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As Mais-Valias Da Realidade Virtual Na Educação

Maria de Lurdes Andrade Silva Morais Camacho
Universidade Aberta



 
 

Introdução

A Educação, que ao longo da história da Humanidade sempre desempenhou um papel fundamental assume hoje, no limiar do terceiro milénio, contornos distintos e bem definidos. Mais do que transmitir informação, como foi a sua quase única função durante séculos, educar significa preparar os jovens para o futuro, dotando-os dos instrumentos que lhes permitam traçar o seu próprio caminho, de forma autónoma e adulta. Mais importante do que transmitir informação é desenvolver capacidades, cognitivas, afectivas e sociais, visando uma integração completa e equilibrada na sociedade do futuro, cada vez mais tecnicista mas que deverá ser, também, democrática e humanista.

As Novas Tecnologias da Informação e Comunicação trouxeram para a área da Educação novas e poderosas ferramentas que facilitam e enriquecem os processos de ensino e de aprendizagem, ferramentas que, mais do que quaisquer outras, democratizam o acesso à informação, permitindo aos jovens obter milhões de dados, analisá-los, confrontá-los com o professor aprofundando, desta forma, a sua investigação.

Novas formas de comunicação surgem da evolução das telecomunicações, reduzindo as distâncias, eliminando o espaço físico como mediador da comunicação, impondo a velocidade, implementando a medida do tempo real, com profundas consequências na vida política, económica, social e cultural. Mais facilmente que os adultos, os jovens compreendem e adoptam as mudanças e a evolução e, os educadores, se não quiserem ficar definitivamente para trás, têm que aprender com os jovens, assumindo uma atitude de modéstia face ao desconhecido sendo, por vezes, necessário esquecer e destruir práticas e metodologias erradas para construir um novo saber. O mal não reside em não saber mas sim em não querer saber, ficando parado e prisioneiro de um tempo passado que a evolução afastou definitivamente para longe.

Entre as novas ferramentas que o Homem concebeu e a tecnologia concretizou destaca-se a Realidade Virtual, nova forma de comunicação, poderoso instrumento ao serviço da Educação. As suas potencialidades contribuirão para o ensino do futuro, proporcionando aos jovens ambientes ricos e interactivos, onde a aprendizagem decorrerá de uma actividade autónoma e criadora, pessoal mas simultaneamente participativa.

A sua fusão com as virtualidades da rede - para que a V.R.M.L. (Virtual Reality Modeling Language) poderá constituir importante passo - tornará mais poderosa a comunicação estabelecida, conferindo aos autores de mundos virtuais um poder de criação nunca antes alcançado.

A melhor maneira de preparar os jovens para o mercado de trabalho do futuro é dar-lhes as bases para o domínio das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação que estão a modificar o mundo. É isto que os nossos governantes devem ter em conta, dando-lhes as chaves das portas do futuro através de uma política nacional de telecomunicações virada para a Educação e para a Investigação, que abra os novos mares do ciberespaço para novos encontros, para novas descobertas; não esquecendo que ... todo o mundo é composto de mudança, ganhando sempre novas qualidades.

1. As Potencialidades Educativas da Realidade Virtual

Pelas suas características específicas a Realidade Virtual encerra em si imensas potencialidades que, nas áreas da Educação e da Investigação, a podem transformar num poderoso instrumento ao serviço de todos aqueles que procuram a mudança e a evolução nestes sectores.

Ao nível do Ensino Superior, onde certamente esta tecnologia se instalará em primeiro lugar (como já sucede em muitas Universidades um pouco por todo o mundo), a R.V. será não só uma ferramenta de trabalho e investigação, auxiliando alunos e professores nos seus projectos de pesquisa mas ocupará, também, um papel de relevo como objecto da própria investigação, tornando-se alvo da pesquisa científica. Nos outros níveis de ensino ela será utilizada, essencialmente, como iniciação, preparando os alunos para a sua utilização, em maior grau e com mais profundidade, no ensino superior.

No seu conjunto esta nova tecnologia reúne especificidades e atributos que a tornam a ferramenta ideal para múltiplas situações e contextos de pesquisa e aprendizagem. Em primeiro lugar as três características básicas da R.V., os elementos que constituem os seus pilares e sem a simultaneidade dos quais poderemos estar face a exemplos de Realidade Aumentada ou Realidade Projectada mas não de Realidade Virtual: a imersão, a interactividade e a manipulação.

Imersos no mundo virtual os intervenientes (já não simples utilizadores que observam o mundo virtual do lado de "cá", através de uma janela/interface que se interpõe entre eles e o mundo de "lá") participam numa aventura, numa viagem exploratória que, à partida, suscita a curiosidade, o interesse, o desafio e, consequentemente, a motivação, fundamental em qualquer contexto educativo. Envolvido pelo ambiente virtual e fazendo verdadeiramente parte dele, o interveniente poderá desenvolver um comportamento natural e intuitivo, agir de forma semelhante à do mundo real já que, paralelamente à inexistência ou minimização do interface (cada vez mais ergonómico, simples e leve, permitindo uma utilização natural e pouco obstrutiva), ele poderá interagir com o mundo envolvente obtendo dele, se possível em tempo real, a resposta adequada às suas acções: a mudança de perspectiva visual quando se movimenta, a alteração do som quando uma fonte sonora é deslocada, as reacções naturais dos objectos perante os comportamentos desenvolvidos. De uma forma mais ou menos complexa (com tendência para a simplificação), a manipulação dentro do mundo virtual assume um carácter muito particular já que atribui à experiência um aspecto mais real, conferindo-lhe um maior grau de veracidade. Um mundo virtual tem de ser suficientemente real para fazer crer e, a imersão total, a interactividade em tempo real e a manipulação, transformam-no no local ideal para múltiplas vivências.

A riqueza de um ambiente virtual provém, em grande parte, da variedade e complexidade dos elementos que o compõem, as quais permitem experiências mais dinâmicas e criativas. A construção de um mundo virtual - como posteriormente a sua utilização - deverá ser o resultado de um profundo trabalho multidisciplinar, desenvolvido por especialistas de diferentes áreas, concorrendo para um objectivo comum. Provenientes de diversos campos (informática, design, psicologia, pedagogia, disciplinas curriculares específicas como Matemática, História, Física, Geografia, etc.), os construtores desse mundo contribuem, com os seus conhecimentos particulares de conteúdos científicos específicos, com a sua experiência, ideias e opiniões, para a criação de um mundo que poderá ser utilizado em diferentes contextos, para diversas disciplinas ou em situações extra-curriculares. Uma aplicação interdisciplinar traduz-se numa experiência enriquecedora para os professores que colaborem e a utilizem, pelo espírito de cooperação e de equipa que se desenvolve, assim como pelo acréscimo de conhecimentos efectuado devido ao contacto com colegas e especialistas de diferentes áreas. Mas para os alunos estes mundos pluridisciplinares são, também, muito importantes já que, sendo ambientes mais ricos e completos, permitem um ensino e uma aprendizagem mais vastos, profundos e integrados. Ao mesmo tempo, a criação de mundos que permitem responder a diferentes motivações e atingir diversos objectivos, torna-se menos dispendiosa, já que o investimento a realizar pode provir de diferentes sectores interessados na aplicação diminuindo a parte correspondente a cada uma das entidades envolvidas e porque acaba por ser compensado pela mais-valia obtida.

Movimentando-se no ambiente virtual, o participante adquire uma experiência em primeira mão: a informação não lhe é transmitida por outrem, de modo teórico e essencialmente verbal, sem grandes possibilidades de experimentação (como sucede com grande frequência no ensino actual) mas é por ele recolhida, de forma directa e pessoal. Assim, através de um percurso exploratório, ele descobre o conhecimento, constrói o seu próprio saber, particular e subjectivo, mas muito pessoal e mais duradouro porque alicerçado numa experiência pessoal.

Sendo o mundo virtual construido, na sua totalidade, pelo computador (objectos, luzes, sons, regras, dinâmicas) qualquer ambiente poderá ser criado e estas flexibilidade e adaptabilidade constituem outros dos grandes trunfos desta nova tecnologia. Um mundo virtual poderá ser adaptado às especificidades dos seus intervenientes, às suas características particulares de aprendizagem (maior ênfase na informação visual, auditiva ou sonora, nas cores ou no preto e branco, por exemplo), podendo funcionar como uma espécie de transdutor sensorial que traduz, para imagens, sons e sensações tácteis, ideias complexas e conceitos abstractos cuja visualização, audição e/ou manipulação se transformam em facilitadores da aprendizagem. Desta forma, o ambiente virtual pode assumir o papel de antecâmara da conceptualização (para participantes para quem um método indutivo é mais eficaz) preparando, pelo contacto prévio com a realidade que se pretende apreender, a posterior elaboração conceptual.

Adequando-se aos tipos e ritmos de aprendizagem, a R.V. permite, também, a criação de ambientes onde a aprendizagem se realiza por etapas, sendo as barreiras entre cada uma delas facilmente colocadas e removidas. Através de um percurso faseado, ao longo do qual os apoios, temporariamente necessários, vão sendo progressivamente eliminados, os aprendentes vão-se familiarizando com conteúdos, equipamentos, rotinas, até que as capacidades exigidas estejam totalmente adquiridas e/ou a informação necessária tenha sido completa e adequadamente assimilada. A Realidade Virtual torna-se, assim, ideal para situações de reabilitação em que as capacidades diminuidas vão sendo progressivamente recuperadas ao longo de um percurso que evolui de exercícios mais simples para actividades mais complexas, para contextos diversos no âmbito da formação profissional, sobretudo em tarefas complexas e de aprendizagem morosa e na manipulação de equipamentos perigosos e para a investigação e treino em áreas científicas como, por exemplo, a Química, a Genética ou a Medicina - um cirurgião pode treinar, vezes sem conta, num paciente virtual, os procedimentos necessários numa intervenção cirúrgica, complexificando-se as situações de aprendizagem propostas.

O mundo virtual é um mundo seguro onde tudo está controlado e nada de grave pode acontecer (a não ser que a correspondência das acções virtuais no mundo real não seja a mais correcta, o que deverá ser evitado). Assim, experiências laboratoriais que nunca ou raramente são efectuadas porque, para além de dispendiosas podem ser perigosas, poderão agora ser realizadas com segurança, devolvendo aos estudantes uma prática experimental tão necessária mas, simultânea e paradoxalmente tão ausente dos estabelecimentos de ensino.

Este controlo do espaço virtual transforma a nova tecnologia numa preciosa ferramenta ao serviço de deficientes, permitindo-lhes movimentar-se (ainda que nalguns casos apenas virtualmente) em mundos criados de acordo com as suas particularidades. Pela magia da R.V. um cego poderá "ver" ouvindo e manipulando, um surdo poderá "ouvir" vendo e tocando, um paraplégico poderá "recuperar" a mobilidade perdida fazendo mover com o seu olhar os elementos do mundo virtual e deslocando-se, a ele próprio, de acordo com a sua vontade.

A este controlo do espaço, que permite a criação do invisível (longínquo no espaço ou no tempo, inexistente porque imaterial ou destruido, imperceptível porque infinitamente pequeno ou complexo), junta-se o controlo do tempo. Os mundos virtuais são mundos intemporais em que o tempo escorre sem na verdade se escoar e onde os acontecimentos passados se podem repetir, da mesma forma ou com alterações, de acordo com os fins pretendidos. A mesma experiência pode ser vivida vezes sem conta, pelo mesmo participante ou por outros, facilitando a compreensão de erros cometidos, a aprendizagem de tarefas e procedimentos complexos, o treino de actividades que, repetidas até ao domínio total, permitirão uma transferência mais eficaz e segura para o mundo real. Nestes espaços virtuais, o erro perde o carácter de estigma que o tem acompanhado e transforma-se em factor de aprendizagem. Procurar as causas do erro, analisá-las, repetir as acções e compreendê-las são tarefas necessárias para a resolução do problema e a visualização do processo que a ele conduziu pode facilitar (e em muitos casos é mesmo indispensável) a sua superação.

Adequados aos níveis etários e às especificidades dos participantes, os mundos virtuais transformam-se em verdadeiros laboratórios do espírito, permitindo o desenvolvimento de capacidades diversas. O espírito de observação, a análise, o sentido crítico, a criatividade, a formulação de raciocínios (desenvolvida, por exemplo, no debate que se deverá seguir à realização da experiência por todos os participantes), são algumas das capacidades que as particularidades dos ambientes virtuais permitem apurar, envolvendo os intervenientes de formas e cores, sons e sensações, vivências e experiências que os estimulam sensorialmente. Os sentidos dos participantes são, assim, como que re-educados, funcionando de forma próxima à do mundo real mas diferente, mais estimulados, mais apurados, mais educados. A visão, a audição e o tacto, sendo os sentidos que, no mundo real, maior volume de informação nos transmitem constituem, também, no mundo virtual, os principais veiculadores dos dados que nos permitem percepcionar e interagir com o ambiente que nos rodeia. No entanto a recepção, totalmente fiável, da informação sensorial no mundo virtual é bastante problemática (sobretudo em algumas áreas), já que a tecnologia existente não permite, ainda, a eficácia desejada. No campo da visão, o efeito estereoscópico e a apresentação, em tempo real, das novas perspectivas visuais criadas em consequência dos movimentos do participante (mais difíceis e morosas de criar e apresentar quanto mais complexo for o ambiente) e no campo do tacto a sensação do toque, peso, textura, etc. e a manipulação natural dos objectos, constituem alguns dos principais problemas que a tecnologia resolverá. Mas, mesmo com equipamentos mais fiáveis, a percepção sensorial no mundo virtual será sempre diferente e a noção da diferença enriquecerá a experiência do participante.

Podendo adaptar-se aos estilos e ritmos de aprendizagem de cada aluno/participante e permitindo apresentar os conteúdos curriculares de cada disciplina de forma adequada às especificidades dos intervenientes, esta flexibilidade dos mundos virtuais facilita, ainda, a superação de dificuldades. Os aprendentes, paralelamente à possibilidade de se movimentarem num mundo criado especialmente para si e para cuja preparação foram já consideradas as suas características e dificuldades - o que constitui, à partida, um trunfo de grande valor - podem, também, visualizar como se constrói o seu próprio conhecimento o que, permitindo-lhes compreender melhor as suas elaborações mentais, lhes facilita a superação de dificuldades. Para esta meta-cognição - como para todo o processo de utilização da R.V. na área educativa - o papel do professor continua a ser fundamental. O professor não é - como aliás já vem a suceder desde há algum tempo, nomeadamente com a introdução dos computadores nas escolas - o mestre que tudo sabe e único ou principal veículo transmissor do conhecimento. Ele é agora, acima de tudo, um orientador, um tutor, que trabalha juntamente com os seus alunos e os auxilia, aprendendo com eles simultaneamente.

Em conjunto, no mesmo espaço físico ou separados geograficamente por distâncias reais que as redes eliminam, alunos e professores podem já desenvolver trabalhos cooperativos, consultar bases de dados distantes e especialistas longínquos, aprofundando os seus conhecimentos. Com a Realidade Virtual esta capacidade pode ir ainda mais além, permitindo a criação de espaços de trabalho virtuais partilhados onde os participantes, vendo uns dos outros representações mais ou menos realistas (os clones) podem trabalhar em conjunto. Desta forma, a R.V. traz para a comunicação a distância particularidades da comunicação presencial que nenhuma outra tecnologia consegue transmitir: a expressão facial e corporal, apercebida não através de um monitor em video ou tele-conferências, mas sentida presencialmente e que enriquece a comunicação. Actualmente o desenvolvimento da linguagem V.R.M.L. permite já a criação de ambientes 3D na rede, que podem ser explorados por todos aqueles que possuam browsers adequados - e são já várias as empresas a trabalhar neste sector. Cada vez mais a comunicação on-line passará do domínio 2D para a tridimensionalidade e a R.V. na rede possibilitará uma comunicação a distância mais próxima e profunda. São muitas as áreas que poderão beneficiar desta aliança e a Educação será, com certeza, uma das mais interessadas e prometedoras.

Com todas as suas potencialidades a R.V. não constitui, apesar de tudo, uma fórmula milagrosa que permitirá alterar, de forma benéfica e definitiva, os sistemas de ensino. Ela é, essencialmente, um poderoso instrumento de trabalho ao serviço de alunos e professores, cuja utilização contribuirá, certamente, para a mudança na Educação. Mas para que a mudança ocorra é necessário que exista predisposição para esse facto (para além dos meios para a efectuar) e a Educação é, ainda, uma área complexa e frágil, onde as interacções e interesses são fortes e difíceis de atingir.

Com a utilização da Realidade Virtual na Educação - e na sequência do que tem vindo a suceder nos últimos anos - estamos perante um novo paradigma educativo, que encara a Educação como um processo dinâmico e criativo e que coloca o aluno no centro dos processos de ensino e de aprendizagem, valorizando-o como ser autónomo e completo, capaz de construir o seu próprio saber. Com a R.V. alunos e professores poderão criar ambientes educativos poderosos, mundos onde o "faz-de-conta" assume contornos de valor científico e as ferramentas se transformam em varinhas de poderes mágicos e quase divinos.

2. Um Exemplo para uma Mais-Valia

A Realidade Virtual possui grandes virtualidades mas o seu uso é ainda encarado, por muitos, como futurista, no domínio da ficção científica. Embora ela seja já hoje utilizada, por todo o mundo, em diferentes sectores, do entretenimento ao treino militar, da Arquitectura à Medicina, da formação técnica e profissional às Artes, da visualização científica às reconstituições históricas, etc., os receios existentes são ainda muitos e os obstáculos tornam-se difíceis de ultrapassar, sobretudo em países onde as novas tecnologias apenas recentemente se começaram a implementar.

Muitos dos problemas prendem-se com questões ligadas ao hardware, que a rápida evolução tecnológica permitirá superar: a visão estereoscópica, a definição da imagem, o enjoo virtual, a interacção em tempo real que pressupõe a eliminação do lag perceptual proveniente da demora de afixação das novas imagens decorrentes da movimentação (tempo para envio da informação dos sensores, rendering da imagem, apresentação da nova perspectiva), fidelidade do feedback táctil e de força que exigirá luvas de dados ou outros mecanismos semelhantes mais apurados que permitam sentir, realmente, os objectos (forma, peso, textura,...) e manipulá-los com naturalidade. Outros problemas são do domínio ético, socio-cultural e psicológico: efeitos físicos e psicológicos da R.V. a médio e longo prazo, alterações nos comportamentos, etc.

Mas as dificuldades financeiras na implementação de um projecto de Realidade Virtual são, também, determinantes. Os equipamentos são, ainda, dispendiosos e torna-se difícil encontrar, sobretudo na área académica, entidades interessadas com capacidade (financeira, técnica, humana) para desenvolver projectos nesta área. A cooperação é fundamental - entre Universidades, Universidades e empresas, com a participação do estado e de particulares - mas ela é rara e, quando existe, assume geralmente um carácter pontual e sem continuidade. A colaboração nacional e internacional (europeia, nomeadamente) é necessária e ela passa por uma abertura de espírito que tem de ser incentivada e apoiada.

A reconstituição virtual de um local de importante valor histórico-cultural - ao qual se aliam outros interesses como o turístico - constitui um bom exemplo de como uma aplicação pode reunir elementos de diferentes sectores, conjugar motivações e esforços de múltiplas origens, permitindo a obtenção de fundos de diversas entidades interessadas no projecto.

Imaginemos a reconstituição virtual de Conímbriga - projecto em desenvolvimento - que nos permitirá apreciar, na totalidade, o que terá sido um dos mais importantes núcleos da ocupação romana do território português. Visitado anualmente por milhares de pessoas, estudado em diversos níveis de ensino com diferentes objectivos, utilizado como exemplo, modelo, logotipo, emblema, etc. de muitas entidades e actividades, a sua recriação, graças à "magia" da Realidade Virtual, devolver-nos-ia a magnificência que hoje os seus vestígios apenas nos permitem imaginar. Mais do que uma maquette ou que uma simulação criada e apreciada num ecrã de computador, Conímbriga Virtual poderá ser a primeira oportunidade de conhecermos e interargirmos com este mundo já desaparecido mas que a R.V. nos devolve com todo o seu mistério e encanto.

Passível de diversas utilizações, na área educativa e fora dela, os necessários apoios - financeiros, técnicos, etc. - para a sua concretização poderão ser obtidos dentro de um amplo leque de interessados.

Diversas disciplinas poderão beneficiar com esta reconstituição - com o processo de construção em si e com o resultado - e utilizá-la, em âmbito curricular ou não, com diferentes objectivos. Para além dos domínios de especialidade que, necessariamente, intervêm ao longo do processo de construção do modelo, muitos outros poderão vir a utilizar a aplicação visando, de alguma forma, analisar características e particularidades dos espaços reconstruidos e/ou de áreas com eles relacionadas, melhor compreender os seus longínquos autores ou apenas apreciar e usar, como exemplo, cenário ou motivação, o conjunto romano.

Apesar de disciplinas como História, História de Arte, Arqueologia ou Arquitectura surgirem como as primordiais a beneficiarem deste mundo virtual (pelas suas afinidades em termos de conteúdos e de análise científica), outras áreas, académicas ou não, poderão encontrar nesta reconstituição um instrumento de trabalho auxiliar para as suas actividades.

O ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa, a Filosofia, a Antropologia, a Museologia, o Design, a Música, a Dança, o Teatro, a Cenografia, o Turismo, a Publicidade, a Terapia em diferentes domínios, a formação profissional (de professores, guias turísticos, etc.), são alguns dos sectores que o contributo desta aplicação poderá enriquecer e valorizar. Desta forma, a sua utilização poderá ser efectuada quer num contexto de ensino formal, onde a sua experiência constituirá uma nova forma de abordagem a temáticas curriculares diversas e específicas, quer em situações mais informais, onde a aplicação visará objectivos menos académicos mas igualmente educacionais. Dos Ensinos Básico e Secundário ao Ensino Superior, da promoção turística à investigação em áreas de pós-graduação académica, dos fins publicitários à difusão institucional, o interesse por esta aplicação poderá permitir uma maior divulgação da nova tecnologia e das suas potencialidades, assim como a motivação para colaborações futuras.

O facto de uma aplicação deste tipo poder responder a diferentes necessidades e interesses facilitará, também, a indispensável angariação de fundos para a concretização dos projectos. Instituições e entidades diversas que, de alguma forma, poderão beneficiar deste tipo de aplicações, predispor-se-ão para as apoiar e financiar; tal poderá ser o caso, por exemplo, de Câmaras Municipais, Regiões de Turismo, Delegações Regionais de instituições governamentais ou empresas da região, nacionais e/ou multinacionais (mecenato cultural). Outros fundos poderão provir de programas europeus, subsídios governamentais, etc.

Colocada na rede, esta aplicação tornar-se-á acessível a um maior número de pessoas, no país e no estrangeiro, permitindo-lhes aceder a uma experiência única. Alunos e investigadores de todo o mundo poderão recorrer ao ambiente virtual criado com intuitos variados e, em contexto de ensino a distância ou apenas por prazer, o mundo virtual de Conímbriga poderá viajar pelo ciberespaço, chegando a todos aqueles que procuram na R.V. um auxiliar para as suas actividades.

Integrada num projecto nacional e europeu no âmbito da 1ª Universidade Europeia de Ensino a Distância com recurso à Realidade Virtual - projecto apresentado em trabalho anterior e que preconiza a criação da 1ª CiberUniversidade com os objectivos de promover e coordenar a I&D em R.V., formar especialistas no uso da R.V. na área da Educação em geral e em domínios curriculares específicos em particular, criar e distribuir, através de uma rede europeia de fibra óptica, aplicações de R.V. para o ensino a distância - esta aplicação poderá vir a ser utilizada por Universidades, empresas e particulares interessados no uso da R.V. em Portugal e no estrangeiro, assumindo uma dimensão mais alargada e multifacetada.

A interdisciplinariedade intrínseca da aplicação - tão importante na fase de concepção e criação como durante a utilização - assim como a formação e o enriquecimento pessoais dela decorrentes, constituirão preciosos elementos de valorização, transformando-a numa ferramenta de trabalho de âmbito alargado de valor inestimável. Mergulhado na Conímbriga Virtual, o participante poderá descobrir por si as particularidades deste mundo, conhecer melhor os elementos que o constituem (objectos, personagens, dinâmicas, regras, interacções) e compreender as relações que neste mundo virtual e através dele se podem estabelecer com outros domínios e contextos de utilização. Deslocando-se por entre as suas construções e interagindo com o ambiente que o rodeia, poderá obter dele respostas às questões colocadas - através, por exemplo, de acções dos elementos constituintes do próprio mundo (estátuas que falam, personagens que se movimentam, objectos que ganham vida - e, a partir desta experiência e da informação dela retirada, construir um conhecimento mais sólido do mundo em que esteve imerso e das questões que conduziram à sua criação e/ou utilização.

Conímbriga Virtual, à semelhança de outras aplicações do mesmo tipo já realizadas em outros países, poderá constituir não apenas uma experiência pioneira neste domínio em Portugal mas, sobretudo, a concretização de um projecto que poderá fazer convergir, para a criação de um mesmo produto, interesses múltiplos e díspares, para cuja realização os esforços e apoios de muitos são indispensáveis. Do resultado todos poderão beneficiar e a multidisciplinariedade e o espírito de cooperação e de solidariedade implementados poderão - e deverão - constituir preciosas sementes para o futuro. Conímbriga Virtual poderá vir a ser, também, a concretização de um dos maiores sonhos do Homem: dar vida ao passado, fazer reviver personagens e espaços que não só permitem conhecer melhor esse tempo longínguo mas, também, recriá-lo para novas vivências e experiências numa dimensão espaço-temporal indefinida e eterna.

Conclusão

Do poderoso instrumento de trabalho que é a Realidade Virtual muitos sectores poderão beneficiar e se a Educação, pelo seu papel determinante na edificação do futuro, constitui o mais representativo, muitos outros se lhe podem associar, todos ganhando com a aliança, todos beneficiando com as suas concretizações. Reunindo, numa mesma aplicação, diversas vertentes como a educativa, a lúdica ou a comercial, não só o desenvolvimento do projecto é facilitado pela diminuição do investimento necessário por parte de cada um dos intervenientes, como o resultado obtido fica enriquecido pela multiplicação dos recursos financeiros, técnicos e humanos envolvidos e consequente variedade de utilizações.

A ideia, em muitos enraizada, de que o desenvolvimento de aplicações com recurso à Realidade Virtual é muito dispendiosa não corresponde, afinal, a uma realidade absoluta, pois se a tecnologia possui ainda custos elevados - que variam de acordo com o tipo de equipamento (gama alta, média ou baixa, workstation ou PC, software simples ou mais sofisticado, etc.) e cuja tendência acentuada para a descida faz prever uma muito maior acessibilidade em breve - a partilha de despesas por múltiplos intervenientes facilita a implementação do projecto.

A mais-valia produzida pela utilização da R.V. é superior aos custos e se em qualquer área, sobretudo comercial, este facto é determinante - e já foi verificado por muitas empresas que passaram a adoptar a R.V. como instrumento de trabalho, poupando tempo, esforço e despesas (nomeadamente nas áreas do entretenimento, design, construção de protótipos, arquitectura, engenharia civil, aeronáutica, formação profissional em diferentes sectores, medicina, visualização científica, preparação e treino militar, etc.) - no sector da Educação ele deveria ser factor decisório nas opções institucionais.

Tudo se prende com o conceito de Educação que é defendido, com a política educativa que se pretende implementar para preparar o futuro. Educar, hoje, já não pode ser apenas transmitir informação; educar, hoje, no limiar do século XXI, deverá abranger uma actuação muito mais vasta que vise, sobretudo, preparar os jovens para o futuro, dotá-los das capacidades cognitivas, sociais e afectivas de que eles necessitarão ao longo da vida. Para isso eles precisam, hoje, de instrumentos poderosos e a Realidade Virtual é uma ferramenta que deverá estar ao seu alcance.

Não lhes demos o peixe, mas sim a cana e ensinemo-los a pescar !
 
 

Lisboa, 15 de Junho de 1996