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Contra as crises, a Justiça
 

I Simpósio Internacional aponta necessidade de submeter ao império do Direito os mercados financeiros e sistemas bancários. IBDB On Line destaca principais recomendações debatidas
 

A voz baixa e a dicção serena do professor Giovanni Iudica, da Universidade Luigi Bocconi, de Milão, não foram capazes de abafar o eco do alerta que ele lançou em São Paulo no dia 5 de março, ao participar como conferencista no I Simpósio Internacional de Direito Bancário. “Os juristas abdicaram dos mercados, e os entregaram às mãos dos economistas”, advertiu Iudica. Em seguida, lembrou: “Enquanto esta abdicação não terminar, não será possível organizar um sistema financeiro que tenha caráter ético e moral”. Por fim,lançou a proposta: “Quando se fala em globalização dos mercados, é preciso pensar em algum tipo de globalização jurídica”.

Ao longo dos quatro dias que durou o Simpósio, dezenas de palestrantes traçaram um riquíssimo painel sobre os notáveis avanços alcançados pelo Direito Bancário em todo o mundo. Mas o problema que Iudica expôs de forma explícita fazia parte das preocupações de quase todos os conferencistas. Num mundo de mercados financeiros crescentemente globalizados, cresce a cada dia a necessidade de criar legislações que coloquem o conjunto do sistema sob o império da lei. É a única forma tanto de assegurar a proteção dos consumidores quanto de evitar desajustes e crises financeiras cuja virulência parece ter aumentado, à medida em que se torna mais fácil movimentar eletronicamente somas gigantescas.

Durante os debates travados no Simpósio, e sempre com base nas conquistas já alcançadas pelo Direito Bancário em todo o mundo, foram se definindo os principais objetivos que é preciso perseguir, no esforço de estabelecer mecanismos de controle jurídico sobre os mercados financeiros. O IBDB On Line destaca a seguir os principais:
 

1.De mercado selvagem a mercado regulado

Uma nuvem de vários trilhões de dólares ronda o planeta. Essa imensa massa de recursos poderia contribuir para criar, em todo o mundo, sistemas de crédito que alavancassem a produção de bens e serviços. Enquanto permanecer sem controle, no entanto, ela é uma ameaça constante de crises financeiras cada vez mais graves. O primeiro grande desajuste vitimou o México, em 1994. O segundo começou na Ásia no segundo semestre do ano passado, e seu potencial de contágio permanece desconhecido (veja matéria na página 6).

A Mesa 1 do I Simpósio debateu em profundidade o domínio crescente que as finanças globalizadas exercem sobre a economia de todos os países. Intervenções como a do professor Robert Guttimann (da Universidade de Hofstra) demonstraram que os avanços da informática e da transmissão de dados permitiram aos mercados financeiros exercer pressões cada vez maiores sobre as nações. Sujeitas ao risco de movimentos de capitais capazes de provocar crises cambiais quase instantâneas, elas são obrigadas a adotar as políticas que interessam aos grandes investidores. As conseqüências são gravíssimas. Para satisfazer o apetite dos mercados, os países em desenvolvimento (hoje chamados de “mercados emergentes”) têm elevado as taxas de juros e tornado o acesso ao crédito cada vez mais custoso e incerto. Embora mais poderosas, as chamadas “economias desenvolvidas” debatem-se com a fragilidade dos bancos centrais diante dos fluxos cada vez maiores de capital especulativo, e do potencial desestabilizador dessas movimentações financeiras.

Diversos foruns internacionais têm debatido formas de controle global das sociedades sobre essas movimentações. Entre as alternativas mais ousadas, destaca-se a proposta da Taxa Tobin. Proposta nos anos 70 pelo norte-americano Thomas Tobin, Prêmio Nobel de Economia, ela implicaria em submeter todas as transações financeiras a um imposto universal. Ainda que a alíquota fosse reduzida, a taxação desestimularia as movimentações constantes. Além disso, os recursos arrecadados constituiriam um fundo internacional, gerido por organismos como a ONU, para o combate à miséria.
 

2. Mecanismos modernos de defesa do consumidor
 

Nas sociedades modernas, o crédito tornou-se indispensável para assegurar aos indivíduos e às empresas sobrevivência econômica. O agigantamento dos bancos, contudo, deu-lhes poder para impor condições leoninas a quase todos os clientes. Diante dessa contradição, as sociedades não têm outra alternativa exceto estabelecer mecanismos jurídicos que coíbam as práticas abusivas do sistema financeiro, e amparem o consumidor de crédito.

O I Simpósio constatou a disseminação desses mecanismos por toda parte. Segundo os conferencistas, alguns dos principais instrumentos adotados são:

* Definição do cliente do sistema financeiro como parte vulnerável, o que permite, em diversas legislações, inverter o ônus da prova sempre que houver indícios de abusos;

*  Possibilidade de revisão judicial dos contratos, mesmo que firmados expressamente, sempre que ferirem a legislação nacional ou que estabelecerem vantagem excessiva em favor da instituição financeira;

* Direito das Associações de Consumidores moverem ações contra cláusulas abusivas, e alcançarem a reparação dos prejuízos sofridos pelo conjunto de seus associados

* Cláusula da “força maior social”, adotada pioneiramente na Finlândia. Permite ao cliente do banco reivindicar a renegociação de contratos de crédito, em virtude de fatos como desemprego ou aumento de despesas familiares causado pelo divórcio.
 

3. Garantia permanente de ampla concorrência
 

Num setor econômico que tende naturalmente à oligopolização, uma medida essencial para proteger os direitos do consumidor é garantir, através de medidas legais, a concorrência. Essa noção foi expressa com ênfase particular pelos conferencistas italianos, que relataram o importante processo de descartelização vivido por seu país nos últimos anos.

Adotada nos anos 30, a legislação que prevalecia até o início desta década havia instituído um sistema essencialmente oligopolístico. Os poucos bancos autorizados a funcionar haviam imposto aos consumidores taxas de juros elevadas, tarifas altas e serviços sofríveis. Adotava, além disso um conjunto de Normas Bancárias Uniformes (as NBUs) repletas de cláusulas abusivas.

O panorama alterou-se rapidamente quando a legislação italiana passou a acolher as diretivas da União Européia sobre o sistema financeiro. O mercado abriu-se para instituições de todo o mundo. As novas leis estabeleceram, além disso, medidas para impedir que os bancos adotassem práticas de cartel, oferecendo produtos e condições idênticos ou apenas aparentemente distintos. A concorrência real que se estabeleceu trouxe resultados rápidos. As taxas de juros e as tarifas caíram, e houve clara melhora nos serviços prestados.
 

4. Responsabilidade civil e penal do banqueiro
 

Os bancos devem ser responsabilizados, tanto civil quanto penalmente, pela má concessão de crédito. Durante o I Simpósio, que debateu esta questão em duas mesas específicas de debate, foi especialmente apreciado o relato da experiência da França, talvez a mais avançada.

A legislação francesa permite  responsabilizar os banqueiros em pelo menos duas situações. A interrupção abrupta e imotivada de um contrato de crédito, que provoca a iliquidez de uma empresa pode ser punida. Além disso, os bancos respondem por prejuízos que causam a terceiros, quando concedem créditos – e portanto aparência de solvabilidade – a empresas cuja situação financeira está comprometida. É exatamente o que ocorreu, no Brasil, em casos como o da construtora Encol.
 
 

5. Completa transparência nas relações com o público
 

Num país onde os bancos chegaram a constituir instrumentos como o Serasa, através cortam sumariamente o crédito de pessoas e empresas sem sequer comunicá-las despertaram atenção os relatos de diversos palestrantes sobre os avanços alcançados no sentido de garantir ampla transparência nos procedimentos do sistema financeiro. Eis alguns deles:

* Na Itália, onde os bancos também multiplicaram a variedade de serviços prestados, para ampliar receitas, nenhum novo “produto” financeiro pode ser fornecido aos clientes sem assinatura de contratos. Além disso, os contratos devem ser escritos em linguagem compreensível pelo cliente comum, sob pena de nulidade.

* Na Inglaterra, também passou a vigorar há anos cláusula que exige contratos redigidos em linguagem acessível. Os órgãos que coíbem comércio desleal já impugnaram 3 mil tipos de cláusulas que feriam este dispositivo.
 


Retirado de: http://www.ibdb.org.br/online/atualjunho.htm