As Instituições Financeiras, as práticas abusivas e a mora do devedor.
Luís Marcelo Benites Giummarresi
Pretende-se, com este trabalho,
fazer uma análise sucinta sobre a eventual constituição
em mora do
devedor, em se tratando de débitos
contraídos perante as Instituições Financeiras, sejam
aqueles de
natureza comercial, industrial,
rural ou até mesmo pessoal.
O Código Civil Brasileiro
não conceitua a mora, fornecendo apenas os elementos necessários
à sua
configuração, quando
estabelece, em seu art. 955, considerar-se em mora o devedor que não
efetuar
o pagamento, e o credor que o
não quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados.
Daí, de modo a "declarar
vencida a obrigação" e "constituir em mora o devedor", as
Instituições
Financeiras procedem à
usual notificação extrajudicial, com os objetivos óbvios
de buscar guarida à
aplicação, ao caso
concreto, dos efeitos da mora, que vão desde a incidência
de multa, até a –
indevida – elevação
dos encargos por inadimplência.
É sabido que a impontualidade
no cumprimento da obrigação, por si só, não
basta para caracterizar o
instituto da mora. Atento aos
aspectos subjetivos que devem ser considerados na análise dos atos
jurídicos e seus desdobramentos,
entendeu por bem o legislador pátrio que não havendo fato
ou
omissão, imputável
ao devedor, não incorre este em mora (art. 963, CCB).
Verifica-se, portanto, o elemento
"culpa" como requisito necessário à caracterização
da mora. Nesse
exato sentido o escólio
de Orlando Gomes (Obrigações, Forense, 8ª Ed., p. 203):
"O segundo
pressuposto é a culpa.
Se o atraso não decorre de fato imputável ao devedor, mora
não há, conforme
a doutrina dominante". E embora
a lei não faça expressa referência, é forçoso
admitir que a culpa do
credor também é
fator excludente da constituição em mora do devedor.
Por outro lado, são raríssimos
os casos em que as Instituições Financeiras não cometem
abusos ou
ilegalidades quando do cálculo
das obrigações contraídas em seu favor. Ao lado da
já decantada
discussão acerca da auto-aplicabilidade
ou não do § 3º do art. 192 da Constituição
Federal, que limita
em 12% a taxa anual de juros a
ser cobrada pelos Bancos, vê-se que rotineiramente as execuções
ajuizadas por essas Instituições
encontram-se às voltas com a indevida prática da capitalização
de
juros (anatocismo), ou com a indevida
cumulação da comissão de permanência com outro
índice de
atualização monetária,
ou com a ilegal utilização da TR – Taxa Referencial como
fator de correção da
moeda, além de outras eventuais
matérias – ressalte-se – todas estas últimas já com
entendimento
(de ilegalidade) sedimentado pela
Doutrina e pelos Tribunais Pátrios.
E é desnecessário
aqui dizer-se, por lógico que é, que as práticas abusivas
acima elencadas
causam, efetivamente, uma considerável
oneração do contrato, ou do título, onerosidade esta
que, no
mais das vezes, tornam absolutamente
impossível o cumprimento da obrigação, por mais que
esta
seja real intenção
do devedor.
Sabe-se que o contrato produz efeitos
de lei entre os contratantes, e que além das cláusulas
expressas no instrumento, devem
as partes atender aos princípios da lealdade, da boa fé,
da
legalidade, etc..., de modo que
no decorrer da existência jurídica do contrato (celebração,
duração ou
desenvolvimento e término)
seja preservada a ordem jurídica na sua mais ampla acepção.
Portanto, ao incorrer em práticas
abusivas, os Bancos afrontam os princípios por cujo cumprimento
e
observância comprometeram-se.
E não sendo razoável a essas Instituições alegar
o
desconhecimento do caráter
de ilegalidade de suas práticas, torna-se inafastável a conclusão
de que,
nessas circunstâncias, as
Instituições Financeiras, como credoras, agem com culpa e
induzem o
devedor à impontualidade
da obrigação. Precisa é a lição de J.M.
de Carvalho Santos (CCB
Interpretado, Freitas Bastos,
vol. XII, p. 311): "O credor, sem dúvida, recusando ou criando embaraços
ao recebimento da prestação
do devedor, viola o vínculo obrigacional, desrespeita o contrato,
que é lei
entre as partes, causa prejuízo
ao devedor, não só por lhe prolongar a responsabilidade,
senão
também por fazê-lo
pagar mais do que necessitava, nas prestações de dinheiro
em que correm juros,
o que faz com que se presuma a
sua culpa, tal como ocorre com a mora do devedor".
Insta entender, no entanto, que
em casos tais, justamente porque a razão que acarretou a
impontualidade da prestação
não é imputável ao devedor, não incorre este
em mora, não se lhe
podendo ser atribuídos
os efeitos desse instituto. Veja-se a lapidar conceituação
proposta por Sílvio
Rodrigues (Direito Civil, Saraiva,
vol. 2, p. 297): "E nisso é que a mora se distingue do simples
retardamento. O retardamento é
um dos elementos da mora, pois esta é o retardamento derivado da
culpa. São inúmeros
os julgados exonerando o devedor em atraso, das conseqüências
da mora, por
não se encontrar em seu
procedimento qualquer resquício de culpa".
Mesmo considerando-se que a simples
impontualidade, por si só, já caraterizaria mora do devedor,
forçoso seria concluir
que, também existindo a prática abusiva da Instituição
Financeira, ambas as
partes incidiriam em mora. A conseqüência
prática é que, nesses casos, nenhuma das partes poderá
sofrer seus efeitos, visto que
estes se nulificam.
Não se pretende afirmar,
evidentemente, que a mora do credor, ou a inexistência de mora do
devedor
por fato imputável apenas
ao credor, faz desaparecer a obrigação. Ao contrário,
a obrigação
remanesce íntegra, porém,
sem receber qualquer encargo pela impontualidade de seu cumprimento
pelo devedor. Mais uma vez, o
ensinamento de J.M. de Carvalho Santos: "A mora do credor, de acordo
com a doutrina dominante, nunca
poderá agravar a obrigação do devedor, nem piorar
a sua condição,
de sorte que ficará ele
isento de responder pelas conseqüências que por convenção
especial ou por
lei se derivassem do inadimplemento"
(op. cit., p. 329).
Em conclusão, pode-se afirmar
que as práticas abusivas e ilegais cometidas pelas Instituições
Financeiras causam oneração
excessiva das obrigações, fato que exclui o caráter
culposo da
impontualidade da prestação,
tornando como inocorrente a MORA do devedor.
Retirado de: http://www.direito.adv.br/artigos/mora.htm