ensino.
E preciso que aquela figura
tido por muitos estudantes como sendo a do professor
“bonzinho”, que chega na hora certa, faz chamada, e aplica aquele velho
programa tradicional de
aula expositiva e codificada, e depois cobra em provas teorias e mais teorias,
seja transfigurada
por aquele professor que, além disso, tenha comprometimento com as conquistas
populares,
aquele que sai a campo para verificar os conflitos sociais existentes, aquele
que acredita na
pluralidade jurídica vigente em nossa sociedade, aquele que acredita na
alternatividade como
instrumento de mudança da velha didática “coimbresca”, aplicando seminários e
debates em sala
de aula, numa verdadeira experenciação dialógica entre alunos e professores.
O professor João Maurício
Adeodato diz que: “Chegar na hora, dar o velho
programa de sempre, ser ‘democrata e independente’, ser querido pelo alunado,
isto não
significa muito diante das novas necessidades.”
A maioria das Faculdades de
Direito, ainda que diante de um novo currículo,
interdisciplinar, ligado às realidades sociais político-econômicas, não possuem
a adequada
qualificação profissional para uma aplicação interpretativa dessas
transformações societais para o
mundo do Direito. A maioria dos Operadores Jurídicos ainda são extremamente
conservadores,
tradicionalistas, fechados para o novo, e radicalmente exegéticos. Eles não se
dão conta que em
plena era tecnológica, ou como quer Alvin Toffler, “era tecnotrônica”, do
acesso rápido a
informação, não há mais espaço para a máquina de escrever e muito menos para o
computador
usado como uma máquina de escrever.
Bem verdade que devido a
esse turbilhão de informações o bacharel não pode ser
um navegante de todos os mares, não pode conhecer de toda a matéria referente
ao Direito. Como
se vê ainda hoje aquelas placas; “Advogado Cível, Criminal e Trabalhista”, como
se fosse
possível dominar essas três áreas de conhecimento.
Hodiernamente, os
Operadores Jurídicos devem especializar-se, tomar uma
posição perante a Justiça, definir qual o seu lado, ou o lado dos “oprimidos”
ou o lado dos
“opressores”, e a partir daí adquirir a maior gama de informações possíveis que
lhe interessem.
O Estágio de Prática Jurídica, conforme o novo dispositivo curricular, passa
realmente a ser voltado para o ensino prático. Pela Resolução nº 03/72, o
graduando-estagiário
após formado não precisava passar pela prova de Exame de Ordem. Essa
interpretação errônea
levou as “Faculdades de finais de semana” e muitas outras a expedirem Diplomas
atestando ao
acadêmico como feito o Estágio, quando na realidade nunca tinha se deparado com
uma petição
em suas mãos. Em grande parte essa interpretação contribuiu para um
aprofundamento da crise
do ensino jurídico.
A maioria dos estudantes
preocupam-se em obter um diploma e tornar-se “doutor”
ou prestar algum Concurso Público para ingressar nos quadros do Serviço Público
Estatal,
atendendo assim o mais completo sentido imperialista de formação de bacharéis.
Poucos se
preocupam com a inserção social da Faculdade de Direito. Aceitam passivamente
professores
desqualificados em sala de aula. Reclamam muito, mas muito pouco fazem para
modificar a
estrutura arcaica do ensino jurídico.
De fato, as Faculdades de
Direito que se esmeram numa comunhão de esforços
entre alunos e professores para mudar esse quadro de descrédito do ensino para
com a opinião
popular, tornam-se grandes colaboradoras da construção de uma nova educação
brasileira, quiçá
menos europeizada e mais brasileira, pois elas possuem seus próprios problemas
e criativamente
tentam resolvê-los.
O atual Estágio de Prática
Jurídica possui duas situações distintas: na primeira, o
estudante passa pelo Estágio Supervisionado, sendo este obrigatório e fornecido
pela Instituição
de Ensino Superior, pois faz parte da exigência do Currículo para que o
estudante se forme. Neste
o acadêmico desenvolverá todas as atividades relacionadas às profissões
jurídicas, seja
magistratura, assessoria, promotoria, procuradoria, advocacia etc. Tem,
portanto, como objetivo,
qualificar o estudante para todas as atividades que o profissional do Direito
poderá desempenhar.
Já o Estágio Profissional
de Advocacia é extracurricular e tem por objetivo qualificar o
graduando e o graduado ao exercício da Advocacia. É facultativo ao estudante,
poderá praticá-lo
desde que a Instituição de Ensino Superior seja conveniada com a Ordem dos
Advogados do
Brasil.
O Estágio Supervisionado é
extremamente prático e não se pode mencionar em
aulas prelecionais. O estudante tem que atuar nas diferentes áreas do saber
jurídico, através de
petições simuladas, denúncias simuladas, pareceres e sentenças simuladas,
enfim, todas as
atividades jurídicas; com orientação prévia dos professores supervisores da
Faculdade de Direito.
Orientação essa, que não
significa aulas expositivas a respeito das atividades a
serem formuladas, mas indicações de como fazê-las, indicações de qual seja o
procedimento mais
apto a se buscar à resolução da lide, assim como apontar os erros elaborados
pelos graduandos-
estagiários. Essa orientação não pode nem deve significar aulas de reforço
expositivas de
Processo Civil.
Através do Núcleo de
Prática Jurídica, por meio dos estagiários, devem ser
formuladas petições reais, cotas reais, etc., todas as atividades devidamente
supervisionadas por
professores e representantes dos órgãos em que a Instituição de Ensino Superior
seja conveniada,
caso do Ministério Público, do órgão Jurisdicional, OAB, Procuradorias e
Empresas.
Na elaboração de petições
simuladas o docente deve apresentar o fato ao qual o
graduando-estagiário deve enquadrá-lo no ordenamento jurídico ou solucioná-lo
sem que recorra
ao Judiciário. Por isso não se pode deixar que o estudante crie os fatos, pois
muitos poderão ser
solucionados fora do âmbito judiciário, através do poder negocial entre as
partes em litígio.
Trata-se de estimular o
graduando-estagiário à prática do poder negocial, atualmente de extrema
relevância para a prática profissional da advocacia.
O importante é que
independentemente do estudante fazer ou não fazer o Estágio
Profissional, se pretender exercer a advocacia terá obrigatoriamente que passar
pelo Exame de
Ordem. O estudante não mais obterá sua carteira profissional da OAB apenas com
a conclusão do
estágio profissional como outrora acontecia.
Dessa forma, o estudante de
Direito está propenso a três situações diferentes: o
Estágio Supervisionado, o Exame de Ordem e o Exame Final de Curso - Provão,
este foi
instituído pela lei nº 9131, de 24 de dezembro de 1993 e objetiva a avaliação
periódica do cursos
superiores das Instituições de Ensino Superior do país. O Exame é nacional,
uniforme e aplicado
por Comissões de especialistas específicas designadas pelo Ministério da
Educação e Cultura.
Pensamos que pode haver o
perigo de sobrecarregar o graduando em Direito com a
aplicação dessas provas, somadas, ainda, à apresentação de Monografia Final de
curso para quem
estiver concluindo-o. Porém Paulo Luiz Neto Lôbo entende de forma contrária,
vejamos:
“A sobrecarga é aparente.
Em primeiro lugar os
exames tem natureza e funções distintas; em segundo lugar, a
avaliação não é do aluno mas do curso; e em terceiro lugar,
embora seja obrigatório para todos os concluintes, o exame
nacional de curso não aprova ou desaprova, para fins de
graduação.”
A Portaria 1886/94 exige
uma quantidade de 10 000 (dez mil) volumes de livros a
fim de que a Faculdade de Direito possa ser reconhecida. Salienta-se que a
quantidade não deve
ser tomada como referência absoluta. É óbvio que uma Biblioteca com uma
imensidão de livros
tem maiores condições de propiciar uma melhor qualidade de estudos por parte
dos docentes e
discentes, mas de nada adianta uma imensa biblioteca com livros novos que nada
possuem de
conteúdo. A exigência de atualização no acervo bibliográfico é indispensável,
como também
deveria ser, a de um acervo de livros e periódicos críticos que propiciem ao
estudante uma análise
mais crítica do fenômeno jurídico em contraposição aos manuais tradicionalistas
que reproduzem
o saber jurídico do século passado.
Não podemos imaginar uma
solução para o ensino jurídico sem antes contribuir
para com uma revolução no pensamento jurídico, sem antes revolucionarmos o
pensamento dos
juristas brasileiros. Não podemos mais permitir e enaltecer as aulas proferidas
de forma
absolutamente expositivas, onde os profissionais tornam-se grandes atores
adorados pelo seu
público que mal podem opinar e entender palavras muitas vezes “coimbrescas” .
Cremos que a
didática a ser aplicada deve ser a “experiência dialógica” , onde as aulas
expositivas, vedetes
ainda em muitas salas de aula das Faculdades do país sejam não mais que uma
exceção.
Não mais se permitiria que
o Código Comentado impusesse suas interpretações
castradoras ao entendimento do aluno, que para ele “nada sabe”, pois o Código,
na visão do
professor jurista-tecnicista, tem resposta para todos os conflitos existentes.
Vale ressaltar que
para modificar a estrutura do ensino jurídico, é preciso que o Estado tenha
maior presença no
repasse de recursos para as Instituições de Ensino Superior, principalmente, no
que tange a bolsas
de pesquisas, pois se mesmo sem verbas as Universidades Públicas continuam a
apresentar um
‘maior conceito de qualidade’ do que as Particulares, imagine com recursos
suficientes para que
os apliquem na pesquisa e na extensão!
Roberto Armando Ramos de
Aguiar com absoluta profundidade entende que:
“Mudanças legislativas não
modificam o mundo. O
movimento é na mão inversa: quando o mundo se transforma e
apresenta novas demandas, exigências ou conflitos, daí emergirá
a norma jurídica para tentar controlar esses fenômenos. Assim,
não podemos esperar mudanças de fundo repentinas. Elas
começaram pelas formalidades e as próprias formalidades irão
demandar por conteúdos.”
A Portaria 1886/94 é a
esperança de que o Ensino Jurídico possa vir a trilhar novos
rumos, mas antes de tudo faz-se premente e urgente o redimensionamento do
objeto da Ciência
Jurídica e a necessária mudança de postura tecnicista radicalizada dos juristas
brasileiros.
5. Reforma do Ensino
Jurídico e o Papel da Ordem dos Advogados do Brasil
Não é de hoje que a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) vem se preocupando
com a qualidade do Ensino de Direito nas Faculdades brasileiras. Porém, a
grande crítica a ser
feita é a de que tais preocupações pouco se desvincularam do plano teórico e
passaram para a
praticidade. Faz-se necessário a ressalva ao trabalho desenvolvido, nos últimos
anos, pela
Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, como
demonstraremos logo em breve.
O professor Adriano Pinto
observa que, em 1958 quando da I Conferência
Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil a OAB “já enfrentava o problema da
multiplicação
das Faculdades de Direito, como um fator de prejuízo à qualidade do ensino
jurídico.”
Nessa mesma ocasião, os Advogados e Professores já tinham formado uma
concepção solidificada a respeito da reestruturação dos Cursos Jurídicos,
propondo a sua
adequação a realidade do país.
De ordem concreta, só se
observa manifestações da Ordem dos Advogados na
década de 90, quando se criou a “Comissão de Ensino Jurídico” sob presidência
do Conselheiro
Paulo Luiz Neto Lôbo, com a finalidade de identificar os principais problemas
do Ensino Jurídico
e as suas possíveis soluções para os impasses encontrados.
Porém, não é a primeira vez
que a OAB cria uma Comissão de Ensino Jurídico.
Por Portaria Ministerial nº
942, de 22 de dezembro de 1976, as autoridades educacionais do país,
instigadas pela OAB, definiram pela formação de uma Comissão Pluriregional para
o Ensino
Jurídico tendo por finalidade; verificar a organização e funcionamento das
Faculdades de Direito
e sugerir medidas sanadoras aos problemas encontrados, o que ocasionaria o
surgimento de várias
teses a fim de equacioná-los.
Todavia, devido a não
aplicabilidade dessas teses, foi se formando um sentimento
generalizado de que a OAB pouco fazia para modificar a estrutura arcaica do
Ensino Jurídico.
Este, por sua vez,
continuava a formar bacharéis com um parco conhecimento jurídico e
científico para exercer qualquer atividade profissional relacionada à Ciência
Jurídica. Essas teses
após serem apresentadas nas Conferências da OAB, foram e são muito pouco
divulgadas e
servem apenas para alguns poucos abnegados profissionais preocupados com o
Ensino Jurídico,
ou servem simplesmente para enfeitar as prateleiras de livros dos
profissionais.
Consoante o prof. Horácio Wanderlei Rodrigues, “pode-se afirmar, sem medo de
errar, que esses trabalhos nenhum impacto, ou quase nenhum, têm tido sobre a
ciência e o
ensino jurídico.”
Tem o mesmo entendimento o
saudoso jurista e advogado Antonio Evaristo de
Moraes Filho ao afirmar que:
“(...) os resultados
práticos de nossas Conferências
bianuais são decepcionantes, pois, raramente, damos execução às
conclusões votadas e aprovadas. Tudo, em regra, se resume na
elaboração das Cartas, sintetizando o pensamento do plenário, e
na edição dos volumosos Anais, verdadeiro cemitério de boas
intenções.”
Para sorte dos professores
e acadêmicos algumas teses saíram do papel para o
mundo prático. Prova disso, é a edição da Portaria 1886/94 que reflete
discussões de Seminários
sobre o Ensino Jurídico.
Hodiernamente, a Ordem dos
Advogados, além de suas atribuições corporativas
para a defesa de sua classe e disciplinamento profissional, ainda tem as
atribuições, consoante o
disposto no artigo 54, XV, da Lei Nº 8906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da
OAB), inerentes ao
Conselho Federal da Ordem, quais sejam: “(...) colaborar com o aperfeiçoamento
dos cursos
jurídicos, e opinar, previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos
competentes para
criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos.” Observa-se, pois, a
legitimidade
expressamente atribuída ao Conselho Federal da OAB na participação da
reestruturação dos
cursos jurídicos.
Além da colaboração
renovadora da Comissão de Ensino Jurídico, para a
formulação da Portaria 1886/94, ainda encontram-se resultados importantes,
recentes e concretos
dessa atuação, como por exemplo a edição de três obras que permitem às
Faculdades de Direito
em estudo pormenorizado dos problemas que as envolvem ou um avanço dessas
Instituições a
fim de garantirem uma elevação da qualidade do ensino jurídico em seus
respectivos Estados.
Mais recentemente, em 1997,
editou-se ainda um quarto livro. Tais obras são as seguintes: Ensino
Jurídico e OAB - Diagnósticos, Perspectivas e Propostas ; Ensino Jurídico e OAB
- Parâmetros
para a elevação da qualidade e Avaliação ; Ensino Jurídico e OAB - Novas
Diretrizes
Curriculares e Ensino Jurídico e OAB - 170 anos de cursos jurídicos no Brasil .
Essas obras servem atualmente como referencial a muitas Instituições de Ensino
Superior, a fim de sanar as dúvidas de interpretação que possam surgir em razão
da aplicabilidade
da Portaria 1886/94, assim como, para que os docentes e discentes estejam aptos
à críticas
contundentes para que efetivamente se melhore a qualidade do ensino jurídico.
Como “melhora ao ensino
jurídico”, entende Marcelo Lavenère Machado que
significa,
“(...) fornecer ao futuro
advogado o instrumental
técnico e crítico para compreender a realidade dentro da qual
exercerá sua profissão, agindo sobre ela. Isso implica uma visão
permanentemente aberta, que ultrapasse o mecanismo
positivista, reprodutor daquela realidade.”
É pacífico que a Ordem dos
Advogados tenha que desempenhar um papel de luta
pela elevação da qualidade do profissional da advocacia, mas também. e acima de
tudo, tem que
zelar para que os cursos jurídicos estejam mais próximos das soluções de que a
sociedade tanto
necessita.
Ao mesmo tempo, os outros
órgãos sejam ligados ao Executivo ou ao Judiciário,
aos quais os bacharéis estão aptos a pertencerem, seja no exercício da
Magistratura, Ministério
Público, Procuradoria ou Defensoria Pública, não podem se eximir de apontar
indicativos para a
elevação da qualidade do ensino. Afinal, não são todos os formandos que
desempenharão a
advocacia. Não bastam algumas provas objetivas e subjetivas para que sejam
selecionados
exemplares Juízes, Promotores, Advogados, Procuradores, Defensores Públicos,
pois essa forma
de seleção ainda continua adstrita ao legalismo positivista exacerbado, muito
pouco ligada a
sociedade.
Se tais provas em Concurso
Público de muito valesse, não teríamos tantos
Operadores Jurídicos despreparados para exercerem as atividades que lhe são
inerentes mas, no
entanto, estes mesmos Operadores passaram nesses “fantasiosos” Concursos
Públicos.
Será que o conhecimento
jurídico pode ser medido desta forma? Que tipo de saber
jurídico é cobrado nesses Concursos? O que é necessário compreender para que os
Operadores
Jurídicos possam ser “JUSTOS”?
Dessa forma, impõem-se á
Ordem dos Advogados um papel preponderante não só
na reforma do Ensino Jurídico, mas também numa revolução no atuar de seus
profissionais, num
maior engajamento dos Operadores Jurídicos nas questões sociais, numa nova
concepção dos
Advogados em peticionar a fim de que possibilite a criação de um novo Direito.
Um Direito mais
humanístico, direcionado para os conflitos sociais dos lúmpem. Faz-se premente
que se garanta
essa prática por meio dos valores e princípios postos em nossa Carta Magna
Cidadã.
Assim também compreende o
prof. Edmundo Lima de Arruda Júnior quando diz:
“A luta por Ensino Jurídico
é uma luta por um novo Direito, numa nova ordem social, mais
democrática e popular.”
Roberto Armando Ramos de Aguiar ensina-nos que o ensino jurídico só poderá
avançar se for na busca incessante a fim de preparar o Operador Jurídico para
atuar com
sensibilidade voltado para as tensões sociais da atualidade.
Também não é na aplicação
de um Exame de Ordem rígido em técnicas que se
mudará a concepção legalista-positivista da maioria das Faculdades de Direito.
O exagero das
técnicas no Exame de Ordem enquanto os cursos jurídicos tornam-se menos
eficientes é uma
tomada de posição paliativa que não soluciona o problema de formação de
profissionais
despreparados para operar o novo Direito, além do que incentiva a proliferação
de cursos
preparatórios para aprovação em Concursos Públicos e até mesmo no Exame de
Ordem;
atestando, portanto, a conformação com o ensino jurídico atual.
A Ordem dos Advogados tem
de se preocupar em utilizar o Exame de Ordem para
induzir as Faculdades do país a transformarem o Ensino Jurídico.
De nada adianta a
modificação de estruturas curriculares, se a aplicação de provas
de exames da OAB e de Concursos Públicos continuarem fixadas no dogmatismo
jurídico, no
tecnicismo-jurídico exacerbado, no excessivo positivismo legalista, pois esses
métodos e teorias
não mais garantem a integração da norma jurídica à realidade social, à solução
dos litígios
sociais, se é que alguma vez houve essa integração!
Não é somente a reforma do
ensino jurídico que se faz urgentemente necessária
para que se minimize os problemas sociais, mas também a radical mudança de
concepção dos
Operadores Jurídicos em afirmar que o Direito seja uma mera técnica.
Muitos profissionais recusam-se a discutir os novos direitos, direitos
insurgentes,
ou até mesmo novas concepções em torno do Direito como o “Direito Alternativo”,
“Uso
Alternativo do Direito”, seja por ignorância ou simplesmente por não
concordarem, fechando-se,
portanto, aos novos conhecimentos.
O meio para que se efetive
essa abertura de concepção é a aproximação desses
profissionais com as Faculdades de Direito e vice-versa, num intercâmbio
constante de troca de
informações.
Cabe à Ordem dos Advogados
discutir em suas Seccionais e Subseccionais,
juntamente com as Faculdades, as questões polêmicas que dizem respeito ao mundo
político,
sócio-econômico e jurídico, ao mundo plural em que convivemos, promovendo um
amplo ciclo
de debates entre os profissionais do Direito, a comunidade científica,
estudantes e a sociedade
organizada. Somente por meio do debate dialógico, da dialeticidade, é que
vislumbramos um
novo atuar e agir do Operador Jurídico; um novo ensino jurídico em que a
técnica torna-se apenas
um instrumento da Ciência Jurídica.
Os Operadores do Direito
Conservadores não possuem respostas novas para os
novos conflitos que surgem, e por isso apegam-se às velhas perguntas porque
conhecem bem as
respostas delas. Mantém-se, pois, “uma rotina sem a ameaça da confrontação dos
saberes, sem
sustos, sem a ameaça da dúvida.” Mantém-se o estático ao invés do dinâmico, a
unicidade
(monismo) ao invés da pluralidade, o arrogante ao invés do humilde, o egoísmo
ao invés do
altruísmo.
João Batista Herkenhoff
ensina-nos que:
“(...) a técnica é meio
para atingir um fim, é altamente
apreciável como salvaguarda de valores jurídicos. Mas a técnica
não é um fim, é apenas um caminho para alcançar a substância
do Direito.”
Complementa ainda
professor:
“Temos que formar nossos
alunos para que no futuro
eles sejam profissionais comprometidos com a construção de
uma sociedade em que o Direito seja instrumento de convivência
e Justiça e não aparelho legitimador de um mundo onde poucos
tem carta da alforria para usufruir de todos os privilégios e a
maioria não tem mesmo o que comer.”
Não basta apenas que se
negue teimosamente o ensino jurídico posto. É preciso
que avancemos no sentido de responsabilidades e compromissos, na identificação
dos papéis
sociais a serem desempenhados por cada um dos profissionais ligados ao Direito,
buscando assim
uma maior inserção social e integração dos Operadores Jurídicos para com a
comunidade. Ou
seja, uma identidade jurídica e social.
CONCLUSÃO
Criados em 11 de agosto de
1827, os Cursos Jurídicos brasileiros tinham a
finalidade de capacitar bacharéis à formação de um corpo de funcionários
públicos na
administração imperial, assim como políticos, magistrados e advogados.
Durante todo período
imperial, o ensino jurídico caracterizou-se por ser um curso
extremamente aderido às aulas expositivas, a exemplo de Coimbra. Fundamentado
no
jusnaturalismo até a implantação do pensamento positivista. Controlado pelo
governo central.
Formador de uma elite
econômica. Caracterizado por diversas reformas intentadas que nunca
alcançaram seus objetivos.
No período da República
Velha o ensino passou por reestruturações curriculares
que não atingiram o objetivo de elevação da qualidade do curso de Direito, pois
os currículos
continuaram pouco flexíveis.
Devido a proliferação das
Faculdades de Direito, em decorrência da instalação de
Faculdades Livres por todo o país, houve uma elevação do acesso ao Ensino
Superior ao mesmo
tempo que a classe média estava ávida por ascensão social buscando-a através da
diplomação
universitária. Nesse período, amplia-se as discussões em torno da metodologia
de ensino, mas as
aulas conferências ainda são a regra geral. Acentua-se a distância do Ensino
Jurídico para com a
realidade social na medida em que a influência do positivismo-legalista
torna-se preponderante
na Ciência Jurídica.
Da Era Vargas a Resolução
03/72 do extinto Conselho Federal de Educação,
pouca coisa modificou-se. O ensino continuou desvinculado da realidade social,
excessivamente
fixado no dogmatismo, as aulas expositivas ainda eram as vedetes das Faculdades
de Direito, as
reformas que se elaboravam ainda se apegavam a reestruturações curriculares
rígidas e pouco
voltadas para os interesses regionais de cada Estado. A proliferação dos cursos
jurídicos
aumentava ainda mais, devido uma política governamental pouco centrada na
qualidade, mas sim
na quantidade de Escolas de Direito espalhadas a esmo por todo o país sem
nenhum critério
objetivo.
No dia 11 de agosto de
1997, os cursos jurídicos comemoram 170 anos de sua
criação, porém não há muito o que se comemorar. Através de uma análise
histórica percebe-se
que o ensino jurídico sempre esteve em consonância com o ideal da elite
dominante, formando
Operadores do Direito extremamente exegéticos e acríticos, excessivamente
legalistas, voltados
para a manutenção do status quo.
O dia de comemoração serve
mais para ampliar a discussão sobre a reforma tão
necessária do ensino, na expectativa de elevar a sua qualidade, do que para se
festejar alguma
coisa.
Se, na prática a Ordem dos
Advogados do Brasil pouco havia colaborado,
direcionando-se mais para o aspecto teórico de suas Conferências Nacionais,
atualmente o quadro
é diferente, pois a Ordem vem atuando de forma concreta através de sua Comissão
de Ensino
Jurídico, seja por meio de seus estudos editados nas quatro obras que analisam
o tema, seja por
meio das vistorias de credenciamento ou reconhecimento dos novos cursos, ou
ainda, pelas
visitas “in locu” para verificar as instalações das Instituições de Ensino
Superior.
A Comissão de Ensino
Jurídico está tendo um papel decisivo nesta fase do Ensino
Jurídico. Através da Portaria 1886/94 propiciou ao Currículo Mínimo das
Faculdades de Direito
do país, um acentuado grau de interdisciplinariedade e praticidade, e ainda por
meio de suas
obras indicam caminhos a serem trilhados pelas novas Faculdades de Direito.
Caminhos estes que
deverão definir determinada vocação do ensino jurídico, partindo da ocorrência
das demandas
sociais e do mercado de trabalho ao qual o curso de Direito está inserido.
Porém, não basta que
tenhamos currículos modernos aptos a acompanhar a
dinâmica social em que vivemos. É preciso que os Operadores Jurídicos rasguem
os velhos
manuais que não trazem mais respostas prontas para os conflitos que surgem na
sociedade. É
preciso que se esqueçam do ensino legalista-exegético que lhes foi imposto para
que possam se
adaptar aos novos tempos. É preciso que estudem os novos direitos insurgentes e
os novos
conflitos, a fim de se encontrar novas respostas através do estabelecimento do
diálogo da Ciência
Jurídica com as Ciências Sociais, por meio do Estudo da Psicologia,
Antropologia, Filosofia do
Direito, Sociologia do Direito, Política do Direito etc.
Pensamos que o Currículo
Mínimo poderia ter ido mais além, inovando com a
incorporação de disciplinas como Inglês, ou qualquer outra língua estrangeira,
pois o mundo atual
‘globalizado’ requer que no mínimo se compreenda outro idioma. Ademais, o poder
de
negociações entre as partes é crucial atualmente, assim poderia ter-se
implantado uma disciplina
em que se ensinasse os estudantes a promoverem e conduzirem negociações entre
as partes de
forma a propiciar soluções mais céleres do que no Poder Judiciário, gerando
assim uma vontade,
um querer de se solucionar, de se compreender e de se respeitar entre as
partes. Não haveria, pois
Autor e Réu, mas pessoas compreendendo uma a outra.
Os discentes e a sociedade
são os principais interessados na elevação da qualidade
dos Cursos Jurídicos, assim sendo, são os transformadores ativos desse processo
de mudança de
uma concepção arcaica para uma concepção mais crítica do Direito vigente. Os
estudantes não
podem se fechar para os conflitos sociais, muitas vizinhos das Faculdades, mas
também não
podem ater-se a uma politização excessivamente partidária que em nada colabora
para a
conscientização universitária. Não se trata aqui de entender a Universidade
como sendo um
campo neutro e apolítico, pois é notório a não existência de democracia sem
partidos políticos.
Trata-se sim de
questionarmos o sectarismo que move a política acadêmica, a qualidade dessa
política, e sobretudo o fazer e aprender, o teorizar e atuar acadêmico.
Pensamos que o papel dos
estudantes seja o de refletir e pesquisar todos os
Movimentos Populares à tona, a fim de que possam encontrar respostas concretas
para os
problemas futuros que podem vir a surgir em decorrência das ações do presente,
assim como,
encontrar outras soluções a fim de se cobrar do Estado uma maior atenção para
com o ensino, a
pesquisa e a extensão. Soluções que não apenas o apoio às greves, às
manifestações que não
chegam a lugar algum (ao menos no nível educacional), às paralisações e
agitações sindicais ou
partidárias.
Essa iniciativa da Ordem
dos Advogados do Brasil de lançar essa pesquisa aos
discentes é um exemplo de solução ao baixo nível educacional do ensino
jurídico, e da produção
acadêmica. Não creio que a mola propulsora para a pesquisa acadêmica no ensino
jurídico seja o
incentivo monetário, mas sim o compromisso do estudante em colaborar para com a
Faculdade e
comunidade a qual está inserido.
A reforma atual do ensino,
através da Portaria 1886/94 não reconhece somente a
crise do ensino jurídico, mas a crise que assola as Instituições brasileiras e,
principalmente, a
crise do Poder Judiciário. A referida Portaria, adaptando o Currículo Mínimo á
interdisciplinariedade atestou tal fato. Com a implementação de disciplinas
como a Filosofia do
Direito, a Sociologia do Direito, a Política do Direito e outras, será possível
que o Operador
Jurídico tenha a base fundamental para atuar na sociedade em que convive,
respondendo aos
conflitos que a aflige de forma efetiva e propositiva.
Este Operador deverá ter, a
mesma concepção do prof. Miguel Reale em várias de
suas obras, qual seja: “que a lei não é um querer querido, mas um querer
valorado”. Dessa
forma, poderá responder ao povo qual o significado da norma criada, qual a sua
consonância com
a realidade existente e a sua eficácia no meio social, assim como responder às
fontes do Direito
qual norma deverá ser instituída para a realização do Direito e Justiça.
O Movimento de Direito
Alternativo surge dessa necessidade de respostas ao
novo, dessa crise das Instituições em que o tradicional não encontra respostas
satisfatórias.
Assim, num primeiro momento, o Movimento incorpora uma
“(...) atividade jurídica
comprometida com a utópica
vida digna para todos, com a abertura de espaços democráticos
visando a emancipação popular, tornando o direito em
instrumento de defesa/libertação contra qualquer tipo de
dominação, ou seja, o direito enquanto concretização da
liberdade.”
Diante do exposto, não
podemos temer a liberdade, pois assim procedendo
estaremos negando a utopia. Negando
“o
navegar os mares do sonho, dos grandes projetos e
propostas, dos ideários do novo. A nau da ousadia quase nunca
ultrapassa os recifes das certezas e vai a pique envergonhada
por ter desejado o oceano e não ter saído do cais.”
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O Autor é acadêmico do 9º
Semestre de Direito da UNEMAT - Universidade do Estado de Mato Grosso. Foi
Presidente do Centro Acadêmico “Silva Freire”. É bolsista do Núcleo de Assuntos
Indígenas e membro associado da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC. É autor de vários
artigos entre os quais: Movimento De
Direito Alternativo: Construção De Uma Utopia No Interior De Mato Grosso;
Direito Ambiental e sua Importância
na Sociedade Brasileira; Direito Indígena nas Constituições Brasileiras e a Lei
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1994. p.
782.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Editora José Olympio, 1971. p.
44.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. op. cit., p. 46.
VENÂNCIO FILHO, Alberto. Análise histórica do curso jurídico no Brasil. In:
Encontros da UNB.
Brasília: Editora UNB. p. 28.
Ibidem.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Fundo de Cultura, 1971.
p. 204.
VENÂNCIO FILHO, Alberto. op. cit., p. 30.
AZEVEDO, Fernando. Apud VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das Arcadas ao bacharelismo
(150 anos de
ensino jurídico no Brasil). 2ª edição. Coleção Estudos. São Paulo: Editora
Perspectiva, 1982. p.304.
San Tiago Dantas observava o fenômeno em seu discurso proferido em 1941 no
cinquentenário da
Faculdade Nacional de Direito. Dizia ele: “O Direito é perante tal doutrina
indiferente a todo pensamento
político. Ao invés de estar comprometido com uma ideologia, solidário com um
regime, sua posição é de
equilíbrio, indiferente às oscilações dos princípios sociais.”
DANTAS, San Tiago. Renovação do Direito. In: Encontros da UNB - Ensino Jurídico. Brasília:
Editora
UNB, 1978. p. 43.
Mas se o foi, a quem serviu então?!
DANTAS, San Tiago. A Educação Jurídica e a Crise brasileira. In: Encontros da UNB - Ensino
Jurídico.
Brasília: Editora UNB, 1978. pp. 52, 53.
Ibidem.
VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das Arcadas ao bacharelismo (150 anos de ensino
jurídico no Brasil). 2ª
edição. Coleção Estudos. São Paulo: Editora Perspectiva, 1982. p.319.
RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico e Direito Alternativo. 1ª ed. São
Paulo: Editora
Acadêmica, 1993. p. 56.
Ibid.
FARIA, José Eduardo. Apud RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino Jurídico e
Direito Alternativo. 1ª
ed. São Paulo: Editora Acadêmica, 1993. p. 56.
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Ibidem.
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Aquelas palavras que muitas vezes os docentes a citam, mas na realidade também
não conseguem
compreendê-la. Muitas vezes em latim, como sinal de ‘cultura jurídica’.
Experiência dialógica para nós seria a troca de vivência entre os alunos e os
professores, as aulas partiriam
dos problemas concretos para a teoria e não o contrário. Aqui a participação do
estudante seria indispensável,
pois ele seria o ator principal e não Caio, Tício, enfim figuras fictícias e
abstratas. Desta forma, o profissional-
professor incumbiria-se em não intimidar a capacidade especulativa e criativa
do aluno para com a Ciência
Jurídica, para com as perguntas. Assim a máxima deve ser o ‘máximo de respeito
entre ambos, docente e
aluno’.
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Editado em 1993 e 1996 pelo Conselho Federal da OAB.
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Ibidem.
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Retirado de: http://www.apriori.com.br