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A CORREÇÃO MONETÁRIA E SEUS INDEXADORES LEGAIS


 
 

(Publicada na RJ nº 203 - SET/94, pág. 20)

Antônio F. Álvares da Silva - A CORREÇÃO MONETÁRIA E SEUS INDEXADORES LEGAIS

Advogado em Brasília

O Brasil adota, mediante institucionalização no Código Civil, o nominalismo monetário, razão por que a moeda conserva sempre o seu valor liberatório fixado pelos arts. 947 e 1.061, para se processarem, respectivamente, nas dívidas de dinheiro, o fiel adimplemento do principal e a reparação, em caso de mora, das perdas e danos. Conseqüentemente, "para que a dívida `X' seja saldada, apesar da variação do poder aquisitivo da moeda, basta a entrega da moeda de valor nominal `X'. E somente lei, reservada ao âmbito da União, pode alterar esse princípio'' (RTJ 79/515, no voto condutor do acórdão alusivo ao RE 79.663-SP, TP, prolatado pelo saudoso Ministro RODRIGUES ALCKMIN).

2. Por isso, e diante dos comandos do art. 2º da LICC, a validade jurídica da correção monetária, nas dívidas de dinheiro, está condicionada à existência de um permissivo legal que autorize ou determine sua incidência, como atestam os exemplos configurados no art. 153, § 22, e no art. 161, ambos da CF de 1967; no art. 184 e no art. 46 do ADCT da CF de 1988; no § 1º do art. 7º da L. 4.357/64; na L. 4.380/64; no art. 5º da L. 4.414/64; nas Leis nºs 4.591/64, 4.686/65, 4.862/65, 6.205/75, 6.515/77, 6.649/79, 6.899/81, 7.730/89; nos arts. 10 e 11 da Lei nº 7.827/89; nos DL. 19/66, 70/66 e 75/66; e na MP 266/90, transformada na Lei 8.131, de 24.12.90.

3. Assim, nas dívidas de dinheiro, diante da ilicitude, ab ovo, da correção monetária, prevalece o aforismo ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit, como atestam os exemplos destacados no tópico anterior e, também, a consolidada e remansosa jurisprudência sustentada pelo STF por mais de 29 anos, consoante comprovam os acórdãos relativos aos RE 76.752-SP (RTJ 72/137), RE 77.989-SP (RTJ 70/840), RE 80.596-PR (RTJ 74/594), RE 79.663-SP (RTJ 79/515), RE 81.451-SP (RTJ 76/623), AI 73.855 (AgRg)-RJ (RTJ 90/855), RE 89.818-RJ (RTJ 91/1.111), RE 99/845-RS (RTJ 107/424) e RE 95.285-SP (RTJ 107/704).

4. Segundo dicção dos §§ 1ºs dos arts. 1º e 7º da Lei 4.357/64 e do art. 1º da Lei 6.423/77, a correção monetária só pode ser retratada por um indexador legal que reflita, exclusivamente, a variação do poder aquisitivo da moeda nacional.

5. Esse índice corretivo fora representado, sucessivamente, pela ORTN, OTN, BTN e BTN-Fiscal, até que a Lei 8.177, de 01 de março de 1991, estabelecendo regras para a desindexação da economia, extinguiu, em seu art. 3º, o BTN Fiscal, instituído pela Lei 7.799/91 o Bônus do Tesouro Nacional (BTN), de que trata o art. 5º da Lei 7.777/89, o MVR e as demais unidades de contas assemelhadas que são atualizadas, direta ou indiretamente, por índices de preços; paradoxalmente, entretanto, o mesmo diploma legal criou a TR e a TRD, como índices destinados a promover a atualização de indicadas dívidas.

Entretanto, a TR foi rejeitada pelo STF como indexador monetário, ao fundamento de que "a Taxa Referencial (TR) não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda" (ementa do acórdão da ADIn 493-DF, DJ de 04.09.92, in REVISTA JURÍDICA, 181/98).

7. A qualificação jurídica e o caráter remuneratório da TR estão placitados na mencionada ADIn 493, notadamente:

a) no voto do Relator, Ministro MOREIRA ALVES, in litteris:

"Todos nós sabemos que, se mudou a moeda, evidentemente o pagamento tem que ser feito com a moeda existente no momento em que ele se realiza, não havendo como se invocar direito adquirido ao recebimento em moeda que não mais existe. Já o problema de índice monetário é diverso, pois diz respeito não ao valor jurídico da moeda, mas, sim, ao seu valor econômico de troca. Índice não é moeda. Pertencerá ele ao direito monetário, para afirmar-se que pode ser alterado a qualquer momento, independentemente da observância do princípio constitucional de respeito ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito? Tenho seriíssimas dúvidas a respeito."

"Mas o problema que se apresenta a este Tribunal neste momento é ainda mais complexo, pois o que se coloca em dúvida é o de ser essa taxa referencial um índice de correção monetária, tendo em vista os elementos que são levados em consideração para fixá-las, segundo o artigo 1º da Lei 8.177.

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Dificilmente, taxa com essa composição é índice de atualização monetária, tendo em vista, inclusive, a circunstância de que se, por exemplo, o País ficar sem inflação alguma, mas houver escassez de dinheiro, esta taxa subirá'' (fls. 231/232);

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"Ora, como demonstra o parecer da PGR, não é isso o que ocorre com a Taxa Referencial (TR), que não é índice de determinação do valor de troca de moeda, mas, ao contrário, índice que exprime a taxa média ponderada do custo da captação da moeda por entidades financeiras para sua posterior aplicação por estas. A variação dos valores das taxas desse custo prefixados por essas entidades decorre de fatores econômicos vários, inclusive peculiares a cada uma delas (assim, suas necessidades de liquidez) ou comuns a todas (como, por exemplo, a concorrência com outras fontes de captação de dinheiro, a política de juros adotada pelo Banco Central, a maior ou menor oferta de moeda), fatores que nada têm que ver com o valor de troca da moeda, mas, sim - o que é diverso -, com o custo da captação desta. Na formação desse custo, não entra sequer a desvalorização da moeda (sua perda de valor de troca), que é a já ocorrida, mas - o que é expectativa com os riscos de um verdadeiro jogo -, a previsão da desvalorização da moeda que poderá ocorrer. É, portanto, absolutamente falso dizer-se que, tendo o CMN escolhido, na alternativa admitida pela Lei 8.177/91 (depósitos a prazo fixo ou títulos públicos federais, estaduais ou municipais), a primeira, e havendo ele prefixado uma taxa de expurgo único (2% a título de juros - que variam de banco para banco, sem que o Conselho tenha elementos para individualizá-los para efeito desse cálculo - e de tributos), que o restante seja apenas decorrente de expectativa de desvalorização da moeda. E tanto assim é que, em período de relativa estabilidade monetária, essas taxas aumentam ou diminuem, não evidentemente em razão tão-só da expectativa de mínima desvalorização da moeda, mas, sim, de lei da oferta e da procura, que rege, também, os custos da captação de dinheiro.

A mudança introduzida pela Lei 8.177/91 não foi, portanto, de alguns índices de correção monetária calculados com base na variação de valores de outros bens que não os levados em conta por aqueles (e variação essa que é a única maneira de se saber qual seja o valor de troca da moeda). É, aliás, a própria Lei 8.177/91 que reconhece o predominante caráter remuneratório da TR, tanto assim que, no artigo, preceitua:..'' (fl. 322);

b) no voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, in litteris:

"Ora, Senhor Presidente, como disse, e disso continuo convencido, não posso aceitar, com todas as vênias, que a lei que define os critérios de apuração desta taxa de remuneração, de aplicações em dinheiro, sem ter a ver com variação do poder aquisitivo da moeda, tome-o, ela mesma, como índice de correção monetária, em substituição a índices legais anteriores que, mal ou bem, pretendiam medir a desvalorização do padrão monetário nominal.

Não se destinando, segundo a sua definição legal, a dimensionar essa desvalorização, a TRD não pode servir de índice de correção do valor de troca da expressão nominal na moeda do negócio, objeto de ato jurídico perfeito'' (fl. 423);

c) no voto do Ministro CELSO DE MELLO, in litteris:

"O caráter eminentemente remuneratório da TR foi reconhecido, de modo expresso, pela própria Lei 8.177/91 em seus arts. 12, 17 e 39. Esse aspecto - que assume inegável essencialidade na análise do tema - revela-se bastante para descaracterizar a pretendida natureza da TR como índice de atualização monetária.

Dessa relevante circunstância decorre a acertada conclusão do eminente Relator, no sentido de que

`...não é, pois, a TR índice de atualização monetária...'

Por isso mesmo, e por não constituir índice neutro de mera correção monetária, a aplicação da TR às prestações futuras de contratos precedentes celebrados implica alteração do valor real dessas mesmas parcelas contratuais, com evidente ônus para os mutuários, cuja situação jurídico-contratual - já definitivamente consolidada - viu-se afetar, desse modo, em sua intangibilidade, pela edição superveniente do ato estatal ora impugnado.

No sistema de Direito Constitucional positivo brasileiro - não custa enfatizar -, a eficácia retroativa das leis é excepcional, não se presume, deve emanar de texto expresso em lei e - o que se reveste de essencialidade inquestionável - não deve e nem pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada (RT 218/447 - RF 102/72 - RF 144/166 - RF 153/695)'' (fls. 408/409);

d) no voto do Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, in litteris:

"Admiti, então, Sr. Presidente, e continuo na mesma convicção, que esta taxa, a chamada taxa referencial ou TR, não pode ser considerada como simples fator de correção monetária.

A correção monetária visa a corrigir, simplesmente, a expressão monetária da obrigação, preservando o seu valor intrínseco, ou seja, o valor aquisitivo da moeda.

Já essa taxa de referência, tal como definida no art. 1º da Lei 8.177, não possui a característica de neutralidade, própria do índice de correção da moeda.

Seu cálculo baseia-se, exclusivamente, na avaliação do custo do dinheiro que é influenciado pela liquidez do mercado.

Não se presta, por isso, essa taxa, a servir de índice de atualização, porque não representa o custo de utilidade alguma, senão o próprio custo do dinheiro.

A partir desta premissa que me parece essencial ao deslinde de toda a controvérsia, acompanho o voto do eminente Relator, com a devida vênia dos Colegas que dele divergiram, e julgo inteiramente procedente a ação'' (fls. 428/429).

8. Em razão de tudo isso e da extinção dos indexadores monetários promovida pelo art. 3º da Lei 8.177/91, surgiu um vazio legislativo, cuja dogmatização acha-se, também, proclamada no acórdão da ADIn 493-0-DF, notadamente:

a) no voto do Ministro MARCO AURÉLIO, in litteris:

"Então, Senhor Presidente, a complexidade, a meu ver, é enorme. O próprio Ministro Relator reconhece que aqueles fatores outrora existentes e que visavam a corrigir os saldos devedores foram extirpados. Já não mais existem, porque o próprio artigo 3º da lei dispôs sobre a extinção.''

"Indaga-se: Como ficarão esses saldos devedores diante da concessão da liminar, suspendendo a eficácia do diploma legal? Ficarão simplesmente congelados'' (in processo atinente à ADIn 493 - DJ 04.09.92 - fls. 211/212);

b) na intervenção do Relator, Ministro MOREIRA ALVES, em resposta à indagação supra, in litteris:

"Ficarão congelados enquanto suspensos. Se essa norma for declarada constitucional não haverá congelamento; se for declarada inconstitucional aí não haverá sequer congelamento, mas a impossibilidade dessa correção, que, em virtude de lei editada para desindexar a economia e que, por isso, acabou com os índices de correção'' (in intervenção no voto acima, ADIn 493 - DJ 04.09.92 - fl. 212);

c) na manifestação prolatada no processo pelo douto Advogado-Geral da União, Dr. ARTHUR DE CASTILHO NETO, in litteris:

"b) A Suprema Corte, no controle concentrado, deve ter toda a cautela para evitar que eventual decisão provoque um `vazio jurídico', muito mais nocivo que a aparente incompatibilidade da lei com a Constituição;'' (ADIn 493 - Arquivo - fl. 22 - DJ 04.09.92);

d) no voto prolatado por ocasião do julgamento do mérito, o douto Ministro MOREIRA ALVES enfrentou a transcrita objeção, contrapondo os esclarecimentos, in litteris:

"De outra parte, no Direito brasileiro, o eventual vazio legislativo resultante da declaração de inconstitucionalidade de uma norma não autoriza a não-declaração da inconstitucionalidade existente. No Brasil, de longa data esta Corte firmou a orientação de que a inconstitucionalidade da norma acarreta sua nulidade, não se adotando, portanto, a técnica, admitida na Alemanha, da declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade (unvereinbarkeitserklarung), a qual, em casos especiais (assim, para evitar a ocorrência de vácuo legislativo ou a possibilidade da criação de um caos jurídico), permite a aplicação temporária da lei inconstitucional, até que o legislador, que a isto está obrigado, a substitua por outra que seja constitucional'' (ADIn 493, DJ 04.09.92 - fl. 314).

e) na intervenção do douto Ministro MARCO AURÉLIO, in litteris:

"A atuação do STF não pode ser uma atuação revolucionária, não pode transformar o Brasil no paraíso dos devedores. A atuação do STF não pode fulminar o próprio Judiciário e fico a imaginar os milhões de pedidos que serão endereçados ao Judiciário, objetivando a devolução de importâncias pagas indevidamente, isto caso venha a Corte a concluir que a TR não é fator de indexação monetária'' (ADIn 493, fl. 369).

9. Por outro lado, releva assinalar que, no mesmo julgamento, a Suprema Corte enfrentou questões suscitadas sobre inevitáveis enriquecimentos ilícitos e ônus que adviriam das inconstitucionalidades inquinadas, deixando esclarecido e sinalizado que:

a) Ao Judiciário cabe aplicar as normas legais, sem avaliar suas conseqüências de ordem econômica;

b) O fato econômico tem que seguir o constitucional;

c) O Judiciário não pode negar aos devedores os favores que a lei lhes assegura;

d) Os credores terão direito a ressarcimento, pelo Tesouro Nacional, dos prejuízos sofridos em razão dos atos legislativos viciados;

e) O Judiciário não dispõe de poderes para criar índices corretivos legais;

f) A economia ficará desindexada até que se institua, por lei, novo índice corretivo que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda, a teor do que preceituam o § 1º do art. 1º e o § 1º do art. 7º, ambos da Lei 4.357/64;

g) Aquele que recebe o que não lhe é devido fica sujeito à restituição do indébito.

10. Mister se faz recordar que, à exceção das obrigações relacionadas com o SFH, os indexadores legais foram representados, sucessivamente, pela ORTN, OTN, BTN e BTN Fiscal, até a desindexação da economia, processada pela Lei 8.177, de 01.03.91, cujo art. 3º extinguiu o BTN, o BTN Fiscal e as demais unidades de contas assemelhadas que eram utilizadas, direta ou indiretamente, por índices de preços.

11. Em razão de tudo isso, o abordado vazio legislativo passou a impossibilitar, juridicamente, a teor dos arts. 116 e 145, II e V, do Código Civil, que variada gama de dívidas de dinheiro, notadamente financiamentos rurais, industriais, débitos trabalhistas, débitos oriundos de decisões judiciais e passivos sob regime de concordata ou falência, sejam atualizadas monetariamente. Registre-se, por oportuno, que o art. 44 da Lei 8.177/91 revogou o DL. 75, de 21.11.66, cancelando a autorização que conferia licitude à incidência da correção monetária nos débitos trabalhistas, agora sujeitos somente a juros de mora, ex vi do art. 39 da mencionada Lei 8.177/91.

12. Por oportuno, impõe-se registrar que o emérito professor, economista e advogado KEYLER CARVALHO ROCHA, em lúcido e primoroso artigo publicado na RT 667/238, já havia demonstrado, em maio de 1991, a impropriedade da TR e da TRD como indexadores tributários, trabalhistas e falimentares. O magistério do notável Mestre está integralmente consagrado pela demonstrada jurisprudência do STF.

13. Em razão desses fatos, promulgou-se a Lei 8.383/91, criando a UFIR como medida de valor e parâmetro de atualização monetária de tributos e de valores expressos em cruzeiros na legislação tributária federal, de multas e penalidades de qualquer natureza. Entrementes, com vistas a livrar o Tesouro Nacional de milhares de ações judiciais, alvitradas na alínea g do tópico 9 acima, autorizou-se, por intermédio dos arts. 80/85 da mesma lei, a compensação dos valores pagos ou recebidos com base em cálculos processados nos parâmetros da TRD.

14. Posteriormente, adveio a Lei 8.660, de 28.05.93, estabelecendo novos critérios para fixação da TR, extinguindo a TRD e qualificando, jurídica e explicitamente, a TR como encargo remuneratório que, assim, ficou sujeita ao tabelamento do D. 22.626/33 e ao parâmetro estatuído pelo § 3º do art. 192 da CF.

15. O STJ - guardião constitucional da legislação federal - vem recepcionando a jurisprudência placitada pelo STF, consoante atestam as ementas dos acórdãos abaixo:

a) REsp. 33.216-7-SP (DJ de 29.11.93), in litteris:

"1. Tem-se por não contrariadas as normas processuais sobre obrigatoriedade de citação quando, intimada a devedora de obrigação de fazer, definida em sentença, comparece e cumpre obrigação.

2. Para a atualização da multa do preceito não serve a TR;''

b) REsp. 39.285-3-SP (DJ de 13.12.93), in litteris: "Não serve a Taxa Referencial de Juros para corrigir monetariamente dívida de decisão judicial;''

c) REsp. 37.997-0-GO (DJ de 13.12.93), in litteris:

"Às dívidas rurais aplica-se correção monetária, segundo o que consta dos contratos, não sendo, porém, de aplicar-se a TR em substituição aos indicadores neles previstos. Admite a lei a capitalização mensal de juros, como determinado pelo CMN e contratado.''

16. Luminoso e preciso, apresenta-se, também, o acórdão alusivo ao Agravo em Execução nº 712.635-9, da Comarca de Ribeirão Preto (SP), relatado perante a 4ª Câmara do TASP, pelo douto Juiz OLIVEIRA RIBEIRO, in litteris:

"..., foi condenado a 2 anos de reclusão e ao pagamento de 10 dias-multa, em seu piso mínimo, sob o regime aberto, por infringir o art. 155, § 4º, I e IV, do CP. Em sede de execução, o MM. Juiz homologou o cálculo da pena de multa imposta na sentença, o qual fora feito até 01.03.91, devido à extinção do BTN, o índice de atualização monetária aplicado, que incidia sobre as sanções pecuniárias.

Contra esta disposição específica do decisum, agravou o MP, com o fito de que seja aplicada a TR, como determina o art. 9º da Lei 8.177, de 01.03.91, sobre impostos, multas e débitos de qualquer natureza, refazendo-se assim o cálculo da pena de multa imposta ao agravado.

Processado o agravo, contraminutado, com a confirmação da decisão agravada pelo MM. Juiz sentenciante, manifestou-se a D. PGJ pelo provimento do reclamo ministerial. Este o relatório.

2. Não está por merecer provimento o reclamo ministerial.

Em verdade, a transformação do índice existente para a aplicabilidade da correção monetária, por si só não há de importar na extinção do instituto corretivo, obviamente.

No caso presente, entretanto, cumpre anotar que, ao tempo da edição do Plano Collor II, ou seja, no dia 02.02.91, foi dada a lume pelo Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento uma Cartilha Explicativa, dentro da qual se acham aclarados pontos de significativa importância para o cumprimento do programa governamental votado à promoção da desindexação.

Destarte, a lei de implantação do Plano Collor II extinguiu o BTN e o BTNF, até então os índices vigentes para a indexação da economia.

Ficou explicitamente abolida, àquela altura, a possibilidade da criação de qualquer outro índice de correção monetária, com abrangência inclusive aos estabelecidos por entidades particulares, tudo para o fim de impedir, tanto quanto possível, a proscrita indexação.

Naquela oportunidade, mercê da Lei 8.177, de 01.03.91, foi instituída a TR, calculada pela média das taxas de juros praticadas no mercado e destinada ao cálculo da remuneração dos ativos financeiros, porém vedada a utilização da TR ou da TRD (Taxa Referencial Diária) para indexação de qualquer valor monetário.

Em conseqüência do exposto, vê-se que a TR ou a TRD não se colocam como índices substitutivos do BTN, sendo certo que as próprias autoridades fazendárias, como se constata pela leitura da referida Cartilha, nunca deixaram de propalar que a TR nada tem a ver com o BTN, não sendo o seu sucedâneo.

Ora, por se tratar de mera taxa de juros, não pode incidir sobre a multa de natureza criminal, porquanto tal índice, se se pudesse assim chamá-lo, caso servisse para almejada indexação, equivaleria fatalmente a uma autêntica contradictio in terminis, pois nasceu de um instrumento normativo cuja finalidade principal estava em proscrever a indexação, afastando todos os fatores que prodigalizassem, em qualquer hipótese.

Isto posto, por tais considerações, nega-se provimento ao agravo'' (RT 692/289).

17. O acórdão acima traz à tona uma das razões por que o Judiciário está cada dia mais avolumado de ações, pois o caso acima demonstra que o MP agravara de uma sentença monocrática, moldurada, exatamente na lei e na jurisprudência da Suprema Corte do País, que já placitara a matéria, mediante fustigamento da PGR, como fiscal da lei. Evidentemente, o indigitado agravo consubstancia uma contradictio in vigilando e que só teve o mérito de provocar o lúcido e preciso magistério prolatado pelo insigne Juiz OLIVEIRA RIBEIRO. Inexoravelmente, data venia, o princípio do jura novit curia deve, também, respaldar o ofício do MP.

18. Ademais, outros judicantes vêm, ao arrepio da ordem jurídica e da autoridade da decisão prolatada pelo Tribunal Pleno da Suprema Corte do País, mandando aplicar a TR como indexador monetário, ou a substituição dos indexadores extintos, por índices extralegais e, até mesmo, por índice de remuneração de poupanças ou de depósitos. Restringe-se, ainda, que o próprio STJ, no acórdão pertinente ao REsp. 31.024-0-GO (DJ de 20.09.93), decidiu, in litteris:

"I - Nos procedimentos liquidatórios, as atualizações monetária que se fizerem necessárias cumpre sejam calculadas, via de regra, com base na variação dos valores das ORTN e dos índices que a substituíram (OTN e BTN).

II - A partir de fevereiro de 1991 deve ser adotado, para esse efeito, o IPC, isso em razão da orientação firmada pelo STF, quando do julgamento da ADIn 493, no sentido de que `a taxa referencial (TR) não é índice de correção monetária'.''

19. Inexoravelmente, as decisões ventiladas no tópico anterior afrontam os comandos do art. 1º da Lei 6.423/77, do art. 3º da Lei 8.177/91, dos arts. 116 e 145, II e V, do Código Civil, dos incisos II e XXXVI do art. 5º, e do caput do art. 37 da CF, bem como a autoridade das decisões prolatadas pelo STF nas ADIns 493-DF (DJ de 04.09.92), 768-DF (DJ de 13.11.92 - in REVISTA JURÍDICA 188/59) e 959-DF (DJ de 21.03.94). Ressalte-se que o Judiciário não se acha dotado de poderes para criar indexadores legais e que a determinação para aplicação do IPC, INPC, "equivalência de produtos'' e de outros índices extralegais contraria os arts. 1º, parágrafo único, 2º, 5º, II, 22, I, 37, caput, 44 e 48, XIII, da CF.

20. De resto, é de se recordar que o § 3º do art. 1º da Lei 6.423/77 considera de nenhum efeito a estipulação de correção monetária ajustada ou determinada com base em índice diverso dos indexadores legais e que o IPC está extinto pelo inciso III do art. 3º da Lei 8.177/91, expurgo ratificado pelo art. 26 do mesmo diploma legal.

21.Em razão de todo o exposto, é de se concluir que as questões relacionadas com natureza jurídica da TR e com o abordado vazio legislativo constituem matérias já placitadas pelo STF e que não podem nem devem ser objeto de alheamento por parte do Poder Judiciário, já que todos os Órgãos da Administração Pública, ex vi do inciso II do art. 5º e do caput do art. 37 da CF, estão sob o império da supremacia da lei que os submete ao regime normatizado, impondo tanto a exigência da aplicação da lei (dimensão positiva), quanto a proibição de desrespeito ou de violação da lei (dimensão negativa) (CANOTILHO, Direito Constitucional, 1991, pág. 796/797).
 
 

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