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Um Novo Perfil de Professor: Novas Exigências em Termos de Competências, Atitudes e Formação

Fernando Carrapiço
Universidade do Algarve



 
 
" ... a era da Informação revolucionou, sem dúvida, os aspectos técnicos da sociedade industrial" Kranzberg (1985)

"… perdemos a revolução audiovisual; não percamos a da informática." Gérard Bossuet (1985)

Mais de uma década se passou e estas afirmações mantém-se actuais. Continuamos a caminhar despreocupadamente sem olhar para o que passa à nossa volta na Sociedade em que vivemos.

De acordo com a teoria Funcionalista da Educação, a Escola existe para suprir as carências da Sociedade. É nela que se formam os cidadãos a pedido desta e com as características que ela exige. No entanto, dada a morosidade dos processos escolares, a maior parte das vezes a Escola atrasa-se muito em relação à sociedade e torna-se obsoleta, quer tecnicamente, quer em termos de produto final oferecido.

O aumento e aprofundamento dos diversos ramos do saber criou a especialização e a evolução constante de novas técnicas obriga-nos constantemente a actualizações nos mais diversos ramos.

Estamos pois perante uma necessidade constante de educação permanente, de formação continuada. A época em que se obtinha uma certificação para toda a vida, foi ultrapassada.

Embora os responsáveis pela educação escolar continuem a fazer um esforço para aumentar o tempo da sua duração, paradoxalmente, a Escola revela-se incapaz de dar uma formação para o resto da vida ao contrário do que acontecia até há poucos anos, deixa de ser o único lugar onde se adquire o conhecimento académico, por ela socialmente valorizado e certificado e com a ubiquidade dos "media" passou a ter de partilhar este papel que detinha, quase exclusivamente, ficando com uma quota notoriamente mais pequena.

A "escola paralela", liderada pela televisão, desempenha um papel ímpar e incontrolável na formação actual dos nossos cidadãos.

Estamos perante uma alteração profunda do principal papel da Escola, a qual, embora continue pólo importante na transmissão do conhecimento, se torna cada vez mais num local de discussão, reflexão e sistematização desse conhecimento. Era este o trunfo da Escola face aos "media"; a possibilidade de interacção, discussão e reflexão. Hoje, porém, com as tecnologias de video interactivo, com as capacidades de discussão em espaço aberto nos "BBS" e noutros espaços permitidos pelas redes actuais, nomeadamente pela rede das redes (a Internet), não resta alternativa à Escola senão adaptar-se, inovar e porventura aliar-se a estes meios, reconhecendo-os e integrando-os.

Paralelamente, o papel do professor altera-se substancialmente deixando de ser aquele que sabe tudo, que actua como simples transmissor de conhecimentos, para ser um companheiro mais velho, mais experiente, com um conhecimento mais abrangente, capaz de dinamizar o processo de aprendizagem que se gera nos alunos, contribuindo para a transformação da escola num local onde se aprende a aprender.

Nos anos sessenta, com a desmotivação dos alunos e a crise escolar, introduziu-se o computador na Escola, sendo um dos objectivos a substituição do professor e assim se poder melhorar o processo de ensino, que à data se considerava degradado, em parte supostamente por culpa do professor.

Estas experiências com intenção de introduzir o computador no ensino permitem-nos distinguir alguns períodos importantes desde então até aos dias de hoje: (a) a utilização de programas baseados em ensino programado- os tutoriais; (b) o abandono progressivo deste tipo de programas e o advento de filosofias que colocam o computador dependente do utilizador e não o inverso como tinha acontecido até então.

O computador visto como auxiliar pedagógico, i.e. como meio para criar novas situações de aprendizagem, é ainda hoje pouco utilizado e o seu papel mal compreendido. Pode mesmo dizer-se que o computador afectou ainda muito levemente os métodos e práticas de ensino actuais.

Há múltiplas razões que nos permitem explicar tal facto e podemos destacar as seguintes:

Por outro lado, a "aldeia global" já é uma realidade. "Os tempos actuais são tempos de profunda transformação tecnológica originada pela rápida difusão das novas tecnologias, em particular as associadas aos computadores e às comunicações" (Teodoro, V. e outros, 1991)

A introdução da Tecnologias de Informação na Escola não pode ser apenas encarada como uma mudança tecnológica. Não podemos pensar que estamos apenas a substituir ou a complementar o quadro preto, estamos a actuar também no modo como se aprende, como se ensina e como se interage com o conhecimento.

Só muito recentemente se começou a generalizar a ideia de complementaridade, a ideia de que estas tecnologias podem contribuir para originar novos processos de abordar velhas ideias e velhas práticas, já defendida por Schwartz em 1989.

Realça-se assim uma perspectiva contrária à do computador como instrumento de substituição. O computador aparece aqui como "instrumento para induzir mudanças no processo de aprendizagem". Esse confronto tem sido estudado em diversas investigações no domínio da utilização das Tecnologias de Informação na Educação.

Por outro lado a Escola Básica sofreu grandes alterações nos últimos anos quer provenientes da massificação que se verificou quer de natureza curricular, estando a ser implementada a nova reforma. Essa reforma implica um conjunto de actividades de natureza prática.

No entanto, verificamos que a escola de massas actual não contempla espaços para as actividades dos alunos, nomeadamente actividades que envolvam recursos do tipo laboratórios, oficinas, livros, computadores, etc., deixando o caminho livre à exposição do professor. "Não há laboratórios e oficinas operacionais, não há pequenas bibliotecas na sala de aula, não há facilidade de reprodução de documentos, não há técnicos auxiliares para as actividades educativas. Mas mesmo que todas estas condições se verifiquem, a dimensão das turmas na maior parte das escolas dificulta a criação dos verdadeiros ambientes de trabalho na sala de aula" (Teodoro e outros, 1992, p. 19).

No entanto verificamos que: (a) os computadores já são uma realidade na Escola, embora nem em todas as escolas; (b) os professores já receberam formação pedagógica e em certos casos técnica, que lhes permite lidar com os computadores - os receios estão hipoteticamente vencidos; (c) os alunos já conhecem bem o computador, afinal nasceram na época da informática; (d) já foram efectuadas várias experiências que pretendiam "medir" a eficácia dos computadores na aprendizagem; (e) também já foram identificados algumas das causas para esse alegado fracasso.

Parece pois que a situação que se nos coloca à partida é a de uma Escola preparada para enfrentar os desafios do futuro.

A realidade porém é um pouco diferente.

Não basta equipar a escola com computadores, é necessário criar as condições mínimas propícias ao seu uso.

Os professores são diariamente confrontados com um currículo extenso, desactualizado e desarticulado, que têm que cumprir.

O número de alunos por turma e a diversidade dos sujeitos é enorme. A necessidade de cumprir um conjunto de objectivos mínimos capazes de levar os alunos a mostrar um bom desempenho nos exames condiciona qualquer tipo de inovação ou "desvio" curricular.

O problema da formação de professores nas Tecnologias de Informação é particularmente delicado: o professor acumulou ideias e concepções, durante a sua Formação Inicial, que teria que ensinar esquecendo-se da vertente aprender. Além disso, tradicionalmente, a relação professor-aluno baseia-se no facto de que este sabe mais do que o aluno.

O processo de aprendizagem das Tecnologias de Informação colide com esta visão redutora. É vulgar os alunos dominarem melhor do que o professor esta área e normalmente apreenderem-na mais depressa.

Este facto constitui uma carga de insegurança para muitos docentes pois entra em confronto com as ideias e concepções trazidas da sua formação inicial.

Cremos que as várias formas de formação de professores deveriam incluir a vertente tecnológica, ultrapassando naturalmente a tradicional "Tecnologia Educativa".

A formação de professores não deve ser perspectivada apenas em termos de hoje ou de amanhã, mas também para depois de amanhã. É urgente definir um novo perfil de professor que se adapte às exigências actuais e repensar a formação a dar a esses professores.

A Formação Inicial não tem contemplado a componente informática ou pelo menos não se tem preocupado com a componente pedagógica da informática.

Algumas escolas de formação de professores actualmente já consagram nos seus currículos disciplinas obrigatórias que versam a utilização dos meios informáticos. No entanto verificamos que, dadas as cotas atribuídas aos diversos tipos de formação de um professor e às pressões que ainda se fazem sentir contra estes temas, essas disciplinas normalmente ficam-se por uma carga horária de 3 horas semanais a ministrar apenas num semestre.

Se tivermos em conta o elevado número de alunos por turma, a fraca qualidade e actualidade dos equipamentos, o aumento crescente das exigências em termos de "software" e sua rápida desactualização, o tempo não chega para se dar uma formação minimamente capaz no manuseio do equipamento deixando os futuros professores com poucas capacidades para mais tarde poderem evoluir.

Fica por cumprir quase sempre a parte mais importante da formação deste tipo de disciplina, a aplicação à sala de aula e ao trabalho com alunos.

Resta aos futuros professores a possibilidade de se actualizarem em cursos de Formação Contínua ou enveredarem pela auto-formação, componente extremamente importante nesta área, base fundamental para a aprendizagem das Tecnologias de Informação.

Compete às instituições formadoras de professores equacionar o problema, rever os seus planos curriculares e fazer, elas próprias, uma integração destas tecnologias nas actividades normais de sala de aula. Os alunos começam a despertar para a importância do uso das Tecnologias de Informação neste contexto e assegura-se-lhes assim a possibilidade de obter uma formação complementar à que é dada nas disciplinas específicas.

Muitas vezes as escolas formadoras de professores são acusadas de não praticarem o que defendem. Seria uma boa oportunidade de evitar este tipo de críticas.

Pensamos portanto que é necessário actuar em várias frentes:

a) na formação inicial de professores

b) na formação contínua de professores

c) na mudança dos planos curriculares das escolas

d) na mudança das mentalidades, práticas e atitudes dos próprios professores

e) na mudança do próprio sistema educativo

Se conseguirmos, pelo menos, actuar nalgumas destas frentes estaremos a contribuir para criar o professor do futuro, isto é:

o professor cooperante, companheiro, dinamizador, orientador, dialogante, aberto à inovação, à discussão e à reflexão, não acomodado, actualizado e actualizável, exigente consigo próprio, competente, metódico, reactivo, não receoso, independente mas capaz de partilhar experiências e de trabalhar em grupo, consciente da imensidão do conhecimento e simultaneamente da sua pequenez, da dificuldade de seleccioná-lo e da facilidade em alcançá-lo utilizando as novas ferramentas ao seu dispor, contra o saber acabado, consciente de que a aprendizagem ultrapassa largamente o conceito de ensino e de que é essencialmente um processo de transformação, generalista q.b. mas simultaneamente "especialista", humano, colega, …

Poderíamos ainda enumerar mais um vasto conjunto de adjectivos no sentido de clarificar ainda mais o que deverá ser um professor da actualidade preparado para enfrentar os desafios do futuro, da Escola Paralela e dos novos conceitos, processos e resultados da aprendizagem mas tal não se nos afigura necessário.

Provavelmente todos os professores são pelo menos um pouco de cada um dos aspectos já referidos. Nesse caso apenas propomos um aprofundamento dessas capacidades e quiçá, uma aplicação prática mais visível.

Se à saída de uma escola formadora de professores ou numa qualquer escola viermos a encontrar um "super ser" com estas características então encontrámos um professor.

Referências e Bibliografia

Bossuet, G. (1985) O Computador na Escola - O sistema logo. Ed. Artes Médicas Sul, Porto Alegre

Darling-Hammond, L.; Cobb, L. (1996) The Changing Context for Teacher Education, in F. Murray (ed), The Teacher Educator's Handbook (pp 14-62), S. Francisco

Driver, R. (1995) The Constructivist Approachs to Science Teaching. In L. Steff & J. Gale (eds), Constructivism in Education (pp. 385-400), Hillsdale, N.J.: Lawrence Erlbaum.

Kranzberg, M. (1985) The Information Age. [In: B. R. Guile (ed.), Information Technologies and Social Transformation.] Oxford: Basil Blackwell.

Porlán, R. (1993) Construtivismo y Escuela. Diada, Sevilla

Squires, D.; McDouguell, A. (1994) Choosing and Using Educational Software. The Falmer Press. London.

Teodoro, V. ; Freitas, J. (1992) Educação e Computadores. Gep. Lisboa

Underwood, J. (1990) Computer-Based Learning. Ed David Fulton Publishers, London