A CRIANÇA E O COMPUTADOR : NOVAS FORMAS DE PENSAR
Profª. Drª. Leny Magalhães Mrech
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
1. INTRODUÇÃO
Em todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento, a Informática
tem sido um dos campos que mais tem crescido atualmente. Este processo tem atingido
sobretudo as áreas de Educação e Lazer. Em decorrência, constata-se que, no mundo todo, o
computador tem entrado cada vez mais cedo na vida das crianças. Tornando-se, então,
estratégico saber de que maneira ele pode determinar os novos rumos da construção do
pensamento das crianças.
É interessante perceber que tem havido poucas pesquisas no estudo da interação entre
as estruturas sócioeconômicas, as estruturas de pensamento da criança e o uso do
computador. Na grande maioria das vezes elas se apresentam direcionadas apenas para um
dos lados ou, no máximo, visando a interação entre dois aspectos. O que tem faltado é
exatamente uma concepção dinâmica que estabeleça uma leitura múltipla direcionada para uma
interação entre aqueles referenciais básicos. É o que este artigo se propõe a fazer identificando
as relações dinâmicas entre as estruturas sociais, as estruturas do pensamento da criança e o
uso dos computadores.
2. OS COMPUTADORES: UM NOVO PRODUTO E UMA NOVA FACE DA CULTURA
Tradicionalmente os computadores têm sido pensados apenas como meros instrumentos
de transmissão rápida de informações. No entanto, sua capacidade efetiva ultrapassa bastante
este plano redutor.
Os computadores são um novo tipo de produto social. Eles são chamados "produtos
inteligentes" ; isto é, produtos com possibilidade de desencadear alterações nas relações entre
as pessoas. Portanto, o que os caracteriza basicamente é que eles não são meros produtos
para um consumo imediato, trazem acoplado novos rumos para aqueles que os utilizam.
" Estas máquinas inteligentes já estão começando a ser usadas para tudo, desde calcular
os impostos da família e monitorar o uso de energia em casa, jogando jogos, conservando um
arquivo de petiscos, lembrando seus donos de próximos compromissos e servindo como
"datilógrafas espertas". Isto, entretanto, oferece apenas um minúsculo vislumbre de seu
potencial completo. (...) Viver num ambiente assim levanta questões filosóficas de arrepiar. As
máquinas assumirão o controle? Poderão máquinas inteligentes, especialmente se
entrelaçadas em redes de intercomunicação, ultrapassar a nossa habilidade de compreendê-las
e controlá-las? (...) Até que ponto nos tornaremos dependentes do computador e do cartão? Na
medida em que bombearmos mais e mais inteligência no ambiente material, atrofiar-se-ão as
nossas próprias mentes?"
Há, geralmente, uma postura inicial que acompanha a todos aqueles que se iniciam na
utilização de computadores : uma maneira preconceituosa de concebê-los. Primeiramente, os
usuários partem da crença de que eles são máquinas que não pensam. Na verdade, eles são
produtos de ponta de uma tecnologia inteligente, isto é, uma tecnologia que se desenvolve e se
estrutura a partir de componentes oriundos da decodificação de processos cerebrais. São
máquinas semânticas, utilizando formas de linguagem bastante sofisticadas, tais como :
imagens, códigos de linguagem, processadores de texto e cálculo, etc.
Em segundo lugar, os computadores costumam ser vistos como máquinas frias que não
possibilitam o contato humano. Contudo, este processo tem mudado rapidamente através das
redes de computação. O que possibilitou a emergência de novas maneiras de conceber as
relações sociais. Surgiram as chamadas relações virtuais. Elas são estabelecidas através dos
microcomputadores conectados em rede. Em decorrência, seja através dos grandes bancos de
dados, das trocas de mensagens por correio eletrônico ou dos chats (conversas online em
pares ou grupos); o que acaba por se estruturar são novas formas de interação, onde as
distâncias e o tempo se encurtam nos processos de comunicação entre as pessoas.
" (Invadir) o cotidiano com a tecnologia eletrônica de massa e individual, visando à sua
saturação com informações, diversões e serviços. Na Era da Informática, que é o tratamento
computadorizado do conhecimento e da informação, lidamos mais com signos do que com
coisas. Preferimos a imagem ao objeto, a cópia ao original, o simulacro (a reprodução técnica)
ao real. PORQUE DESDE A PERSPECTIVA RENASCENTISTA ATÉ A TELEVISÃO, QUE
PEGA O FATO AO VIVO, A CULTURA OCIDENTAL FOI UMA CORRIDA EM BUSCA DO
SIMULACRO. SIMULAR POR IMAGENS COMO NA TV, QUE DÁ O MUNDO ACONTECENDO,
SIGNIFICA APAGAR A DIFERENÇA ENTRE REAL E IMAGINÁRIO, SER E APARÊNCIA. Mas o
simulacro, tal qual a fotografia a cores, embeleza, intensifica o real. Ele fabrica um hiper-real,
espetacular, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. O hiper-real
simulado nos fascina porque é o real intensificado na cor, na forma, no tamanho, nas suas
propriedades. (...) ELES NÃO NOS INFORMAM SOBRE O MUNDO; ELES O REFAZEM À
SUA MANEIRA, HIPER-REALIZAM O MUNDO , TRANSFORMANDO-O NUM ESPETÁCULO."
(GRIFO NOSSO)
Quando o aluno se volta para a sociedade atual, através da Informática, não está apenas
frente a um novo instrumento de consumo ou brinquedo. O computador estrutura um novo
recorte da realidade. Um recorte que possibilita ao usuário recriar uma parte da realidade. Este
fato nunca antes tinha acontecido nas dimensõe atuais. O real ficava sempre como o último
recurso da certeza do sujeito. Era no real que estava a concretude do pensamento. Era nele
que o professor teria que se basear para estruturar o seu processo de ensino-aprendizagem.
No momento atual, assinala Jair Ferreira dos Santos " (que) os filósofos estão chamando de
desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito, ou seja, o referente (a
realidade) se degrada em fantasmagoria e o sujeito (o indivíduo) perde a substância interior,
sente-se vazio."
Com o processo de desreferencialização do real e dessubstancialização do sujeito como é
que fica o processo de formação dos alunos? De que maneira o professor deverá agir para lidar
com os alunos a partir desta nova realidade?
" Não é o saber ou o saber fazer o fulcro da ação educativa: é a criança, o adolescente,
que devem ser preparados para viverem com os seus semelhantes, para dialogarem com eles,
para participarem em sociedades gradualmente mais tirânicas, sem por isso deixarem de ser
eles mesmos, sem serem dominados, avassalados por máquinas e burocracia de qualquer
tipo".
Pode-se dizer que os computadores não são apenas os produtos mais comuns da nossa
época. Eles são a metáfora do nosso tempo. Eles trazem em seu bojo as possíveis
transformações que a sociedade do futuro terá. Uma sociedade que exige que os sujeitos
sejam preparados para viver em realidades cada vez mais redefinidas e recortadas, onde o
conceito de real e de realidade antigos não dão conta das indicações dos caminhos por onde ir.
Os alunos precisam ser preparados para uma sociedade pós-moderna onde os parâmetros
cognitivos serão continuamente redefinidos.
A questão básica passa a ser, em decorrência, o que a Educação pode fazer para auxiliar
os alunos e professores neste processo. No passado partia-se do privilegiamento do plano da
razão ou consciência.
3. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO COM BASE NO EIXO DA
RAZÃO
Durante muitos séculos o grande marco norteador da história do pensamento humano foi
o chamado modelo consciencialista, baseado no modelo filosófico. Foi através dele que o ser
humano se pensou e tem se pensado para encontrar o rumo da sua sociedade e de si próprio
Neste nível, pode-se dizer que a história do pensamento filosófico durante muitos séculos foi
também a história do processo educacional. Ou seja, os grandes filósofos foram, ao mesmo
tempo, os grandes pensadores e educadores da humanidade. Foram eles que ajudaram a
construir o conhecimento e a inteligência universais. Eles que determinaram o que deveria ser
visto e pensado.
A partir daí, a consciência passou a ser vista como sinônimo do próprio processo de
conhecimento e de desenvolvimento da inteligência. Uma pessoa inteligente era acima de tudo
uma pessoa consciente, e uma pessoa consciente era uma pessoa sábia.
A razão tornou-se o instrumento indispensável de autodeterminação do ser humano. A crença
era que, através da razão, o homem encontraria a medida e os elos de ligação entre o social e
o individual, entre o estático e o dinâmico, entre o particular e o universal. Isto acabou por levar
à uma concepção onde a consciência e a inteligência eram vistas como faces da mesma
moeda.
Entretanto, com o desenvolvimento das sociedades e das transformações tecnológicas tudo
isto se altera. As produções gradativamente se tornaram mais sofisticadas intelectualmente.
Atualmente é possível comprar produtos mais elaborados do ponto de vista cultural: um texto
denso de um escritor de vanguarda, um computador de última geração, uma música inovadora,
um livro que aborde a última teoria de ciências, etc. O capitalismo criou um novo modelo de
saber, onde a tecnologia assume uma dinâmica cada vez maior. As Artes e a Literatura também
se densificaram e se estruturaram de outra forma. Os produtos atuais não usam apenas uma
mídia como no passado, mas várias. Por exemplo, o músico Jean-Michel Jarre em seus
trabalhos usa dos recursos multi-midia que incluem dança, parte cênica ( iluminação e o
cenário), cinema e tv ( exibição de vídeos e filmes), ao mesmo tempo em que ele e o seus
músicos tocam a sua última produção artística ( a música contemporânea - o jazz- fusion).
Em suma, o modelo capitalista de produção, distribuição e consumo instituiu novas formas de
se pensar a cultura, a própria sociedade e o indivíduo. Em síntese, do ponto de vista da história
do conhecimento humano, a ciência contemporânea trouxe uma mudança bastante radical em
relação aos paradigmas de saber anteriores. A própria concepção de pensamento e inteligência
humana foi alterada.
" As grandes teorias sociais construíram o seu paradigma sob a influência da crença no triunfo
inexorável da razão e do progresso, numa história civilizatória da humanidade. As Ciências
Sociais (às quais à Filosofia e à Educação estão estreitamente ligadas) tiveram, até agora
como premissa que a vida social está condicionada por uma lógica, que vai da tradição à
modernidade, da fé à razão, da reprodução à produção, da comunidade à sociedade
(SADER,1988). Forjou-se, assim, um modelo geral de análise de caráter macroscópico, que
privilegia a apreensão das regularidades sociais, a partir dos movimentos que gravitam no
plano institucional e nas estruturas sociais. Contudo, todas essas teorias e suas premissas, que
orientavam a pesquisa social, foram-se mostrando progressivamente insuficientes e incapazes
de explicar os fenômenos sociais nas sociedades contemporâneas. Emergiram, com força
crescente, novas dimensões da realidade que, até então, eram insuficientes, surpreendendo os
cientistas sociais."
Quando se pensa nas estruturas de pensamento das crianças, as pesquisas se voltam para o
desenvolvimento da inteligência. Isto quer dizer que aquilo que interessa aos psicólogos,
professores, psicopedagogos e psicanalistas são as formas de pensar mais eficazes, aquelas
que possibilitam o crescimento maior dos sujeitos. Porém, esta não é uma tarefa fácil de ser
executada, porque a Psicologia e a Psicanálise constataram que os sujeitos não se direcionam
apenas para o seu bem, mas também para a sua destruição. Isto quer dizer que, através da
utilização da razão, os seres humanos ainda não conseguiram deter as fontes de sua própria
destruição. Eles apenas conseguiram mapeá-las ligeiramente. É o que Freud designa como
pulsão de morte, isto é, o que leva o sujeito a sempre escolher o pior, aquilo que leva à sua
destruição.
Este aspecto torna-se um elemento fundamental nas discussões porque tem sido feita uma
ligação muito grande entre as possilidades de mau uso dos computadores e a destruição dos
sujeitos ou da humanidade
Como se, através do mau uso dos computadores, emergisse uma dinâmica destrutiva não
constatada anteriormente. No entanto, a questão não é bem esta. Na história da humanidade
sempre houve guerras e os seres humanos continuamente se destruiram. Nos dois últimos
séculos chegamos a duas guerras mundiais. Mas por que isto acontece? As razões para os
processos destrutivos nos seres humanos não se encontram nos computadores, mas nos
próprios sujeitos e nos seus processos culturais. Além disso, do ponto de vista dos
computadores, acredito que haja aqui um enorme descompasso. Normalmente os sujeitos lidam
com eles como se fossem objetos produzidos da mesma forma que os demais produtos da
cultura. Mas será que isto é verdadeiro?.
Em primeiro lugar, os computadores fazem parte de uma linhagem nova de produtos: aqueles
que são a concretização de formas de pensamento concebidas através da linguagem. Este
processo começou a ser identificado com mais clareza a partir do século passado com a
emergência da Linguística e da Antropologia. A linguagem remete-nos à uma instância que é
fundamentalmente de orientação social. Ela seria o elemento maior de ligação entre o social e o
individual
Um dos autores que mais estudou este processo foi Lev Vygotsky. Ele partia da perspectiva de
que a linguagem é socialmente formada e que, aos poucos, a criança a incorpora atraves
daquilo que vivencia na família.
Dessa forma, o processo de construção da realidade social é um dos principais fatores do
processo de construção da inteligência humana. Há um vínculo estreito entre a estruturação
das chamadas funções psíquicas superiores dos sujeitos e o processo de construção da
linguagem e da fala
" Essa nova abordagem para a psicologia fica explícita em três idéias centrais que podemos
considerar como sendo os "pilares" básicos do pensamento de Vygotsky: *as funções
psicológicas têm um suporte biológico pois são produtos da atividade cerebral; *o
funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo
exterior,as quais desenvolvem-se num processo histórico;
*a relação homem/mundo é uma relação mediada por sistemas simbólicos."
Tradicionalmente a construção da inteligência humana tem sido pensada apenas como se
fosse um mero produto biológico decorrente da combinação de gens humanos ou um produto
social. O modelo de Vygotsky incorpora estes dois aspectos, privilegiando tanto um corpo
genéticamente construído quanto à sua vinculação com o social no desenvolvimento das
potencialidades do sujeito. Consequentemente, a concepção torna-se dialética, onde a
interação entre as variáveis biológicas e sociais é constantemente referida a um processo
contínuo de mudança.
Não há apenas o cérebro genéticamente dado, mas um cérebro que, após o nascimento, se
estrutura e transforma a partir de conteúdos oriundos do ambiente social do sujeito.
4. AS ONDAS SOCIAIS E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA:
AS INTERAÇÕES ENTRE O SOCIAL E O INDIVIDUAL
Os historiadores contemporâneos estudando a sociedade atual delineam três períodos na
história da humanidade. No campo da Informática e Educação, uma das leituras mais
divulgadas, neste sentido, tem sido aquela proposta pelo futurólogo Alvin Tofler. Seus trabalhos
se iniciaram na década de 60.
O seu livro de maior impacto foi A Terceira Onda, lançado em 1983, onde é feito um relato das
três "ondas" sucessivas de civilização humana. A metáfora da onda é usada para designar um
fluir da sociedade que não vai em uma direção só, mas que apresenta fluxos e refluxos
contínuos, tal como a água do mar, em seus aspectos superficiais e profundos de dinamização.
A primeira onda surgiu no início dos tempos e vigorou até finais do século XVII. A sociedade
neste período se caracterizava por ser essencialmente agrícola. As pessoas viviam em bandos
isolados, produzindo alimentos para o seu próprio consumo. Os antropólogos nomearam este
tipo de civilização de sociedade primitiva.
A segunda onda surgiu após o século XVII e se caracterizou por apresentar um enorme
desenvolvimento industrial. Houve a própria transformação das relações agrárias, através da
produção de quantidades cada vez maiores de alimentos. Com isso, tornou-se possível a saída
das pessoas do campo na direção das cidades. O que acabou por levar as indústrias a
incorporarem cada vez mais mão de obra.
A sociedade da segunda onda introduziu uma nova forma de pensar e se relacionar, distinta
daquela apresentada pelo modelo da primeira onda. Enquanto na primeira onda as pessoas
eram tanto produtores quanto consumidores, na segunda onda tornou-se patente a emergência
de um novo modelo social onde a produção e o consumo foram drásticamente dissociados. Ou
seja, na segunda onda, as pessoas não produziam mais os seus produtos. Elas consumiam os
produtos previamente preparados pelos produtores.
Um outro aspecto a ser assinalado, ao longo da segunda onda, é que a própria civilização
tornou-se um produto de consumo. A própria cultura passou a ser industrializada. Houve a
produção, distribuição e massificação das informações. A estrutura de pensamento passou a se
direcionar para o consumo de maiores quantidades de informações, produtos,etc.
Atualmente, nos países de primeiro mundo, nós já chegamos à chamada terceira onda de
civilização, onde os produtos passam a ser personalizados e direcionados para um consumo
interativo entre os sujeitos.
5. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA: OS DIVERSOS EM
CONFRONTO
Normalmente quando as pessoas analisam as sociedades, elas o fazem através de uma leitura
redutora do social, como se este fosse apenas o delineamento de uma tendência. O modelo
tradicionalmente predominante é aquele onde o social é apreendido como se fosse uma
totalidade. Na realidade, o modelo de Toffler revela que a sociedade é uma realidade
multifacetada, em constante processo de transformação, a partir de um entrejogo de várias
tendências e perspectivas estruturantes.
" Para começar, muitas das mudanças da atualidade não são independentes umas das outras.
Nem são fortuitas. (...) Enquanto as considerarmos mudanças isoladas e nos escapar esta
significação maior, não poderemos idear uma resposta coerente e eficaz para elas. Como
indivíduos, nossas decisões pessoais ficam sem objetivo ou autoneutralizadas. Como governos,
caminhamos aos trancos de crises para programas de emergência, entrando pelo futuro
adentro sem plano, sem esperança e sem visão."
Neste sentido, cumpre assinalar que, da mesma forma que o social é reduzido à uma única
vertente, o processo educacional também. Com isso, a realidade educacional perde seu
entrejogo do diverso, diluindo-se em captações imaginárias semelhantes. Ou seja, apreende-se
as semelhanças entre as várias instituições escolares a partir de seus contextos sociais e
exclui-se tudo aquilo que aparece de diferente nelas. A proposta de Alvin Toffler resgata este
encaminhamento multifacetado e interativo entre o social e o educacional. Ela captura tanto o
aspecto macrossocial quanto microssocial. O social e o sujeito. As instituições e o grupo. Em
suma, ela incorpora tanto o processo social mais abrangente, o microssocial e a própria
interação entre eles, em uma construção com múltiplas formas e vários caminhos possíveis.
Como conseqüência imediata, o próprio processo de construção da inteligência da criança é
apreendido de maneira mais complexa. Não sendo reduzido à uma vertente social e
educacional única, mas capturado em um entrejogo de possibilidades, que fogem muitas vezes
da própria percepção mais direta do aluno, do professor e de especialistas.
Um dos aspectos principais das colocações de Alvin Toffler diz respeito a convivência, ao
mesmo tempo, dos determinantes das três ondas civilizatórias. Eles sobrevivem no mundo todo
e em cada país. Quando os partidários de uma das tendências se encontra com os demais, há
a emergência de situações de brigas e confronto de idéias.
" Personalizo às vezes a própria civilização, argumentando que a civilização da Primeira Onda
ou da Segunda Onda "fez" isto ou aquilo. Naturalmente, eu sei, e os leitores sabem, que as
civilizações não fazem nada; as pessoas é que o fazem. Mas, atribuindo isto ou aquilo, de vez
em quando, a uma civilização , poupa-se tempo e fôlego. (...) A Terceira Onda descreve a
civilização de uma "tecnosfera", uma "sociosfera", uma "infosfera" e "poderesfera"; depois
dispõe-se a mostrar como cada uma destas está sofrendo mudança revolucionária no mundo
atual; tenta mostrar as relações destas partes de uma com a outra, bem como com a "biosfera"
e a "psicosfera" - esta estrutura de relações psicológicas e pessoais através da qual mudanças
ocorridas no mundo exterior afetam as nossas vidas mais íntimas".
Os sociólogos, antropólogos e psicólogos têm percebido gradativamente a importância de uma
concepção que privilegia a chamada superestrutura. É através dela onde se jogam os rumos da
construção do pensamento dos sujeitos. Toffler chama este processo, emergido a partir da
segunda onda, de indust-realidade.
" A Segunda Onda criou não só uma nova realidade para milhões, mas também um novo modo
de pensar a realidade.
Chocando-se em mil pontos com os valores, os conceitos, os mitos e os costumes da
sociedade agrícola, a Segunda Onda trouxe consigo uma redefinição de Deus ... de justiça ...
de amor... de poder ... de beleza. Despertou novas idéias, atitudes e analogias. Subverteu e
suplantou pressuposições antigas a respeito do tempo, do espaço , da matéria e da
causalidade. Emergiu uma visão de um mundo poderoso, coerente, que não só explicava, mas
também justificava a realidade da Segunda Onda. Esta visão da sociedade industrial do mundo
não tem um nome. Poderia ser designada "indust-realidade".
Um dos aspectos da "indus-realidade" é que ela traz em seu bojo uma forma bastante
abrangente de compreensão do mundo.
"Cada um de nós cria em seu cérebro um modelo mental da realidade - um armazém de
imagens. Algumas destas são visuais, outras auditivas, mesmo palpáveis. Algumas são apenas
" perceptos" - vestígios de informaçõe sobre o nosso meio, como um vislumbre do céu azul
visto pelo rabo de um olho. Outras são "ligações" que definem relações, como as duas palavras
"mãe" e "filho". Algumas são simples, outras complexas e conceptuais, como a idéias de que a
"inflação é causada pelo aumento dos salários". Juntas, tais imagens formam a nossa imagem
de mundo, localizando-nos no tempo, no espaço e na rede de relações pessoais em volta de
nós."
Durante a primeira onda os "perceptos" foram estabelecidos basicamente através das relações
pessoais familiares ou grupais. Eram os parentes próximos, os mais velhos, as autoridades
políticas e religiosas, etc ; que propiciavam ao sujeito as informações básicas e necessárias.
Grande parte da humanidade, nesta época, jamais saiu do seu local de nascimento. Vivia-se
com as informações que eram transmitidas através das gerações passadas.
Com a segunda onda tudo isso começa a mudar. A ampliação do mercado, devido à quantidade
enorme de produtos produzidos pelas indústrias e pelo campo, levou à exploração de novos
mercados. Os limites das aldeias, cidades e países foram ultrapassados. Os contatos
comerciais se tornaram determinantes na busca de novos locais onde achar um mercado
comprador ainda virgem.
"A segunda Onda multiplicou o número de canais de que o indivíduo tirava a imagem da
realidade. A criança não mais recebia apenas imagens da natureza ou das pessoas, mas
também as recebia dos jornais, das revistas de massa, do rádio e, mais tarde, da televisão.
Pela maior parte, a igreja, o estado, o lar e a escola continuaram a falar em uníssono,
reforçando-se uns aos outros. (...) Certas imagens visuais, por exemplo, foram tão amplamente
distribuídas em massa e foram implantadas em tantos milhões de memórias particulares que,
com efeito, se transformaram em ícones. A imagem de Lenin, o queixo projetado para a frente
em triunfo sob uma esvoaçante bandeira vermelha, assim se tornou tão icônica para milhões de
pessoas como a imagem de Jesus Cristo na cruz. A imagem de Charlie Chaplin, com chapéu-
coco e bengala, ou Hitler esbravejando em Nuremberg, a imagem de corpos empilhados em
Buchenwald, de Churchill fazendo o sinal do V ou Roosevelt usando uma capa preta, de
Marilyn Monroe com a saia levantada pelo vento, de centenas de estrelas de propaganda e
milhares de diferentes produtos comerciais universalmente reconhecíveis - a barra do sabão
Ivory nos Estados Unidos, o chocolate Morinaga no Japão, a garrafa de Perrier na França -
todas figuras se tornaram peças padronizadas de um arquivo universal de imagens.
Estas fantasias produzidas centralmente, injetadas na "mente da massa" pelos meios de
comunicação de massa, ajudaram a produzir a padronização do comportamento exigida pelo
sistema de produção industrial."
Ao longo da segunda onda emergiu um novo modelo social onde a moral, os costumes, as
idéias foram pré-fabricadas. Este processo instituiu uma padronização das formas de pensar,
através da chamada indústria cultural. Cada produto era simplificado ao máximo para poder ser
consumido por todos. Isto acabou por criar uma cultura de aparência, onde as informações
eram minimamente capturadas.
Na terceira onda tudo isto mudou. Com a criação da rede de computadores, e principalmente
da Internet, não basta apenas o sujeito aprender a lidar com as informações mais gerais. É
preciso aprofundá-las, decodificando-as em toda a sua complexidade. Isto porque agora o
sujeito está sozinho frente ao processo de transmissão e produção/reprodução das
informações. Cada vez mais elas tendem a crescer e apresentar um fluxo contínuo avassalador.
O sujeito precisa saber lidar com as informações, selecionando-as , agrupando-as ,
reordenando-as.
" O que na superfície parece ser uma série de eventos desconexos resulta ser uma onda de
mudanças intimamente correlatas, rodando através do horizonte dos meios comunicação, dos
jornais e rádio num extremo, às revistas e televisão no outro. Os meios de comunicação de
massas estão sob ataque. Novos veículos de comunicação desmassificados estão proliferando,
desafiando - e algumas vezes mesmo substituindo - os meios de comunicação em massa que
foram dominantes em todas as sociedades da Segunda Onda.
A Terceira Onda começa assim uma verdadeira nova era: a idade dos veículos de comunicação
desmassificados. Uma nova infosfera está emergindo juntamente com a nova tecnosfera. E
esta terá um impacto de longo alcance nessa esfera, a mais importante de todas , a que está
dentro dos nosso cérebros. Pois, tomandas em conjunto, estas mudanças revolucionarão a
nossa imagem do mundo e a nossa habilidade para lhe encontrar sentido."
O sujeito na terceira onda adquiriu um novo status no campo do conhecimento. De um mero
recebedor de informações como na segunda onda, ele precisa tornar-se um produconsumidor,
isto é, o que Alvin Toffler designa como um produtor/consumidor de informações. Não basta
apenas ele consumir as informações, ele tem de criá-las também. Sob este aspecto pode-se
dizer que a cultura na Terceira Onda acabou por se personalizar. Ela não é mais um produto de
massa.
" A desmassificação dos meios de comunicação de massa desmassifica igualmente as nossas
mentes. Durante a era da Segunda Onda o martelar contínuo das imagens padronizadas
expelidas pela propaganda criou o que os críticos chamaram uma "mentalidade de massa".
Hoje, em vez de massas de pessoas recebendo todas as mesmas mensagens, grupos
desmassificados menores recebem e enviam grandes quantidades de suas próprias imagens
de uns para os outros. Enquanto a sociedade inteira se desloca para a diversidade da Terceira
Onda, os novos meios de comunicação refletem e aceleram o processo. (...) O consenso de
despedaça. Num nível pessoal, são todos cercados e assaltados por fragmentos de fantasia,
contraditória e desconexa, que abala as nossas velhas idéias e chega até nós sob a forma de
blips quebrados ou desencarnados. Nós vivemos, de fato, numa " cultura do blip".
Com isto, há uma diferença básica entre a vivência dos sujeitos da Segunda Onda e da
Terceira Onda: a criação de uma autonomia maior. O que leva os indivíduos presos aos valores
da Segunda Onda a se sentirem ameaçados pelos valores e propostas da Terceira Onda.
" As pessoas da Segunda Onda, ansiosas pela moral pronta para uso e as certezas ideológicas
do passado, estão incomodadas e desorientadas pela blitz de informação. Sentem nostalgia
dos programas de rádio da década de 30 ou dos filmes da década de 40. Sentem-se excluídos
do ambiente dos novos meios de comunicação, não apenas porque muito do que ouvem é
ameaçador ou perturbador, mas porque as próprias embalagens em que chega a informação
são estranhas."
Face à um novo mundo que cobra posições pessoais, o sujeito se sente muitas vezes, a partir
de suas vivências anteriores, incapaz de dar uma resposta. São principalmente aqueles que
aprenderam a pensar através de processos simplificados préviamente estabelecidos. Ao fazê-lo
no circuito atual sentem-se impotentes, sem os parâmetros necessários de avaliação. Por outro
lado, frente à geração passada, a geração atual criada dentro do contexto da Terceira Onda se
vê com grandes vantagens..
"Em vez de recebermos longas e relacionadas "enfiadas" de idéias, organizadas e sintetizadas
para nós, estamos cada vez mais a breves e modelares blips de informação - anúncios,
pedidos, teorias, fiapos de notícias, fragmentos truncados que se recusam a encaixar-se
perfeitamente nos nossos arquivos mentais preexistentes. As novas fantasias resistem à
classificação, em parte porque freqüentemente caem fora das velhas categorias conceituais,
mas também porque vêm em embalagens demasiado estranhas de forma, transitórias e
desconexas. Assaltadas pelo que elas percebem como o tumulto da cultura blip, as pessoas da
Segunda Onda sentem uma raiva reprimida contra os meios de comunicação.
As pessoas da Terceira Onda, ao contrário, estão mais à vontade no meio deste bombardeio de
blips - a intersecção de recortes de notícias (devido) a um comercial de 30 segundos, um
fragmento de canção e letra, um cabeçalho, um cartoon, uma montagem, um item de panfleto,
um print-out de computador. Leitores insaciáveis de livros de bolso de ler e jogar fora e de
revistas de interesse especial engolem enormes quantidades de informação em pequenos
bocados. Mas também estão de olho naqueles novos conceitos ou metáforas que reúnem ou
organizam blips em totalidades maiores. Em vez de tentarem atulhar com os novos dados
modulares as categorias ou estruturas padronizadas da Segunda Onda, aprendem a fazer as
suas, a formar as suas próprias "enfiadas" do material "blipado" disparado sobre eles pelos
novos meios de propaganda. "
Em decorrência, são introduzidas formas diferentes de pensar a partir dos dois tipos de
civilização : a Segunda e a Terceira Onda. Na Segunda Onda o aluno vai estar pedindo
modelos prontos, enquanto que aqueles que vivenciaram os valores da Terceira Onda estarão
pedindo mais liberdade para pensar individualmente.
" Em vez de apenas recebermos o nosso modelo mental de realidade, nós agora somos
impelidos a inventá-lo e continuamente a reinventá-lo. Isto coloca um enorme fardo sobre nós.
Mas também conduz à maior individualidade, à desmassificação da personalidade, assim como
da cultura. Alguns de nós rebetam sob a nova pressão ou se recolhem à apatia ou à raiva.
Outros emergem como indivíduos bem formados, crescendo continuamente, competentes,
capazes de operar, por assim dizer, num nível mais alto. ( Num ou noutro caso, quer a tensão
se revele grande demais ou não, o resultado está muito longe dos robôs uniformes,
padronizados, facilmente arregimentados, previstos por tantos sociólogos e escritores da ficção
científica da era da Segunda Onda).
Acima de tudo isto, a desmassificação da civilização, que reflete e intensifica os meios de
comunicação, traz com ela um enorme salto na quantidade de informação que todos trocaremos
uns com os outros. E é este aumento que explica por que estamos nos tornando uma
"sociedade de informação". "
6. CONCLUSÃO: O NOVO PAPEL DA EDUCAÇÃO
O que isso tem a ver com as necessidades básicas do professor em seu processo de formação
e posterior prática pedagógica? Acreditamos que a Terceira Onda introduza uma posição
inédita na cultura humana: por um lado, o professor é um elemento altamente estratégico e, por
outro, pode ser facilmente dispensável. No primeiro caso, ele pode auxiliar os alunos a
aprender a selecionar melhor as suas alternativas e recursos de acesso à informação. Em
segundo lugar, o professor precisará estar constantemente atualizado para não se tornar um
elemento descartável.
Uma outra variável que não pode ser esquecida : tal como o professor o aluno precisará de
reciclagens constantes. A diferença é que ele necessitará de um professor com um alto nível
técnico de formação e informação.
Isto introduz uma alteração significativa no quadro de professores. A atualização de
conhecimentos torna-se um processo estratégico. Alguns serão facilmente dispensáveis;
aqueles não se atualizam. Para os demais, haverá sempre um novo campo de trabalho a ser
tecido e estruturado, a partir da própria demanda dos alunos.
Em decorrência, pode-se dizer que a própria escola muda. Enquanto na Segunda Onda as
informações básicas vinham através dela, na Terceira Onda os computadores parecem deter
este lugar estratégico. A base de informações maiores não virá dos professores, mas dos
próprios computadores que poderão ser acionados nos lares, nas bibliotecas ou na própria
escola. O professor se tornará então um orientador de formas de estudo mais adaptadas às
necessidades dos alunos. Assim, por exemplo, em vez de uma aula de história tradicional, um
cd-room elaborado com os mais recentes recursos de multimídia propiciará ao aluno um contato
mais aprofundado com a matéria. Ele poderá receber, além de um relato sobre os fatos mais
importantes do evento histórico, outras informações complementares. Saber como se constituia
a terra naquela época, como era o clima, o céu, a saúde dos sujeitos, etc. Ou seja, estamos
saindo de uma história monocromática para uma hipercromática e de recursos de multimídia.
Cabe aos professores, se quiserem participar deste processo de transformação social, uma
constante reciclagem. Para que eles não se tornem - como já ouvimos de muitos professores -
o "lixo" descartável desta nova era. Um professor atualizado é aquele que tem olhos no futuro e
a ação no presente, para não perder as possibilidades que o momento atual continuamente lhe
apresenta. Porém, isto não é alguma coisa que o sistema educacional possa obrigar os
professores a fazerem. A Informática é ainda uma opção, uma decisão do professor frente aos
seus novos rumos de trabalho.
TOFLLER, ALVIN - A TERCEIRA ONDA. Rio de Janeiro, Record, 1995, 21a. edição, p.177.
SANTOS, JAIR FERREIRA DOS - O QUE É PÓS-MODERNO. São Paulo, Brasiliense, 1986,
p.13.
SANTOS,JAIR FERREIRA DOS - O QUE É PÓS-MODERNO. São Paulo, Brasiliense, 1986,
p.16.
MERANI, ALBERTO L. - PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO - AS IDÉIAS PEDAGÓGICAS DE HENRI
WALLON. Lisboa, Editorial Notícias, 1977, p.75.
EVANGELISTA,JOÃO E. - CRISE DO MARXISMO E IRRACIONALISMO PÓS- MODERNO. São
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SÓCIO-HISTÓRICO.São Paulo,Editora Scipione,1993,p.23.
TOFFLER, ALVIN - A TERCEIRA ONDA. São Paulo, Editora Record, 1995, 21a. edição, p. 16.
TOFFLER, ALVIN - ob. cit., p. 19
TOFFLER, ALVIN - ob. cit., p. 162.
TOFFLER, ALVIN - ob. cit., p. 164.
TOFFLER, ALVIN - ob. cit., p. 171.
TOFFLER, ALVIN - ob. cit., p. 171.
TOFFLER, ALVIN - ob. cit., p. 171.
TOFFLER, ALVIN - ob. cit., p. 172.
TOFFLER, ALVIN - ob. cit., p. 172.
Retirado de http://www.regra.com.br/educacao/INDEX.htm