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FABULOSA TEORIA

O que os insetos têm a ver com as previsões econômicas

 

Por Carlos da Costa

 

 

Vez por outra, o comportamento dos insetos inspira obras interessantes de economia. O economista inglês Paul Ormerod seguiu a tradição, iniciada em 1714 com Bemard de Mandeville e sua Fábula das Abelhas, e foi buscar nas formigas e nas borboletas a inspiração para seu mais novo livro. Não pense que se trata de algo exótico ou inacessível ao leitor comum. Ao contrário, O Efeito Borboleta aborda questões fundamentais da economia moderna. sem o formalismo explícito da matemática por trás dos processos dinâmicos mais complexos que pretende descrever.

Há um argumento básico que perpassa toda a obra: as pessoas agem de uma forma bem mais complexa do que a teoria tradicional supõe e são fortemente influenciadas pelo ambiente em que se encontram. Como esse ambiente é formado por indivíduos que pensam de modo semelhante. pode ser que pequenas mudanças de comportamento de alguns - de modo a gerar uma mínima mudança na economia - causem mudanças dramáticas no comportamento de outros, que influenciem ainda outros e assim por diante - até que o fenômeno tome proporções apocalípticas. Daí o "efeito borboleta". uma alusão ao exemplo mais comum da teoria do caos: uma borboleta bate as asas no Brasil e, como resultado, alguns dias depois um furacão varre o Texas. Para ilustrar esse comportamento, que também vem sendo chamado de "efeito de manada", o autor usa alguns estudos sobre o caminho trilhado por formigas rumo às fontes de alimento. Vez por outra, ocorrem mudanças radicais do caminho usado por toda a comunidade, como resposta ao desvio de uma ou duas formigas que, por algum motivo, decidem mudar de rota.

Segundo Ormerod, esse mesmo padrão de comportamento pode explicar alguns fenômenos da sociedade humana: criminalidade, casamento, moda, bilheteria de cinema, eleições e até mesmo crises cambiais - eventos em que a decisão individual é significativamente afetada pela observação do que os outros estão fazendo. A dinâmica que resulta desse tipo de interação, que à primeira vista parece bem simples, pode ser extremamente complexa. Em linguagem técnica, esse modelo pode ter "múltiplos equilíbrios'", um dos quais, para parâmetros específicos, com comportamento caótico. Uma mesma ação do governo, por exemplo, pode gerar efeitos radicalmente diferentes, dependendo da situação inicial em que se encontre a economia ou de como a informação se espalhe pela sociedade. Uma mesma notícia pode ser recebida calmamente pelo mercado financeiro ou ocasionar grandes flutuações nos preços dos ativos.

Após estudar outros fenômenos com características semelhantes, Ormerod escorrega em um argumento falacioso. Segundo ele, como a reação da sociedade a medidas de política pública muda ao longo do tempo, torna-se impossível prever que efeitos terão as ações dos governantes. É uma versão piorada do argumento que deu a Robert Lucas o Prêmio Nobel de Economia. Em 1973. Lucas havia criticado duramente a análise econométrica então dominante nos círculos acadêmicos e políticos, que tratava várias relações econômicas, influenciadas pela política governamental, como constantes. Lucas, porém, jamais afirmou que era impossível fazer política econômica, e sim que os modelos econométricos então usados não eram apropriados. O mesmo pode ser dito quanto às observações de Ormerod. Não devemos abandonar a análise econométrica ou as políticas públicas, e sim adaptá-las para que levem em consideração a instabilidade das reações individuais e a importância das condições iniciais.

Na parte final do livro, o autor critica o modelo de ciclos econômicos reais (CER), hoje dominante na literatura macroeconômica. Uma crítica injusta. já que grande paste dos argumentos se refere a algumas hipóteses dos primeiros artigos nessa linha de análise. Por serem pioneiros, naturalmente partiram de simplificações exageradas, que foram aos poucos sendo relaxadas para tornar o modelo mais próximo do mundo real. Apesar desse descuido, o livro de Ormerod proporciona uma excelente exposição introdutória aos textos publicados nos últimos anos sobre flutuações econômicas. Ele descreve bem alguns fatos estatísticos. os problemas enfrentados pelos primeiros trabalhos com a abordagem de CER, e como boa parte desses problemas pode ser resolvida quando levamos em consideração o fato de que. assim

 


como as formigas, as pessoas observam e são influenciadas pelas atitudes de outras.

Ormerod supõe que as expectativas humanas não sejam formadas racionalmente, para poder explorar de forma mais direta e simples os efeitos da imperfeição na disseminação de informações. Nesse mundo, seríamos todos como formigas, seres irracionais seguindo o comportamento de outros. Tal suposição não seria necessária, mas esse pecado é perfeitamente perdoável para um livro que não pretende ser um marco acadêmico, especialmente porque a matemática ficaria bem mais complicada se o autor seguisse a hipótese de expectativas racionais.

É citada, a certa altura, uma brilhante recomendação de Alfred Marshall, um dos pioneiros da abordagem analítica mais formal para a economia: "Use a matemática como linguagem abreviada. chegue a conclusões. traduza-as para o inglês e depois queime a matemática". O mesmo vale para a biologia como forma de entender a realidade. Recomendo usar a biologia como fonte de inspiração. entender suas limitações. construir um modelo analítico do comportamento humano a partir desta compreensão, chegar a conclusões práticas e queimar a biologia – em sentido figurado, é claro. Se isso não for feito, correremos o risco de modelar formigueiros e colméias -jamais uma sociedade formada por indivíduos racionais.

 

 

 

O economista Carlos da Costa é coordenador dos cursos de graduação do lbmec e C.Phil. pela Universidade da Califórnia (Ucla)

 


EXAME/15 DE NOVEMBRO DE 2000