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A ILEGALIDADE DA TAXA REFERENCIAL


I - DOUTRINA

A TR E O CONSUMIDOR

(Publicada na RJ nº 217 - NOV/95, pág. 134)

Lutero de Paiva Pereira e Wagner Pereira Bornelli - A TR E O CONSUMIDOR

Advogados em Maringá - PR

As medidas governamentais para estabilizar a economia têm trazido surpresas desagradáveis aos devedores, principalmente aos tomadores de crédito no sistema financeiro. Os agricultores e as cooperativas tiveram contra si, neste atual Plano, não só o problema do "congelamento'' dos preços mínimos e a ausência dos créditos de EGF, como também o aumento de seus débitos com a incidência da Taxa Referencial de Juros (TR).

Antes do Plano Real, a TR foi utilizada, embora contrariamente a sua própria natureza jurídico-econômica, como índice de correção monetária. Juridicamente, a TR jamais poderia ser utilizada como taxa de correção monetária, porque sua natureza não se prestava a isto, porquanto idealizada como índice remunerador e não como reajustador do capital. Como é sabido, a correção monetária se traduz na simples reposição do poder aquisitivo da moeda, enquanto a remuneração é o efetivo ganho assegurado ao emprestador pela realização do empréstimo.

Se anteriormente ao Plano Real a TR já tinha contra si o entendimento de não ser adequada para demonstrar a inflação, após sua criação não restou mais dúvida quanto à impertinência da Taxa como índice de reajuste monetário. Afinal, pelo artigo 27 da Lei 9.069/95, conhecida como Lei do Plano Real, a correção contratual ou legal somente poderá ser aplicada aos índices do IPC-r.

Assim, com a legalização do IPC-r como indexador da correção monetária, criou-se um obstáculo jurídico intransponível para utilização da TR como índice de reajuste monetário e, com isto, a Taxa se mostrou utilizável somente como um remunerador do capital e, diante desta qualificação, uma autêntica taxa de juro.

Como taxa de juro, porém, a TR tem de passar pelo crivo do Código de Defesa do Consumidor, inclusive nos contratos firmados com os estabelecimentos de crédito, para aferir os limites de sua aplicabilidade, pois o pacto só vale com amparo legal.

Este Código foi concebido para proteção e defesa do consumidor (art. 1º), contemplando, dentre muitos outros direitos, a sua efetiva prevenção de danos patrimoniais (art. 6º, inc. VI) que pudesse advir, por exemplo, de uma oneração excessiva produzida pelo contrato, presumindo ser o consumidor a parte mais frágil da relação contratual.

Quando se propôs a regulamentar e a proteger o consumidor no âmbito do contrato, o Código foi cuidadoso em disciplinar a estipulação das taxas de juros moratórios e remuneratórios, impondo ao financiador a observância de regras rígidas, para realização da convenção. Neste sentido é oportuno considerar que o inciso II do artigo 52 do mencionado Código é claro ao estabelecer que a taxa efetiva anual de juros deve ser informada prévia e adequadamente ao consumidor, logicamente para lhe proporcionar conhecimento tempestivo da efetiva elevação de sua dívida em face da aplicação dos juros contratados. Esta prescrição da Lei não deixa dúvida quanto ao fato de que os juros devem ser fixados em índice certo e determinado no bojo do contrato, numa forma lúcida de reequilibrar a posição dos contratantes na relação mutuante/mutuário, até hoje dominada pela vontade soberana do primeiro.

A TR, portanto, é uma autêntica taxa de juros e, como tal, se propõe a remunerar o capital em favor do mutuante. Com esta roupagem jurídico-econômica, a TR, diante do Código de Defesa do Consumidor, não pode ser aplicada nos financiamentos rurais ou nos demais contratos bancários, posto não preencher o requisito legal do artigo 52, inciso II, diante da impossibilidade de o devedor/consumidor ser informado prévia e adequadamente pelo credor/fornecedor de quanto representará na dívida a aplicação desta Taxa, uma vez se tratar de um índice futurista, aleatório e inconstante, sujeito às intempéries e ao balanço agitado do mercado financeiro.

Assim, se o Código procura defender o consumidor de uma oneração excessiva e desconhecida, afastando surpresas indesejáveis de comprometimento do seu patrimônio, como efetivamente se propõe a fazê-lo, logo a TR não pode ser aplicada como índice remunerador do contrato, tendo em vista o obstáculo legal trazido pela Lei em referência, donde sobressai obrigação intransferível do outorgante do crédito ou do financiador em informar, de plano, no âmbito do próprio contrato, a taxa efetiva anual dos juros a que se sujeita o mútuo. Entretanto, considerando que a TR, pela sua própria metodologia de cálculo, não permite esta informação prévia do devedor, sua aplicação no contrato está vedada pela lei especial.

Portanto, nos contratos em que a TR incide concomitantemente com juros em índice certo, tem o consumidor o direito de afastar a aplicação da primeira por não preencher os requisitos legais abordados. É oportuno ressaltar que o STJ, por sua Quarta Turma, no julgamento do Recurso Especial nº 47.146-0, de 06.02.95, decidiu que o Código de Defesa do Consumidor se aplica integralmente à cédula de crédito rural.

(Nota dos Editores: Acórdão publicado nesta REVISTA JURÍDICA, págs. 140/143)

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