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A VARIAÇÃO CAMBIAL NO FINANCIAMENTO RURAL (63 CAIPIRA).
Volnei Luiz Denardi



A Resolução nº 2148, de 16 de março de 1995 (conhecida como 63 Caipira) e a Resolução que a substituiu, de nº 2483, de 26 de março de 1998, do Conselho Monetário Nacional, autorizaram as instituições financeiras integrantes do Sistema Nacional de Crédito Rural captar recursos no mercado externo, repassando-os à atividade agrícola.

Entre outras disposições, ficou estabelecida a obrigatoriedade da transferência ao mutuário final da responsabilidade pela variação cambial, condição que tem gerado divergências e o inadimplemento por parte dos produtores rurais, especialmente em face da desvalorização do real ocorrida em janeiro passado.

A nosso ver, o Governo Federal, através de seus órgãos, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, ao permitir que operações de crédito rural fossem efetuadas com base na variação de moeda estrangeira sem um mecanismo de proteção em face de eventual desvalorização da moeda nacional (como ocorreu), deixou todo o setor rural (ou ao menos quem tomou empréstimo em moeda estrangeira) em situação de extrema dificuldade.

E mais. Encarregou-se o Governo Federal de propalar que o real não seria desvalorizado, o que levou muitos produtores, acreditando nas promessas de quem tem o controle da política da moeda e do crédito, a contrair dívidas vinculadas à variação de moeda estrangeira.

Os bancos, de um modo geral, limitam-se a sustentar a impossibilidade de substituição do reajuste pela variação de moeda estrangeira por índice de atualização monetária interno, sob o argumento de prejuízos, já que tomaram os recursos em moeda estrangeira.

A questão, no entanto, não é tão simples como querem fazer entender as instituições financeiras, especialmente tratando-se de crédito voltado à produção agrícola.

Para que seja bem situada a questão, inclusive para se concluir acerca da legitimidade (ou não) do reajuste com base na variação cambial, impõe-se a análise dos limites regulamentares do Conselho Monetário Nacional diante da legislação vigente que trata do crédito rural.

Desde logo pode-se dizer que o nível de inadimplemento deve-se ao Conselho Monetário Nacional que, irresponsável e ilegalmente, optou por facultar às instituições financeiras a utilização de recursos captados no mercado externo para utilização no setor agrícola.

Diz-se irresponsável porque olvidou o Conselho Monetário Nacional a incompatibilidade do reajuste dólar com a atividade agrícola.

Diz-se ilegal porque, excedendo os limites de sua competência e afrontando Lei Federal que disciplina a matéria, o Conselho Monetário Nacional impôs que, nos contratos internos firmados com base nesses recursos, fosse estabelecida a variação cambial.

A análise que se faz no presente trabalho leva em consideração, apenas, o tratamento legal do crédito agrícola, ignorando a discussão em torno da possibilidade do restabelecimento do equilíbrio da contratação, por força da teoria do rompimento da base do negócio, prevista no artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor.

Os Limites do Poder Regulamentar do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil - Ilegalidade o Reajuste Dólar.

A indagações que merecem ser feitas para a correta compreensão do reajuste-dólar nos empréstimos efetuados com base nas Resoluções 2148 e 2483 são: 1. quais os poderes regulamentares do Conselho Monetário Nacional para estabelecer o reajuste com base em moeda estrangeira, nos financiamentos concedidos ao setor rural, diante do ordenamento jurídico vigente? 2. As Resoluções nº 2148/95 e 2483/98 teriam (ou não) transbordado os limites da legalidade? 3. Onde reside a sustentação legal de validade (ou invalidade) dessas normas meramente administrativas?

Fábio Konder Comparato procura justificar a sustentação legal de normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional, asseverando ser uma técnica legislativa do chamado "direito econômico". Prossegue, dizendo que representam um instrumento indispensável de atuação do Poder Público no sentido de acompanhar e influenciar a evolução da conjuntura. Tais Resoluções não constituem, como acima se frisou, um simples ato administrativo regulamentar, mas sim o preenchimento de uma norma legal em branco, atuando portanto como o necessário momento integrativo do seu conteúdo, e participando da sua natureza." (Fábio Konder Comparato, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº 03, ano X, Nova Série, 1971, p. 62.

É certo que, como diz a doutrina que trata do assunto, considerando o dinamismo das relações que envolvem as operações junto ao Sistema Financeiro Nacional, tornou-se imperiosa a criação de um sistema normativa também dinâmico, pronto a atender as necessidades decorrentes da rapidez com que se desenvolvem os negócios.

Não se pode imaginar, de efeito, especialmente no mundo moderno, onde as relações creditícias ultrapassam as fronteiras nacionais, que se deixe exclusivamente ao legislativo a função de editar regras muitas vezes para tratar de casuísmos urgentes.

Por isso que a técnica legislativa adotada pelo sistema brasileiro corresponde, ao menos teoricamente, às necessidades emergentes dos negócios financeiros.

A urgência na tomada de medidas para manter o controle do Sistema Financeiro, muitas vezes tem por base dados técnicos que os congressistas poderiam levar dias ou meses para compreender. Mais adequado, então, deixar a cargo de um órgão ágil e técnico que possa rapidamente tomar decisões e fazer adotar as medidas necessárias para garantir o bom funcionamento do mercado. Esse é o sentido (muitas vezes usado de forma inadequada) da existência de lacunas legais que o órgão administrativo deve preencher.

Assim é que, no artigo 2º, da Lei 4.595/64, ficaram bem definidos os objetivos do principal órgão diretor do Sistema, o Conselho Monetário Nacional, no sentido de "...formular a política da moeda e do crédito..." "...objetivando o progresso econômico e social do País." Quer dizer: as atividades do Conselho Monetário Nacional devem zelar pelo interesse social. Para isso, investiu-lhe o legislador de poderes regulamentares exclusivos.

Pela breve leitura da Lei nº 4.595/64 se vê que o legislador brasileiro, efetivamente, adotou a técnica legislativa de direito econômico mencionada por Fábio Konder Comparato, deferindo ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos que especificou ao longo do texto.

Significa que o Conselho Monetário Nacional foi investido de poderes para regular o Sistema Financeiro Nacional, criando normas no preenchendo das lacunas da lei.

Mas esse poder regulamentar não é ilimitado. Deve ater-se aos limites da lei. Isso porque, embora o legislador tenha criado verdadeiras normas em branco, o preenchimento dessas lacunas encontra freios dentro do ordenamento jurídico vigente, sob pena de ocorrer usurpação das funções do poder legislativo pelo executivo.

Com efeito, mesmo que se queira emprestar ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos, resoluções, portarias, circulares, avisos, etc, não podem negar vigência à ordem normativa Federal, por não se revelarem "lei" no sentido estrito. São normas eminentemente administrativas, oriundas de órgão da administração sem poderes legiferantes amplos e, por isso, não podem inovar a ordem jurídica, revogando leis federais legitimamente instituídas pelo Poder Legislativo.

Não pode o Conselho Monetário Nacional ou Banco Central do Brasil, órgão eminentemente administrativo, arvorar-se na condição de legislador. Isso porque é princípio consagrado no ordenamento jurídico que um ato normativo somente pode ser revogado por outro do mesmo grau ou de grau superior; nunca por um de grau hierarquicamente inferior. E as normas dessa natureza, embora encontrem legitimidade em Lei Federal, não podem tratar de matéria de forma diferente que outra Lei Federal discipline.

Portanto, ao disciplinar as operações de crédito rural em todas as suas modalidades e formas, cumpre a Conselho Monetário Nacional e ao seu órgão executor, o Banco Central do Brasil, observar os limites de sua competência traçados pelo legislador não apenas na Lei nº 4.595/64, como também, para o caso específico de operações de crédito rural, nas Leis nºs. 4.829/65, 8.171/91 e no Decreto-lei nº 167/67 e, finalmente, em outras normas que formam o complexo ordenamento jurídico nacional.

Se a regulamentação desse órgão for contrária à lei, ou seja, se normatizar situações já tratadas e bem definidas em Lei Federal, não pode subsistir, por absoluta ilegalidade.

Delimitados os poderes normativos do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil, tendo-se presente que nenhuma disposição normativa daqueles órgãos pode contrariar a Lei Federal, impende considerar que AS RESOLUÇÕES 2148/95 E 2483/98 NÃO TEM SUSTENTAÇÃO LEGAL DE VALIDADE, NA MEDIDA EM QUE ESTABELECEM CRITÉRIO DE REAJUSTE (VARIAÇÃO CAMBIAL) EM FRONTAL CONTRADIÇÃO COM LEI FEDERAL.

De fato, segundo estabelece o artigo 6º, da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994,
 

Art. 6º. É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por LEI FEDERAL, e nos contratos de arrendamento mercantil, celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior.

(Grifei)
 

O que o dispositivo acima transcrito comanda, induvidosamente, é que o reajuste vinculado à variação cambial esteja ...EXPRESSAMENTE AUTORIZADO POR LEI FEDERAL..., sob pena de nulidade absoluta.

Não há, portanto, lacuna no ordenamento jurídico a ser preenchida por normas editadas pelo Conselho Monetário Nacional dentro da sua competência normativa. Bem se observa que o reajuste com base em moeda estrangeira se deu por força das Resoluções (nºs. 2148/95 e 2483/98) e não por lei federal, como manda o artigo 6º, da Lei nº 8.880/94, do que resulta a manifesta ilegalidade das Resoluções mencionadas e, por consequência, inaplicável a variação cambial como critério de reajuste das operações realizadas no âmbito do crédito rural.

Por consequência, respondendo a última indagação formulada no início desse capítulo, bem se observa que as Resoluções 2148/95 e 2483/98 não tem sustentação legal de validade para impor, nos financiamentos rurais internos, o reajuste com base em moeda estrangeira.

Ainda Quanto à Ilegalidade Das Resoluções 2148/95 e 2483/98, em Face Da Legislação Que Institucionalizou o Crédito Rural No Brasil.

A ilegalidade do reajuste com parâmetro em moeda estrangeira, autorizado pelas Resoluções 2148/95 e 2483/98 encontra, outrossim, óbice à sua legalidade na legislação específica que trata do crédito rural.

Com efeito, há unanimidade que ao lado do desenvolvimento industrial devem ser dirigidos esforços para que o crescimento do setor agrícola se dê na mesma proporção. E não pode haver desenvolvimento agrícola sólido sem uma política de crédito rural eficiente e justa.

Já se pensou outrora, especialmente quando da Revolução Industrial, que a industrialização seria a mola propulsora do desenvolvimento econômico, ficando o setor agrícola prejudicado para permitir investimentos nos demais setores.

Verifica-se, no entanto, que hoje cresce a consciência de que a atividade agrícola merece lugar de destaque e deve fazer parte dos planos governamentais de forma que se iguale ao setor industrial. Mesmo os países desenvolvidos, embora grandes importadores de alimentos, subsidiam a agricultura, até por considerá-la estratégica para o desenvolvimento econômico.

"Para se igualarem diversos setores da economia, a única via consiste em oferecer ao setor agrícola financiamentos a juros condizentes e compatíveis com as atividades agropecuárias, que apresentam riscos imprevisíveis e incontroláveis, não existentes nos demais setores da economia.

Verifique-se, por exemplo, que o industrial produz o que quer, como o quer, o quanto e quando o quer já sabendo, antecipadamente, o custo do produto e o preço por que vai vendê-lo e, ainda, aonde comercializar, e de como fazê-lo" (Augusto Zenun, O Direito Agrário e sua Dinâmica, Leud, 2ª ed., 1986, p. 139)

De fato, se a atividade agrícola deve alcançar a mesma importância da industrial, ao crédito agrícola impõe-se benefícios diferenciados. Deve-se pensar que o êxito da safra não está sujeita apenas às condições climáticas, mas também a uma variação de preços que não pode ser vislumbrada pelo agricultor.

Não raro observa-se que alguns produtos, em épocas de safras, tem seus preços fixados, mesmo quando por circunstâncias mercadológicas, em valores até inferiores ao custo de produção. Agregando-se as dificuldades da política de preços às vicissitudes naturais, deflui a imperiosa diferenciação que deve merecer em relação às demais operações de crédito.

E foi com base na evidente diferenciação que merece em relação aos créditos comercial e industrial que o legislador buscou tratar o crédito agrícola.

Isso se percebe logo da leitura da Lei nº 4.595/64, quando, no art. 4º, ao discriminar a competência do Conselho Monetário Nacional, no inciso IX, estabeleceu tratamento diferenciado ao crédito rural, assim dispondo:
 

Art. 4º. Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

...

IX - Liminar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover:

- recuperação e fertilização do solo;

- reflorestamento;

- combate a epizootias e pregas, nas atividades rurais;

- eletrificação rural;

- mecanização;

- irrigação;

- investimentos indispensáveis às atividades agropecuárias;
 

Ao tratar do Banco do Brasil no art. 19, a quem foi determinado atuar, sob a supervisão do Conselho Monetário Nacional, ...como instrumento de execução da política creditícia e financeira do Governo Federal, estabeleceu como de sua competência:
 
Art. 19. omissis

...

IX - financiar a aquisição e instalação da pequena e média propriedade rural, nos termos da legislação que regular a matéria;

X - financiar as atividades industriais e rurais, estas com o favorecimento referido no art. 4º, IX, e art. 53 desta Lei.
 

Esse dispositivo da Lei nº 4.595/64 deixa claramente definido que o Banco do Brasil, como principal agente do crédito rural, deve observar os favorecimentos conferidos ao crédito agrícola, quando relacionados aos créditos de outras naturezas

Finalmente, a Lei nº 4.595/64 estabeleceu, no artigo 54 (Disposição Transitória), a elaboração de proposta para institucionalização do crédito rural, inclusive ressalvando a redução de seu custo (Parágrafo Único).
 

Art. 54. O Poder Executivo, com base em proposta do Conselho Monetário Nacional, que deverá ser apresentada dentro de 90 (noventa) dias de sua instalação, submeterá ao Poder Legislativo projeto de lei que institucionalize o crédito rural, regule seu campo específico e caracterize as modalidades de aplicação, indicando as respectivas fontes de recursos. Parágrafo único. A Comissão Consultiva do Crédito Rural dará assessoramento ao Conselho Monetário Nacional, na elaboração da proposta que estabelecerá a coordenação das instituições existentes ou que venham a ser criadas, com o objetivo de garantir sua melhor utilização e da rede bancária privada na difusão do crédito rural, INCLUSIVE COM REDUÇÃO DE SEU CUSTO. (Grifei).
Não obstante tenha o artigo 54 estabelecido que o crédito rural seria institucionalizado por lei posterior (cuja proposta seria elaborada pela então Comissão Consultiva do Crédito Rural), deixou definido que a futura lei deveria observar os benefícios do artigo 4º, IX e 54, Parágrafo único (redução de seu custo).

E para a institucionalização do crédito rural, foi, de fato, editada a Lei nº 4.829, de 05 de novembro de 1965, já no seu artigo 1º estabelecendo que O crédito rural, sistematizado nos termos desta Lei, será distribuído e aplicado de acordo com a política de desenvolvimento da produção rural do País e tendo em vista o bem-estar do povo.

Definiu o crédito rural, no art. 2º, como sendo "...o suprimento de recursos financeiros, prestado por entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares e produtores rurais e suas cooperativas, para aplicação exclusiva em atividades que se enquadrarem em objetivos específicos".

Ratificando os benefícios dispostos no artigo 4º, inciso IX, da Lei nº 4.595/64, no artigo 14, da Lei nº 4.829/65 foi definido que "Os termos, prazos, juros e demais condições das operações de crédito rural, sob quaisquer modalidades e formas, serão estabelecidos pelo Conselho Monetário Nacional, observadas as disposições legais específicas, não expressamente revogadas pela presente Lei, inclusive o favorecimento previsto no ar. 4º, inciso IX, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, ficando revogado o art. 4º do Decreto-Lei nº 2.611, de 20 de setembro de 1940.

Dada a relevância da atividade agrícola, foi ela tratada na Constituição Federal onde, no art. 187, foi estabelecido que a política agrícola (aqui incluindo-se o crédito), teria a participação efetiva do setor de produção), verbis:
 

Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenagem e de transportes, levando em conta, especialmente:

I - os instrumentos creditícios e fiscais;

II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização.
 

Da norma constitucional sob comento avultam importantes diretrizes da política agrícola, dispondo sobre a obrigatória participação do setor produtivo no planejamento e execução, especializando como meios indispensáveis à atividade os instrumentos creditícios e preços compatíveis com os custos de produção...

Quando a Constituição Federal propõe a participação do setor de produção na formulação da política agrícola (em especial a do crédito), pretende afastar a possibilidade de que o Poder Legislativo, ou mesmo o Executivo (inclua-se aqui o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil), adotem mecanismos que inviabilizem a atividade, entre eles a criação de linhas de crédito que tornem os custos de produção (inclua-se aí os encargos financeiros) incompatíveis com os preços dos produtos; seja pela legislação ordinária, seja pelo que dispõe o texto constitucional, entre o crédito comercial/industrial e o crédito destinado à produção agrícola, deve haver diferenciação de custos, dadas as características particulares da atividade rural.

Para compor todo o arcabouço normativo que trata da matéria, finalmente foi editada a Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, estabelecendo, logo no artigo 2º, que a política agrícola ...fundamenta-se nos seguintes pressupostos:
 

Art. 2º.

...

III - como atividade econômica, a agricultura deve proporcionar, aos que a ela se dediquem, RENTABILIDADE COMPATÍVEL COM A DE OUTROS SETORES DA ECONOMIA.
 

Por seu turno, fixou no artigo 3º os objetivos da política agrícola, merecendo destaque aqueles que tem o propósito de:
 
...

II - sistematizar a atuação do Estado para que os diversos segmentos intervenientes da agricultura possam planejar suas ações e investimentos numa perspectiva de médio e longo prazos, REDUZINDO AS INCERTEZAS DO SETOR;

III - ELIMINAR AS DISTORÇÕES QUE AFETAM O DESEMPENHO DAS FUNÇÕES ECONÔMICAS E SOCIAL DA AGRICULTURA.
 

Portanto, deflui dos diplomas legais que regulam o Sistema Nacional de Crédito Rural, diversas diretrizes de observância obrigatória na regulação da política agrícola, destacando-se:

1. Política de encargos favorecidos (arts. 4º, IX e 53, da Lei nº 4.595/64 e art. 14. da Lei nº 4.829/64);

2. Redução de custos, inclusive financeiros (art. 54, Parágrafo único, da Lei nº 4.595/64);

3. Política de desenvolvimento da produção rural tendo em vista o bem-estar do povo (art. 1º, da Lei nº 4.829/65);

4. Obrigatoriedade da participação dos setores de produção na elaboração da política agrícola (art. 187, Caput, da Constituição Federal);

5. Instrumentos creditícios como meios indispensáveis à atividade agrícola (art. 187, I, da Constituição Federal);

6. Preços compatíveis com o custo de produção (art. 187, II, da Constituição Federal);

7. Rentabilidade compatível com a de outros setores da economia (art. 2º, III, da Lei nº 8.171/91);

8. Redução das incertezas do setor (art. 3º , II, da Lei nº 8.171/91);

9. Eliminação das distorções que afetam o desempenho das funções econômicas e social da agricultura (art. 3º, III, da Lei nº 8.171/91).

Todas essas diretrizes, seja qual for a fonte de recursos da captação, devem ser rigorosamente observadas.

De efeito, o legislador, tanto ordinário como constitucional, ao conferir poderes ao Conselho Monetário Nacional para disciplinar o crédito agrícola, o fez fixando certas diretrizes de observância obrigatória, visando promover o setor rural.

E é elementar que ao criar uma linha de crédito com base em moeda estrangeira, o Conselho Monetário Nacional ignorou totalmente as diretrizes que o legislador elegeu para o crédito agrícola, na medida em que a variação cambial não é compatível com a atividade.

Tanto isso é verdade que, embora o legislador tenha, em diversos dispositivos, fixado a obrigatoriedade do crédito agrícola ter custos menores do que as demais operações, vê-se que as Resoluções 2148 e 2483, se comparadas com a Resolução 63 (que trata do crédito comercial e industrial), nenhum benefício agregou ao setor. Os custos financeiros são, quando não iguais, ainda maiores.

Daí decorre, outra vez, a ilegalidade das resoluções, trazendo como consequência a aplicação dos preceitos acima alinhados para que as operações sejam trazidas ao âmbito da legalidade.

E não cabe o argumento que o inciso IV, do artigo 81, da Lei nº 8.181/91 serviria para justificar a captação de recursos externos e o consequente repasse da variação cambial ao produtor rural.

Isso porque referido dispositivo autoriza apenas a captação de recursos externos, decorrentes de empréstimos, acordos ou convênios, especialmente reservados para aplicação em crédito rural, isto é, para programas especiais de financiamento agrícola.

Demais disso, além de dispositivo não permitir, expressamente, o repasse da variação cambial, deve ele ser interpretado tendo em conta as diretrizes fixadas para o crédito agrícola, conforme antes enumeradas, e que se resumem na compatibilidade da atividade rural com os custos de produção.

E como deveria ser atualizado o saldo devedor das operações de crédito rural firmados com base na Resolução nº 2148? Obviamente que pelo desequilíbrio que acarretou a desvalorização do real, as operações, para que tenham seu equilíbrio restabelecido, devem ser ajustadas à variação da inflação com base em índice interno. Nunca pela variação do dólar norte-americano.

E nem se alegue que com essa forma de reajuste a instituição financeira teria prejuízo. Conforme noticiam os meios de comunicação, os únicos beneficiários com a desvalorização do real em janeiro pp., foram as instituições financeiras. Aliás, a imprensa especializada no assunto atesta que o Banco do Brasil, principal agente do crédito rural, foi quem obteve o maior lucro com a desvalorização do real:
 

BANCOS GANHAM NO TRIMESTRE O DOBRO DE 1998.

Os bancos fecharam o primeiro trimestre com um lucro extraordinário, equivalente a duas vezes e meia o obtido em todo o ano passado, apesar das perdas com a valorização do real em março;

...

OS LÍDERES EM LUCRO DO TRIMESTRE, BANCO DO BRASIL E ITAÚ...
(Gazeta Mercantil de 03 de maio de 1999, Primeira Página)
 

Portanto, não há justificativas para se manter a variação cambial já que o único setor da economia realmente prejudicado com a desvalorização da moeda, foi o setor produtivo, em especial o agrícola.
 
 

Volnei Luiz Denardi
Advogado em São Paulo


 
 

Retirado de: www.neofito.com.br