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O Direito das Gentes e a Informática
Marcos Sakamoto
Relembrando as lições de Introdução ao Estudo do Direito, Kelsen procurou convencer-nos, em sua Teoria Pura do Direito, que o Direito possuía apenas uma dimensão: a norma. Outras vozes, porém, insurgiram-se contra essa concepção uni-dimensionalista do Direito, e entre elas a do professor Miguel Realle para quem o Direito não seria um fenômeno estático, mas sim algo dinâmico. Desenvolver-se-ia no movimento de um processo que obedece a uma forma especial de dialética. Seria desta forma o resultado da soma vetorial de 3 componentes: de um lado, os fatos que ocorrem na vida social, portanto a dimensão fática do direito. De outro, os valores que presidem a evolução das idéias, portanto a dimensão axiológica do direito. Fatos e valores exigir-se-iam mutuamente, envolvendo-se em intensa atividade e dando origem à formação das estruturas normativas, esta a terceira dimensão do Direito.

Para nosso estudo o ponto fundamental consiste nesta possibilidade do Direito ser influenciado por fatos e valores, isto é, por elementos do mundo real. Isso deixa patente o seu potencial para modificar-se, evoluir, e, neste processo ser guiado por necessidades de um mundo em constante transformação. Confirmada esta regra, torna-se concreta a necessidade de dotar a ordem jurídica de mecanismos adequados a tratar de questões emergentes que surgem com o advento de novas tecnologias à vida das pessoas.

Constitui este trabalho uma abordagem específica dos desafios e oportunidades proporcionados pelo advento da tecnologia de informática no campo do Direito. O impacto de sua introdução, adoção e difusão no desenvolvimento do Direito possui implicações mais profundas, tanto do ponto de vista regional como num contexto internacional, do que costumamos imaginar.

A informática poderá vir a tornar-se elemento catalítico de uma completa re-estruturação dos pressupostos básicos de todo o sistema legal mundial, abrindo a oportunidade de integração dos sistemas nacionais em um sistema internacional e coerente. 

Um dos objetivos do trabalho é mostrar que apesar de ambiciosa, e quase pretensiosa, todos os elementos necessários à esta transformação já se encontram presentes. Este inevitável processo já se teria iniciado, sendo necessário aos juristas estarem preparados para compreendê-lo assegurando sua adequada condução.

Primeiramente serão analisados alguns casos em que se procurou ajustar a legislação existente às novas necessidades; caminhando um pouco adiante serão apresentados casos mais complexos onde identificam-se as dificuldades de conciliação do ordenamento, como originalmente concebido, diante de problemas que a informática introduz nos casos concretos; e finalmente será analisada a importância da resolução dos problemas estruturais e conceituais impostos pela tecnologia da informática como oportunidade de re-estruturar o direito, buscando eliminar muito dos atritos entre os diversos sistemas nacionais, que hoje representam verdadeiros freios ao desenvolvimento do comércio e cooperação internacionais.
 

I. O Desafio

A informática assume um papel de destaque nos dias de hoje, e muitos defendem que o impacto causado pelos computadores será maior do que aquele causado por outras tecnologias, tais como a máquina a vapor, o motor de combustão interna, a energia nuclear ou a exploração espacial. Uma das razões apontadas seria o fato que ao contrário de outras tecnologias, os computadores atuarem realizando não o trabalho muscular do homem, mas sim o seu trabalho cerebral. Mesmo o crescimento fantástico desta tecnologia pode ser explicado pelo fato de a ciência dos computadores ser auto-reprodutiva, muito dos avanços em software e hardware acabam sendo utilizados para o desenvolvimento de sistemas ainda mais complexos; de forma que ao desenvolver um novo modelo de computador, este será utilizado para ajudar no projeto de componentes, partes e peças de um sistema ainda mais poderoso - esta afirmativa vale tanto para o hardware tanto quanto para o software. Outro aspecto muito particular da informática é que o computador é um instrumento científico que obedece a leis mecânicas e lógicas que transcendem as barreiras lingüísticas e culturais. Assim como a música e a matemática também a informática - com seus desafios de interoperabilidade - está vencendo as fronteiras geográficas, políticas e culturais.

O ponto de maior relevância para juristas e legisladores volta-se para a extrema coerência da informática. No princípio, cada fornecedor desenvolveu sua própria arquitetura, e seu próprio software, de modo a utilizar a primeira de modo mais eficiente. Com o passar do tempo o mercado se desenvolveu e houve mudanças drásticas. As forças de mercado e a pressão da competição reduziram o número de fabricantes de hardware e o mercado de software tornou-se estratificado: sw básico, sw de rede, sw de comunicação, sw aplicativo, etc...

O desenvolvimento de processadores mais poderosos possibilitou que programas não tão eficientes começassem a rodar de forma satisfatória e uma nova indústria de software, desvinculada e independente, começou a surgir, voltada ao fornecimento de programas aplicativos aos usuários.

Na área de hardware básico os altos custos de desenvolvimento fizeram com que o número de fornecedores diminuísse ano após ano, até que atualmente um número relativamente pequeno de componentes semicondutores, utilizados em um número pouco variado de arquiteturas, com reduzido número de sistemas operacionais dominam o cenário mundial. A competição se concentra em preços, margens, qualidade e escala em detrimento do projeto em si.

Os EUA foram os pioneiros desta nova tecnologia o que fez com que o idioma inglês se tornasse o padrão de facto das linguagens de programação. Também na área de projeto e componentes semicondutores, foram as indústrias americanas que ditaram o tom para que o resto do mundo as acompanhasse; e foi isso que tais nações fizeram - em alguns casos tão bem sucedidas que chegaram a suplantar os próprios norte-americanos (a indústria de memórias dinâmicas, por exemplo).

Mas não foi somente o hardware e software que começaram a normatizar-se tornando-se compatíveis internacionalmente, sistemas inteiros de apoio ao comércio internacional: aquisição, armazenagem e recuperação de dados - foram montados sob plataformas comuns, de modo a atingirem maior eficiência, em diferentes países do mundo. Em paralelo, ocorria uma revolução nas telecomunicações: facilidades de transporte de dados, a preços menores e mais confiáveis - em particular redes digitais de comunicação, bastante adequadas ao transporte de dados e informações geradas pelos computadores que integravam tais sistemas.

Tais desenvolvimentos pressionaram (e continuam pressionando) no sentido de haver uma legislação compatível a atender demandas baseadas em uma tecnologia comum. O comércio, particularmente, necessita de condições razoavelmente previsíveis para que possa florescer, e ambientes razoavelmente semelhantes para que possa expandir-se; por ambientes semelhantes podemos incluir, entre outras, uma jurisdição legal comparável.

Pudemos, neste últimos anos, verificar um fenômeno interessante, dado o pioneirismo técnico dos EUA, também foi lá que começaram a surgir as primeiras leis, adaptações e ajustes legais relacionados com uma nova demanda processual, a das pessoas ligadas à informática. Isso criou uma expectativa de normas e desenvolvimentos semelhantes surgissem em outros pontos do mundo.

Este trabalho, contudo, defende um novo paradigma: Uma base tecnológica comum (a rede mundial de computadores) gera uma nova dimensão de demandas, que possui uma identidade própria, são demandas baseadas não em uma cultura regionalizada, mas sim em uma cultura uniforme, toda ela baseada na informática. Não mais existem as fronteiras física, políticas... estamos diante de um fenômeno global. Atingida uma determinada massa crítica, as pressões serão de tal monta, que as jurisdições nacionais terão de organizarem-se e uniformizar uma norma para atender, de forma comum, a todos estes usuários.
 
 

II. Adaptação
 

Uma tentativa explícita de adaptação da lei de modo a incluir a informática foi realizada em determinadas áreas. Em alguns casos tal adaptação constituiu-se de inovação estatutária, em outros da evolução da lei existente por via da analogia e interpretação. Qualquer que seja o método adotado, ele apresentará problemas; em parte devido à dificuldade de integrar duas áreas de conhecimento tão distintas.

Em primeiro lugar os juizes e os legisladores, originariamente, não possuíam os conhecimentos técnicos necessários para orientar a solução da lide no caso concreto, sem apelar para os pareceres e relatórios dos especialistas das áreas técnicas, especialistas que dificilmente poderiam ficar imparciais diante das tremendas pressões e lobbies de grupos industriais ou mesmo na posição de assistentes técnicos, não poderiam deixar de privilegiar o ponto de vistas de seus contratantes.

Por outro lado, também seria impossível conceber que o "misterioso" processo legal, onde "não existe crime sem que haja lei anterior que o defina", pudesse encontrar terreno fértil para desenvolver-se em uma área tão dinâmica e volátil como a da informática.

Foi possível identificar duas áreas de interesse em que, desde cedo, alguns problemas chamaram a atenção da população, foram elas: a privacidade de informação e os crimes de informática, cometidos via computadores. Em ambos os casos sentiu-se que as novas tecnologias teriam exposto fraquezas na fonte das leis, a mesma fonte que realizou
 
 

a) Privacidade
 

O computador consiste em uma ferramenta fantástica para a manipulação de imensas bases de dados, hoje é possível para técnicos dos Estados cruzar todas as transações relativas à vida de um nacional; aqueles outrora protegidos pelo simples fato de se encontrarem anônimos, como que "escondidos" em uma multidão, não mais podem contar com este abrigo. 

Porém teriam os Governos ou qualquer outra pessoa que tivesse acesso às diversas bases de dados que começam a ser organizadas pelas mais diversas instituições pelo mundo afora a divulgar os resultados do cruzamento destes dados? Se numa pesquisa via computador descubro que uma empresa ou pessoa costuma gastar mais do que pode arrecadar em condições normais, até que ponto esta informação poderia ser considerada como invasão à privacidade da pessoa (jurídica ou física)?

O cerne do problema parecer ser a vagueza da noção de privacidade, o que permite que qualquer tipo de ação recaia sobre este conceito e a natureza jurídica do bem protegido transforme-se de privacidade em informação. Hoje a questão começa a ter relevância, quando agências de informações começam a ser montadas com o único objetivo de vender informações a respeito de qualquer coisa (usualmente informações relativas a mercados: hábitos, gostos, tamanho, crescimento) para quem quer que esteja disposto a pagar por elas.

A rápida evolução da tecnologia digital ultrapassou, há muito tempo, os limites da legislação existente, e o esquema da presente legislação tem se mostrado, de longe, inadequado para proteger a privacidade dos negócios e das comunicações pessoais. A tecnologia está começando a disponibilizar respostas práticas à estas questões, sob a forma de sistemas criptográficos amigáveis e acessíveis. Apesar do uso de tais significarem uma barreira formidável à vigilância eletrônica autorizada, a combinação dos interesses privados e as necessidades práticas do mundo dos negócios prenunciam a adoção universal de técnicas de criptografia para as comunicações de dados.
 
 

b) Crime
 

Os chamados crimes de informática, praticados por meio do uso de computadores, estão entre os novos tipos penais previstos pelos códigos penais europeus. Há quem defenda uma lei específica e severa para tratar do assunto, criando tipos penais para cada hipótese de delito cometido por meio da informática. Mas outra corrente diz que é suficiente a previsão no código penal porque a legislação já define os crimes de falsidade, estelionato e outros que podem ser perpetrados por meio do computador. Em parte destes casos, realmente, a legislação existente está capacitada a fornecer a solução para o problema, porém existem novos tipos de crimes que teriam de ser definidos como tal, uma vez que somente através dos computadores alguns atos poderiam ser caracterizados como tal.

Vamos tomar o exemplo da internet: a quem processar no caso de ter sido enganado? Provavelmente ninguém. A internet é um maravilhoso esconderijo para aqueles que desejarem prejudicar alguém, provocar alguém, distribuir material pornográfico ou mesmo distribuir o software comercial de qualquer pessoa ou empresa!

Os delitos podem ser cometidos remotamente, de países diferentes, com legislações diferentes. O que é crime em um determinado país poderá não o ser em outro! As leis penais, por um lado, têm um caráter profundamente territorialista - e por outro lado chega a haver uma discussão sobre o fato de a lei do mundo real ser ou não aplicável ao espaço cibernético (Cyberspace).

Existe um mito de que as leis existentes não são aplicáveis ao mundo virtual. A jurisprudência norte-americana vem provando que muito se pode extrair das leis existentes para regular os comportamentos na Internet. 

Indivíduos e empresas que fazem uso da Internet estão sujeitos, ao menos, às leis do país de sua residência ou local de negócios e não há dúvidas de que estas leis são aplicáveis.

Porém, mesmo assumindo que leis existentes no mundo físico são aplicáveis ao mundo cibernético, resta saber como aplicá-las. A maior dificuldade seria a de determinar que país teria a jurisdição para julgar crimes ou proteger atos cometidos na Internet. Enquanto não existir uma resposta a essas questões, o usuário da Internet fica sujeito apenas às leis existentes que estão longe de apresentar soluções adequadas a todos os problemas que se lhe apresentam.
 
 

Outras duas áreas que começaram a suscitar questões igualmente interessantes e polêmicas com o advento da informática foram as áreas de copyright e layout de circuitos.
 
 

c) Copyright
 

Esta é uma área da lei na qual rapidamente ficou claro que o advento da tecnologia dos computadores traria problemas específicos. O problema mais imediato consiste no fato de que para que seja possível utilizar um programa de computador (software) é necessário que se faça uma cópia do mesmo na máquina que irá processá-lo. Esta é uma situação bastante distinta daquela que encontramos na reprodução de trabalhos literários, que podem ser utilizados sem que se tenha necessidade de fazer cópias deles.

O copyright sempre possuiu um caráter eminentemente internacional sendo que os tratados e convenções internacionais desempenham um papel bastante significativo neste campo. Os trabalhos artísticos e literários sempre buscaram uma audiência internacional. Exatamente na mesma medida os programas de computador vem buscando um mercado internacional, e dessa forma uma pressão considerável vem sendo feita no sentido de harmonizarem-se os regimes locais de diversos países. A busca pelo consenso demonstrou que a prática é bastante diferente da teoria. A partir de um texto consensado em inglês verificaram-se as dificuldades de adaptar o mesmo ao idioma de cada país, e de outro lado verificaram-se as dificuldades práticas de interpretação em países regidos pela "common-law" quando confrontadas as mesmas questões nos países regidos pelo Direito Codificado. Outro problema foi o dos tratados internacionais, a maioria deles redigidos numa era anterior à informática. Todas as provisões para os novos problemas deveriam ser obtidas através da interpretação da lei antiga. Desta maneira propôs-se que um protocolo especial fosse aditado à Convenção de Berna para tratar dos computadores, logo todos concluíram que uma solução deste tipo criaria tantos novos problemas quanto aqueles que conseguiria dirimir.

A conclusão final a que se chegou é simples. Não se pode pensar em um tratado internacional parcial, a mudança deve ser feita por completo ou não trará benefício algum.
 
 

d) Layout de Circuitos
 

Este caso em particular representa um exemplo interessante de como os interesses de um único Estado podem afetar toda uma estrutura legal internacional, e é justamente por este motivo que foi incluído aqui.

A tecnologia de layout para microprocessadores é bastante nova, porém segue o mesmo princípio básico do layout de circuitos eletrônicos convencionais. Esta tecnologia alcançou estágios bastante avançados nos EUA e depois difundiu-se pelas principais potências tecnológicas do mundo. Novamente pelo seu pioneirismo os EUA foram os primeiros a sentir as necessidades de mudança. Neste caso particular, na forma de emenda à lei de copyright. Depois de discussões bastante consideráveis decidiu-se não proceder a uma simples emenda, principalmente pelas conseqüências internacionais que tal ato acarretaria. Se os layouts fossem protegidos sob a égide de lei ordinária, então, pelos dispositivos do tratado internacional de Berna, os EUA seriam obrigados a promover uma proteção equivalente aos chips estrangeiros no seu território. Como isto foi tido como solução não satisfatória os EUA partiram por outro caminho. A lei iria proteger apenas os chips estrangeiros oriundos de jurisdições que protegessem os chips americanos de maneira equivalente, não às leis do país estrangeiro, mas sim uma proteção equivalente àquela dada aos fabricantes americanos sob sua própria jurisdição!

A realidade é muito simples, caracterizou-se uma tentativa (bem sucedida) de se exportar as leis norte-americanas para outros países, valendo-se da força e influência comerciais. Tal postura foi duramente criticada por estudiosos do direito internacional por constituir um ato de imposição, longe do ideal de uma solução de consenso.
 
 

III. As Oportunidades
 

Em abril de 1994, o operador de sistema ("sysop") da BBS "Cynosure" foi indiciado pela Corte Federal de Massachusetts por permitir a transferência de mais de US$ 1 milhão em programas de computador protegidos via copyright. Esse processo seguiu-se após a ação do FBI, em janeiro, visando o encerramento das atividades da BBS operado por David LaMacchia, estudante de 20 anos do MIT.

Este deverá ser o primeiro grande caso de processo contra um operador de sistema sob a lei federal de 1992, que atribui cumplicidade àquele que efetuar dez ou mais cópias de um programa protegido por copyright ou copiar e distribuir programas protegidos no valor de US$ 2,500.00 ou superior. A promotoria alega que o "sysop", utilizando codinomes como "Grimjack" e "John Grant", freqüentemente alertava aos usuários internet que mantivessem a identidade da BBS Cynosure em segredo dos oficiais de segurança do sistema (conhecidos como "net cops").

Operadores norte-americanos devem ser alertados do risco de serem processados sob as leis norte-americanas. Tais sysops e usuários, enquanto fora do território dos EUA, podem ter acesso a esse tipo de programas através das BBS norte-americanas e depois disponibilizá-los na internet, permanecendo fora da jurisdição dos EUA. Como a internet não possui nenhum dispositivo de segurança oficial, os "net cops" valem-se de indicadores, tais como picos de tráfego de rede como pistas para potenciais delitos.

A acusação citou um serviço anônimo de re-transmissão como a rota preferida dos usuários da BBS Cynosure. A existência de um número enorme pontos de acesso à internet e de serviços de re-transmissão impede que se possa determinar com precisão a identidade dos usuários, apenas o ponto de entrada à rede pode ser determinado (provedor).

Em resposta a este problema, poderemos antecipar um estreitamento na cooperação de autoridades policiais internacionais. US Trade Representative, World Intellectual Property Organisation e, sob a rodada do Uruguai do GATT - assinada em 15 de abril de 1994, a Organização Internacional do Comércio poderão adicionar este caso como um reforço e uma referência no combate ao crime eletrônico.

Dentro do Direito Interno dos EUA este caso irá servir como um teste de como se aplica a Primeira Emenda "Liberdade de expressão" no Espaço cibernético. A questão é determinar se uma pessoa que fornece o acesso a material protegido por copyright, inclusive permitindo sua cópia (download) é ou não responsável por tal atividade de cópia, levada a cabo por terceiros. Aparentemente a defesa de LaMacchia será a de que as pessoas que dirigem jornais, operadores de telefonia e BBS não seriam responsáveis pelas conversas criminosas que eventualmente possam trafegar por suas linhas de comunicação.

O caso acima foi retirado de uma revista especializada no que é chamado de Direito da Informática ("Computer Law") para exemplificar o caráter internacional da matéria, o interesse dos governos em regular a questão e da dificuldade de adaptar uma legislação existente aos fatos gerados por uma nova tecnologia.

A solução definitiva para algumas das questões previamente citadas passa não por uma adaptação, mas por uma revolução a nível da Estrutura e dos Conceitos do Direito como o conhecemos, aplicados a esta nova realidade. Problemas estruturais tem relação com a dificuldade de acomodar a tecnologia da informática, que parece pairar entre diferentes áreas do direito, conforme nós as conhecemos e definimos convencionalmente. Já os problemas conceituais decorrem da dificuldade de aplicar os conceitos tradicionais do direito mesmo dentro de uma área bem definida.

No primeiro caso podemos verificar as dificuldades em determinar a categoria do direito mais apropriada para lidar com os computadores. Nos primeiros dias da era da informática não havia programação no sentido como nós conhecemos hoje. As máquinas eram programadas, especificamente, para cada tarefa através de mudanças nos seus circuitos. Desta forma eram como qualquer nova máquina que poderia encontrar abrigo na lei das patentes. Porém logo em seguida o hardware foi padronizando-se e apareceram as primeiras máquinas universais programáveis. Com o mesmo hardware tais máquinas poderiam cumprir diferentes funções, apenas modificando um programa de execução de tarefas, que veio a ser conhecido como software. Nos dias de hoje a confusão apenas tem aumentado, visto que podem ser áreas elegíveis para tratar de questões ligadas aos computadores as seguintes áreas do direito à propriedade intelectual: Lei de patentes, copyright, Leis de competição desleal ou mesmo leis de marcas, contratos, confidencialidade e outras dependendo de que aspecto do caso em concreto esteja sendo apreciado.

No caso dos problemas conceituais observamos que mesmo isolando o problema dentro de uma área específica do direito, permanecem uma série de dúvidas quanto a aplicabilidade dos conceitos legais que servem de base à aplicação das normas. Senão vejamos, no caso da área Penal há dúvidas se a informação deve ser tratada como um objeto concreto, se a presença física deve permanecer com requisito básico para caracterizar uma violação de domicílio, se a natureza jurídica de uma ordem de pagamento eletrônica teria a força de um título extra-judicial, se é possível haver divisão de responsabilidades entre a máquina e seu operador... enfim qualquer jurista hoje pode pensar num exemplo onde o emprego de conceitos jurídicos tradicionais são, no mínimo, questionáveis. Um dos exemplos mais patentes se dá na área de Direito Penal, hoje adstrito à territorialidade, porém no próprio exemplo visto anteriormente fica clara a atual internacionalização do potencial ofensivo aos bens jurídicos que a lei penal tradicionalmente busca proteger e a conseqüente necessidade de uma reformulação a nível internacional das estruturas e conceitos jurídicos.
 
 

IV. A Revolução Digital: o fenômeno da internet
 

Poucos fora da indústria de computadores e telecomunicações se apercebem das dimensões revolucionárias assumidas pela transição da tecnologia analógica para a digital. A tecnologia digital apresenta potenciais imensos frente às limitações da analógica. É mais rápida, mais flexível, mas adaptável em quase todos os aspectos que lhe imponha algum desafio. A real capacidade da tecnologia digital está conduzindo uma mudança cultural, muito embora a própria sociedade venha se mostrando lenta em aperceber-se disto em meio à transição. Um bom lugar para estudar o fenômeno consiste na área de liberdade de comunicação, privacidade e segurança na presença das emergentes redes digitais de banda larga.

A população de modo geral está sendo bombardeado por termos como "Information Superhighway" - A superestrada da informação, "the Infobahn", "National Information Infrastructure", e "Global Information Infrastructure". Além destes termos, é lógico, há um foco obsessivo na Internet. 

A internet, como "rede das redes" não passa de um pequena parte desta construção global. A maior parte das redes digitais de banda larga podem conectar-se à internet mas devido ao crédito a ela na imprensa comum, tornou-se um ponto focal conveniente para o início de qualquer discussão sobre este assunto. Mas afinal de contas o que é a internet? A Internet evoluiu a partir da Arpanet (Advanced Research Project Agency Network) um projeto do DoD (Department of Defense) dos EUA, que objetivava a manutenção das comunicações entre cientistas e militares americanos mesmo no caso de um ataque nuclear.

Atualmente poderia ser melhor definida nas palavras de Clifford Stoll, astrônomo da universidade de Berkeley como: "[A internet é] a coisa mais próxima da verdadeira anarquia jamais criada".

A rede atingiu um tal porte que, com o atual número de usuários, torna-se quase impossível qualquer tentativa de regulamentação, os avanços e desenvolvimentos são feitos em tempo real, enquanto que as tentativas de se criar uma norma que a regulamente deve, obrigatoriamente, seguir o caminho da burocracia dos legisladores... A todo minuto de cada dia, milhões de usuários de computador conectam-se à internet - um megasistemas de bancos de dados eletrônicos contendo qualquer coisa que você quiser saber a respeito de qualquer assunto. A NET, como é chamada pelos seus usuários, permite que se faça virtualmente qualquer coisa: comunicação via e-mail, pesquisa, acesso à informações, aquisição de bens ou contratos de serviços, realização de negócios, procura de artigos de jornais, revistas ou músicas de qualquer país do mundo - tudo no conforto e privacidade do lar ou escritório. Então esta ferramenta tão poderosa, quase mágica, evoluiu de maneira tão rápida, que ultrapassa nossa capacidade de lidar com ela. Quem controla o que se passa na rede? Quem protege a privacidade dos usuários? Quanto dinheiro será gasto resolvendo essas questões nas cortes de justiça?

Novas questões, semelhantes a estas, surgem a cada dia e será trabalho dos futuros juristas desenvolverem um ordenamento capaz de lidar com tais situações. Para dar uma dimensão do problema a ser enfrentado, identificamos a seguir algumas das questões que têm sido o tema dos últimos encontros a respeito da internet: 

  1. Liberdade de expressão na Internet. Quem controla o sistema da Internet e como limitar esse controle?
  2. Validade dos contratos e acordos feitos na Internet. Quem irá arcar com os riscos e como controlar as relações dentro da Internet? Como regular a relação do usuário, provedores de acesso e serviços de informação e os negócios entre consumidores e fornecedores de informação?
  3. Liberdade de transmissão de informações sempre foi a regra dentro da Internet. Hoje a questão do direito autoral tem modificado este entendimento. Como regular os direitos autorais e de marcas dentro da Internet?
  4. Fraudes, furtes de dados do cartão de crédito. Quais as regras de conduta aplicáveis na rede? Os operadores de sistema podem ser responsabilizados por danos causados àqueles que usam o seu sistema?
  5. Como a lei pode proteger nossos direitos de privacidade na Internet?
  6. O que é considerado crime dentro da rede? O que pode ser feito quando se vê alguém cometendo um crime dentro da rede? Qual a responsabilidade do operador de sistemas por atos criminosos praticados na Internet?
  7. Qual a lei que protege o sistema de informações e os materiais contra a busca e apreensão?
  8. Como controlar e qual a lei aplicável que regule a distribuição de materiais obscenos, pornografia infantil e discursos indecentes? 
A solução definitiva para tais questões passa diretamente pela re-estruturação do sistema jurídico, a que nós já fizemos referência, quaisquer outras soluções serão meros paliativos que terão pouco ou nenhum efeito prático num contexto mais globalizado.
 
 

V. O Direito Internacional e a Soberania dos Estados
 

Globalização é a palavra usada para designar um processo importante que está ocorrendo no mundo. Por ser novo, não se pode delimitar quando ele se iniciou ou até que ponto irá prosseguir. Simplificando, a globalização é a aceleração dos contratos, trocas e viagens internacionais. Estes sempre existiram e, por si só, não caracterizam aquele processo novo. Mas a velocidade das trocas tem crescido exponencialmente nos últimos dez anos. A globalização é a ampliação das trocas entre pessoas e empresas de países diferentes.

Três conjuntos de fatores dão combustível a essa expansão. O primeiro é a revolução tecnológica propiciada pela informática, que aumentou a capacidade de processar informações para os indivíduos e as grandes empresas. O barateamento da transmissão de informações e interurbanos nacionais e internacionais vem a seguir. Por fim, a diminuição do preço de transporte internacional e o grande aumento na sua oferta completa a lista.

Por enquanto a globalização tem causado grande perplexidade, pois teme-se que ela possa causar desemprego, diminuição da soberania dos Estados e maior massificação das culturas populares. 

Se o texto acima soa familiar, a razão é unicamente o fato de estarmos falando da mesma coisa sob uma ótica diferente. Hoje não podemos dissociar a globalização da revolução da informação. A seguir reproduzimos um trecho do livro "Previsões e premissas" do futurólogo americano Alvin Toffler, autor do best-seller "A Terceira Onda", cujo pensamento destaca esta identidade entre globalização e informação, elevando esta última à condição de pivô da transformação social e como conseqüência direta, a transformação do Direito.
 
 

"Durante a era industrial, nossa principal preocupação era como produzir coisas. Agora é como dirigir coisas. Começamos a fazer uso de analogias de informação. Passamos a analisar problemas em termos de teoria de informação. Começamos a mudar de explicações behavioristas em psicologia para explicações cognitivas. ... Na política, e isto já sugerimos, questões sobre o controle das informações, a privacidade, a administração do fluxo de informações, tornam-se cada vez mais importantes. Assumem mesmo dimensão global, enquanto países discutem acremente questões tais como a proposta Nova Ordem Internacional de Informações. A "metainformação" transforma-se na chave do controle em todos os campos."
 
 

O Direito Internacional está relacionado à soberania dos seus sujeitos primários: os Estados, e por Estados devemos entendê-los em sua concepção de Estados Modernos - é caracterizado por um feixe de competências, poderes exclusivos e em função desta unidade, exclusividade da aplicação das normas jurídicas e do próprio sistema jurídico como um todo: a soberania.

O que caracteriza o Estado Nacional é o poder de aplicar a jurisdição do Direito Interno - não somente aplicar a jurisdição como também de determinar o que é legal e o que não é legal e finalmente o poder de punir aqueles que agem em desacordo destas normas (monopólio do Estado).

Uma das principais característica do Direito das Gentes: Nenhum Estado ou organização internacional pode se imiscuir em uma questão que seja de interesse interno exclusivo de outro Estado a não ser em certas condições específicas (e dentro destas condições, a principal é a manifestação de vontade desse Estado no sentido de conter este tipo de ingerência).

Por outro lado já nos foi dito que a evolução das necessidades dos grupos internos e das demandas nacionais corresponde à Evolução da própria sociedade! Isso corresponde a uma força transformadora irresistível que acabará por alterar esta realidade. À medida que as relações internacionais tornam-se cada vez mais integradas e os Estados dependentes uns dos outros haverá um movimento natural no sentido de se unificar o tratamento dado a questões comuns a todos estes Estados, a questão que deverá encabeçar a lista será a de uma legislação coerente, integrada e unificada para resolver os problemas ligados à informática.
 
 

VI. Conclusão
 

Aprendemos que o Direito Internacional se diferencia dos demais ramos do Direito, entre outras coisas, por apresentar uma dinâmica própria, uma dinâmica que acompanha aquela da evolução das sociedades. Diferente do direito interno, na sua busca pela estabilidade, e portanto intrinsecamente avesso à mudanças radicais, o Direito Internacional está fundamentado nas necessidades de um mundo cada vez mais globalizado, cada vez mais dinâmico.

Nos primeiros dias do advento do computador as necessidades legais foram satisfeitas pela adaptação das leis existentes, e pela criação de soluções legislativas ad hoc. Como a informática se tornasse cada vez mais integrada e presente no cotidiano das sociedades, tais expedientes foram tornando-se cada vez menos satisfatórios uma vez que levavam, inevitavelmente, a anomalias, e consequentemente a analogias e interpretações forçadas. Podemos, hoje, concluir que o desafio da nova tecnologia é mais profundo e pode levar a um trabalho básico de redefinição das estruturas e conceitos legais aplicáveis. Tal redefinição é necessária em todas as jurisdições, e uma oportunidade única é desta forma proporcionada para que se defina o direito interno de forma mais harmoniosa quando considerarmos as demais jurisdições ao redor do globo, uma vez que a informática traz à tona problemas similares, independente de religião, raça, cultura ... e mais importante ainda, ela responde da mesma forma às soluções ótimas que puderem ser encontradas. Dado o interesse de agentes internacionais nesta área, podemos prever que o advento do computador proporciona uma valiosa e talvez única oportunidade de harmonizar as disposições legais de cada país de modo a aperfeiçoar as relações internacionais, reduzindo o atrito as mesmas e mais do que isso podemos dizer que esta é uma tendência irreversível, caberá aos jurista e legisladores controlar e conduzir o processo de modo que seja menos traumático possível.
 
 

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