A nova economia importará profundas alterações no que se refere às condições
de operacionalidade da advocacia, nomeadamente no que se refere à livre
concorrência.
Já hoje é muito grave – digo mesmo que é gravíssimo – o peso dos lobbies no
que se refere à distribuição, ao agenciamento e ao desvio da clientela, por
meios que, não sendo ilegais, são adequados a favorecer os interesses dos
privilegiados e a prejudicar os interesses dos mais débeis, especialmente dos
jovens que se iniciam na profissão.
A livre concorrência entre profissionais liberais vem sendo substituída por
um sistema de advocacia industrial marcado, de um lado pela prática
sistemática do lobbying e do outro pela proletarização dos jovens iniciantes
da profissão.
Não me parece que o Direito e a Justiça ganhem o que quer que seja com esta
evolução, bem pelo contrário. Não são nem a marca nem a firma que transportam
o progresso, embora sejam em boa parte responsáveis pelo sucesso dos
negócios.
É para todos óbvio que um jovem advogado integrado numa boa equipa de
advogados seniores pode brilhar e evoluir de forma mais eficiente do que
isolado e sem o apoio de alguém com mais experiência. Mas não é disso que
falamos… O que dizemos é que assistimos hoje com frequência ao acompanhamento
de casos, contenciosos e não contenciosos, por jovens sem preparação, pelo
simples facto de tal casuística ter sido agenciada pelas empresas de
advogados em que tal jovem – que nada conta – labora como simples operário.
Há um velho ditado que diz "colhe fama e põe-te a dormir". Em
Portugal, salvo algumas honrosas excepções, a fama dos advogados não advém,
por regra, do sucesso na barra, da publicação de estudos jurídicos ou de
qualquer intervenção especial, com dignidade para ser vista como influência
na evolução do Direito e das Instituições. Bem pelo contrário: a notoriedade,
a fama e a reputação justificam-se, por regra, com a influência derivada de
uma secreta mistura da advocacia com a política.
O supremo escândalo – que ninguém tem a coragem de denunciar – está em poder
girar no mercado uma sociedade de advogados que tem simultaneamente o nome do
Presidente da República e do Ministro da Defesa – o qual já foi, por acaso,
Presidente do Conselho de Administração do Banco Bilbao Vizcaya ao mesmo
tempo que era Bastonário da Ordem dos Advogados e Ministro – sabendo-se que a
mesma sociedade integra hoje o anterior Ministro da Justiça, que por acaso é
o actual Presidente do Conselho de Administração do mesmo banco e que dela
saiu, como que por troca, o actual Ministro da Justiça. Ao que parece, saíram
da mesma sociedade um ou dois secretários de Estado e vários ministeriais. E
nela operam várias pessoas que é suposto serem influentes – via sanguinis –
entre as quais o filho do futuro ex-Procurador Geral da República.
Não me parece decente que o mais alto magistrado do País possa continuar a
emprestar o seu nome a uma sociedade de advogados e choca-me profundamente
que uma sociedade de tal tipo possa continuar a girar com o nome do Ministro
da Defesa no cabeçalho.
É por demais óbvio que esta sociedade é beneficiada no mercado pelo facto de
dizer publicamente – por via da sua própria denominação – que é a sociedade
do Presidente Sampaio e do Ministro caldas, sabendo toda a gente que, embora
o não nomeie, é também a sociedade do ex-ministro da Justiça Vera Jardim e do
actual Ministro da Justiça António Costa.
É óbvio – e objectivo – que se transmite à opinião pública a ideia de que
está ali concentrada toda a influência em termos de aparelho de Estado; que
quem quiser resolver uma questão que envolva o Estado deve dirigir-se à
sociedade Sampaio, Caldas & Associados.
Eu já tive clientes que me disseram: "Oh doutor, você é muito competente
e respeitável mas, apesar de ser também membro do PS, não têm a influência
que têm esses seus Colegas". Limito-me a responder que nunca usei a
minha condição de militante socialista para influenciar o que quer seja no
plano do aparelho de Estado.
Mas não posso deixar de reagir ao sobredito escândalo exigindo – no plano do
meu exercício de cidadania – que se alterem as leis de forma a importar para
a política uma higiene que se vai perdendo a passos largos.
Considero absolutamente inaceitável que um Presidente da República ou um
Ministro emprestem o seu nome a uma sociedade de advogados enquanto
permaneçam nos respectivos cargos.
Tal prática constitui um inaceitável desafio à maldade humana. Por tal razão,
deveria ser alterada a lei no sentido de proibir expressamente e a integração
dos nomes ou apelidos de advogados que se tenham colocado numa situação de
incompatibilidade profissional nas denominações de sociedades de advogados.
A não aceitação de uma alteração normativa deste tipo terá que ser
interpretada como desejo de manutenção de um a intolerável vantagem.
Outra coisa tem a ver com o regime de incompatibilidades dos advogados, que
favorece explicitamente o tráfico de influências. Os advogados são uma peça
essencial do funcionamento do judiciário. Como pode compreender-se que eles
possam ser membros do Legislativo?
Só o peso das influências o pode justificar… É absolutamente intolerável que
um funcionário de um baixo escalão da Administração não possa ser advogado,
na base de um entendimento moderno do princípio da divisão dos poderes mas
que um deputado, que é membro do Legislativo, possa ser advogado.
Há aqui, manifestamente, uma violação do princípio da separação dos poderes.
Como é que se pode ser membro de um órgão de soberania (o Legislativo) às
segundas, quartas e sextas e integrar nos outros dias, por via da função
advocacia, um outro órgão de soberania (o Judiciário).
O melhor entendimento deveria ser o de quem quer ser deputado ou ocupar
qualquer outro posto do Estado deve suspender a sua actividade de advogado,
riscar o seu nome da sociedade de advogado em que participe e, sobretudo,
inibir-se do tráfico de influências. Se o não fizer está a apropriar-se do
voto popular com um sentido perverso e a ofender, de forma ilegítima os
direitos de todos os demais colegas à exigência da livre concorrência.
O sistema de sigilo profissional no que se refere à não identificação dos
clientes dos advogados favorece objectivamente este degradante estado de
coisas, nomeadamente no que se refere ao cliente Estado.
Ninguém sabe quem são os advogados – e já agora os juristas – contratados
pelo Estado, nem o que fazem nem quanto recebem. O que se sabe é que há nesta
matéria uma incrível promiscuidade, que necessariamente acabaria se a lei
estabelecesse, de um lado, a obrigatoriedade de publicitação dos advogados e
dos serviços contratados pelo Estado e, de outro lado, um sistema de
retribuição controlado por uma comissão de verificação que integrasse a
representantes da Ordem dos Advogados.
Não pode o mesmo Estado propor-se, de um lado, pagar os honorários de miséria
previstas nas leis do apoio judiciário e, de outro, pagar prestações
milionárias, às vezes sem nenhum resultado – ou com resultados de má
qualidade – à meia dúzia de sociedades que, sem nenhum mérito próprio para
além das qualidades de lobbying reparte entre si os milhões de contos que a
Administração, directamente ou por via dos múltiplos institutos públicos,
destina a consultoria jurídica.
Portugal tem advogados de excelente qualidade. É intolerável que, mercê da
manigância processada a todos os níveis do poder, muitos deles não consigam
ultrapassar o anonimato, por razões geográficas, por excesso de pudor, por
ousarem cumprir a máxima de Ulpiano que mandava "honeste vivere".
É altura de os advogados exigirem que a prestação de serviços de consulta
jurídica ou de patrocínio judiciário ao Estado ou a entidades públicas seja
sujeita a concurso público e que os contratos estabelecidos entre entidades
públicas e advogados sejam transparentes, de duração limitada a um máximo de
um ano e passíveis de concorrência efectiva, numa base de regras claras e
justas.
Há hoje monopólios a que urge pôr termo com a maior urgência. Porque não há
monopólios na área do saber jurídico. Todos os dias aparecem novos valores e
nada justifica que o Estado continue a idolatrar os amigos dos amigos ou –
pior do que isso – uma série de múmias que criaram fama e se puseram a
dormir, porém com ferozes e bem soldados tigres na porta do templo.
Quantos consultores externos tem Portugal na área do direito internacional.
Quem são e porque é que são esses e não outros? Quais os advogados que deram
assistência ao estado na área das privatizações? Quem assistiu a Parque Expo,
porquê e que responsabilidade lhe foi atribuída, quando é certo que os
jornais denunciam diariamente violações de normas jurídicas atinentes à
legalidade orçamental?
A ideia que fica a quem esteja minimamente bem informado é a de que o País
navega ao sabor de amizades e de influências. Não se trata de questões de
solidariedade política, porque a gamela não é hoje repartida – mal por mal
que seja assim – por elementos da mesma cor partidária. Trata-se de uma
solidariedade na corrupção entre pessoas que têm do estado a dimensão de uma
quinta privada onde as porcas têm tetas reduzidas para tão grande número de
leitões. Por isso as dividem em obediência às regras do pluralismo mas com a
mesma vocação leitoa.
Porcarias a que urge pôr termos nesta e noutras áreas.
Um dos grandes males deste País é a mediocridade. Ela justifica tudo e até
justifica tudo e até justificará num dia destes que se privatize o Governo,
entregando a um banqueiro qualquer, como já se decidiu fazer relativamente à
gestão dos fundos de investimento da Segurança Social. Se não há capacidade
para gerir um fundo de investimento como haverá competência para governar,
que é muito mais difícil?
Há jornalistas competentíssimos a ganhar 200 contos por mês e aparecem aí nos
jornais notícias de convites para a televisão a 3.000, 4.000 e até 5.000 por
mês, ainda por cima reportados a pessoas sem formação, sem escola e sem
cultura – para não dizer profundamente ignorantes – apenas com o mérito de
serem badaladas e de terem acesso a canais de comunicação. Coisa semelhante
se passa com os advogados, apenas em razão do sobredito ditado da fama e do
sono.
Até quando há-de ser assim?
Os bluffs e as mentiras que se vêm dizendo relativamente à nova economia
aconselham especiais precauções, também na área da advocacia. Para quem, como
eu, usa a Internet há mais de seis anos, o que se diz da nova economia tem um
sabor de inestimável vigarice. No fim de contas tudo se pode resumir assim:
há uns espertos, normalmente sem formação adequada, que exploram a ignorância
dos outros e lhes cobram fortunas por coisa de nada.
Fazer um jornal electrónico é muito mais barato do que fazer um jornal
regional em tipografia. Não custa nada para além do conteúdo…E otários (ou
corruptos) a pagar milhões pelo que não vale mais do que centenas, apenas por
ignorância, normalmente com privilégio do estado, nomeadamente por via de
expedientes publicitários de promoção indirecta.
Nessa mecânica reside um dos perigos para a advocacia do futuro. A
massificação que a globalização induz é, normalmente, fonte de artifícios que
urge denunciar. Hoje há a ideia de que existem e têm peso na sociedade
organizações que não passam de grupos de amigos ou de empresas camufladas.
As leis protegem esse status quo e ninguém diz nada… Alguém já perguntou
alguma vez quantos associados estiveram na última assembleia geral da DECO,
ou da Associação de Apoio à Vítima, ou da Abraço, ou da Quercus, ou da Olho
Vivo? E alguém já perguntou quanto é que estas entidades recebem de subsídios
estatais? É ou não verdade que todas elas tratam de questões jurídicas,
normalmente sem recurso a advogados? E se recorrem a advogados com fundos que
lhe vêm do estado quais são os métodos e os meios de fiscalizar esses fundos?
A globalização consiste, essencialmente, na facilidade de, com recursos
mínimos, multiplicar mensagens, dando uma ilusão de grandeza que não se tem.
Eu posso atingir num segundo milhões de pessoas e é isso que justifica essas
anormalidades que vemos de vez quando confundidas com talento, como aquela do
garoto de oito anos que sustenta a família toda e acumulou num ano mais de
300 milhões de contos.
A gente pode tolerar as maluqueiras todas quando elas são feitas com o
dinheiro dos outros e quando aquilo que antes era proibido – pobre Dona
Branca – agora é até subsidiado. Mas é preciso o regresso à decência, da qual
nós, os advogados havemos de ser os primeiros defensores.
A nova economia potência a multiplicação dos cambões e da corrupção. É
preciso embarcar nela, mas levar as armas adequadas a um combate pelo Direito
e a Justiça, impensável sem a garantia da livre concorrência e sem a garantia
de que o Estado não viola as regras do jogo com essa prática nefanda do
privilégio dos amigos.
No quadro da nova economia é essencial garantir, de forma muito rigorosa, a
livre concorrência. Isso passa, em, boa parte, pela alteração das regras
relativas ao sigilo profissional, nomeadamente no que se refere à
identificação dos clientes, criando uma transparência que permita ao cliente
e ao publico saber quem defende que interesses. Mas passa também pela
transparência dos contratos e das contas do estado com a advocacia.
Os portugueses têm o direito de saber quem são os advogados que o Estado
contrata e para quê. Mas também devem ter o direito de saber que outros
clientes são patrocinados pelos mesmos advogados, nomeadamente se não
patrocinam pessoas que estejam em litígio com o Estado na mesma área, com o
inevitável incentivo ao negócio…
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