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Perspectivas da educação na era da indústria cultural

 

 

 

Francisco Rüdiger *

 

 

* Esquerda e direita parecem de acordo que a escola vai mal e precisa mudar, para fazer frente aos desafios do novo milênio. O problema seria seu descompasso com as novas tendências tecnológicas. A crise, porém, é mais profunda. Neste século, o sistema escolar perdeu sua centralidade na formação da consciência da juventude. A clientela cativa que ele possuía adquiriu mais do que um estilo de vida próprio, ao se converter em mercado das empresas multimídia. As pessoas que sonham em poder salvar a escola apenas ajustando-a aos novos tempos precisam levar em conta, entre outros fatores, que a prática da indústria cultural ajudou a criar um poder jovem e que esse tem um conteúdo explosivo em uma instituição cujo fundamento ainda é a disciplina.

 

 

 

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* Professor da Universidade Federal e da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

 

 

 

Nas últimas décadas, a escola voltou a ser alvo de uma série de críticas em várias partes do mundo. Passado o período em que foi acusada de servir os interesses da burguesia, surgiu o problema do baixo nível da educação oferecido à infância e juventude na era da cultura tecnológica. Educadores, políticos, escritores, pais, estudantes e tantos outros grupos clamam por reformas. Afirmam, entre outras coisas, que é crescente seu descompasso com o mercado de trabalho, os currículos estão ultrapassados, há pobreza de todo o tipo de recursos e os professores carecem do devido preparo profissional.

 

 

O curioso nisso tudo é que, embora o rosário de queixas não pare de crescer, a escola mesma raras vezes tem sido posta em questão pelos interessados. Excetuando-se umas poucas vozes, é como se, apesar de tudo, a escola fosse algo imune ao tempo e que, por isso, sempre pode ser ajustado às nova circunstâncias. Os participantes da discussão se comportam como se possuíssemos em nosso modo de ser a condição de homo academicus e, portanto, estivéssemos predestinados a ser escolarizados.

 

 

- São poucos os fatos sociais que geram tamanho equívoco.

 

 

A escola é uma criação histórica coletiva, baseada em certas condiõees peculiares, que não se reproduzem de maneira linear e automática. Como tal, precisa ser cuidada e recriada, passar por mudanças e adaptaõees, que, a partir de certo ponto, todavia podem começar a perder sentido, na medida em que outras criaõees surgem e vão se encarregando de constituir nosso universo de existência.

 

 

As formidáveis transformaõees por que, forçada pelo capital e via tecnologia, a cultura tem sido levada a passar em nosso século obrigam-nos a pensar se não é esse o caso em relação à escola. Diante de tantos fatos novos, precisamos correr o risco e começar a nos perguntar se, embora seja desejável, ainda é possível reformar a escola.

 

 

À reflexão crítica precisa se colocar a pergunta se a escola não está com os dias contados, não está se convertendo em uma figura residual, numa era em que, fora outros problemas, os conhecimentos elementares estão passando a depender de tecnologias distribuídas a domicílio, a formação da juventude se tornou objeto da indústria cultural e o currículo necessário à sobrevivência profissional da maior parte da população se encontra cada vez mais articulado à dinâmica dos locais de trabalho.

 

 

 

 

 

1. Alienígenas e visigodos

 

 

 

Luis Costa Lima escreveu há pouco mais de vinte anos que, em decorrência da massificação do ensino, a postura em sala de aula de certos estudantes tornara-se comparável a de visigodos [Link: Bárbaros de origem germânica que invadiram o Império Romano no século IV d. C. Estabeleceram-se na Península Ibérica e a governaram até serem vencidos pelo árabes, em 711.] sentados no senado romano, procurando salientar com a expressão o crescente descompasso entre as exigências escolares e os projetos de vida de sua clientela. Consumada a invasão dos bárbaros, é hora, parece-nos, de desenhar um novo cenário. A formação escolar está perdendo o sentido para uma geração que aprendeu a pensar com a televisão, foi levada a trocar os hábitos de estudo pelas práticas de consumo e começa a possuir os recursos para, se quiser, construir seu próprio saber, com a transformação dos computadores em meios eletrodomésticos de pesquisa e comunicação.

 

 

Green & Bigum recorrem à figura do alienígena para tentar entender o que está ocorrendo em nossas salas de aula, sem se deixar levar pelo ponto de vista tradicional: "Quem são os alienígenas na sala de aula ? São os/as estudantes ou os/as professore(a)s ? " (1995, p. 213). A crença de que a escola ainda tem um papel a exercer negociando com a nova cultura juvenil professada pelos autores contudo nos cheira a consolo. Precisamos considerar seriamente a hipótese de que o corpo estranho em nosso mundo não é o dos alunos que não lêem nem querem assistir aula ou fazer os deveres de casa mas essas mesmas rotinas; de que, para um número sempre crescente, as próprias salas de aula estão começando a se tornar entidades alienígenas.

 

 

A formação integral do ser humano é uma tarefa com a qual a escola exorbitou em autoridade, ao pretender possuir seu monopólio. Assistimos hoje ao colapso dessa experiência. Devido a diversos fatores, o sistema escolar pouco a pouco está perdendo sua centralidade no processo de formação da consciência da juventude contemporânea, senão da criação e difusão do saber, e se enganam os que pretendem reverter esse processo pregando a sua informatização. A proposta baseia-se em equívoco porque o sentido pedagógico da tecnologias multimídia em curso de desenvolvimento não pode ser visto de forma meramente instrumental. Acreditar nelas como suportes diretos ou indiretos do processo de ensino e aprendizagem, senão mesmo como máquinas que deverão substituir o professor, é fruto de miopia.

 

 

Em nosso país e muitos outros, a escola vem buscando uma saída para seus próprio desafios com informatização da educação. Acredita-se que o aparelhamento tecnológico das escolas poderá restaurar sua função social. Os computadores ligados em rede e antenas parabólicas não podem ser vistos porém como meros sucedâneos dos primitivos recursos audiovisuais com que se pensava haver descoberto a panacéia pedagógica.

 

 

As possibilidades de criação, difusão e aprendizagem do saber contidas no ciberespaço [Link: Expressão difundida pelo escritor de ficção científica William Gibson. Designa o espaço (virtual) criado pelas máquinas de simulação e redes de computadores. No último caso, enseja o aparecimento de uma forma superior de esfera pública e, no limite, de telecidades] transcendem as formas de aplicação e reflexão escolar e, por isso, está longe de ser claro até que ponto prosseguirá a escolarização das novas tecnologias de informação. A presença cada vez mais forte e marcante dessas tecnologias em nossas casas e a tendência à formação profissional integrar-se com as práticas de trabalho, segundo tudo indica, levarão, senão ao seu esvaziamento, à sua profunda reestruturação. No limite, porém, as escolas poderão vir mesmo a desaparecer, dado que a linha de fuga hoje é a encampação de suas funõees por essas tecnologias no seio de novas instituiõees (Green & Bigum, op. cit., p. 233-234).

 

 

Segundo Pierre Lévy, o ciberespaço em processo de surgimento nessa virada de milênio provocará um profundo questionamento dos sistemas educacionais tradicionais, de suas práticas, cultura e mentalidade, implicando-as em uma mudança de civilização. As tecnologias intelectuais que o sustentam projetam as faculdades humanas em um plano avançado, objetivando coletivamente a memória (bancos de dados), o raciocínio (inteligências artificiais) percepção (mecanismos de teleprensença) e a imaginação (máquinas de simulação e hiperdocumentos [Link: Também chamados de hipertextos, veiculam suas informaõees sob a forma de redes de textos (palavras, sons e imagens), acessíveis através de ligaõees eletrônicas conhecidas como links.]).

 

 

O resultado, acredita, é um movimento no sentido da virtualização do conhecimento e socialização das funõees clássicas da escola através do qual terminaremos transitando de uma educação fortemente burocratizada para uma outra, marcada "pela troca generalizada dos saberes [por parte da sociedade]" (1999, p. 172).

 

 

O enfoque é sugestivo mas não nos parece o melhor para entender a crise por que começa a passar a escola na era da cultura mercantil tecnológica. A revolução no saber aclamada pelos corifeus das novas tecnologias da inteligência tem um alcance limitado e via de regra não representa um avanço em relação ao que fora prometido pela escola tradicional.

 

 

Afinal de contas, a disponibilidade de informação não implica em assimilação de conhecimento: o saber não é informação, como diz Marc Guillaume. A apropriação do conhecimento é algo distinto de sua acumulação ordenada e emprego mecânico através de aparatos tecnológicos. O procedimento recorta e cola com o qual os estudantes estão se acostumando a fazer seus trabalhos escolares ajudados pelo computador é uma prova disso: permite que se elabore um texto sem que haja real apropriação do saber e, no limite, sem que sequer tenha havido leitura do que se escreveu (Guillaume, 1999, p. 79).

 

 

O problema existe mas se erra o alvo ligando-o à questão da técnica. Embora eloqüente, o exemplo é extemporâneo. Qualquer educador consciente de sua condição sabe que a prática citada se tornou regra muito tempo antes de aparecerem os computadores. Descobrir textos sobre um assunto, copiar alguns trechos para, em seguida, encadeá-los e, assim, elaborar um trabalho, sem ler e entender o que está escrito, constituem velhas operaõees, passíveis de serem feitas manualmente e que as máquinas mais modernas tão somente facilitam.

 

 

 

 

2. Iluminismo, disciplina e educação

 

 

 

O formidável em relação à formação da consciência e do saber característica de nossa época não pertence à ordem tecnológica mas, parece-nos, à separação entre aquele processo e a escola, sustentáculo da velha idéia de educação. A reestruturação das atividades escolares e seu aparelhamento tecnológico são nada comparado com a encampação das tarefas formativas pelas grandes empresas multimídia. A paulatina desintegração dos fundamentos históricos, sociais e ideológicos em que se assentava a escola não pode ser entendida pois apenas a partir da nova relação que se estabeleceu com o saber em virtude do desenvolvimento das tecnologias da inteligência. O fundamental no tocante ao sentido formativo é, antes, compreender a maneira como a clientela cativa que ela possuía converteu-se em mercado dos conglomerados transnacionais e suas agências de comunicação

 

 

A escola sempre teve um caráter de classe: foi uma criação da burguesia para a burguesia, que só mais tarde, a custo do desvio de muitas de suas funõees educativas, adquiriu o sentido de bem público. O processo sem dúvida representou um avanço mas precisa ser visto sem ilusáes. A formação integral da pessoa que ela prometia foi limitada pelos interesses políticos e econômicos, privando seus mecanismos disciplinares do conteúdo emancipatório que, talvez, pudesse ter permitido a superação da resistência que eles não pararam de criar entre as massas que nela foram enquadradas.

 

 

As camadas populares passaram a ter acesso às ciências, às artes e à literatura, sem as condiõees que favorecem sua apropriação e, por isso, o alcance dessas últimas, entre elas, jamais conseguiu sobrepujar o das experiências formativas ensejadas pela rua, a casa e o trabalho. A burguesia fraudou o princípio por ela própria criado e de acordo com o qual cada um deveria ser livre para e educar como desejasse, ao empregar a escola para submeter o espírito, tornar os corpos dóceis e fazer essas forças úteis às máquinas do estado e da economia.

 

 

No correr do século XX, os processos de trabalho, entretanto, passaram a ser reorganizados em bases científico-tecnológicas, e o cotidiano colonizado por uma indústria da cultura que se converteu em sistema. As estruturas sociais de cunho comunitário começaram a se desintegrar sob pressão das forças mercantis, estimulando por toda a parte as tendências ao individualismo. Destarte, os sistemas de poder disciplinares, que eram tão úteis à sociedade, começaram a perder uma parte de sua importância, entrando em crise junto com todas as instituiõees em que se haviam implantado.

 

 

Michel Foucault [Link: Filósofo e historiador francês falecido em 1984. Revolucionou a maneira de vermos a formação da cultura ocidental através da análise crítica de fenômenos marginais, como a loucura, o crime e a sexualidade.] salienta com razão que o aparecimento de "classes e mais classes de pessoas que não se submetem à disciplina, obriga-nos a pensar o desenvolvimento de uma sociedade sem disciplina" (Foucault, 1994, p. 533).

 

 

Deixando de lado os fatores econômicos e sociais que também interferem, o conteúdo explosivo da crise vivida pela escola hoje pode ser situado nesse contexto, na medida em que, entre esses grupos, conta-se mormente o principal formador de sua clientela: o público infanto-juvenil.

 

 

As Luzes [Link: Período da história ocidental (século XVIII) em que se surgiram os ideais de liberdade, passou-se a se acreditar no progresso e se sonhou com a perfeição da humanidade.] criaram a idéia de que, via educação, o homem poderia se desenvolver e realizar-se em sua individualidade. A burguesia separou a educação de seu sentido religioso e estamental e, assim, tornou-a um dos bens mais valorizados por nossa sociedade. Comandada por pessoas esclarecidas - passou-se a afirmar, a escola facilitaria a mobilidade social e levaria à erradicação da pobreza, criando uma nova ordem, mais justa e humana.

 

 

Coube a Foucault, entre outros, mostrar a maneira como essa face rósea da escola se sustentou na sujeição dos seres humanos a uma série de mecanismos de poder, que chamou de disciplinas. Os pensadores iluministas sonharam com uma sociedade de homens educados por e para si mesmos. A referência fundadora da escola real não se resumiu porém à aplicação de suas idéias. Para tanto, foram precisas as engrenagens cuidadosamente calculadas de uma máquina de ensino e aprendizagem, baseada no controle do espaço, do tempo e do corpo do indivíduo.

 

 

A confiança emprestada à escola camuflou uma má consciência porque a sujeição disciplinar "está inserida na prática do ensino: não como uma peça trazida ou adjacente, mas como um mecanismo que lhe é inerente, e multiplica sua eficiência" (Foucault, 1977, p. 158). As práticas pedagógicas são pois práticas em que a boa vontade para com a infância e juventude encontrou apoio na vigilância de suas condutas, idéias e relaõees. A educação do espírito só foi tornada possível pela aplicação de exames, a imposição de normas e o enquadramento da diversidade da experiência humana em um mesmo ordenamento burocrático.

 

 

 

 

 

 

3. Escola, poder jovem e indústria cultural

 

 

 

Durante 200 anos, aproximadamente, o princípio segundo o qual cada um deveria ser livre para se formar como desejasse e, pela educação, cada um poderia se realizar individualmente justificou ou tornou aceitável para as pessoas o fato de as crianças e os jovens serem submetidos à disciplina. Nesse espaço de tempo, a escola também funcionou porém como o mecanismo mais legítimo e importante de subjetivação da sociedade. Como se disse, ela tirou da igreja o monopólio da criação e difusão do saber, assumindo um virtual controle da formação da consciência das massas, desde a saída dos primeiros anos de vida até a entrada no mercado de trabalho.

 

 

Nas últimas décadas, a sociedade moderna todavia passou por mudanças marcantes em sua estrutura de funcionamento e dominação. O individualismo progressivamente se democratizou, tornando as pessoas cada vez mais distintas e independentes, predispostas a resistir aos mecanismos disciplinares de poder que, paradoxalmente, haviam contribuído para sua própria fabricação.

 

 

Os sintomas disso podem ser vistos na escola, onde "os indivíduos toleram cada vez menos seguir cursos uniformes ou rígidos que não correspondem a suas necessidades reais e à especificidade de seu trajeto de vida" (Lévy, 1999, p. 169). A procura do saber se pluralizou em escala tal que ultrapassa a capacidade do sistema escolar lhe prestar contas, ao tornar-se, aquela, simultaneamente heterogênea e massificada. Os percursos individuais e as competências sociais primam por uma crescente singularidade, tornando-se cada vez mais difíceis de serem enquadrados em rotinas comuns e programas obrigatórios.

 

 

O problema principal, como já adiantado, não nos parece esse porém, porque chegar a esse ponto foi um ganho; mas sim a mudança no sentido dos processos formativos que subjaz à crescente liberdade da adolescência em relação às velhas estruturas disciplinares ocorrida a partir de meados do século e que se articulou através da ação da indústria cultural. A juventude era vista até então como um estágio passageiro, do qual, ao final, a pessoa acabava se livrando, para entrar na fase adulta, porque, ao contrário da infância, não tinha uma verdadeira identidade. O período da adolescência continha um conteúdo explosivo mas era um estágio temporário rumo à normalidade.

 

 

No Pós-Guerra, verificou-se porém que a juventude tornou-se, como classe de consumo, um coletivo possuidor de uma identidade cada vez mais definida e importante. A expansão da indústria cultural convergiu com a crescente autonomia dos filhos em relação à família, ensejando o surgimento do chamado poder jovem, portador de um estilo de vida que, embora sujeito a variaõees, não somente chegou para ficar como passou a abranger um faixa etária bem mais ampla do que a da adolescência tradicional.

 

 

A sociedade burguesa fez crer a seus filhos que a soberania individual seria recompensa de muitos anos de estudo e formação. O capitalismo tornou-a um bem de consumo barato, associando-a, para eles, ao poder de possuir suas próprias roupas, reunir-se em locais só seus, conceber sua música, escolher seus ídolos, questionar as tradiõees culturais, viver sem disciplina, etc.

 

 

No princípio, a escola chegou a atuar como filtro dessa nova influência e, ao criar sua base de massas, as práticas da referida indústria tiveram enfrentar a competição dos partidos políticos e das chamadas causas superiores. Durante um período curto, a juventude tornou-se, noutros termos, palco da luta de vários ideais, sem falar da influência que ainda exerciam a família e a Igreja. Mas esse tempo parece ter passado.

 

 

Hoje em dia, a família foi colonizada pela mídia, a política não mais compete com a cultura de consumo e a pretendida capacidade mediadora da escola em relação às comunicaõees se deixa melhor entender como rendição. Os educadores são instados a entender como se faz um programa de televisão e a maneira como os jornais funcionam, ensinar seus alunos a consumir os bens culturais da indústria, como se isso fosse preciso e o aparato escolar ainda possuísse sua antiga autonomia intelectual. O pior de tudo, porém, é que falta base à idéia: os professores estão cada vez menos preparados para assumir essa condição; à formação de sua consciência e saber não é estranha a ação do que foi chamado de pseudocultura por Theodor Adorno.

 

 

The Wall (Pink Floyd, [Link: Grupo de rock progressivo inglês aparecido em meados dos anos 60. Ajudou a criar o conceito de ópera pop, chegando a ter algum prestígio fora do seu meio musical. Principal álbum: Dark side of the moon (1973).] 1979) é um marco desse processo, através do qual as responsabilidades formativas da juventude vêm se transferindo da escola para uma cultura de consumo cujo sujeito não é mais a pessoa maturada pelo saber mas o próprio jovem (pós-moderno). No principal refrão do álbum, cantado por um coro de adolescentes, ouvimos um pedido para os professores se esquecerem da juventude, pois, ele grita,

 

 

"Nós não precisamos de nenhuma educação,

 

De nenhum controle do pensamento,

 

Nenhum sarcasmo sombrio em sala de aula.

 

 

Hei, professores, deixem os jovens ficarem sozinhos,

 

Cada um de vocês não passa de mais um tijolo do paredão."

 

 

O espaço disponível não nos permite comentar o fato cultural representado por essa obra musical, mais tarde adaptada ao cinema. Limitamo-nos a sugerir o que sua gravação sinaliza: isto é, que à resistência que os jovens opunham à escola em função do seu caráter coercitivo soma-se agora a convicção bem fundada de fato, ainda que não normativamente, de que ela não tem nada de útil a lhes ensinar. Para a maior parte deles, a condução da vida que realmente importa é a que, como antes os filhos das camadas deserdadas, eles podem construir a partir da rua, da casa e do trabalho, exceto pelo fato de que atualmente a conexão entre formação e o mundo do trabalho se tornou mais problemática, e o cotidiano é cada vez mais presa do fetichismo da mercadoria.

 

 

 

 

 

4. Conclusão

 

 

As hipóteses levantadas acima são motivo para desespero ? Em termos e de acordo com o ponto de vista. A sociedade fabrica os seres humanos de que precisa para se reproduzir através de todas as suas práticas; sua formação é processo complexo que, mesmo na era moderna, sempre transcendeu a escola. Embora os economistas possam, na ponta do lápis, mostrar como os valores agregados ao produto interno bruto variam com o aumento de escolaridade da população não é fácil provar qual é a conexão concreta entre ela e o desenvolvimento econômico e tecnológico. A constatação empírica de que não raro bons alunos não se tornam os profissionais melhor sucedidos ou, ainda, de que habilidades escolares são subutilizadas no mundo do trabalho corrobora a hipótese de que não é analítica a relação entre economia e educação.

 

 

Em segundo lugar, também devemos levar em conta que a prática da indústria cultural possui contradiõees em número suficiente para veicular conteúdos formativos tradicionais, senão estimular as pessoas que tiverem condiõees a procurar formação na escola, e, além disso, que a sujeição às exigências dessa última, às vezes, é a única forma de responder às necessidades de uma ordem caracterizada pelo alto desenvolvimento tecnológico.

 

 

De resto, a escola que oferecer um ensino compatível com os melhores ideais de educação continuará existindo de um modo ou de outro, porque sempre haverá uma minoria pré-vocacionada ou que deseja seguir um caminho diferenciado. Embora a Idade Média há muito tenha ficado para trás, não nos faltam exemplos de ordens religiosas esbanjando vitalidade atualmente. A lição a tirar pois seria outra. Talvez, entender que, embora tenha se tornado um direito universal, a formação escolar é, como direito, algo do qual podemos nos exonerar e, portanto, algo que conviria ver como um dever do poder público mas, ao mesmo tempo, como um, apenas, dos tantos caminhos possíveis de serem seguidos pelos jovens de hoje; jamais como uma obrigação natural - e isso, para o bem da idéia de formação tanto quanto da idéia de liberdade.

 

 

Engana-se quem pensa que a escola perdeu seu potencial educativo: se está falida é pelo fato de os mecanismos disciplinares em que se sustentava terem se tornado obsoletos, o currículo mínimo ter se transferido para o campo de indústria cultural e a legitimação escolar da pessoa, em todos os planos, ser cada vez mais convencional aos olhos da sociedade.

 

 

Concordemos ou não, a verdade é que, embora tenha muito a oferecer se seu sentido for a formação em condiõees de liberdade, o sistema escolar tem poucas chances com uma clientela cujos sonhos são definidos pelos canais de publicidade, habituou-se ao shopping-center como forma de lazer, conhece os prazeres adultos cada vez mais cedo e tem fácil acesso às informaõees que lhe interessam. A cultura de consumo infanto-juvenil, por certo, libera energias potencialmente criadoras e delas é lícito esperar bastante inventividade. Parece pouco provável, porém, que essa venha a ser aplicada na escola, dado que mudanças nessa área têm limites estreitos, estipulados tradicionalmente.

 

 

Pondo de lado as mistificaõees ideológicas que ainda a prendem aos bancos escolares, precisamos reconhecer que é pequeno o sentido cultural que as ciências, as artes e letras, para não falar da missão cívica e função moralizadora da educação, podem ter para uma juventude que conquistou suas próprias formas de expressão, se acostumou a escutar música pop de manh_ à noite, reconhece na carreira de modelo um paradigma profissional, cultua a violência em seus divertimentos e cujos heróis, hoje, são Leonardo di Caprio, Xuxa, Luciano Huck, Roseli Say_o, Tiazinha e Michael Jackson.

 

 

Difícil é o futuro da formação escolar na era das excursáes em grupo a Disneyworld, do bate-papo on line, dos bailes funk, das revistas teen, dos books, dos videoclips, dos programas e livros de sexo para adolescentes e de telenovelas como Malhação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sugestões de Leitura

 

 

 

1. BALL, Stephen (Comp.): Foucault y la educación. Madri: Paidéia, 1994.

 

 

- Inspirando-se na obra do filósofo, os autores analisam as conexáes entre escola, saber e disciplina surgidas no Ocidente.

 

 

 

2. BLOOM, Allan, O Declínio da cultura ocidental. São Paulo: Editora Best-Seller, 1989.

 

 

- Polêmica bem informada de um defensor da educação clássica com o que chama de barbarismo cultural da juventude contemporânea.

 

 

 

3. FISCHER, Rosa, Adolescência em discurso. Porto Alegre: Faced-Ufrgs, 1996 [Tese de Doutorado].

 

 

- Estudo crítico das formas pedagógicas e significado educacional da cultura juvenil de consumo brasileira.

 

 

 

4. LÉVY, Pierre, Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.

 

 

- Panorama bem acessível, apresentado por um otimista, dos rumos impostos à cultura, educação e saber pelas novas tecnologias.

 

 

 

5. TADEU DA SILVA, Tomaz (Org.): Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.

 

 

- Contém ensaios sobre cultura, mídia e educação, destacando-se o que empresta título à coletânea, de Bill Green e Chris Bigum.

 

 

 

6. VICENTI, Luc, Educação e liberdade. São Paulo: Editora da Unesp, 1994.

 

 

- Discussão filosófica dos ideais iluministas sobre educação (formação) escrita por um especialista em Kant e Fichte.