BUSCALEGIS.ccj.ufsc.br
AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NO DIREITO PÁTRIO: DEFINIÇÃO E
CARACTERIZAÇÃO DE ATIVIDADE PRÓPRIA OU EXCLUSIVA
LEONARDO HENRIQUE
MUNDIM MORAES OLIVEIRA
1. INTRODUÇÃO
Dentre as questões que mais geram controvérsia no Direito Econômico, e expõem à
indesejável desuniformidade tanto as decisões administrativas quanto as
judiciais, está a da definição de ‘Instituição Financeira’ e, especialmente, a da
definição do que seja ‘atividade própria ou exclusiva de Instituição
Financeira’.
Para se aferir a relevância de tais definições, é suficiente dizer que delas
dependem diretamente a questão da licitude ou ilicitude da prática de
empréstimos a juros anormais, a questão da aplicabilidade de alguns crimes do
colarinho branco (Lei nº 7492/86), a questão da aplicabilidade do crime de
usura (art. 4º da Lei nº 1.521/51 c/c art. 1º do Decreto nº 22.626/33), e a
questão da aplicabilidade de multa administrativa (Lei nº 4.595/64).
É prerrogativa do Banco Central do Brasil conceder a indispensável autorização
prévia para que uma Instituição Financeira possa funcionar no País (Lei nº
4.595/64, art. 10, inc. IX). E, no âmbito de seu poder fiscalizatório e
supervisor, cabe igualmente àquela Autarquia Federal aplicar penalidade de
multa (até R$ 100.000,00 – Lei nº 9.069/95), a qualquer pessoa física ou
jurídica que exercer, sem a hábil autorização, atividade própria ou exclusiva
de Instituição Financeira.
A Lei nº 7.492/86, por sua vez, pune com pena de reclusão o indivíduo que ‘faz
operar’ Instituição Financeira sem a devida autorização do Banco Central do
Brasil (art. 16).
Em tese, pois, o forte cerco legislativo deveria inibir a conduta indesejada.
Todavia, a Jurisprudência, e mesmo os ementários da Administração Pública,
evidenciam discrepâncias na condução do caso e na aplicação de sanções, todas
fulcradas - ou de alguma forma decorrentes - da vexata quaestio referida no
início deste texto, que pode ser desdobrada em três questionamentos: O que é
Instituição Financeira?; Quais são, no Direito Pátrio, as Instituições
Financeiras?; e, o mais importante, O que é atividade própria ou exclusiva de
Instituição Financeira?, e Em que circunstâncias uma corriqueira atividade de
concessão de empréstimos ou realização de contratos de mútuo pecuniário deve
sofrer punição?
1.1. Relevância da intervenção estatal
Sabido que é no ramo de concessão de financiamentos que têm atuação básica as
Instituições Financeiras.
Desnecessário dizer muito sobre a importância de o Estado regular o mercado de
financiamentos. Se não o fizesse - se qualquer do povo pudesse emprestar da
maneira que lhe conviesse -, seria brutal, desordenada e injusta a
transferência de riqueza, que estaria respaldada unicamente no nível de
angústia ou prodigalidade de quem necessitasse da pecúnia, sem falar na
instabilidade que se provocaria nas famílias, no encrudelescimento das
falências comerciais e insolvências civis, e no presumível aumento da
criminalidade frente aos débitos impagáveis.
2. DESENVOLVIMENTO DO TEMA
Relevante destacar, em preâmbulo, que o mútuo ou empréstimo referenciado ao
longo do trabalho restringe-se, aqui, àquele que tem, por objeto, o dinheiro.
Inicialmente, pedimos vênia para não transcrever quaisquer das pertinentes
manifestações doutrinárias ou jurisprudenciais já produzidas acerca da matéria,
posto estamparem variegadas divergências, e uma vez que ora se pretende propor
um novo enfoque para o assunto, que seja conciliatório, e que possa abranger em
si a solução das sucessivas situações novas que a atividade econômica é capaz
de gerar.
2.1. Critérios comumente adotados
O que se tem atualmente, no âmbito dos órgãos governamentais que deliberam
sobre o sistema financeiro nacional, é a orientação que não define, mas apenas
conceitua Instituição Financeira e atividade própria ou exclusiva de
Instituição Financeira, fazendo-o de uma maneira que nos parece, data venia,
muito casuística, e que consiste na aferição da presença concomitante dos seguintes
requisitos, que devem informar se a atividade investigada imprescindia ou não
da prévia autorização governamental: coleta, intermediação e aplicação de
recursos, fim lucrativo, habitualidade mínima e caráter público da oferta de
recursos.
Significa que, a princípio, somente em se podendo comprovar a presença de todos
os pressupostos supracitados, poder-se-ia instaurar procedimento administrativo
e processo criminal contra o agente financeiro desautorizado.
Pensamos, data venia, que a utilização de tantos e tais critérios tende apenas
a dificultar o enquadramento em ilícito administrativo ou penal. Não bastasse,
é patente a subjetividade de cada um dos requisitos, o que, além de gerar
controvérsia dentro dos próprios órgãos estatais, ainda possibilita inúmeras
nuances de defesa, eventualmente ensejadoras de impunidade.
Permitimo-nos realizar, sucintamente, uma análise crítica da pertinência de
cada um dos vigentes requisitos, atualmente necessários para caracterizar o
exercício de atividade própria ou exclusiva de Instituição Financeira:
2.1.1. coleta de recursos
O verbo “coletar”, aqui, traz o sentido de arrecadar. Significa arrecadação de
recursos, portanto.
A obrigatoriedade da presença concomitante da coleta é, data venia, pouco
conveniente, posto que excluiria da ilicitude as concessões de empréstimos
respaldadas por recursos próprios da pessoa física ou jurídica financiadora.
Permiti-lo implicaria em apreciar uma mesma conduta – financiar - sob dois
aspectos diferentes, em razão de uma questão secundária como a origem dos
recursos emprestados.
2.1.2. intermediação dos recursos
Sabendo-se que a intermediação envolve atividade de repasse de recursos de
terceiros, pode-se aferir a inocuidade do requisito com um exemplo:
Os Bancos Comerciais, eminentes financiadores, têm por natureza emprestar
quaisquer recursos não-vinculados recebidos em sua atividade cotidiana.
Todavia, nem todos os recursos manejados pelos referidos estabelecimentos
bancários são de propriedade dos depositantes ou investidores.
Veja-se o caso dos juros recebidos em contrato de cheque especial, e o caso da
remuneração de serviços bancários debitada em conta de depósito. Tais recursos
passam a integrar o patrimônio do Banco como disposição própria, e ainda assim
são emprestados, repassados aos tomadores.
Não houvera portanto, intermediação, e no entanto os recursos foram utilizados
para financiamentos. Seria plausível, em cada processo criminal ou
administrativo por atividade financeira desautorizada, apreciar qual a parcela
de recursos emprestados que pertencem originalmente a terceiros – objeto de
intermediação -, e qual a parcela de recursos próprios, advinda dos juros e da
prestação de serviços? As comunicações ao Ministério Público deveriam
especificar tais percentuais, para que fossem excluídos da subseqüente
deliberação judicial?
2.1.3. aplicação de recursos
Este seria um requisito válido, mas desde que dirigido a uma finalidade
específica. Não basta à ilicitude a simples aplicação dos recursos; a proibição
está na natureza da aplicação dos recursos e no objetivo ensejador do contrato
pecuniário, como se explicará adiante.
Somente en passant, é importante ressaltar que, na atividade financeira, sempre
haverá ou a coleta, ou a intermediação, ou a aplicação de recursos, sem
concomitância, razão pela qual aqueles não são requisitos essenciais, mas
apenas circunstâncias naturais ou inerentes.
2.1.4. fim lucrativo
O problema aqui é de definição específica: o que é lucro, quando se configura
na medida em que o bem principal, nos contratos de mútuo, é o próprio dinheiro?
Os juros podem se considerados uma forma de lucro?
2.1.5. habitualidade mínima
“Habitualidade” é um vocábulo deveras subjetivo. O que seria habitual em
matéria de concessão de financiamentos? Uma vez por mês, uma vez por semana? A
Lei 8.906/94, por exemplo, considera atividade advocatícia habitual, para fins
de inscrição suplementar na OAB, o manejo de cinco causas por ano.
Enfim, cada Administrador, cada Advogado, cada Membro do Parquet, cada
Magistrado pode ter uma idéia própria de habitualidade, o que dificulta a
essencial transparência e coordenação dos atos estatais, e redunda em
instabilidade na aplicação de sanções.
2.1.6. caráter público da oferta de recursos
Segundo De Plácido e Silva, “público equivale a notório, geral, publicado,
divulgado, conhecido.” (in “Vocabulário Jurídico” – vol. III, Ed. Forense, 6ª
edição, p. 1.263). Ora, aqui novamente se estaria atribuindo a uma
circunstância menor o valor de requisito intrínseco.
Efetivamente, não é necessário que a oferta de recursos financeiros tenha
caráter público, cediço ainda que o simples fato de publicizar a notícia da
prática ilegal de atividades de financiamento não é, só por si, criminosa ou
administrativamente reprovável. O que importa, repita-se, é a atividade em si.
3. EQUACIONAMENTO DA QUESTÃO
Talvez toda a controvérsia tenha surgido do ângulo pelo qual se vem enfocando o
problema.
Entendemos que o ponto nodal da questão não é nem saber o que é Instituição
Financeira, mas saber quando é que uma determinada atividade de financiamento é
considerada própria, exclusiva de Instituição Financeira, e especialmente quais
as características que diferenciam tal mister - dependente de prévia
autorização governamental -, da simples realização de adiantamentos ou
contratos de mútuo pecuniário, prevista nos arts. 1.256 a 1.264 do Código Civil
e praticável por qualquer pessoa.
Isso porque as sanções legalmente estabelecidas – penal e administrativa -,
devem assentar não sobre o conceito, mas sobre a prática. Vale dizer: uma
pessoa física ou jurídica não pode ser punida por ser conceituada como ou por
se equiparar a uma Instituição Financeira; uma pessoa física ou jurídica pode e
deve ser punida, aí sim, por, sem autorização do Banco Central, atuar como
Instituição Financeira, ou seja, praticar, irregularmente, ato próprio,
exclusivo de Instituição Financeira.
3.1. Atividade financeira e requisitos propostos para caracterização da
atividade própria ou exclusiva de Instituição Financeira
Inicialmente, cabe assentar que atividade financeira é aquela mediante a qual
uma pessoa física ou jurídica disponibiliza dinheiro a outra, direta ou
indiretamente. Diretamente, quando o numerário é entregue ao próprio
financiado. Indiretamente, quando o numerário é entregue a terceiro, em
benefício do financiado, geralmente sob a forma de adiantamento.
A destinação do financiamento pode ser específica – custeio para aquisição ou
empreendimento -, ou genérica – capital de giro, despesas pessoais ou gerais,
abatimento de dívidas preexistentes, etc. E, sob o aspecto da atividade
negocial – que aqui se pretende caracterizar -, a concessão da pecúnia deve
estar acompanhada da obrigatoriedade de restituição.
Sob tais embasamentos, a atividade comercial tida como própria ou exclusiva de
Instituição Financeira não deixa de ser, primariamente, uma atividade comercial
de realização contínua de contratos de mútuo. O que vai diferir a atividade de
financiamento própria ou exclusiva de Instituição Financeira da atividade de
realizar simples contratos de empréstimo previstos na lei civil, é,
acreditamos, a verificação concomitante de dois requisitos básicos, peculiares
e exclusivos do primeiro mister, em substituição a todos os requisitos
atualmente vigentes: a) obtenção de lucro strictu sensu na atividade de
emprestar, frente ao financiado ou a terceiro; e b) reinserção do resultado dos
financiamentos no fluxo comercial específico, de forma manifesta ou presumida.
3.1.1. lucro strictu sensu
Ab initio, consigne-se que o lucro aqui abordado é no sentido estrito da
palavra, não sendo tido, pois, como sinônimo de ‘faturamento’.
Ainda assim, é tarefa difícil definir o que seja lucro strictu sensu no caso de
financiamentos, ou seja, contratos pecuniários puros.
Pensamos que sua definição deve pautar-se em duas diretrizes: a) o lucro
strictu sensu significa basicamente um ganho, isto é, um plus auferido na
atividade; b) a simples remuneração de uma atividade não é uma forma de ganho,
não representa um plus, mas apenas o justo pagamento pela prestação do outro
contratante. O lucro, lembre-se, é uma característica típica da
profissionalização da atividade.
Ora, no contrato de mútuo ou empréstimo, o capital em si é a própria prestação
– uma prestação do financiador ao financiado –, e esta é obviamente contraposta
por outra prestação, também pecuniária, por parte do financiado ou de terceiro,
a ser implementada adicionalmente à devolução do capital adiantado ou mutuado.
Entendemos que essa contraprestação do financiado ou de terceiro enquadra-se
como uma remuneração contratual, destinada apenas a compensar, para o
financiador, a disponibilização do capital que fizera, direta ou indiretamente,
ao financiado.
E a remuneração do capital, como cediço, é representada pelos juros. Diz
Washington de Barros Monteiro:
“Juros são o rendimento do capital, os frutos produzidos pelo dinheiro. Assim
como o aluguel constitui o preço correspondente ao uso da coisa no contrato de
locação, representam os juros a renda de determinado capital.” (in “Curso de
Direito Civil”, Direito das Obrigações – 1ª parte, Ed. Saraiva, 11ª edição, p
337)
Na medida em que os juros, em sua essência, significam uma renda lícita -
porquanto decorrente de um contrato de prestação de capital -, a sua simples
cobrança em um empréstimo ou financiamento não implicaria, a princípio, num
plus ou lucro, mas apenas - e tão-somente - numa digna e justa remuneração em
favor do financiador.
Entretanto, o legislador pátrio houve por bem fixar um limite ao montante de
juros, fazendo-o através do art. 1º do Decreto nº 22.626/33, in verbis:
“Art. 1º É vedado, e será punido nos termos desta Lei, estipular em quaisquer
contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art.
n. 1.062).”
E o singelo estabelecimento de tal taxa-limite, note-se, significou a criação
de uma presunção legal de justa remuneração pelo financiamento, pelo capital
emprestado. Atente-se para a importância do decreto supracitado: foi criado um
parâmetro impositivo – 12% ao ano (“o dobro da taxa legal”) - para se aferir a
adequação da remuneração, vale dizer, a justeza da avença e conseqüentemente o
equilíbrio entre as partes nos contratos de financiamento.
Da presunção legal e do parâmetro estabelecido, decorre a conclusão de que,
numa determinada atividade de financiamento, os juros fixados em até o dobro da
taxa legal – ou seja, em até 12% ao ano (art. 1.062 do Código Civil) – estão
perfeitamente abrangidos no conceito de justa e devida remuneração pelo ato de
financiar, isto é, no conceito de contraprestação adequada e mantenedora do
equilíbrio contratual, que propicia, autoriza e delimita a licitude da
atividade de emprestar.
No mesmo raciocínio, a estipulação dos juros além do limite legal remuneratório
seria um plus, um algo a mais que a parte mutuante ganhará além da justa e
repositora remuneração, sendo esse excedente qualificado, assim, como lucro
strictu sensu.
Note-se que, na medida em que o financiamento pode ser direto ou indireto (item
3.1.), a remuneração e o lucro do financiador podem ser suportados tanto pelo
financiado quanto por terceiro. Veja-se por exemplo o caso em que a financeira
aparece como interveniente num contrato de compra-e-venda comercial, quando o
comprador deseja parcelamento, sem acréscimo, de sua prestação. Nesse caso,
muito comum em operações com cartão de crédito, o comprador é financiado pela
interveniente, que lhe concede indiretamente um adiantamento entregando a
pecúnia ao comerciante, o qual recebe valor menor, à vista ou mesmo a prazo,
mas onde restam abatidos, em forma de percentual, a remuneração e o lucro da
financeira. Deste modo, o comprador é o financiado, mas os juros e o lucro
strictu sensu originados do financiamento são suportados pelo lojista-vendedor,
que tem interesse no potencial incremento das vendas, graças à maior facilidade
aquisitiva para o consumidor do seu produto ou serviço.
O lucro strictu sensu, pois, no mútuo, empréstimo ou financiamento, é aquela
parte da contraprestação do mutuário, ou de terceiro em seu benefício, que
ultrapassa o limite legalmente imposto como suficiente remuneração do capital
disponibilizado.
3.1.2. reinserção do resultado dos financiamentos no fluxo comercial
específico, de forma manifesta ou presumida
O segundo requisito que, a nosso modo de ver, deve estar concomitantemente
presente para a caracterização de uma atividade de financiamento como própria
de instituição financeira é a reinserção dos resultados do mútuo ou
financiamento no fluxo comercial específico, de forma manifesta ou presumida.
Se o mutuante, ao receber em retorno o capital emprestado, acrescido de juros
acima do dobro da taxa legal, concede com aquela pecúnia um novo financiamento,
estará praticando ato próprio ou exclusivo de Instituição Financeira.
Note-se: a reinserção exigida não é no fluxo econômico – compra de mercadorias,
por exemplo –, mas sim no fluxo do mesmo esquema de financiamento, objetivando
a repetição e, via de conseqüência, a continuidade do modo de auferir lucro
strictu sensu. Deste modo, basta uma única reinserção para, em concorrência com
o lucro, caracterizar-se a ilicitude.
E o ato de reinserção dos resultados na mesma atividade pode apresentar-se
tanto sob a forma manifesta – quando evidenciada mediante acompanhamento da
trajetória do dinheiro -, quanto sob a forma presumida. Pode-se presumir a
reinserção do resultado dos empréstimos no fluxo comercial específico quando,
verbi gratia, a pessoa jurídica investigada qualifica-se como empresa de
factoring, empresa de fomento comercial ou mesmo, abertamente, como empresa
financeira desautorizada – enfim, naqueles casos em que o trato direto e
especializado com finanças é o único ou principal escopo da existência da
firma.
Também no caso de atividades praticadas por pessoa física, a ocorrência da
reinserção dos resultados no fluxo comercial específico pode ser aferida com
base em circunstâncias adjacentes, como a oferta pública de dinheiro sem que o
ofertante disponha, à vista dos assentos da Receita Federal, de volumosa
pecúnia em espécie possibilitadora da realização de diversos contratos
singulares de mútuo.
3.2. Das Instituições Financeiras
Pode-se concluir que, atualmente, as Instituições Financeiras - portanto
integrantes do Sistema Financeiro Nacional - no Direito Pátrio, são,
exclusivamente:
a) em virtude da previsão da Lei nº 4.595/64 (art. 17 c/c art. 18, §1º):
_os Estabelecimentos Bancários Oficiais e Privados (latu sensu: Bancos
Comerciais, Bancos de Investimento, Bancos de Desenvolvimento e Bancos
Múltiplos com Carteira Comercial);
_as Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento (‘Financeiras’);
_as Caixas Econômicas;
_as Cooperativas de Crédito e Cooperativas que possuem Seção de Crédito.
b) em virtude da previsão das Leis nºs 4.380/64 (art. 8º), 9.514/97 (art. 1º),
e da Resolução nº 1.980/93 (arts. 1º e 2º), do Conselho Monetário Nacional:
_os Bancos Múltiplos com Carteira de Crédito Imobiliário;
_as Sociedades de Crédito Imobiliário;
_as Associações de Poupança e Empréstimo;
_as Companhias de Habitação;
_as Fundações Habitacionais;
_os Institutos de Previdência, exclusivamente com relação à Seção de Crédito
Imobiliário;
_as Companhias Hipotecárias;
_as Carteiras Hipotecárias dos Clubes Militares;
_os Montepios Estaduais e Municipais, exclusivamente com relação à Seção de
Crédito Imobiliário;
_as Entidades e Fundações de Previdência Privada, exclusivamente com relação à
Seção de Crédito Imobiliário.
‘Instituição Financeira’, em definição, é uma organização estruturada e
coordenada, prevista em lei ou regulamento legalmente autorizado, com objetivo
e finalidade de, mediante atividade peculiar de gerenciamento de recursos
próprios e/ou de terceiros, prover meios pecuniários para financiar a aquisição
de bens e serviços, a realização de empreendimentos, a cobertura de despesas
pessoais ou gerais, a manutenção de capital de giro, o abatimento de dívidas
preexistentes, e as demais atividades inerentes à vida econômica das pessoas
físicas e jurídicas, de direito público e privado.
As entidades referidas no início deste item, efetivamente, apresentam a
peculiaridade do lucro strictu sensu nas operações de financiamento, na medida
em que lhes é permitido cobrar juros além da taxa-limite de remuneração do
capital, legalmente adequada. A assertiva pode ser confirmada sob dois
aspectos: o primeiro, pela exclusão preconizada no art. 17 do Decreto nº 22.626/33:
“Art. 17. O governo federal baixará uma lei especial, dispondo sobre as casas
de empréstimos, sobre penhores e congêneres.”
E o segundo, pelo entendimento firmado na Súmula nº 596 do Supremo Tribunal
Federal, in verbis:
“596. As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e
aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas
ou privadas que integram o sistema financeiro nacional.”
Quanto à presença da segunda peculiaridade da atividade própria ou exclusiva de
Instituição Financeira, lembre-se que as pessoas jurídicas enumeradas no início
deste item, por sua própria natureza de agentes de intermediação contínua,
reinserem os resultados da sua atividade financeira no fluxo comercial
específico: financiam outrem com recursos próprios e especialmente com a
pecúnia recebida em operação anterior, acrescida dos juros.
As atividades de financiamento daquelas pessoas jurídicas, pois, são o mais
perfeito e contundente parâmetro para se aferir se determinada pessoa física ou
jurídica está atuando como Instituição Financeira sem autorização do Banco
Central do Brasil. Entendemos que qualquer referência legal a ‘instituições
financeiras’ significa, invariavelmente, referência às entidades especificadas
no início deste item, as quais são integrantes diretas do Sistema Financeiro
Nacional (alínea ‘a’), ou de um de seus subconjuntos Sistema Financeiro da
Habitação/Sistema Financeiro Imobiliário/Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (alínea ‘b’).
E, desta forma, deflui facilmente a segunda definição: atividade própria ou
exclusiva de Instituição Financeira é a concessão de financiamentos, mútuo ou
empréstimos, direta ou indiretamente, na qual concorram, simultaneamente, os
requisitos da obtenção de lucro strictu sensu frente ao financiado ou a
terceiro, e da reinserção dos resultados no fluxo comercial específico, de
forma manifesta ou presumida.
3.2.1. dos integrantes do Sistema Financeiro Nacional
Há certa tendência – a nosso ver, data venia, equivocada - em conceder o status
de Instituição Financeira – e portanto integrante do sistema financeiro
nacional – a todas e quaisquer empresas ou entidades que operem ou deliberem
diretamente com gerenciamento de finanças.
Não é essa, efetivamente, a vontade da lei. Diz o art. 1º da Lei nº 4.595/64:
“Art. 1º O Sistema Financeiro Nacional, estruturado e regulado pela presente
lei, será constituído:
I – do Conselho Monetário Nacional;
II – do Banco Central do Brasil;
III – do Banco do Brasil S/A;
IV – do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social;
V- das demais instituições financeiras públicas e privadas.”
O art. 17, por sua vez, especifica:
“Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação
em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade
principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos
financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a
custódia de valor de propriedade de terceiros.” (A custódia aqui não é elemento
obrigatório, mas eventual, ocorrendo somente quando há garantia ao empréstimo)
“Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei e da legislação em vigor,
equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam
qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou
habitual.”
E o especial art. 18, em seu caput e § 1º, esclarece concludentemente:
“Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País
mediante prévia autorização do Banco Central do Brasil ou decreto do Poder
Executivo, quando forem estrangeiras.
§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades
de crédito, financiamento e investimento, das caixas econômicas e das
cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham,
também se subordinam às disposições e disciplina desta Lei no que for aplicável
as bolsas de valores, as companhias de seguros e de capitalização, as
sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro,
mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas
físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade
relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos,
realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de
natureza dos executados pelas instituições financeiras.” (grifos nossos)
É conclusão natural que o art. 17 e o art. 18, caput e § 1º, devem ser
interpretados conjunta e harmonicamente, e que a Lei nº 4.595/64 pretendeu
também abranger, no conceito de ‘demais instituições financeiras’ - e portanto
no conjunto do Sistema Financeiro Nacional - todas aquelas pessoas jurídicas
enumeradas na alínea ‘b’ do item 3.2. (supra), já previstas no art. 8º da Lei nº
4.380/64 (algumas delas repetidas no art. 1º da Lei nº 9.514/97), e atualmente
especificadas, por força de deferimento legislativo, pela Resolução nº 1.980/93
(arts. 1º e 2º), do Conselho Monetário Nacional.
Nesse diapasão, confirma-se novamente o disposto no início do item 3.2., sendo
certo que as demais pessoas jurídicas referenciadas no § 1º do art. 18 não são
Instituições Financeiras, mas apenas se sujeitam, no que couber, à disciplina
da Lei nº 4.595/64. Ressalte-se que, naturalmente, há sujeição a todos os atos
– regulamentação, fiscalização, enfim, à autoridade e a qualquer deliberação –
do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, bem como, no que
couber, às demais disposições da Lei Bancária.
3.2.2. origem da questão
Não se pode olvidar, lamentavelmente, que a vexata quaestio sobre a qual se
discorre tenha se originado da imprecisa técnica legislativa do parágrafo único
do art. 17 da Lei nº 4.595/64, o qual apenas objetivou sujeitar também à
disciplina e aos rigores da Lei Bancária as pessoas físicas e jurídicas que,
malgrado não sejam Instituições Financeiras – ou melhor, malgrado não sejam
qualquer das entidades referidas no item 3.2. -, exerçam atividade própria ou
exclusiva das Instituições Financeiras, ou seja, atividade de financiamento que
apresente simultaneamente as duas peculiaridades declinadas nos itens 3.1.1. e
3.1.2. O objetivo legal, pois, foi somente dar ensejo à punição administrativa
e criminal, face à ausência de autorização do Banco Central do Brasil para, por
exemplo, determinada pessoa física funcionar como um Banco.
Houve, data venia, manifesta impropriedade ao se criar aparentemente, no
parágrafo único do art. 17 da Lei nº 4.595/64, a figura da ‘instituição
financeira por equiparação’. Tal construção fictícia, decerto, nunca poderia
encontrar interpretação harmoniosa, uma vez que buscou desnecessariamente, para
igualar efeitos ou submissão legal, transmudar virtualmente a própria essência
de pessoas físicas que, não sendo definitivamente Instituições Financeiras,
atuem como tais, pratiquem atividade própria ou exclusiva de Instituições
Financeiras.
Seria o mesmo, data venia, que, para conseguir idêntico enquadramento na classe
dos bens móveis, se equiparasse forçosamente o armário e a cadeira.
3.2.3. Instituição Financeira e o Banco Central
Por fim, consigne-se que o Banco Central do Brasil não pode ser considerado
como instituição financeira. A uma, porque não há disposição legal nesse
sentido; a duas, porque, tecnicamente, o Banco Central não tem como função exercer
atividade financeira.
A função daquela Autarquia Federal é, nesse particular, zelar pela higidez e
integridade do Sistema Financeiro Nacional e das demais entidades submetidas à
Lei Bancária, sendo certo que, nos limites e sob vinculação do exercício de sua
indispensável ação governamental, eventualmente financia uma instituição
financeira bancária (Lei nº 4.595/64, art. 10, inc. IV). Vale dizer, a
atividade de concessão de financiamento não integra a destinação especial da
Autarquia, mas apenas um leque de inúmeros atos governamentais coordenados, e
destinados ao cumprimento do papel de fiscalização, supervisão e zelo.
4. CONCLUSÕES GERAIS
Por todo o exposto, concluímos que:
a) São integrantes do Sistema Financeiro Nacional apenas o órgão e as pessoas
jurídicas enumeradas taxativamente no art. 1º da Lei nº 4.595/64;
b) Não são integrantes do Sistema Financeiro Nacional, mas encontram-se
igualmente submetidas aos atos e deliberações do Conselho Monetário Nacional e
do Banco Central do Brasil, e também, no que couber, às demais disposições da
Lei nº 4.595/64, todas as pessoas físicas e jurídicas referidas no parágrafo
único do art. 17 e § 1º do art. 18 da Lei nº 4.595/64;
c) Instituição Financeira é uma organização estruturada e coordenada, prevista
em lei ou regulamento legalmente autorizado, com objetivo e finalidade de,
mediante atividade peculiar de gerenciamento de recursos próprios e/ou de
terceiros, prover meios pecuniários para financiar a aquisição de bens e
serviços, a realização de empreendimentos, a cobertura de despesas pessoais ou
gerais, a manutenção de capital de giro, o abatimento de dívidas preexistentes,
e as demais atividades inerentes à vida econômica das pessoas físicas e
jurídicas, de direito público e privado;
d) Nos limites da definição acima, e observados conjuntamente os arts. 17 e 18,
caput e § 1º da Lei nº 4.595/64, art. 8º da Lei nº 4.380/64, art. 1º da Lei nº
9.514/97 e arts. 1º e 2º da Resolução nº 1980/93, do Conselho Monetário
Nacional, no Brasil as Instituições Financeiras resumem-se às pessoas jurídicas
enumeradas taxativamente no item 3.2. deste trabalho;
e) O Banco Central do Brasil, tecnicamente, não é Instituição Financeira –
apenas, eventualmente, atua como tal, por autorização expressa da lei (art. 10,
inc. IV da Lei nº 4.595/64);
f) Atividade própria ou exclusiva de Instituição Financeira é a concessão de
financiamentos, mútuo ou empréstimos, direta ou indiretamente, na qual
concorram, simultaneamente, as peculiaridades da obtenção de lucro strictu
sensu frente ao financiado ou a terceiro, e reinserção dos resultados no fluxo
comercial específico, de forma manifesta ou presumida.
4.1. Do enquadramento de determinadas situações frente às definições ora
propostas
Considerando-se os componentes das definições de Instituição Financeira e de
atividade própria ou exclusiva de Instituição Financeira ora propostas, seguem
especificadas algumas situações jurídicas que podem passar a ter tratamento
aclarado:
a) a concessão de empréstimos a juros até o dobro da taxa legal, mas sem
reinserção dos resultados no fluxo comercial específico, é contrato lícito de
mútuo (arts. 1.256 a 1.264 do Código Civil);
b) a concessão de empréstimos a juros até o dobro da taxa legal, e com
reinserção dos resultados no fluxo comercial específico, é contrato lícito de
mútuo (arts. 1.256 a 1.264 do Código Civil);
c) a concessão de empréstimos a juros acima do dobro da taxa legal, mas sem
reinserção dos resultados no fluxo comercial específico, enseja a aplicação do
art. 4º da Lei nº 1.521/51 c/c art. 1º do Decreto nº 22.626/33 (crime de
usura), apenas;
d) a concessão de empréstimos acima do dobro da taxa legal, e com reinserção
dos resultados no fluxo comercial específico, é atividade própria ou exclusiva
de Instituição Financeira, e a sua prática por quem não seja Instituição
Financeira devidamente autorizada pelo Banco Central do Brasil enseja a
aplicação do art. 44 da Lei nº 4.595/64, e do art. 16 da Lei nº 7.492/86 (que
absorve, por ser elemento-meio, o crime de usura). Nesse caso, a empresa que
desejar operar com concessão de financiamentos (algo comum nos dias atuais)
deverá organizar-se sob a forma de Sociedade de Crédito, Financiamento e
Investimento (‘Financeira’), sob pena de sofrer, juntamente com seus
administradores, penalidade administrativa e, estes últimos, também penalidade
criminal.
São essas as considerações acerca de tão peculiar questão jurídico-econômica,
elaboradas na expectativa de apenas contribuir para o contínuo debate de
idéias, sempre propiciador do aprimoramento do Direito.
* Artigo cedido pela Editora Del Rey
LEONARDO HENRIQUE MUNDIM MORAES OLIVEIRA
Advogado e Professor em Brasília/DF; Ex-Procurador da Área
Administrativa e Criminal do Banco Central do Brasil
http://www.jur.com.br