® BuscaLegis.ccj.ufsc.br



SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - ASPECTOS DE INCONSTITUCIONALIDADE DA MP 1.520/96 (PROPAGANDA ENGANOSA)



(Publicada na RJ nº 232 - FEV/97, pág. 38)

Moacir Mendes Sousa e

Roberto Cavalcanti Batista - SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - ASPECTOS DE INCONSTITUCIONALIDADE DA MP 1.520/96 (PROPAGANDA ENGANOSA)

Procuradores Regionais da República - Mato Grosso

Nas pretendidas mudanças no SFH, anunciadas pelo Governo Federal, significativamente, não encontramos nenhuma medida que atenda aos anseios e expectativas do mutuário.

A rigor, para os mutuários nenhuma mudança a ser observada.

Para os bancos, CEF e Banco Central, atende-se a todos os interesses e velhas aspirações de extinção do SFH, para criar o novo Sistema Financeiro Imobiliário - SFI, incluindo-se, nesse novo "sistema", todos os bônus do propositadamente esvaziado SFH, por medidas administrativas, sem que os mesmos tenham a obrigação, em contrapartida, de investir na construção ou financiamento de imóveis para a classe média, com a limitação de juros em até 10% a.a. (arts. 1º, § 5º, 2º, 5º, 6º, 8º, 9º, 13, 16 e 17 da MP 1.520/96). O novo sistema atenderia a uma clientela exigente que demanda por imóvel de alto padrão, através de financiamentos de 8 a 10 anos com juros de mercado. Todavia, esta clientela, que em tese faz parte de uma elite econômica, também não conseguiu pagar as prestações de um saldo devedor que vem sendo reajustado pela TR, cujo índice de inadimplência atingiu 40%, tornando, de igual modo, explosiva a dívida do saldo devedor, que o diga a CEF, por sua Carteira Hipotecária (SH).

O alegado benefício de oferecer a opção de saída da Carteira Hipotecária para o atual SFH, antes da transição para o SFI, tornar-se-á oneroso, pois ele vai incorporar ao novo financiamento todo o saldo devedor inflado pelos 84,32%, quando a ele repassados integral e indevidamente, contrariando a Lei 8.024/90 (art. 6º, § 2º), afora os elevados juros que variam de 15% a 25% a.a. Tudo isso estaria de certo modo mascarado pelo alongamento do prazo do financiamento, mas não de todo, porque, no recálculo da prestação, esta poderá aumentar em média 15%.

Ora, a carteira chamada hipotecária legalmente inexiste; o que se oferece é uma opção enganosa, ardilosa, fraudulenta, até porque escamoteia um direito do mutuário, vez que referidos recursos financeiros foram captados na caderneta de poupança a juros de 0,5% a.m., sendo, todavia, emprestados entre 16% e 25% a.a., o que vem onerando demasiadamente os saldos devedores dos contratos. Até agora, apenas a Caixa Econômica acenou com a possibilidade de um financiamento a juros de 12% a.a., mais a TR.

Diz ainda o Governo que, com a liquidação antecipada dos saldos devedores, haverá uma injeção de 4 bilhões de reais a partir de outubro no mercado imobiliário, para reativar a construção de imóveis para moradia. De certo, considerando-se que estamos vivendo uma política monetária contracionista, onde as taxas de crescimento do PIB vêm reduzindo, acompanhadas de uma rígida política de contenção de salários, o que sem dúvida afetará a capacidade de pagamento dos pretensos adquirentes, haja vista os acordos coletivos com aumentos inferiores a um dígito (menos de 10%). Mesmo que haja muitos recursos para os financiamentos imobiliários, estes irão ficar restritos a poucos pretendentes, vez que, no dizer do Banco Central, a curva de juros não coincidirá com a de salários. Leia-se: os salários não acompanharão os reajustes dos saldos devedores indexados pela TR, sinalizando, de antemão, inafastável desequilíbrio no ainda embrionário "novo sistema imobiliário". Não existe equação financeira que resista à dissociação de salários e reajustes de financiamentos.

Todos os créditos dos Agentes Financeiros serão corrigidos, a partir de 01.01.97, independentemente do que foi contratado, por TR + 6% a.a., conforme § 5º do art. 1º da MP 1.520/96, mesmo contra a decisão do STF na ADIn 493-0, quando julgou inconstitucional o § 4º do art. 18 da Lei 8.177/91, bem assim as decisões liminares proferidas nas ACPs nºs 95-1801-2 e 96-1482-5, que tramitam nas 3ª e 2ª Varas da Seção Judiciária de Mato Grosso, respectivamente.

Para o mutuário, rigorosamente, as medidas só seriam positivas, se: a regularização dos contratos de gaveta, mesmo com o aumento de 20% na prestação e 2% no saldo devedor, tivesse por objeto um saldo devedor do qual estivessem depurados os 30,46% (84,32% - 41,28%) a ele repassados indevidamente em 04.90, quando deveria ter sido aplicado o BTNF de 41,28% (Lei 6.024/90, art. 6º, § 2º). Esta incorreção, quando eliminada, resulta no percentual da ordem de 50% de redução do saldo atualmente (in)devido, se, além disso, a taxa de juros fosse corretamente aplicada (art. 6º, alínea e, da Lei 4.380/64), e se a apropriação da correção fosse processada conforme disposto no art. 6º, alínea c, da mesma Lei, aí sim, a vantagem estaria configurada.

Agora, para que haja, de fato, uma modernização no atual SFH, impõe-se um saneamento prévio de ilegalidades resultantes das várias medidas introduzidas por planos econômicos que, sem encará-las de frente, o Governo não estará trabalhando verdadeiramente pela melhoria das condições de moradia da sociedade a que deve servir.

Todavia, isto não acontecendo, a dívida continuará ilegalmente inflada, isto porque, para 01.04.90, o saldo devedor deveria seguir o BTNF de 41,28% (Lei 6.024/90, art. 6º, § 2º), o que implicaria a redução expressiva de mais de 30% do saldo atualmente (in)devido para os contratos existentes anteriormente a março/90.

De igual modo, a taxa de juros incidente sobre o capital corrigido deve ser a equivalente mensal da taxa nominal anual contratada. O que se constata, na prática, é o seguinte artifício: tomando por exemplo a taxa nominal de 10% a.a., o agente financeiro simplesmente a divide por 12, encontrando a taxa proporcional mensal de 0,833333% que, capitalizada mensalmente, acumula ao final de doze meses o percentual de 10,47%, portanto superior à taxa contratada. O correto seria a determinação da taxa equivalente mensal de 0,797414% que, capitalizada mês a mês, acumula no ano exatamente 10%, espelhando, assim, aquela verdadeiramente contratada e devida. No exemplo, a cada ano, o financiador se apropria indevidamente do plus de 0,47%, muito próximo do que remunera a poupança de um mês, que é 0,5%, onerando sem causa e ilegalmente o mútuo. Ademais, a Lei 4.380/64, art. 6º, alínea e, estipula que para os financiamentos habitacionais os juros não podem exceder a 10% ao ano.

Outro fator que faz agravar o saldo devedor é que o Agente Financeiro não obedece ao art. 6º, alínea c, da mesma Lei 4.380/64, que manda seja primeiramente efetuado o abatimento, no valor originariamente contratado, da parcela de amortização da 1ª prestação do financiamento, para só então gerar o saldo devedor e a partir daí corrigi-lo. Mas, ao contrário, antes do pagamento da 1ª prestação, os agentes corrigem todo o valor financiado, para só depois proceder à amortização, fazendo com que haja um descasamento entre o valor amortizado e os juros, pois estes não mais acompanham o valor originariamente contratado, visto o mesmo já ter sofrido uma correção total logo no 1º mês do financiamento, fazendo com que aquela prestação (amortização + juros) não pague sequer a parcela de amortização do "novo saldo devedor", vez que só passa a pagar os juros calculados com base neste novo saldo, gerando, logo em seguida, amortização negativa.

Quanto aos descontos de 50%, 40% e 30%, previstos na MP 1.520, os mesmos não chegam a corresponder ao que foi "inflado" no saldo devedor, conforme exposto acima.

O que se sugere, na hipótese do "contrato de gaveta" (art. 3º da L. 8.004/90, com redação dada pelo art. 14 da MP 1.520/96), é que o mutuário, administrativamente, requeira a regularização do seu contrato, sem prejuízo dos efeitos decorrentes de medidas judiciais eventualmente propostas pelo MPF, com a finalidade de ver expurgadas do saldo devedor as adições indevidas, criando condições favoráveis para que o mesmo sofra o acréscimo de 2%, conforme determina a MP.

Para as demais hipóteses, mais uma vez, o Governo fez pirotecnia habitacional, pois não há nenhuma medida que satisfaça o mutuário, até mesmo em razão das irregularidades acima apontadas, além da ilegal imposição de ter que perder o direito ao seguro, o que fere o ato jurídico perfeito e o CDC, tendo em vista o rompimento unilateral de cláusula contratual acessória, face ao pagamento antecipado do prêmio, sem que a Seguradora tenha a contrapartida de honrar o seguro contratado, gerando uma nova ilegalidade.

Até mesmo ao se tentar liquidar por P x N (número de prestações versus seu valor pro rata die), o mutuário acabará por pagar o seguro sem que venha gozar do referido benefício, ressalve-se, aqui, que a vantagem somente se operará se, por conveniência, o prazo que faltar para o término for relativamente curto.

Lembre-se que os contratos firmados até 31.12.88 sofreram reajustes no seguro habitacional, com majorações da ordem de 90%, em 89, e de 60% e 30%, em 92, o que dará direito, aos mutuários, à devolução dos valores indevidamente cobrados, por força da decisão judicial de mérito proferida nos autos da Ação Civil Coletiva, ajuizada pela Procuradoria da República em Mato Grosso, válida para todo o País, que restabelece o direito de pouco mais de 1.200.000 mutuários.

Sendo esta a leitura para os mutuários, fácil compreender que para os bancos é um maná! E o Povo? E o Patrimônio Público?

Parte desses débitos, além de estar provisionada (abatida para fins de incidência do Imposto de Renda), está também prescrita, não obstante o devedor possa quitá-la, e aqui não defendemos o calote. Mas, ao menos, não poderia, agora, ser securitizada nem novada, por faltar-lhe liquidez e certeza, bem como por não obedecer ao instrumento utilizado, a Lei Complementar, em tripla exigência Constitucional.

Visto isso, a emissão de novos Títulos (§ 2º do art. 1º c.c. arts. 2º a 7º e 13 da MP 1.520), por novação, terá que depender de Lei Complementar, por determinação do art. 163, I, II e IV, da CF, por tratar-se de questão atinente às Finanças Públicas.

Ainda assim, referidos títulos, mesmo que monetizados no mercado secundário, ou seja, vendidos com deságio na praça, ficarão como se estivessem aplicados em habitação pelo tempo da Lei (30 anos), conforme faculta o art. 9º c.c. o § 2º, alínea a, do art. 1º da MP 1.520/96.

Portanto, os efeitos da MP em questão só se farão presentes a médio e longo prazos.

Por segundo, quanto à questão orçamentária, conforme a Lei 4.320/64, recebida pela atual CF (art. 165, § 9º, II), além de a dívida ter que estar prevista no orçamento da União, inclusive por determinações constantes dos DLs. 2.164 e 2.406, respectivamente de 19.09.84 e 05.01.88, dependerá de atender às exigências dos arts. 63 a 71 da Lei 4.320/64, ou seja, a quem pagar a relação de crédito/débito para sua exigibilidade do valor líquido, e que esteja certo e vencido. É o que não ocorre com a MP 1.520/96, até porque transfere ao devedor do FCVS - o agente financeiro - o direito de abater seu débito no encontro de contas com o FCVS, apenas declarando-o unilateralmente e atestado por auditoria independente. Isto afronta os mais comezinhos princípios do direito financeiro.

Por terceiro, para mudar as regras do SFH, transferindo créditos do FCVS às Companhias Hipotecárias e/ou Sociedade de Objetivo Exclusivo - SOE (art. 16 da MP 1.520/96), e, bem assim, transferindo do SFH as Cadernetas de Poupança ao Sistema Financeiro Imobiliário, por medida provisória, constitui uma flagrante inconstitucionalidade frente à Lei 4.380/64, que criou o SFH, por ter sido recebida pela Lei 4.595, de 30.12.64, pelo seu art. 4º, § 7º, que, por sua vez, regula o Sistema Financeiro Nacional, e que, como subsistema deste, possui status de Lei materialmente Complementar, porque recebida pela CF/88 (art. 192), aliás como já julgou o STF, e o próprio Governo sustenta esta posição, daí a imprestabilidade da MP.

À sociedade, só o discurso; resta-lhe apenas o mote do social (democracia), a fim de que aqueles que secularmente vivem a servir-se do Estado, apesar de sempre criticá-lo por deficitário, e este só o é em razão das nossas tão conservadoras elites que estão a nos impor um "autoritarismo econômico" via Medida Provisória, inclusive chegam a defender a desconstitucionalização do Sistema Financeiro Nacional, para permitir a utilização de Resoluções do CMN, assim como por Circulares, Portarias e Comunicados do Banco Central e Ministério da Fazenda (a chamada "terceira via normativa"), sob a estampa de uma formal democracia, para que possam continuar a se privilegiar das regalias que lhes são concedidas, de forma subsidiada através dos diversos fundos federais existentes, inclusive os de incentivos fiscais e os de pensão das estatais, tomando por culpados de todos os males os mutuários do SFH, do setor agrícola, os servidores públicos e os trabalhadores em geral, fatos estes que estão a gerar desequilíbrio entre o capital e o trabalho.

Sentem-se os mentores da atual política econômica em execução, inclusive, bem à vontade para pregarem, através da imprensa, suas idéias reformistas e de globalização, buscando a supressão de direitos sociais e econômicos do trabalhador, referentes à saúde, à educação, ao consumidor, ao "diacho" do direito adquirido, atacando o Judiciário, reclamando da indústria de liminares e decisões absurdas, e querem esvaziar o MP no que pertine ao controle externo dos atos da Administração Pública, ao pretenderem alçar a matéria constitucional à competência do STJ para processar e julgar Ações Civis Públicas e Coletivas, quando a União for ré, sob o argumento de que serve aquela corte de jurisdição de âmbito nacional; todavia, tolherá a sociedade quanto ao exercício de seus direitos, afastando os seus integrantes da proximidade de seus domicílios para terem de ajuizar essas ações em Brasília - DF.

Além dessa grave dificuldade de ordem física, uma outra, não menos grave, de natureza processual, será imposta aos cidadãos que não mais terão a possibilidade de submeter as suas pretensões, na hipótese tratada, à apreciação dos juízes em 1ª Instância, permitindo que uma nova matéria ou direito seja discutido e avaliado até o seu total esgotamento, além de ensejar que a jurisprudência se forme depois que as instâncias inferiores tenham encontrado a melhor solução para a matéria apreciada.

A criação da instância originária para a apreciação e julgamento da Ação Civil Pública quando a ré for a União não se constituirá apenas em supressão de instância, mas importará, sobretudo, empobrecimento do caráter criativo do direito emanado das decisões judiciais, retirando do cidadão a proteção Constitucional (art. 170, V, da CF) garantida, pelo Estado, ao consumidor de ver os seus direitos plenamente respeitados, consoante determinam os arts. 5º, XXXII, c.c 127, caput, 129, II e III, e 37, todos da Constituição Federal.

É preciso, antes de tudo, que as decisões de cunho econômico-financeiro não ameacem nem violem a Segurança Jurídica, objetivo maior do Direito e da Justiça.

...........