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OFF SHORE – Uma Possível Técnica de Fraude

 

 

Cláudio Sinoé Ardenghy dos Santos

(Mestrando da PUCRS - Advogado)

 

As operações de off shore possibilitam a evasão de divisas e a lavagem de dinheiro nas praças financeiras internacionais. Pode funcionar da seguinte forma: cria-se, no Uruguai, onde não há restrição para o ingresso e nem para o egresso de divisas [1], uma Sociedade Anônima de Investimento (S.A.F.I [2] [3]), regrada com vantagens como proteção fiscal, profissional, bancária e administrativa,.

 

A S.A.F.I nasce por documento particular com reconhecimento das assinaturas dos fundadores em Tabelionato (os fundadores podem ser pessoas físicas e jurídicas). O estrangeiro adquire uma S.A.F.I. mediante procuração e transmissão manual das ações ao portador, com o fito de preservar o anonimato dos interessados.

 

São sociedades que tem por objeto a busca de investimentos internacionais ou de novos campos de mercado no estrangeiro para empresas (prestação de serviço).

 

Há duas modalidades de transmissão simulada de capitais e bens: 1) por empréstimos à S.A.F.I  ou 2) pagamento de ‘prestação de serviços’.

 

Os procedimentos de empréstimos no exterior são regulamentados pelo Banco Central do Brasil (Resolução n° 2.770, Circular n° 3.003 e Carta-Circular n° 2.933/00). Entretanto, a modalidade de empréstimos ao exterior já era prática fluente e o regramento exposto – denominado de Programa Nacional de Desburocratização – veiou colmatar lacunas e facilitar o intercâmbio entre países sem necessidade de autorização prévia do BACEN.

 

Os empréstimos em questão são instrumentalizados em contrato de câmbio com quatro figuras essenciais e uma facultativa: o Tomador (pessoa física ou jurídica), o Banco Interveniente (devidamente autorizado para operações de câmbio), o Credor Externo e o BACEN e o facultativo Garantidor. Apesar das facilidades apresentadas, o BACEN fiscaliza tais operações partindo da compatilibilidade e adequação do capital auferido e sua destinação (o controle é somente na anormalidade de empréstimos, o que faz com que sejam praticamente ilimitados, observada a capacidade financeira do tomador).

 

A figura mais interessante é a de prestação de serviços. Contrata-se uma S.A.F.I. ou LCC para a busca de novos mercados estrangeiros e a contraprestação será pactuada por um contrato registrado na CACEX (Carteira de Comércio Exterior). Prestado ou não o serviço, o credor estrangeiro emite uma fatura comercial e o pagamento desta não é tributado no exterior, podendo o pagamento ser efetuado em moeda ou através do BANCEN.

 

Como é Realizada a Fraude

 

Muito simples: adquire-se uma S.A.F.I ou LCC (eis que as ações são ao portador e os Estatutos sigilosos) e passa-se a trabalhar com empréstimos ou pagamentos de prestação de serviços facilmente contabilizados (receita/despesa). Enviando aportes para o exterior ou oferecendo imóveis em dação em pagamento, dilapida-se o patrimônio da empresa em prejuízo dos credores, sob a aparência de negócios jurídicos lícitos e regulares.

 

Em período longo, tais operações podem ensejar volumosa transferência de capital para o exterior e, em caso de falência, uma irregularidade de difícil apreensão pelo síndico, pois os livros contábeis terão a contrapartida da receita ou despesa, sendo quase impossível a apuração dos crimes falimentares.

 

Operações off shore são úteis também para fins de concordata. Preocupados com possível quebra, credores quirografários negociam seus créditos com os próprios sócios que efetuam aquelas operações, que os adquirem, mediante cessão, por valor inferior ao da dívida, pagando com valores depositados em Bancos estrangeiros, em nome da S.A.F.I ou LCC. Os dólares ingressam no país por transporte pessoal.

 

Tais operações não se cingem ao âmbito comercial. Empresários abastados apoderam-se anonimamente do patrimônio familiar, com o intuito de prejudicar a esposa ou companheira por ocasião da partilha.

 

Alguns defendem que a prática de offshore como flagrantemente lícita, dela decorrendo vantagens fiscais para a administração do patrimônio de pessoas físicas e jurídicas. Nâo se trata, aqui, de discutir essa questão, mas apenas de apontar possíveis prejuízos que dela decorrem, para a Nação e para terceiros.

 

O Apelo de Genebra

 

Oportuno transcrever o APELO DE GENEBRA, formalizado pela Associação Sindical de Juízes Portugueses:

 

"Conselho da Europa, tratado de Roma, acordos de Schengen, tratado de Maastricht: à sombra desta Europa em construção visível, oficial e respeitável, esconde-se uma outra Europa, mais discreta, menos falada. É a Europa dos paraísos fiscais, que prospera sem peias, graças aos capitais a que proporciona um agradável refúgio. É também a Europa das praças financeiras e dos estabelecimentos bancários, onde o segredo é muitas vezes um alibi e um disfarce. Esta Europa das contas numeradas e do branqueamento de dinheiro é utilizada para reciclar o dinheiro da droga, do terrorismo, das seitas, da corrupção e das actividades mafiosas.

 

"Os circuitos ocultos montados pelas organizações delinquentes, em muitos casos criminais, desenvolvem-se ao mesmo tempo que se multiplicam as trocas financeiras internacionais e que as empresas desdobram as suas actividades, ou transferem as redes para fora das fronteiras nacionais. Mesmo certas personalidades e certos partidos políticos aproveitam-se, em diversas ocasiões, desses circuitos. Por outro lado, as autoridades políticas de todos os países mostram-se hoje incapazes de atacar clara e eficazmente esta Europa da sombra.

 

"No tempo das redes informáticas, da Internet, do modem e do fax, o dinheiro de origem fraudulenta pode circular a grande velocidade duma conta a outra, dum paraíso fiscal para outro, a coberto sociedades off shore, anónimas, controladas por respeitáveis representantes, generosamente pagos. Este dinheiro é, em seguida, colocado ou investido fora de qualquer control. A impunidade está hoje quase assegurada aos fraudulentos. Na verdade, serão necessários anos para que a justiça de cada país europeu possa achar o rasto deste dinheiro, quando isso não se revelar impossível no quadro legal actual, herdado duma época em que as fronteiras tinham ainda um sentido para as pessoas, os bens e os capitais.

 

"Para que exista uma possibilidade de lutar contra uma criminalidade que se aproveita largamente dos regulamentos em vigor nos diferentes países europeus, é urgente abolir os proteccionismos ultrapassados em matéria policial e judiciária. Torna-se necessário instaurar um verdadeiro espaço judiciário europeu no seio do qual os magistrados possam, sem outros entraves que o do Estado de direito, procurar e trocar as informações que sejam úteis para os inquéritos em curso.

 

Queremos a aplicação efectiva dos acordos de Schengen quando prevêem a transmissão directa entre juízes de cartas rogatórias internacionais e do resultado das investigações, sem interferências do poder executivo e sem recurso à via diplomática.

 

"Desejamos, em nome da igualdade de todos os cidadãos perante a lei, a assinatura de convenções internacionais entre países europeus.:

 

garantindo o levantamento do segredo bancário fundado em pedidos de entreajuda internacional em matéria penal, emanados das autoridades judiciárias dos diferentes países signatários, nos casos em que esse segredo pode ainda ser invocado;

 

permitindo a qualquer juiz europeu dirigir-se directamente a qualquer outro juiz europeu;

 

prevendo a transmissão imediata e directa do resultado das investigações pedidas por cartas rogatórias, não obstante o recurso interno no Estado requisitado.

 

incluindo o reforço da assistência mútua administrativa em matéria fiscal. A este respeito, nos países que a não conheçam, propomos a criação duma nova incriminação de "burla fiscal" para os casos em que a fraude tem um montante significativo e foi cometida com o emprego de manobras fraudulentas tendentes a dissimular a realidade.

 

"Com este fim apelamos aos parlamentos e governos nacionais para que:

 

ratifiquem a Convenção de Estrasburgo de 8 de Novembro de 1990, relativa ao branqueamento, à despistagem, apreensão e confisco dos produtos do crime;

 

revejam a Convenção europeia de entreajuda judiciária em matéria penal, assinada em Estrasburgo, em 20 de Abril de 1959;

 

tomem as medidas necessárias à implementação das disposições do título VI do tratado da União europeia de 7 de fevereiro de 1992 de do artº 209º A do mesmo tratado.

 

>para concluir, que celebrem uma convenção prevendo a possibilidade de perseguir penalmente os nacionais culpados de actos de corrupção face a autoridades estrangeiras;

 

"Através deste apelo, desejamos contribuir para a construção, no próprio interesse da nossa comunidade, uma Europa mais justa e mais segura, onde a fraude e o crime deixem de beneficiar duma larga impunidade e donde a corrupção seja realmente erradicada.

 

Disso depende o futuro da democracia na Europa e a verdadeira garantia dos direitos do cidadão assim o exige" (www.asjp.pt/apelo.html).

 

 

 

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[1] Interessante observar que nos recentes eventos, O Uruguai foi imediatamente auxiliado pelos E.U.A com 1,5 bilhões de dólares.

 

[2] Nos EUA são “LLC" constituídas no Estado de Delaware. Há também na Irlanda.

 

[3] No Uruguai  as S.A.F.I tem por objetivo “efetuar, direta, indiretamente por conta própria ou de terceiros, ou para terceiros, investimentos no estrangeiro em títulos, bônus, ações, cédulas, debêntures, bens móveis e imóveis...” (art. 1º, parágrafo 1º da Lei 11073/48).