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Aprender nos Jornais Eletrónicos a Sobrevivência da Imprensa

Fernando Martins
"Jornal de Notícias"



 
 

Não sei se entre os que me ouvem há alguém que duvide da crise que a imprensa atravessa.

Que crise? Muitas crises (de qualidade, de imaginação, de vendas). E de tantas outras coisas que, todas juntas, acabam por traduzir-se na perda de leitores, que vai sempre desaguar numa crise ainda mais grave, que é a crise de publicidade que, quando é galopante, fere de morte.

Ainda que se ofereça o jornal ou a revista gratuitamente a quem comprar um CD, um livro ainda mais desinteressante que o jornal ou uma raspadinha para o país dos sonhos.

A força dos números

A crise existe, ainda que sentida de formas diferentes em sociedades diversas. O tema foi, aliás, motivo de um seminário em que participei e que, sob a égide da FIEJ (Federação Internacional dos Editores de Jornais) reuniu em Paris quase uma centena de responsáveis editoriais e não só da Imprensa dos quatro cantos do Mundo. Curiosamente, as grandes preocupações com a quebra nas vendas só não era partilhada por um dos presentes: por mim. Sem que, no entanto, isso fosse motivo de qualquer orgulho...

E isso porque vivemos num país em que, ainda mais alarmantes do que os níveis do analfabetismo são os índices de iliteracia. Sem querer maçá-los com estatísticas, penso que é importante referir alguns indicadores do Relatório do Desenvolvimento Humano referente a 1993, publicado em Nova Iorque pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. Neste estudo, Portugal surge em último lugar entre 78 países industrializados no que respeita à circulação de jornais diários.

Somos os últimos, com 38 jornais por cada 1000 habitantes, logo a seguir à Albânia, com 42. E se não nos vamos espantar com números como os da Noruega (614/1000), do Japão (587/1000) ou da Suécia e da Finlândia, que ultrapassam ambos os 500/1000, a verdade á que deviamos sentir-nos profundamente chocados com os valores da Grécia (140), da Irlanda (159) ou da Ucrânia (251).

(Não queria, ainda, deixar em claro este contraste gritante que extraí de um dos últimos relatórios da UNESCO sobre consumo de comunicação diversa: enquanto que um inglês lê, em média, 3 livros e meio por mês, cada português lê um livro de três meses e meio em três meses e meio.)

Como acabaram de verificar, o caso português era verdadeira excepção nas

preocupações dos restantes participantes no congresso da FIEJ: eles já falavam de perdas, quando nós teremos, durante muito tempo, de falar de conquistas.

A perda de leitores

Mas vale a pena falar um pouco mais das preocupações sentidas um pouco por todo o mundo. Os jornais perdem leitores: mas por que razão? Entre as mais citadas e debatidas vou referir:
  1. A perda dos hábitos de leitura, por parte dos jovens;
  2. O desajuste entre a linguagem dos jornais e a que os jovens utilizam para comunicar entre si;
  3. O divórcio entre o jornal e aqueles que são a sua base de sustentação:os leitores.
No que diz respeito à perda de hábitos de leitura pelos jovens, o vice-presidente da Associação Norte-Americana de Produtores de jornais caracterizou o problema desta forma:

"Podemos dividir a sociedade norte-americana deste século em três grandes fatias: a geração dos GIs, saída das duas guerras mundiais; a geração Vietname e a geração Tempestade no Deserto. A primeira foi, sem dúvida, a geração de ouro do consumo de comunicação escrita; a segunda, apesar de já sentir o grande impacto da concorrência dos audiovisuais, nem por isso perdeu de forma significativa os hábitos de leitura: mas a geração dos que combateram na Guerra do Golfo, essa, positivamente, não lê".

Nos Estados Unidos como em Portugal, e não cabe a este seminário o debate das razões da perda de atracção pela leitura - culpas que não podem ser assacadas exclusivamente à agressividade dos audiovisuais.

Quanto à linguagem usada por nós, profissionais da comunicação social, não há dúvida de que está a anos-luz dos códigos dos jovens, para quem nós devemos ser uns convencionalões ultrapassados.

Comunicar é preciso

Faltará, das três causas que apontei para a perda de leitores de jornais, abordar a última...

Ora, a falta de uma comunicação nos dois sentidos é uma realidade: sendo o leitor a justificação do jornal, a sua sobrevivência e, acima de tudo, a sua razão de ser, a verdade é que raramente é chamado a pronunciar-se sobre o conteúdo desse mesmo jornal. Muito menos a participar activamente na vida desse mesmo jornal.

Vale a pena, antes de dar novo salto nesta exposição, falar-vos do resultado de um estudo em que o Chicago Tribune investiu cerca de três milhões de dólares: decidiu convidar os jovens a eleborarem eles próprios, a edição de domingo do jornal, sob a supervisão técnica de meia dúzia de jornalistas. O resultado foi tão surpreendente, que a edição de domingo passou a vender mais do que a soma de todos os outros dias da semana!

De tudo quanto disse até ao momento, pode facilmente começar a inferir-se até que ponto os jornais on-line podem ajudar a ultrapassar a crise dos jornais impressos, tradicionais. Basta que estes se inspirem nas potencialidades e nos indicadores daqueles. Porque:

  1. A faceta lúdica e da novidade da Internet podem captar os jovens para a leitura de jornais electrónicos; a reconquista dos hábitos de leitura podm devolver leitores aos jornais com suporte de papel;
  2. A linguagem utilizada na WWW é mais simples e com códigos mais atraentes para os jovens; pode ajudar a uma renovação na escrita dos jornais tradicionais;
  3. A interactividade que a net consente proporciona a tal indispensável ligação biunívoca entre o jornal e os leitores. Assim saibam os directores dos jornais tradicionais a mensagem...

A lição da Internet

Nós, no "Jornal de Notícias", temos tentado aprender a lição...

Fomos os pioneiros em Portugal -- o que vale por dizer que o "Jornal de Notícias" foi o primeiro jornal diário português em versão electrónica. Impusemos a nós próprios metas sucessivas, e desde a primeira edição que o jornal é diariamente renovado cerca da meia-noite, surgindo ao pública horas antes da edição impressa. Com uma home-page atraente, mas com preocupações fundamentais de funcionalidade, vimos oferecendo um serviço em que têm crescido, de forma significativa, as exigências editoriais e gráficas. A 26 de Março último mudámos de rosto. Ao completarmos um ano on-line fizemos nova plástica facial.

Desde a primeira hora que nos apercebemos de que um dos maiores benefícios da rede era a interactividade. Um diálogo muito vivo e sobre a hora começou com aplausos e sugestões -- hoje constitui uma parte muito substancial da nossa edição electrónica. Como que fazendo jus às conclusões do Seminário da FIEJ, hoje, os nossos leitores on-line sentem que participam activamente na vida do seu jornal. Mais activos não podem ser, já que fazem parcialmente o seu jornal.

Criámos rubricas para receber uma colaboração que se vem mostrando particularmente viva. E se os foruns de discussão (mantemos quatro, em permanência) são ricos de conteúdo e de variedade, não têm menos interesse secções como A sua notícia (com notícias elaboradas pelos leitores), A Porta dos Talentos (que recolhe a criação literária dos nossos cybernautas), Desabafe Connosco ( o nome não deixa margem para dúvidas quanto ao conteúdo) e Esquina JN (verdadeiro ponto de encontro) de lusófonos espalhados pelos quatro cantos do Mundo.

Estamos convictos de que a interactividade é uma das chaves de um êxito que se mede por cerca de 20 mil consultas diárias neste período de férias. Mas é, de certeza, um sucesso que mais nos estimula a perseguir a ligação à comunidade lusófona, num estreitamento ainda maior.

Talvez por isso temos na nossa edição electrónica uma das mais completas listas de endereços electrónicos publicada em Portugal, para além de uma outra lista de URLS dos países lusófonos. Oferecemos, ainda, aos leitores, para além de temas especiais, um dicionário de cibernês.

Por outro lado, as mensagens que recebemos diariamente são para nós indicadores importantes que vão, naturalmente, influenciar a estratégia do "Jornal de Notícias" a médio e a longo prazo.

Mas enquanto estudamos a evolução do "Jornal de Notícias" electrónico e o aproveitamento recíproco de sinergias com a edição tradicional, temos a certeza de que estamos a servir duplamente leitores e anunciantes. Até porque se a Internet acaba por ser um importante veículo de promoção do JN em papel, também é verdade que o sangue novo que o centenário JN recebe pela via electrónica tem que, necessariamente, representar uma evolução positiva na via da qualidade.

Ainda que só esta palavra qualidade baste como enunciado não de um mas de muitos seminários.

A verdade é que nós, jornalistas, somos maus juízes dos jornais, principalmente dos jornais que fazemos e gostaríamos que fossem à imagem e semelhança dos nosso gostos. Sem nos interessar se são ( e isso sim, é que é importante) à medida dos leitores.

O diálogo permanente e na hora proporcionado pela Internet é uma contínua lição de humildade. Saibamos nós aproveitá-la em benefício do futuro dos nossos jornais. Com ela, decerto que ultrapassaremos as crises.