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A escola morrerá ?

Renato M.E. Sabbatini

Dois dos mais prestigiosos pensadores da atualidade, Marvin Minsky, e Ivan Illitch, escreveram recentemente um ensaio sobre o futuro do nosso sistema educacional. No artigo, uma frase retumbante, dessas que tem o poder de nos fazer refletir sobre algumas coisinhas fundamentais da nossa sociedade: o computador destruirá a escola.

Uma predição ousada ? Maluca ?

Nada disso. Illitch ficou famoso ao propor, algum tempo atrás, que o sistema educacional adotado na maioria das sociedades humanas possui um vício fundamental: ele é dedicado a suprimir, ao invés de adicionar e fazer crescer o ser humano. Suprime a criatividade e a curiosidade natural da criança, substituindo-a pela obediência cega, respeito ao princípio da autoridade, ênfase excessiva na transmissão unidirecional do conhecimento, e outros tantos defeitos essenciais que hoje já se tornou lugar comum criticar. Illitch sugere a volta a uma forma de aprendizado mais livre, desvinculado do ensino de massa (e massificante), que aproveite a fabulosa capacidade plástica do cérebro humano, principalmente durante nossa juventude.

Uma criança nasce para aprender, e tem suas estruturas cerebrais voltadas inatamente para isso. Imaginem, por exemplo, a quantidade brutal de informações novas que temos que absorver diariamente nos nossos primeiros dez anos de vida ! A esmagadora maioria desse aprendizado ocorre de forma não estruturada, ou seja, não é transmitida por um sistema formal de ensino. Um exemplo ‚ aprender a andar. Diz-se que uma criança cai cerca de 15.000 vezes antes de aprender a andar e correr corretamente. Esta é uma evidência absolutamente gritante da importância da tentativa e do erro no processo de aprendizado, que é a forma mais eficiente de torná-lo duradouro.

Tudo muito bem, tudo muito bom, só que há um pequeno detalhe: não é fácil destruir a escola tradicional, substituindo-a por um sistema mais individualizado e humano. Seria impossível economicamente, por exemplo, aumentar o número de mestres de modo a desmontar o ensino insensível de massa. Portanto, as utopias do Ivan Illitch continuaram sendo só isso, utopias irrealizáveis.

Entra o Marvin Minsky. Ele é um dos criadores de um dos mais avançados centros de computação do mundo, o Laboratório de Inteligência Artificial do Instituto de Tecnologia de Massachussets (o famoso MIT), nos EUA. Um de seus colegas, Seymour Papert, inventou a linguagem LOGO, após pesquisar longamente como se processa o aprendizado infantil, juntamente com o genial biólogo e psicólogo suiço, Jean Piaget. O LOGO foi feito especialmente para ser usado por crianças, para ampliar seu desenvolvimento cognitivo e expandir as fronteiras do aprendizado, incentivando a independência e a criatividade. O resultado das inúmeras pesquisas feitas com o LOGO, relatadas no seu livro "Brainstorms" (tempestades cerebrais), indicam que no futuro poder ser possível revolucionar a escola por meio do computador, utilizado como uma ferramenta de ensino e de aprendizado. A UNICAMP, aliás, ‚ pioneira nesses estudos no Brasil, sendo atualmente um dos centros mais desenvolvidos no mundo, através do trabalho do Prof. José Armando Valente, que trabalhou durante 8 anos com Papert nos Estados Unidos. Aqui ele realiza um elogiadissimo trabalho multidisciplinar de diagnóstico e recuperação de crianças deficientes cerebrais, utilizando o computador como uma janela para o mundo.

Minsky acha que, com o desenvolvimento fantástico da tecnologia da computação e da Inteligência Artificial, será inteiramente possível a volta ao ensino individual, desvinculado da instituição conceitual e física da escola como ela existe hoje. Com isso, ela será destruída, para ser substituída por algo melhor.

O professor não deixará de existir, e nem se terá que aumentar o seu número. Ele passará a ter novos papéis: o de facilitador do aprendizado (uma espécie de catalisador, com a ajuda do computador, dos livros, laboratórios e outros meios), o de socializador, o de exemplo de personalidade adulta, e assim por diante.

A tecnologia exerce um fascínio irresistível, e pode ser uma solução para muitos dos problemas da escola tradicional. Entretanto, toda essa nova ideologia ‚ muito boa para os países desenvolvidos, que já possuem uma boa estrutura educacional convencional. Para eles, será relativamente fácil realizar uma transição para um novo tipo de educação. Para nós, que somos carentes em quase tudo, com um sistema educacional arrasado e insuficiente, a coisa parece muito difícil de vir a ocorrer algum dia. Sem dúvida, a distância que nos separa do mundo desenvolvido aumentará enormemente se e quando eles conseguirem. A injustiça e as disparidades mundiais crescerão.

Por isso, apesar de toda nossa pobreza, não podemos renunciar ao estudo do papel do computador na educação.


Publicado em: Jornal Correio Popular, 10/12/92, Campinas

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