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Desconcentrar recursos


Marconi Perillo 

Quando se iniciou a colonização portuguesa no Brasil, a ocupação concentrou-se numa estreita faixa ao longo do litoral, de norte a sul. Séculos se passaram até que a população começasse lentamente a tomar o caminho do interior do território. E outros séculos ainda foram necessários até que houvesse uma política governamental de ocupação sistemática dos imensos vazios do país, o que aconteceu apenas com Vargas e sua Marcha para o Oeste, na década de 1930.

Hoje, passados mais de 500 anos do início da colonização européia, a população já descobriu o interior do país, e cada vez mais empurra a fronteira da integração para o oeste e para o norte. O eixo Goiânia-Brasília, por exemplo, apresenta uma das maiores concentrações populacionais e consumidoras do país, com mais de 6 milhões de habitantes numa estreita faixa de 200 quilômetros de extensão.

Outros setores que também já descobriram o interior são a indústria, o comércio e os serviços. Há hoje vários pólos econômicos espalhados pelo oeste brasileiro. A nova fronteira agrícola é o cerrado, e Goiás já é responsável por 10% da safra agrícola nacional, dobrou sua capacidade de exportar nos últimos 4 anos, colabora efetivamente com o superávit primário do país e responde aos investimentos recebidos com resultados cada vez mais surpreendentes.

Infelizmente, essa realidade se inverte no que toca à destinação de recursos federais para ciência e tecnologia. O que se vê é a falta de política de distribuição de investimentos em infra-estrutura. Se a população e o capital privado já iniciaram há muito um processo de desconcentração, os investimentos federais ainda se concentram no sudeste, aquela mesma tímida faixa litorânea dos portugueses.

É uma situação difícil de compreender, principalmente se pensarmos que o Brasil é um dos poucos países que não têm barreiras naturais em seu território. Há uma continuidade do Chuí não apenas ao Oiapoque, mas até a Serra do Pacaraima. É como um convite a um passeio pelo enorme país. E isso torna ainda menos compreensível a desigualdade na distribuição espacial brasileira.

Mas se faltam investimentos federais em pesquisa fora do sudeste, isso não quer dizer que outras regiões não estejam investindo na área. Tomando Goiás como exemplo, em 2002 o estado investiu em pesquisa mais de R$ 28 milhões. Pois no mesmo ano, o governo federal aplicou ali apenas R$ 4 milhões. Esses dados colocam Goiás como o 4 estado que mais investiu em ciência e tecnologia no Brasil em 2002, ao mesmo tempo que foi o 2 que menos recebeu recursos do governo federal na área.

Não se pretende pleitear diminuição dos investimentos no sudeste. O que se pretende é que haja uma contrapartida do governo federal, a partir dos recursos efetivamente investidos pelos estados no setor. Uma sugestão é que a cada real investido pelo estado, o governo federal destine o mesmo valor ao setor.

Ciência e tecnologia é uma área fundamental para qualquer país. Nas nações mais desenvolvidas fica evidente a importância da área pelos percentuais do PIB a ela destinados. É sempre mais que 3%. Em alguns países, esse percentual atinge quase 5%, caso de Alemanha, Reino Unido e França, entre outros. Nos últimos dois anos, no Brasil esse percentual já atingiu 0,9%. Se por um lado é um percentual ainda pequeno, ínfimo, esse valor deve ser saudado ante a média histórica, de menos de 0,6% do PIB.

Investimentos em pesquisa, em ciência e tecnologia têm a capacidade de atrair pesquisadores e estudantes de pós-graduação, de qualificar ainda mais a população e aglutinar conhecimento. Hoje, umas poucas instituições concentram a maioria dos cursos de doutorado. Novamente 80% deles estão no sudeste. Ao distribuir essa infra-estrutura pelo país, o resultado é facilidade de acesso a um maior número de pessoas que queiram qualificar-se, é mais facilidade para instituições que se disponham a desenvolver conhecimento. A pesquisa e a formação ficam mais democráticas.

Regiões mais bem estruturadas têm naturalmente a capacidade de captar mais recursos e atrair pessoal mais bem qualificado. Mas numa situação dessas, o governo federal manter-se à distância, apenas assistindo à concentração cada vez maior dos recursos, é furtar-se ao ideal da União. Para que a União cumpra seu papel, é preciso que todos os estados tenham a mesma prerrogativa de se desenvolver.

Se no passado a política de educação e pesquisa era criar e estimular no país uns poucos centros de excelência, concentrando aí a grande maioria dos investimentos, hoje a situação começa a mudar. O ministro de Ciência e Tecnologia reconhece a discrepância na situação. O Legislativo está apreciando matéria que propõe destinar 40% de todos os recursos do orçamento de Ciência e Tecnologia às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, durante os próximos 15 anos.

É um alento. Mas é preciso mais. Só com a distribuição igualitária de recursos é que conseguiremos um verdadeiro pacto federativo, em condições de oferecer oportunidades iguais a todos os seus cidadãos. Só com a igualdade de distribuição de recursos e infra-estrutura é que conseguiremos materializar o direito constitucional de ir e vir. Um dia será possível morar e trabalhar, investir e educar-se em qualquer parte de todo este imenso país.

Marconi Perillo 
Governador de Goiás.


 

Fonte:http://oglobo.globo.com/opiniao/default.htm