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Um poder, uma só palavra, um só partido

Maria Lucia Victor Barbosa

Qual será o real motivo de tantas vozes se elevarem contra o vice-presidente, quando ele tece críticas aos altos juros? Certamente, a preocupação que norteia o grupo de indignados com José Alencar não é de ordem econômica. Mesmo porquê, o mercado, essa entidade tão sensível a qualquer sintoma de mudança de rumo em nossa economia, não deu a mínima atenção para Alencar. O mercado sabe que os que mandam no Brasil são o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central, e Palocci já enviou carta ao Banco Mundial prometendo maior arrocho fiscal em troca de novo empréstimo de US$ 404 milhões (Folha de S. Paulo, 09/06/03).
O problema que o vice causa é, portanto, de ordem política. Afinal, só o presidente pode agradar, pois permanece em campanha. Muito se tem falado sobre a exigüidade de quatro anos em termos de realizações, e já figura 2020 como marca ideal para que juros e taxas abaixem. São apenas mais 18 anos de PT no poder. É só ter paciência, fé e esperança. Lula ainda é jovem.
Isso em parte explica o cerceamento à liberdade de expressão, sobretudo do vice-presidente e dos antes autênticos e agora radicais do PT. O grave, contudo, da situação, é que ela indica retrocesso democrático. Sem a paranóia das teorias conspiratórias, esse retrocesso pode ser comprovado se observamos certos aspectos que vão se agregando no fazer político do partido ora no poder. Vejamos os principais:
1º - O impressionante culto da personalidade que envolve a figura do presidente da República tem ultrapassado, inclusive, o que foi utilizado na ditadura de Getúlio Vargas. Mesmo porque, em que pese Lula não ter o carisma do ex-presidente, o avanço dos meios de comunicação, o suporte da mídia e a sofisticação das técnicas marketing, potencializam a criação da imagem redentora de um salvador da pátria. Aí se encontra a explicação do fenômeno segundo o qual, o povo, ao mesmo tempo em que percebe o aumento de problemas sociais como a violência e o desemprego, continua a crer no presidente. Nessa ilusão de ótica política, Lula consegue ser governo sem arcar com o ônus de sê-lo. E se ele fala errado, abusa de metáforas, comete gafes, os aplausos se repetem enquanto as vaias são abafadas. Como afirmou Hitler em Mein Kampf: “ Toda propaganda deve determinar seu nível intelectual de acordo com a compreensão do mais limitado dos indivíduos a que ela se dirige”.
2º - A condição de partido dominante é outra característica que não tem nada a ver com democracia. O PT tem conseguido, com grande êxito, “comprar” congressistas e assegurar com isso a base para as reformas que agora deseja implantar, e para vários tipos de manobras como a que se viu no abafamento da CPI do Banestado. Isso torna fácil mudar a Constituição, a menos que o Judiciário utilize seu poder para impedir os abusos que, transformados em novas leis, trariam o simulacro de legalidade a uma falsa democracia.
Como Getúlio, o PT tem também controlado sindicatos e está sendo reeditado com força total o peleguismo. Ninguém desconhece a nomeação de sindicalistas para cargos de poder e a recente eleição para a presidência da CUT.
3º - O impedimento de qualquer voz discordante trai a vocação dos sistemas ditatoriais, onde dissidentes são punidos de diversas formas, entre as quais se inclui o impedimento da liberdade de expressão.
Paulatinamente o governo do PT está impondo um só poder, uma só palavra, um só partido.
4º - A política externa do PT é agressivamente antiamericanista e na América Latina o Brasil tem estreitado seus laços com Cuba e Venezuela, buscando unir os demais países vizinhos numa frente de esquerda.
Note-se que muito se fala no êxito do ministro da Fazenda, mas a imprensa não tem divulgado com destaque as retumbantes vitórias alcançadas pelo ministro chefe da Casa Civil. No peito de José Dirceu bate um coração maoísta que ele está transplantando para o Brasil. Até agora a “cirurgia” corre bem. E ainda nem chegou o plano B.
Maria Lucia Victor Barbosa e socióloga e escritora. Autora entre outros livros de O Voto da Pobreza e a Pobreza do Voto: a Ética da malandragem (Jorge Zahar Editor) e América Latina: em Busca do Paraíso Perdido (Editora Saraiva).
E-mail: mlucia@sercomtel.com.br

 

Retirado de: www.argumentum.com.br