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CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS NO CRÉDITO RURAL - CRÍTICA À SÚMULA 93 DO STJ




(Publicada na RJ nº 205 - NOV/94, pág. 5)

Ricardo Barbosa Alfonsin

Roberto Barbosa de Carvalho Netto

Luiz Adolfo Cardoso de Azambuja - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS NO CRÉDITO RURAL - CRÍTICA À SÚMULA 93 DO STJ

Advogados especializados em crédito

rural, consultores da Sociedade Rural

Brasileira e Federarroz

Motivo de preocupação a qualquer nação que pretenda integrar o seleto grupo dos países do primeiro mundo, é a saúde de seu setor produtivo, especialmente o primário. Se depender desta premissa, estaremos fadados ao eterno subdesenvolvimento e nosso povo condenado à fome, já que o descaso do governo com este importante setor da economia excede os limites do razoável.

No Judiciário, situação já bem diferente, verifica-se grande sensibilidade com o problema da agricultura no país, manifestada através de decisões impondo o cumprimento de leis já há muito esquecidas pelo Executivo, especialmente o DL. 167/67, que dispõe sobre os títulos de crédito rural, principal veículo do financiamento à produção agropecuária.

Todavia, não faz muito tempo, visando pacificar a polêmica questão da capitalização de juros no crédito rural, o STJ editou a Súmula 93 (DJU de 03/11/93), com a seguinte redação:

"A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros''

Com tal decisão, convalidaram-se cláusulas contidas na maioria dos contratos de financiamento da produção primária (Cédulas de Crédito Rural), prevendo a capitalização mensal de juros.

Inobstante o entendimento daquela excelsa Corte, temos que tal decisão se mostra tecnicamente frágil, pelas razões que passaremos a expor neste sucinto estudo do problema.

A capitalização é questão de fundamental importância no contexto das agruras dos mutuários, pois os artifícios e formas utilizadas ao capitalizar os juros tornam-se, em muitas das vezes, mais grave ao longo do tempo que a própria elevação de taxas.

Esta prática de capitalizar mensal e até diariamente os juros, tem sido rechaçada ao longo dos anos pelas mais diversas Cortes do País, inclusive pelo STF nas súmulas 121 e 596, mantendo-se as disposições do D. 22.626/33.

Agora, diante do poder de pressão dos bancos, aparecem uma e outra decisão permitindo a capitalização mensal, alcançando inclusive Súmula no STJ, aplicável ao crédito comercial, industrial e rural, quando as partes assim ajustarem.

Em que pese a regra geral seja pela anuidade, têm-se assim admitido a capitalização mensal no crédito rural sob os seguintes fundamentos:

a) previsão de sua possibilidade em lei especial (art. 5º, parágrafo único, DL. 167/67), mediante autorização do CMN;

b) previsão contratual expressa;

c) subsidiariamente, pela adoção da mesma forma de capitalização da fonte de captação dos recursos (caderneta de poupança).

No que tange à suposta autorização ao CMN, afirma-se decorrer esta do disposto no artigo 5º do DL. 167/67, com a seguinte redação:

"Art. 5º. As importâncias fornecidas pelo financiador vencerão juros às taxas que o CMN fixar e serão exigíveis em 30 de junho e 31 de dezembro ou no vencimento das prestações, se assim acordado entre as partes; no vencimento do título e na liquidação, ou por outra forma que vier a ser determinada por aquele Conselho, podendo o financiador, nas datas previstas, capitalizar na conta vinculada na operação.''

Na verdade, é entendimento daquela própria Corte, impresso nas decisões que originaram a Súmula em debate, que a capitalização semestral, prevista no crédito rural é hipótese excepcional, face à vedação ao anatocismo, consagrada pelas referidas Súmulas 121 e 596, do STF, que mantêm em pleno vigor as disposições do D. 22.626/33, art. 4º:

"É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano.''

Por outro lado, em se tratrando de crédito diferenciado pela natureza da atividade financiada, e que portanto sujeita-se à proteção do Estado através do dirigismo contratual, é de se concluir pela imperatividade das normas legais que fixam condições à sua contratação.

Por tudo isto, (excepcionalidade e imperatividade legal), deve a norma que estabelece capitalização diferenciada ser interpretada restritivamente e, dentro dos fins a que se destina, em benefício do mutuário, não se admitindo, mesmo ao Judiciário, concluir pela extensão deste benefício aos Bancos.

Assim, a admissão da capitalização mensal no crédito rural, ao contrário de autorizada pelo art. 5º, do DL. 167/67, faz sim por negar vigência ao mesmo, conforme se extrai da interpretação da norma, nos moldes a que nos referimos acima.

Desta feita, com base nas regras de hermenêutica aplicáveis às normas fundadas em preceitos de ordem pública, indubitavelmente não poderia o CMN fixar prazo inferior àquele previsto no artigo acima transcrito, já que, se a lei não permite capitalização diversa da semestral, não podem as circulares ou resoluções alterá-las, devendo ao contrário, adequar as fontes de captação à norma imperativa. Se o fazem de forma diversa não será o mutuário que deverá suportar o prejuízo decorrente da ilegalidade.

Além disto, se por um lado já é de se questionar a delegação de competência do CMN ao Banco Central - fonte das normas tidas como permissivas da capitalização mensal -, eis que nada previsto em lei a este respeito; por outro, há que se observar a nova sistemática imposta pela CF de 1988, quando em seu art. 48, XIII conferiu ao Congresso Nacional atribuição à legislar sobre questões financeiras, quando, s.j.m., foi excluída a competência daquele Conselho para dispor em matéria desta natureza:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre as matérias de competência da União, especificamente:

(...)

XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.

Ademais, mesmo admitindo a liberdade do CMN, ou do Banco Central, em derrogar a norma legal expressa, deve-se atentar, no caso dos financiamentos com base na poupança verde, que a Circular Bacen nº 1.130, que supostamente instituiu a capitalização mensal, estabelece que os empréstimos com tal origem devem sofrer a mesma correção monetária deferida à poupança e "juros'' não inferiores ao de captação, "nada se referindo a capitalização''.

Note-se que nesta fonte (poupança) a captação é realizada a 6% a.a. de juros, e nos financiamentos são cobrados atualmente, no mínimo 100% a mais, já estando aí obviamente incluídas todas as margens, inclusive capitalização, de forma que, utilizando-se a semestralidade, não restará descumprida a referida Circular.

Reitere-se que as disposições do DL. 167/67 visam proteger um setor de baixa lucratividade dos abusos do mercado financeiro, veja-se a onerosidade dos financiamentos se cumuladas as duas parcelas, TRD, que já possui a remuneração bancária embutida (juros), mais juros remuneratórios, capitalizados mensalmente, isto em créditos cuja rentabilidade da atividade financiada não supera a 9% ao ano. A manutenção de tal critério significa a decretação da falência do setor produtivo.

Na verdade, as decisões que admitem a capitalização mensal no crédito rural, quando em qualquer outro tipo de financiamento é a mesma vedada, contrariam o espírito da proteção legal conferida a esta atividade, incorrendo em verdadeiro equívoco hermenêutico, ainda mais se considerada a razão da promulgação daquela norma protetiva (DL. 167/67) que previa a exceção - capitalização semestral -, a ser aplicada sobre taxas de juros subsidiadas, de 3% a 6% ao ano, absurdamente inferiores as que hoje se impõe à atividade primária.

Há então que se observar o ambiente em que eram contratadas as operações de crédito rural à época da promulgação do DL. 167/67, quando os juros desta atividade eram verdadeiramente subsidiados, o que hoje já não mais ocorre, razão pela qual até mesmo a semestralidade da capitalização já colocaria tais tipos de financiamentos em desvantagem a quaisquer outros, estes nos quais só se admite a anuidade.

Assim, sendo inequívoco o entendimento do Judiciário de que o financiamento à produção rural deva ser, por sua natureza, favorecido em relação aos outros tipos de mútuos bancários, já não se justificaria, praticamente igualadas as taxas de juros com a retirada do subsídio, fosse mantida a capitalização semestral, muito pior admití-la mensalmente.

Quanto ao segundo fundamento da Súmula daquela Corte que admite a capitalização mensal - anuência das partes, aspecto importante a derrubá-lo, e que por isso deve estar presente quando da análise da questão, diz respeito à natureza do contrato que prevê tal forma de apropriação dos juros.

Neste sentido, temos tratar-se de contrato de adesão, redigido pelo Banco em letras maiúsculas, em regra, com cláusulas complexas, quando não até confusas, escritas de forma a dificultar a compreensão até mesmo por pessoas especializadas, quiçá por agricultores.

Na verdade, ainda que admitida fosse a permissão legal à capitalização mensal, não deixa de se obrigar o banco à observância também das normas pertinentes à legislação de proteção do consumidor.

Nesse passo, veda tal legislação a onerosidade excessiva dos contratos de adesão, consoante disposto no art. 51, IV e § 1º, III, da Lei 8.078/90, que estabelece a nulidade das cláusulas abusivas, nos moldes destas em discussão, por tornarem insuportável o cumprimento dos contratos.

Ademais, por se tratar de cláusula que restringe direitos do devedor, frente a previsão legal da semestralidade, impressa em contrato de adesão, por aplicação do CDC, haveria de constar grifada, sob pena de nulidade (§ 4º, do art. 54, da Lei 8.078/90).

No fundo, se não se pode dizer sequer da clareza dos contratos firmados com os bancos em geral, condição indispensável à sua validade, consoante dispõe o § 3º, do artigo e lei supra referidos, no mínimo as imposições nitidamente abusivas deveriam se apresentar em destaque, sem o que, devem ser declaradas nulas pelo Judiciário.

Por isto, é de se analisar com cautela a afirmação de que em contratos desta natureza houve anuência por parte do devedor quanto às cláusulas nos mesmos impressas.

Na verdade, a liberdade de contratar nestes casos está restrita a aderir ou não às condições estabelecidas pelo banco, este que, por sua vez, também normalmente age sem vontade própria, no cumprimento de todo o tipo de circulares, resoluções e portarias. A grande diferença é que o banco pode subsistir sem a contratação, enquanto o produtor necessita do crédito à sua própria subsistência, fato que deve ser considerado quando da afirmação de que concordaram as partes com as disposições contratuais.

No que tange ao terceiro argumento da Súmula em discussão - correlação entre o custo de captação e o de repasse dos recursos, além de, como dito, já estar nos juros cobrados incluído spread mais que suficiente a compensar a não aplicação da capitalização semestral, não atentam as decisões que admitem a mensalidade, ao fato de que nem sempre as fontes de captação capitalizam mês a mês, como, por exemplo, os depósitos a vista, os recursos da exigibilidade (aplicação obrigatória) e na própria poupança, nesta última onde o que há é uma reaplicação, já que sendo contratação mensal, vencido este prazo, pode o poupador sacar o dinheiro, ou reaplicá-lo, parcial ou integralmente, tratando-se então de uma operação de trinta dias e não de seis, doze ou mais meses, como se empresta no crédito rural.

Fato também incontroverso é o de que as decisões que confirmam a capitalização mensal, além de negar vigência aos dispositivos legais apontados, dão aos mesmos interpretação divergente aos julgados de outros Tribunais, incluvise STJ, cuja decisão transcreve-se logo a seguir (AI nº 25.498-6).

"Também sem razão o banco, no que diz com a capitalização mensal, que vem sendo inadmitida por este TA, orientado pela Súmula 121, do STF, pois que a cobrança de juros sobre juros importa em flagrante anatocismo. De resto, o DL. 167/67, expressamente, limita a capitalização ao semestre.'' (AC 192.032.159 -2ª C. - Pres. Rel. PAULO HEERDT, do TARS)

No que respeita a capitalização dos juros o apelo do embargante merece provimento.

Com efeito, há expressa disposição de lei autorizando a capitalização de juros, nas operações de crédito rural, mas apenas semestralmente, de conformidade com o art. 5º do DL. 167/67.

Vários são os precedentes desta Corte, que sustentam tal entendimento, conforme acórdãos publicados nos julgados do TARGS, 80/200, 80/315 e 82/264.'' (TARS - AC 193.169.810 - Rel. Juiz OTÁVIO MAZERON COIMBRA - Julgada em 10/11/93) (sem grifo no original).

Também no tocante a capitalização dos juros não assiste razão ao banco apelante quando defende a capitalização mensal. O anatocismo, com efeito (contagem de juros sobre juros), em princípio é vedado, disponto o art. 4º do DL. 22.626/33 que "é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. O STF consolidou o entendimento na súmula 121: é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.'' Assentou igualmente no RE 90.341 que "dessa proibição não está excluída as instituições financeiras, dado que a súmula nº 596 não guarda relação com o anatocismo. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só é admitida nas operações regidas por leis especiais que nela expressamente consentem'' (JSTF-LEX 16/171). É indispensável a previsão de lei especial para autorizar capitalização, não tendo a Lei 4.595/64 em nada alterado o D. 22.626/33 que continua em pleno vigor, coibindo o anatocismo. O DL. 167/67, em seu art. 5º, permite a capitalização semestral, mas não mensal ou em períodos inferiores a cada semestre.'' (TARS - AC 19.107.999 - Rel. JOÃO SIDINEI RUARO)

"Cédula rural pignoratícia. Correção monetária plena. Capitalização de juros. Inadmissibilidade. A correção monetária plena, mês a mês, quer por se encontrar pactuada, quer por ser forma de simples restabelecimento do valor da quantia financiada, é admitida em crédito rural. Juros estipulados a razão de 12% a.a., eleváveis de mais 1% a.a. em caso de mora, são perfeitamente legais. Em se cuidando de crédito agrícola, vedada sua capitalização mês a mês, devendo ser feita semestralmente, ou em caso de incoincidência do fim do semestre cível com o vencimento das prestações ou do título, nas datas de tais vencimentos e na liquidação. (TARS - AI - 190.019.380 - 4ª C. - Rel. Dr. MOACIR ADIERS (sem grifo no original).

"Quanto à alegada prática do anatocismo por parte do credor, dos termos da impugnação resulta ela admitida pelo mesmo. Aliás, a sua prática salta evidenciada da simples visualização do demonstrativo da evolução da dívida dos devedores, que acompanhou a inicial executória.

(...)

Tem-se ser a capitalização de juros como vedada ainda que convencionada, por aplicação da Súmula nº 121 do STF (Julgados 72/99). Conquanto a Súmula 596 do STF sufragasse o entendimento de inaplicar-se o D. 22.626/33 às taxas de juros e outros encargos cobrados pelas instituições públicas ou privadas que integram o sistema financeiro nacional, tal entendimento há de ser harmonizado com o contido na Súmula 121 do mesmo Pretório Excelso. E desta harmonização decorre ser vedada instituições financeiras (RTJ 91/1.341, 108/77). (TARS - AC 191.013.051 - 6ª C. - Rel. MOACIR ADIERS (sem grifo no original).

"Quanto à capitalização dos juros, enquanto em vigor os dispositivos que a admitem, excepcionalmente, de seis em seis meses (art. 5º, DL. 413/69, combinado com o art. 5º, da Lei 6.840/80), não se pode cogitar de periodicidade inferior. Tratando-se de exceção à regra da capitalização anual, não podem os dispositivos que a a regulam receber interpretação extensiva. Assim a referência feita no art. 16, V, do DL citado, admitindo a capitalização e aquela feita no artigo 5º, do mesmo texto legal, após estabelecer as datas em que a capitalização pode ser feita (30 de junho e 31 de dezembro), admitindo que ela pode ser feita em outras datas convencionais no título ou admitidas pelo CMN, não podem ser interpretadas como permissivas de capitalização mensal. Ao contrário, não teria sentido, como salientado pelo Dr. ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, em reiterados julgamentos, mormente em embargos infringentes julgados pelo 3º Grupo Cível, "o legislador dispõe determinados momentos para a capitalização de juros se à larga, pudesse órgão da Administração mínima que a lei cuidou de estabelecer'', diminuindo, assim, o hiato entre uma e outra incidência da capitalização. Esse entendimento, embora tomado em empréstimos rurais, é perfeitamente aplicável ao caso, face ao tratamento igualitário e excepcional que, também, é dado ao empréstimo comercial. (TARS - AC 193.198.777 - 6ª C. - Rel. TAEL JOÃO SELISTRE - Julgados em 09/12/93).

"2. Quanto a vedação da capitalização mensal de juros:

Como se sabe, quanto ao crédito rural existe viva controvérsia atinente à periodicidade de capitalização. Sustenta corrente com respaldo STJ, que dita capitalização pode ser mensal, uma vez que o art. 5º, DL. 167/67, delegou ao CMN estabelece "outras formas'', quanto ao tratamento a ser conferido à capitalização. Se assim é, bem podia o CMN, como o fez, através da Circular 1.130, dispor incidência mensal de capitalização. Não se cuida, ainda, de disposição normatizadora imotivada, já que tem atrás de si tratamento remuneratório conferido às cadernetas de poupança, que, sabe-se, tem capitalização mensal de correção e juros.

No entanto, dito entendimento termina por conferir ao crédito rural tratamento mais gravoso que ao comum dos créditos, não representando ser, sobre os prismas sistemático e teleológico, melhor exegese. A par disso, estabelece uma interpretação extensiva no que diz respeito a duas exceções: a primeira, quanto ao anatocismo. A possibilidade de contar juros sobre juros é exceção, merecendo interpretação restritiva e não ampliativa. A segunda exceção está na própria delegação ao Poder Executivo. Mesmo que esta delegação conste de Decreto-Lei, a tal modalidade legislativa de então pode-se dizer ausente, de todo, a participação do Parlamento. Ou seja, não é certo dizer que se está diante de hipótese de delegação interna: norma do Executivo delegando competência regulamentar a outro órgão do mesmo Poder. Não, o decreto-lei, com toda a inconveniência que tinha, em termos de regime democrático, entretanto, sofria chancela do Poder Legislativo e, pois, ingressava no campo próprio às leis e seu processo art. 46, V, CF/67, com a EC 1/69).

Por conseguinte, a delegação ao CMN, por implicar numa quebra ao que corresponde a normalidade do sistema legislativo, não estava, e não está, a merecer interpretação ampliativa.

Então, quando o art. 5º, DL. 167/67 faz alusão a "outra forma'', percebendo-se referido dispositivo estabeleceu termos e datas de capitalização, parece evidente que a delegação traçada ao CMN diz respeito ao estabelecimento de termos ou datas distintas daquelas que o legislador previu. Atentando-se, v.g., para peculiaridades das diversas culturas agrícolas ou das diversas regiões do País. Mas, jamais a estabelecer uma diminuição a algo excepcional e absolutamente incompatível com as vicissitudes da atividade rural.

Por isso esta Câmara, assim como o próprio TA, este em significativa maioria, vem reiteradamente entendendo que a capitalização possível, quanto ao crédito rural, não pode ser inferior ao semestre, tirante as hipóteses de capitalização verificada ao vencimento ou satisfação da dívida.

No entanto, esta a terceira posição, em se admitindo que a Constituição traçou um limite de 12% a.a., quanto aos juros, resta inviável admitir-se a própria capitalização semestral.

Claro o pensamento de SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA ("A limitação Constitucional dos Juros Reais'', artigo publicado na Revista Ajuris) não mais é permitido o juro composto. É que, admitida a capitalização, mesmo que semestral, chegar-se-á a mais de 12% a.a.

Se é assim, então somente de capitalização nula se poderá cogitar, exatamente como previsto em seu art. 4º, D. 22.626/33.

(...)

Ora, inviável que matéria tão relevante submeta-se a previsão pouco clara, não suprindo alusão à Circular 1.130 (bastasse dita referência, para que a inclusão de previsão referente à capitalização de juros?) - (TARS - AI 193.217.957 - 6ª C. - Rel. ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA - Julgado em 10/02/94 - grifos no original.)

A vedação à capitalização mensal no Rio Grande do Sul, é, na verdade a regra, como se verifica de decisões do Terceiro Grupo Cível do TARGS:

"Cédula Rural Pignoratícia. Embargos à execução. Capitalização mensal dos juros. Inadmissibilidade. O art. 5º do DL. 167/67, especificando os momentos em que deve ser feita a capitalização, ou seja, de seis em seis meses, não permite outra interpretação. A referência nela contida de que outra forma pode ser determinada pelo CMN não tem o alcance pretendido. Natureza especial do crédito rural que não pode ser mais onerado. A Súmula 596 não revogou a 121 e nem a legislação referente às instituições financeiras retirou a vedação do D. 22.626/33. Embargos rejeitados.'' (TARS - EI 193.047.974 - 3º GC - Relator Juiz TAEL JOÃO SELISTRE - Julgado em 26/11/93).

"O posicionamento, reiteradamente adotado por este Grupo Cível e Tribunal, tem sido na inadmissão da mensal capitalização dos juros em mútuo agrícola.

A questão é por demais conhecida e debatida neste Tribunal, que se tem pronunciado pelo incabimento da mensal capitalização dos juros no caso dos mútuos agrícolas. Ao apreciar a AC 193.113.954, julgada em 12/08/1993, interposta também pelo ora embargante, assim se pronunciou o Dr. ARMÍNIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, em seu voto:

"A capitalização de juros é exceção. Admite-se anualmente, ut art. 4º, D. 22.626/34. O DL. 167/67, permitiu seu cômputo semestralmente, ou ainda, quando do vencimento ou liquidação da obrigação (art. 5º). Não se pode estender, previsão do art. 5º, quanto à forma em que o CMN vier a fixar, à possibilidade de se diminuir o período de carência de capitalização. Nenhum sentido teria o dispositivo em pauta, ao definir determinada periodicidade, se o lapso mínimo estabelecido pudesse ser alterado, sob o argumento de se tratar de matéria delegada ao órgão administrativo. Este não pode reduzir o lapso mínimo decorrente da lei. Pode estabelecer, até, outros momentos para a capitalização, mas respeitando o mínimo definido pelo legislador.

Ao argumento de que os recursos utilizados para tais financiamentos são oriundos da caderneta de poupança rural, em que há capitalização mensal de juros, cumpre responder que a afirmativa diz mais que a realidade. Sabidamente, de fato inexiste esta absoluta vinculação. Mas, inolvidável que os juros pagos aos aplicadores em cadernetas de poupança são inferiores aos cobrados dos devedores, o que serviria a compensar eventuais diferenças pelo pagamento com capitalização ou não nos outros momentos apontados acima e previstos em seu art. 5º, DL. 167/67.''

A periodicidade da permissão da capitalização dos juros, prevista em lei, encontra sua razão de ser na própria periodicidade do cultivo e da colheita. Objetiva, assim, que o agricultor possa, com a venda de sua produção, atender a seus encargos.

Por outro lado, desimporta a origem dos recursos que serviriam ao financiamento. O que importa é o destino do financiamento. O argumento de provirem os recursos de caderneta de poupança, de muito se vem sustentando, está sendo utilizado com o nítido objetivo de afastar a incidência das disposições normativas contidas no DL. 167/67, com intuito de fraudar a incidência e aplicação da mesma. O DL. 167/67, cuida-se de lei especial, que procura atender e observar as peculiaridades da atividade agrícola, submetida que se encontra as mais variadas e imprevisíveis vicissitudes.'' (TARS - EI 192.238/772 - 3º GC - Relator MOACIR ADIERS - Julgado em 26/11/93).

Como dito, mesmo no STJ, verifica-se posicionamento favorável à capitalização semestral, em que pese a Súmula em contrário, em AI 25.498-6, publicado no DJ do dia 15/10/92:

Agravo de Instrumento nº 25.498-6 - RS - Relator: Ministro FONTES DE ALENCAR

Despacho: Trata-se de AI a despacho que indeferiu recurso especial contra decisão proferida em execução de título extrajudicial (cédula de crédito comercial).

Alega o recorrente violação dos arts. 5º, II, § 2º do DL. 413/69; D. 22.626/33, Lei 4.599, Lei 6.040/80, além de discrepância com a Súmula 596, do STF para tanto, assevera que os juros devem ser capitalizados mensalmente.

Sem razão o agravante, porquanto esta Corte no REsp. 4.724, relatado pelo Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO, perante a 4ª Turma, fixou o entendimento de que, mesmo nas hipóteses contempladas em leis especiais, vedada é a capitalização mensal de juros.

Na linha do precedente, nego provimento ao presente agravo (art. 254, I do RI/STJ). Publique-se. (Grifamos).

Com relação à inexistência de autorização pelo CMN a que se proceda à capitalização mensal nas operações de crédito rural, cumpre transcrever, ainda, os votos dos Min. BARROS MONTEIRO e BUENO DE SOUZA, no REsp. 30.537-1-RS, interposto pelo Banco do Brasil S. A., julgado pela 4ª Turma desta Corte em 31/05/93, portanto pouco antes da edição da Súmula nº 93 (julgada pela Segunda Seção em 27/10/93, tendo por último precedente, decisão do REsp. 31.025-RS, 4ª T. de 17/02/93). Ditos votos, embora vencidos, denotam entendimento no sentido da tese ora exposta:

"Ministro BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, vou pedir vênia para não conhecer do recurso, por entender não contrariado, no caso, o art. 5º do DL. 167/67.

A propósito da capitalização mensal dos juros, cogitou-se da matéria na Segunda Seção deste Tribunal para fins de criação de uma súmula sobre o tema. O Ministro EDUARDO RIBEIRO enfatizou, naquela ocasião, a necessidade de autorização expressa do CMN, conforme dispõe o aludido art. 5º, do DL. 167 de 1967. Parece-me que, no caso, não existe nenhuma determinação a respeito da capitalização mensal oriunda do mencionado órgão e, de outro, também é certo que não está devidamente pactuada essa capitalização.

Sr. Presidente, penso, por estas razões, que não há, no caso, afronta ao referido preceito de lei federal.''

"Ministro BUENO DE SOUZA, Senhor Presidente, tenho como ponderável a objeção ao conhecimento, fundada na preceituação legal (art. 5º, DL. 167/67), que remete para a regulamentação do Banco Central.

É bem verdade que, do ponto de vista conceitual, sempre opus as maiores reservas a essa desmedida delegação do Poder Legislativo ao Banco Central. Mas o fato é que ela tem subsistido no direito brasileiro, até o momento.

Ora, cumpre ao banco, ao agredir o acórdão por ter negado essa capitalização, demonstrar (de novo, invoco o Ministro FONTES DE ALENCAR) concretamente a contrariedade à lei, isto é, que, portanto, essa pretensão contasse com o respaldo legislativo suficiente.

Pondera o eminente Ministro BARROS MONTEIRO que essa exigência não está satisfeita e sinto-me convencido de que a capitalização mensal não está neste caso provadamente autorizada por deliberação apropriada do Banco Central.

Por isso, com a devida vênia, não conheço do recurso, por não encontrar caracterizada ofensa ao preceito legal.''

Por tudo isto, nada menos de sete são as razões à derrubada dos fundamentos da Súmula 93 desta Corte:

a) a autorização ao CMN a fixar outros períodos de capitalização deve ser entendida nos limites da lei, assim, na pior hipótese, semestralmente, por se tratar a norma que a estabeleceu, preceito de ordem pública, de natureza excepcional, que deve ser interpretada restritivamente;

b) sequer o CMN autorizou a capitalização mensal, uma vez que a Circular 1.130 que criou a poupança verde não fala em capitalização;

c) há que se observar também a cessação da competência deste próprio Conselho face às novas disposições constitucionais (art. 48, XIII, CF);

d) não se pode ainda ignorar o paradoxo gerado pela aplicação da capitalização mensal nas operações de crédito rural, quando nas demais, não sujeitas a qualquer proteção pelo Estado, só é a mesma admitida anualmente;

e) mesmo considerada de fonte de captação como sendo unicamente a poupança, ignorando-se assim os recursos provindos da exigibilidade e dos depósitos à vista, por se tratar de contrato mensal, não ocorre a capitalização mas sim mera hipótese de reaplicação dos recursos;

f) mesmo que fosse admitida a poupança como a única fonte, e que suas aplicações sofressem capitalização mensal, como as taxas de juros cobradas no crédito rural superam em mais do dobro as pagas aos poupadores, verifica-se em favor do Banco diferencial mais que suficiente à eventual compensação entre as formas de apropriação dos juros;

g) finalmente, não há acordo entre as partes para capitalização diferente da semestral, eis que está a se tratar de contrato de adesão, imposto pelo Banco, em dissonância com a legislação protetiva do consumidor, no qual não há por parte do produtor verdadeiro consentimento, de forma plena, com relação às condições do ajuste, senão mera adesão às mesmas.

Neste sentido as conclusões da CMPI do Endividamento do Setor Agrícola, realizada no Congresso Nacional, fonte da própria norma aplicada ao caso, que entendeu pela ilegalidade da capitalização mensal, com base na legislação vigente e mesmo nas Resoluções do Conselho Monetário Nacional:

"Transferência de recursos ao setor financeiro

A - Assunção de ônus sistemáticos

(...)

A.2 - Práticas bancárias prejudiciais aos produtores

(...)

A.2.1 - Práticas ilegais

a) Capitalização mensal de juros - Contrária ao DL. 167/67

O Banco do Brasil, por seu livre arbítrio e cometendo clara ilegalidade, estabeleceu a capitalização mensal dos juros na fonte Poupança, recebendo, portanto, juros efetivos de 13,24% ao invés da taxa que, legalmente deveria cobrar, de 12,5% a.a., para o caso dos grandes produtores. Tal decisão contraria frontalmente o DL. 167/67 e as Resoluções do CMN.'' (Grifo no original)

Verifica-se então inaceitável a admissão da capitalização mensal de juros no crédito rural, atividade sujeita à necessária proteção Estatal, e cujas normas que lhe dizem respeito, por isso mesmo, são de ordem pública, inderrogáveis pelas partes, mesmo por órgão do Executivo, cumprindo ao Judiciário a aplicação destes princípios.
 
 

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