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LEASING: O CONTRATO DE LEASING FINANCEIRO E AS AÇÕES REVISIONAIS



(Publicada na RJ nº 237 - JUL/97, pág. 5)

Athos Gusmão Carneiro - LEASING: O CONTRATO DE LEASING FINANCEIRO E AS AÇÕES REVISIONAIS

Ministro aposentado do STJ

Advogado em Porto Alegre e Brasília

1. O contrato de leasing, que no Brasil tomou a denominação, algo imprópria, de "arrendamento mercantil", é em realidade um contrato novo, surgido nos Estados Unidos na década de 1950 e com rapidez adotado em outros países de maior desenvolvimento econômico, porquanto responde a necessidades surgidas na indústria e no comércio, com vistas a uma mais fácil e proveitosa obtenção do uso de máquinas e instrumentos de trabalho.

2. O leasing afigura-se, como menciona ARNALDO RIZZARDO, "uma simbiose da locação, do financiamento e da venda" (Leasing, ed. RT, 2ª ed., 1996, pág. 18). Ou, na definição de CELSO BENJÓ, é negócio jurídico complexo, que encerra "em si mesmo o financiamento de uma locação. Os dois efeitos principais do instituto (locação e financiamento) são conseqüências normais, intrínsecas, indicam a função que desempenha e estão indissoluvelmente ligados à própria complexidade do arrendamento mercantil". É este "o financiamento de uma locação com possibilidade de aquisição do domínio" (RF, ano 1981, v. 274/11).

3. Não se cuida de simples locação, pois as prestações pagas pelo "arrendatário" não representam um mero aluguel, mas sim representam principalmente o pagamento parcelado do bem: o "aluguel" já compreende "a totalidade dos custos suportados pelo operador, acrescidos do seu lucro, o que torna impossível considerar o contrato como de simples locação" ("Natureza Jurídica do Leasing", RDM, 14/35). Como quer que seja, na atualidade, como bem referiu DANIÈLE CRÉMIEUX-ISRAËL, "le crédit-bail et le leasing constituent aujord'hui par leur souplesse d'utilisation personnalisée à chaque entreprise, un des facteurs clefs de l'économie contemporaine" ("Leasing et Crédit-Bail Mobiliers", Dalloz, Paris, 1975, pág. 275).

Vale sublinhar o magistério de ARNOLDO WALD, para quem o leasing é um negócio jurídico complexo porquanto, associando elementos de diversos negócios, "estes se formam por manifestação unitária de vontade, não se decompondo em outros contratos" (ARNOLDO WALD, "Obrigações e Contratos", ed. RT, 9ª ed., 1990, nº 240).

Para CLÁUDIO SANTOS apresenta o leasing, para o arrendatário-empresa, duas grandes vantagens: "uma, de ordem financeira, de modo a liberar capital de giro ou de suprir a falta de capital para uma imobilização e, ainda, permitir-lhe apresentar um balanço com melhor índice de liqüidez do que se adquirisse o bem, lançando-o contabilmente em seu ativo imobilizado; outra, de ordem tributária, pois a paga mensal do arrendamento é, em princípio, despesa operacional, dedutível da receita tributária, para fins de operação do lucro tributável pelo imposto de renda" (artigo "Leasing - Questões Controvertidas", REVISTA JURÍDICA, 223/5 - Porto Alegre).

4. No Direito Brasileiro, o contrato de leasing, sob o nomen iuris de "arrendamento mercantil", veio a ser regulado pela L. 6.099/74, que aliás visou basicamente seu `tratamento tributário', como aliás consta da respectiva ementa.

A L. 7.132/83, alterando a redação do art. 1º, parág. único, da L. 6.099, abriu a possibilidade do leasing às pessoas físicas. Assim ficou constando do dispositivo legal:

"Art. 1º ..................................................................................................................................

Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos dessa Lei, o negócio jurídico realizado entre a pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta."

5. Recentissimamente, com a edição pelo BACEN da Res. 2.309, de 28 de agosto do ano corrente, foram revogadas as Resoluções 980 e as subseqüentes Resoluções e Circulares sobre a matéria, que recebeu renovada regulamentação, valendo transcrever os dispositivos alusivo às "modalidades de arrendamento mercantil", verbis:

"Art. 5. Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que:

I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos;

II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;

III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.

Art. 6. Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que:

I - as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação a disposição da arrendatária, não podendo o total dos pagamentos da espécie ultrapassar 75% (setenta e cinco por cento) do custo do bem arrendado;

II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado seja de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária;

III - o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado.

Parág. único - As operações de que trata este artigo são privativas dos bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades de arrendamento mercantil.

6. Desde logo, convém sublinhar a diferença substancial entre as duas modalidades de arrendamento mercantil:

a) no leasing financeiro, as contraprestações devem ser suficientes a que a arrendadora recupere `o custo do bem arrendado' e ainda `obtenha um retorno', ou seja, um lucro sobre os recursos investidos;

b) já no leasing operacional, as contraprestações destinam-se basicamente a cobrir `o custo de arrendamento do bem' e ainda dos serviços prestados pela arrendadora com a manutenção e assistência técnica postos à disposição da arrendatária, previsto ainda que o preço para a opção de compra será sempre o do "valor de mercado do bem arrendado".

Ultima ratio, vê-se que no leasing financeiro prepondera o fator `financiamento', enquanto no leasing operacional sobreleva o aspecto `locação'.

7. No leasing operacional, ou renting, como foi dito, é prevalecente o aspecto `locação', com o pagamento pela arrendatária de contraprestações equivalentes ao custo de arrendamento do bem (com total não superior a 75% do custo do próprio bem arrendado) e às despesas de assistência técnica que a empresa é obrigada a fornecer à arrendatária.

8. No leasing financeiro, expõe ARNALDO RIZZARD, "domina o sentido de financiamento" (Leasing, ob. cit., nº 3.2). E traz à balha o ensinamento de JACQUES COILLOT: "Tandis que le renting s'attache a l'exploitation en location, por une durée variable, d'un parc préexistant de matériels standart, le leasing consiste, avons-nous vu, pour une firme à vocation finacière, à louer à un industriel un équipement, adapté a des besoins particuliers, qu'elle ne peut donc acheter qu'en moment même ou l'opération se noue" ("Iniciation ao Leasing ou Crédit-Bail", Delmas, Paris, 1969, pág. 196).

Refere ainda o professor COILLOT que todos os riscos são assumidos pelo arrendatário: "ceci découle naturellement de la vocation purement financière de la sociètè acheteuse et de la seule compétence technique du locataire qui a décidé de s'équiper indirectement par l'intermédiaire du leasing".

O professor FRAN MARTINS, discorrendo sobre o leasing financeiro, alude a que suas prestações "normalmente são altas, porquanto leva-se em conta o valor do bem e a remuneração do seu uso e gozo pelo arrendatário. Assim, ao pagar uma prestação, o arrendatário como que paga uma parte do valor do bem e uma parte do arrendamento propriamente dito" ("Contratos e Obrigações Comerciais", Forense, 1990, nº 407).

9. No leasing financeiro, a empresa de leasing não era anteriormente a proprietária do bem: "esse bem é escolhido e indicado pela arrendatária, que para tanto entra em contato com o vendedor, podendo, inclusive, discutir o preço. Assim acontecendo, é feita a indicação do bem à empresa de leasing, que o adquire e em seguida arrenda ao cliente que o indicou" (id., ib.). Outra característica do leasing financeiro é "a obrigatoriedade do contrato no período determinado para a vigência do mesmo. Assim, todas as prestações pactuadas serão devidas, ainda mesmo que o arrendatário queira dar fim ao contrato, devolvendo o bem à arrendadora antes de terminado o prazo contratual" (id., ib.).

10. Isto porque, adiantemos desde logo, à empresa de leasing não interessa lhe seja `restituído' o bem: necessita, isto sim, recuperar o valor do financiamento que precisou fazer junto ao mercado bancário a fim de habilitar-se a adquirir o bem, para poder, de sua vez, contratá-lo em leasing com o cliente. Temos, portanto, de certa forma um "duplo financiamento": a empresa de leasing é geralmente financiada por instituições prestadora de capitais, para lograr adquirir o bem; e necessita, imediatamente após, por sua vez "financiar" o cliente, em geral a médio prazo (mínimo de 2 ou 3 anos), mediante o leasing, recuperando assim paulatinamente os custos financeiros de aquisição do bem, as despesas operacionais e, ainda, obtendo sua margem de lucro no negócio.

O leasing implica, para quem o contrata, "uma decisão de investimento e financiamento" (ARNOLDO WALD, "História e Desenvolvimento do Leasing", Rev. de Direito Mercantil, 1973, v. 10/25).

11. O professor JORGE R.G. CARDOSO, em interessante artigo de doutrina, após análise das características diferenciais do leasing operacional e do financeiro, ressalta que naquele, no leasing operacional, é permitido ao cliente devolver o bem ao arrendador, pois sua característica dominante é "a cessão do uso do bem a terceiro".

Mas quanto ao leasing financeiro, "as partes objetivam também a transferência da propriedade do bem arrendado, o que justifica tenha sido acoplado ao arrendamento o termo `mercantil', pois a propriedade necessariamente será transferida do arrendador, quer para o arrendatário em caso de exercício da opção de compra, quer para terceiros, caso não haja o seu exercício". Em conseqüência disso, conclui o articulista que no leasing financeiro não é admitido "que o arrendatário devolva o bem ao arrendador e pretenda, eventualmente, desfazer o negócio e sustar o pagamento das contraprestações sob a alegação de que não deseja o uso do bem a ele dado em arrendamento mercantil, pois o contrato versa também sobre a transferência de sua disponibilidade" ("Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas" - RT, 1993, v. 5, pág. 76).

Além disso, como alude CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, "no leasing financeiro, o arrendatário assume os riscos da coisa, obriga-se pela sua conservação, e sofre a sua obsolescência" ("A Nova Tipologia Contratual no Direito Civil Brasileiro", RF, vol. 281/9).

12. Passemos, agora, a abordar brevemente o leasing financeiro em face do Código de Proteção ao Consumidor.

Indaga-se se as normas do CDC aplicam-se aos contratos de leasing financeiro, que para uso/aquisição de bens de produção vêm sendo firmados.

Partamos do texto da L. 8.078/90 - CDC, que firmou, no âmbito do direito positivo brasileiro, os conceitos de consumidor e de fornecedor:

"Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."

"Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.

§ 1º. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista." 13. Sublinhou LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, em parecer, que "o consumo se define, antes de tudo, como função de satisfação das necessidades, sugnificando o uso imediato e final de bens e serviços, para satisfação das necessidades humanas"; e remete ao magistério de ALBERT MEYERS, ("Elementos da Economia Moderna", trad. brasil., Livro Ibero-Americano, 1962, pág. 13) no sentido de que "consumo é o uso imediato e final de bens e serviço, para satisfazer as necessidades de seres humanos livres. Consumo não significa uso de um bem, a menos que seja usado pelo consumidor final (grifamos).

14. Surge, não obstante, um problema: a lei brasileira, ao contrário de várias legislações alienígenas, também considera como consumidor a pessoa jurídica, e não apenas as pessoas naturais. Todavia, e esta ponderação ostenta-se como fundamental, impende considerar que o art. 2º refere-se à pessoa jurídica que adquire produto ou utiliza serviço como destinatário final.

Mestre MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO (em douto parecer sob o título "O Direito do Consumidor na Constituição" - Cadernos IBCB 22) traz à balha distinção que se nos afigura inafastável, com base no magistério de RAYMOND BARRE, em sua obra "Économie Politique".

"Pode-se distinguir duas grandes categorias de bens e de serviços:

- bens e serviços de consumo, ou finais, que satisfazem diretamente as necessidades dos consumidores (pão, por exemplo);

- bens ou serviços de produção, ou indiretos, que são utilizados no primeiro estágio da produção, para fornecer bens de consumo (o instrumento ou a máquina)." (ob. cit., Paris, 2ª ed., 1957, t. I, pág. 10) (grifamos).

Com base nisso, conclui o parecerista que não será considerada como consumidora, para efeito da tutela do CDC, aquela empresa que adquire bens para utilizá-los como insumos, ou como instrumento de trabalho: "não os repassando a terceiros, nem os utilizando como instrumentos de produção".

15. O professor GERALDO VIDIGAL assumiu posição taxativa: "a empresa nunca é consumidora", pois, sendo uma organização que reúne os fatores de produção, a fim de oferecer no mercado produtos e prestar serviços com a finalidade de auferir lucros, a empresa "jamais adquire ou utiliza produto, ou serviço, como destinatário final" (Cadernos IBCB 22, pág. 16) (grifamos).

Abre ele, no entanto, exceções para aquelas pessoas jurídicas que, alheias a fins produtivos ou lucrativos, operam como destinatários finais em proveito e para uso de seus associados ou beneficiários: assim o clube de lazer, a associação esportiva, a cooperativa de consumo, o asilo de idosos, a creche para crianças.

16. Mais ou menos sob idêntica diretriz opinou o mestre ARNOLDO WALD, para quem o legislador nacional, ao incluir a pessoa jurídica como consumidor, art. 2º do CDC, cuidou de "certas pessoas jurídicas de direito civil sem caráter empresarial, como as fundações e as associações, ou admitiu que as pessoas jurídicas de direito comercial também pudessem invocar a proteção da lei especial, mas, tão somente, nos casos nos quais a contratação de bens ou serviços de consumo não tivesse vinculação alguma com a sua atividade produtiva ou empresarial, não se tratando de bens ou de serviços utilizados, ou utilizáveis, direta ou indiretamente, na produção ou comercialização" (Parecer, Cadernos IBCB 22, pág. 57) (grifamos).

Em sinópse: o consumidor a que se dirige a especial tutela seria a pessoa que, para suas necessidades pessoais, contrata o fornecimento de bens e serviços, não os repassando a terceiros, nem os utilizando como instrumentos de produção (JACQUES GHESTIN, "Traité de Droit Civil", v. II/36).

17. Posta esta premissa, configura-se evidente que os contratos de leasing financeiro, firmados entre a empresa de leasing e empresas industriais, comerciais, de prestação de serviços de transporte de cargas pela via rodoviária etc., visando o arrendamento mercantil de caminhões e outros veículos, de máquinas, de instrumentos de produção de bens e de prestação de serviços profissionais, tais contratos não se apresentam como "atos de consumo" sendo, pois, alheios à especial tutela proporcionada pela L. 8.078/90 aos consumidores.

18. É que, como já exposto, as arrendatárias mercantis, em tais hipóteses, `não são destinatárias finais dos produtos objeto do leasing'; trata-se do impropriamente chamado `consumo intermediário', pelo qual:

a) a arrendatária mercantil obtém `bens de capital', que a ela servirão ou para a produção de novos bens intermediários, ou diretamente para a produção de bens finais, a serem, estes sim, adquiridos ou utilizados por consumidor sob a proteção do CDC; ou

b) a arrendatária mercantil obtém `bens de capital' que lhe possibilitarão a prestação de serviços aos consumidores, estes sim, destinatários finais dos serviços.

Na síntese de GERALDO VIDIGAL, "a empresa se dedica sempre à atividade produtiva. Nessa qualidade, nunca é destinatária final: na empresa, a utilização de bens ou de serviços, trate-se de trabalho, de matérias-primas, de energia consumida, de instalações, de equipamentos, representam sempre insumo - mas jamais consumo" (Cadernos IBCB 22, pág. 18) (grifamos).

19. São abarcadas pelo regime do CDC, como refere CARLOS BITAR, "as relações com os consumidores finais. Apartam-se, pois, de seu contexto, as operações referentes ao denominado consumo "intermediário", ou seja, decorrentes de uso por empresas de bens ou de serviços para o próprio processo produtivo - compreendendo, pois, bens chamados "indiretos" ou de produção, ou seja, que não satisfazem diretamente necessidades, ou porque requerem transformação para consumo, como as matérias-primas, ou porque atuam como instrumentos, como as máquinas, combustíveis e outros" ("Direitos do Consumidor", Forense Universitária, nº 12, pág. 25).

Assim sendo, a empresa comercial, industrial ou de prestação de serviços, que adquire bens de capital para utilizá-los na produção de outros bens ou na prestação profissional de serviços, dispõe para tais contratos de fornecimento da tutela das leis comerciais e civis; mas não ingressa no sistema da L. 8.078/90, reservado exclusivamente à proteção dos consumidores, dos destinatários finais do produto acabado ou do serviço usufruído.

20. É de afirmar, portanto, que os contratos de leasing financeiro avançados entre uma empresa de leasing e uma pessoa jurídica, ou uma pessoa física com fins comerciais, visando o arrendamento mercantil de `bens de produção/bens de capital' não se enquadram no âmbito de incidência das normas do CDC.

Pelo exposto, os dispositivos da L. 8.078/90 não são aplicáveis direta e especificamente a tais contratos, porquanto tais contratos não dizem respeito às relações de consumo tuteladas no `microsistema' do CDC.

21. Passemos, sempre sucintamente pela limitação de tempo, ao tema da onerosidade, imprevisibilidade e anatocismo nas operações de leasing financeiro.

Como já foi visto, os contratos de leasing financeiro, quando tiverem por objeto `bens de capital', não se enquadram no âmbito do CDC.

Não obstante, em homenagem ao princípio da cumutatividade, por certo é viável o entendimento de que mesmo tais contratos, como aliás quaisquer outros de natureza sinalagmática, estarão sujeitos, em tese e em determinados casos, à possibilidade de revisão judicial de cláusulas contratuais, relativamente às prestações de trato sucessivo, se devidamente comprovadas:

a) uma excessiva onerosidade em desfavor da parte que se possa razoavelmente considerar como sendo a mais `frágil', e

b) vantagem excessiva à parte que se possa presumir como em posição prevalecente.

Conforme SERPA LOPES, "A teoria da imprevisão exige, para configurar a possibilidade de revisão, que se cogite de acontecimentos extraordinários, fora do curso habitual das coisas" ("Curso de Direito Civil", Freitas Bastos, v. III, 2º ed., 1957, nº 75, pág. 116).

E ainda FRANCISCO CAMPOS: "O acontecimento que produz a mudança deve ser anormal, extraordinário, de ordem daqueles que entram na definição de força maior" ("Direito Civil", Freitas Bastos, 1956, págs. 9/10).

Segundo TRABUCCHI, para a incidência da teoria de imprevisão deve ter ocorrido, após a celebração do contrato de execução diferida, a superveniência de eventos extraordinários e imprevisíveis ("Instituzioni di Diritto Civile", 17ª ed., Padova, CEDAM, 1968, págs. 727/728).

22. Postas estas considerações doutrinárias, passemos a apreciar sua aplicabilidade aos contratos de leasing financeiro que tenham por objeto bens de produção.

Examinando numerosos casos que nos foram presentes, verificamos que as ações de revisão judicial baseiam-se, de regra, em assertivas dos querelantes de que os contratos questionados:

a) incluiriam juros exorbitantes nas contraprestações, com a prática de anatocismo;

b) revelariam grande diferença para maior, se considerado o valor do bem arrendado e o somatório das prestações e do valor residual constantes do contrato;

c) traduziriam onerosidade excessiva, violadora do CDC, em se ponderando "os valores atuais de mercado dos veículos objeto dos arrendamentos mercantis" e os valores somados das contraprestações;

d) teriam suportado a superveniência de fatos novos, tais como a "queda vertiginosa do valor do bem financiado", ou a "recessão no setor de transporte rodoviário de carga e achatamento de frete", não sendo destarte "mantidas estáveis as condições gerais econômicas em cujo ambiente foram gerados";

e) apresentariam valores "absurdos, irreais e desproporcionais à realidade do valor financiado"; e assim por diante.

23. Antes do mais, tendo em vista os princípios que regem a interpretação dos contratos, convirá examinar se os aludidos contratos de leasing, cujos instrumentos particulares já vêm impressos, podem ou não ser considerados como `contratos de adesão' stricto sensu, em os quais "uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que se encontra definida em todos os seus termos". (ORLANDO GOMES, "Contratos", Forense, 8ª ed., 1981, nº 81).

Muito importante, desde logo, no pertinente à exegese dos contratos de adesão, é a observação de que de regra suas cláusulas serão interpretadas "contra a parte que as ditou". Cabe, entretanto, uma fundamental distinção, "à raiz de ponderações feitas por DEREUX entre duas espécies de cláusulas: `as cláusulas essenciais, que são comumente datilografadas ou manuscritas, e as cláusulas acessórias, geralmente impressas'. As primeiras estipulam-se particularizadamente e comportam, às vezes, certa margem de liberdade no seu ajuste e até certa variação" (ORLANDO GOMES, ob. cit., nº 86).

24. Verificando os contratos de leasing financeiro, vemos, em primeiro lugar, que é o cliente quem indica o bem a ser objeto do leasing, escolhendo o fornecedor e podendo, pois, com o mesmo discutir o preço. `Neste ponto, o da "escolha do bem" e o da "aceitação do preço", a liberdade do cliente é ampla.

Se não encontrar o bem que deseja, pelo preço que lhe pareça justo, poderá buscar outro fornecedor, optar por um bem de menor preço, ingressar em um consórcio ou, meditando sobre a relação custo/benefício, simplesmente desistir do almejado negócio.

Após determinado pelo cliente qual será o bem a ser objeto do arrendamento mercantil, a empresa de leasing irá adquiri-lo, para tanto buscando recursos financeiros "no mercado de capitais", a fim de pagar de logo ao fornecedor o respectivo preço e colocar-se, assim, em condições de transferir a posse direta ao cliente, que assume a posição de arrendatário mercantil.

Já vimos, pela estrutura mesma do contrato de leasing financeiro (Capítulo II), que o arrendatário assume o compromisso de pagar à empresa de leasing as contraprestações e o valor residual, incorporando:

a) o preço do bem, pago ao fornecedor;

b) o custo do capital, que a empresa desembolsou no mercado financeiro;

c) as despesas operacionais da empresa; e

d) o lucro da empresa.

25. O valor das contraprestações e o valor residual são previamente combinados entre empresa e cliente. Não há imposição alguma `e, como se cuida da' cláusula nuclear do contrato, `este não se caracteriza como um' contrato de adesão stricto sensu.

Aceitando o negócio, de livre acordo os contratantes irão avençar `o prazo para o pagamento', obedecidos os limites mínimos fixados pelo CMN; conforme o prazo, as `contraprestações' serão maiores ou menores; o valor residual será combinado, com a possibilidade de seu pagamento ao termo do prazo contratual, ou de o arrendatário prestar adiantamentos, - `valor residual garantido' - mediante depósitos parcelados conjuntamente com o valor das contraprestações; a primeira prestação poderá ser paga no ato, ou dentro de determinado prazo etc.

Em suma: o `plano de pagamentos' é pré-estabelecido, de acordo com o que as partes avençarem.

26. Em conclusão, impende referir que os contratos de leasing financeiro não se caracterizam, de regra, como contratos de adesão stricto sensu, eis que as cláusulas nucleares, as alusivas ao `Plano de Pagamentos', são objeto de debate e acordo das partes, não existindo nenhuma imposição a esse respeito. São, melhor dito, contratos-tipo.

Pode parecer ao cliente, quando das tratativas pré-contratuais, que o valor calculado para as contraprestações, que é um valor que não sofre acréscimo outro que não o da variação cambial com o dólar, mais o preço residual, resulta em somatório em seu entender demasiadamente elevado com relação ao preço do bem por ele escolhido; neste caso, ao cliente restam abertas as várias outras opções do mercado de capitais: financiamento bancário direto, consórcio, alienação fiduciária etc.

Se o cliente, todavia, já perfeitamente sabedor dos valores das contra-prestações e do preço residual, e dos prazos para os pagamentos, resolve firmar o negócio de leasing, é porque o mesmo na oportunidade lhe é conveniente; assim, não poderá ele posteriormente invocar os riscos inerentes a toda atividade empresarial, ou o seu insucesso como empresário, ou a própria desvalorização do bem, para tentar furtar-se aos compromissos antes assumidos livre e conscientemente. Aqui, pacta sunt servanda.

27. Apreciando o negócio em sua comutatividade, não cabe deixar ao oblívio que as empresas de leasing, ao contratarem com os fornecedores e deles comprarem os bens indicados pelos clientes, efetuam um imediato e elevado desembolso de capital, o qual necessariamente terá de ser recuperado pela empresa, sob pena de tal gênero de negócios tornar-se inviável!

Portanto, é `essencial' ao leasing financeiro que os valores das contraprestações, mais o valor residual, necessariamente incluam, como de fato incluem:

a) o custo do dinheiro, que a empresa de arrendamento mercantil captou no mercado de capitais, sob condições notoriamente severas, estando adstrita, a empresa, a honrar seus compromissos para com os bancos independentemente de o cliente lhe estar pagando pontualmente ou não as contraprestações e o valor residual;

b) o spread, porquanto a empresa de leasing necessita cobrir seus encargos operacionais e precisa, naturalmente, auferir lucro na operação.

28. Em suma: a empresa dedicada ao arrendamento mercantil, para tornar possível o leasing financeiro, ou seja, para poder despender aquele capital necessário à aquisição do bem indicado pelo cliente, deverá, sempre, contar com o pagamento pontual pelo cliente de `todas as contraprestações e do valor residual', sob pena de lhe ser impossível manter-se atuante nessa modalidade de negócio.

Como já foi mencionado, por se tratar de leasing financeiro, à empresa não interessa de forma alguma ficar com o bem propriamente dito, mas sim `necessita do retorno do capital investido para a compra do aludido bem', na forma avençada: contraprestações + valor residual. Aliás, se ao final do contrato a arrendatária não exercer a opção de compra e devolver o bem, este será vendido e o respectivo preço imputado como pagamento do `valor residual', devolvendo-se à arrendatária o excesso se houver, e dela cobrada a diferença a menor se, acaso, o bem for alienado por preço inferior ao `valor residual'.

29. As regras da boa-fé, tão justamente exaltadas por CLÓVIS DO COUTO E SILVA e RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, em princípio não sofrem qualquer mossa durante a execução dos contratos, mesmo porque todos os pontos nucleares, máxime os valores das prestações a serem pagas, são pré-estabelecidos pelas partes e, salvante a correção monetária (que não é um plus que se acrescenta, mas um minus que se evita...) pelo índice cambial (aliás o mais favorável aos mutuários em geral), mantém-se inalterados.

Nenhuma circunstância anormal é geralmente acusada como capaz de motivar fundada alegação de quebra da `base do negócio' e justificar a incidência de normas de eqüidade, mesmo porque os riscos próprios do contrato não podem ser conceituados como anormalidades, segundo mesmo a lição de KARL LARENZ.

Sob tais aspectos, destarte, e considerada a sistemática do leasing financeiro, vê-se a sem-razão dos arrendatários que, ante o insucesso em seus negócios, ou face à desvalorização do bem pelo próprio uso ou por injunções do mercado (facilitação de importações, v.g.), pretendem a revisão das cláusulas contratuais e a diminuição dos valores das contraprestações, sob pretexto de onerosidade excessiva, de imprevisibilidade, de anatocismo etc.

30. Outro argumento do qual com freqüência se valem os arrendatários nas ações revisionais, é o de que as empresas de arrendamento mercantil estariam cobrando juros exorbitantes, capitalizados, praticando o anatocismo.

Todavia, o contrato-tipo, em geral, não prevê a cobrança de juros, salvo os moratórios em caso de inadimplemento.

É normalmente apresentado ao cliente, de forma clara, o valor da contraprestação mensal, sobre o qual não há a incidência de juros. Sofre, apenas, a correção pelo indexador convencionado entre as partes.

Cumpre realçar que os fatores, ligados aos custos dos financiamentos e aos demais elementos (despesas operacionais, spread) já expostos, e que levam a empresa de arrendamento mercantil a fixar um determinado valor para a contraprestação mensal, são alheios ao arrendatário. A este último cabe é examinar e verificar se os valores das contraprestações, e bem assim o valor residual garantido, lhes são interessantes, inclusive em razão dos benefícios fiscais que irá auferir com a realização da operação de leasing financeiro.

Tendo em vista, como dito, que sobre tais valores das contraprestações e do valor residual garantido, pelo arrendatário havidos como bons no início do contrato, incide apenas e tão somente o reajuste monetário, `não incidindo juros', não haverá como alegar, durante o decorrer da operação, a ocorrência de anatocismo.

31. No alusivo ao leasing financeiro e à antecipação do "valor residual", temos que o valor residual, conforme aliás definido na Portaria 564/78, inc. 2, é o "preço contratual estipulado para o exercício da opção de compra, ou valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado, na hipótese de não ser exercida a opção de compra".

Sem que ocorra a mínima descaracterização do contrato de leasing, o valor residual pode ser "adiantado" pelo arrendatário, não a título de exercício da Opção de Compra, mas sim como mero adiantamento em garantia das obrigações contratuais assumidas.

32. Todavia, `mesmo em antecipando a totalidade do valor residual', o `arrendatário ainda não exerceu a opção de compra, e não está obrigado a comprar'!

Se optar pela compra, o valor residual será considerado pago mediante a "apropriação", pela arrendadora, dos valores já antecipadamente entregues a título de `provisão de recursos'; todavia, se o arrendatário `resolver não comprar' e nem renovar o contrato, o caminhão, v.g., será devolvido à arrendadora, que irá pô-lo a venda. Neste caso, o valor da alienação do veículo, ou de qualquer outro bem arrendado em leasing financeiro, irá cobrir o `valor residual' devido; e, como já foi dito, em sendo o preço de venda superior a tal valor, a arrendadora devolverá ao arrendatário a quantia excedente; se inferior, o faltante mantém-se como débito a ser satisfeito pelo arrendatário.

Pois bem: alguns arrendatários, estando em curso o contrato, interrompem o pagamento das contraprestações e os depósitos das parcelas do VRG, alegando em juízo que o leasing estaria descaracterizado em virtude do pagamento antecipado do valor residual garantido!

Todavia, o equívoco dos demandantes parece-nos evidente.

Como bem exposto no magistério do professor JORGE CARDOSO, e nos termos da Portaria nº 140/84, II, a antecipação do VRG é tratada como passivo do arrendador e ativo do arrendatário, e pois

"... não implica nem em quitação do VRG e nem em pagamento pelo exercício da opção de compra. É mero valor `dado por conta' ou em garantia de obrigação contratual assumida; ou seja, é simples caução em dinheiro. Continuam em vigor quer a possibilidade contratual de optar pela compra, quer a possibilidade de devolver o bem, quer ainda a possibilidade de prorrogar o contrato, possibilidades deferidas por lei e pelo contrato ao arrendatário.

Em síntese: a antecipação do pagamento, no caso, não implica em antecipação do exercício da opção, que continua aprazada para quando do término do contrato" (ob. cit., pág. 750).

Cumpre sublinhar que o arrendatário, ao firmar o contrato, está plenamente ciente do mecanismo do valor residual garantido, notando-se que nos carnês de pagamento estão separadas as parcelas das contraprestações e as parcelas do VRG. Até a mídia, aliás, divulga na propaganda das empresas de leasing os percentuais dos valores residuais.

33. Não há, destarte, possibilidade jurídica de cogitar da descaracterização do contrato de leasing, o qual mantém-se íntegro e plenamente eficaz.

Não vemos como, em desapaixonada análise jurídica, considerá-lo `convertido' em contrato de compra e venda em prestações, e isto inclusive pela simples ponderação de que, muito embora os adiantamentos do VRG, a "opção" em favor do arrendatário, de comprar ou de não comprar o bem, ou de renovar o contrato, mantém-se até o final do prazo contratual!

34. No que diz respeito ao leasing financeiro e à teoria da imprevisão, já mencionamos que aos contratos de leasing financeiro, tendo por objeto bens de produção, não incidem as normas do CDC.

Em assim sendo, a possibilidade de invocar a teoria da imprevisão, aliás para justificar não a resolução do contrato mas sim a alteração de suas cláusulas (eis que os demandantes pretendem ficar com os bens arrendados!), estaria a exigir, quando menos, a demonstração cabal da quebra do princípio da comutatividade, em virtude de fato superveniente imprevisível ou dificilmente previsível.

35. A alegação, suscitada com certa freqüência por arrendatários mercantis de veículos de carga, de que o `mercado de fretes' se teria deteriorado, ou de que as contingências do mercado transportador lhes estariam acarretando prejuízos, não são de molde a motivar o reajuste judicial das cláusulas de contrato de leasing.

Também a teoria da `base do negócio', como já exposto, não cobre os riscos próprios do negócio, e um risco inerente ao transporte de cargas é exatamente o de, pela concorrência e pela injunções da oferta e da procura, o valor do frete modificar-se para maior ou para menor!

Como consta de v. aresto do STJ, de que foi relator o Ministro EDUARDO RIBEIRO, com relação à teoria da imprevisão:

"Inexiste razão para invocar essa doutrina quando, em contrato de mútuo tenha o mutuário dificuldade de cumprir aquilo a que se obrigou, em virtude de prejuízos que sofreu. Não há falar em desequilíbrio das prestações nem em enriquecimento injustificável do mutuante" (DJU, 19.08.91, p. 10.991).

E o mesmo dir-se-á da argüição vinculada à eventual deterioração do bem, normalmente devida quer ao seu uso normal, como à falta de cuidados do arrendatário em sua boa conservação e utilização.

Para fatos outros, como o furto do bem, ou sua perda em acidente, o arrendatário deve precaver-se pela providência, absolutamente elementar, de contratar um seguro.

Conclusão: aos contratos em exame, de leasing financeiro, sujeitos a demandas revisionais, apresenta-se inaplicável a teoria da imprevisão, por manifesta ausência de seus pressupostos de incidência.

36. Finalmente, quanto à tutela antecipada nas ações revisionais de contratos de leasing financeiro, diga-se que a possibilidade de adiantamento dos efeitos da tutela, mediante cognição sumária e em todos os processos de conhecimento, foi introduzida no direito processual brasileiro pela L. 8.952, de 13.12.94, no intuito de assegurar a tão almejada garantia, efetiva e célere, dos direitos por meio da `ação judicial', consoante norma constitucional, art. 5º, XXXV.

A norma do novo art. 273 apresenta o grande mérito de, no plano doutrinário, destrinçar a confusão entre liminar antecipatória e liminar de caráter cautelar, extinguindo a necessidade de uso, na prática forense, das assim denominadas "cautelares satisfativas", as quais, como igualmente disse NELSON NERY, constituíam por si "uma contradictio in terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa é porque, ipso facto, não é cautelar" (ob. cit., pág. 66).

37. O art. 273, de forma prudente, estabelece os pressupostos de concessão de liminar provisoriamente satisfativa:

a) exige a prova inequívoca, que a melhor doutrina tem conceituado como "aquela que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu respeito, não possa ser oposta qualquer dúvida razoável, ou, em outros termos, cuja autenticidade ou veracidade seja provável" (J.E. CARREIRA ALVIM, "CPC Reformado", ed. Del Rey, 2ª ed., pág. 115);

b) dispõe que tal prova deve levar o julgador ao convencimento da verossimilhança da alegação, chegando, assim, ao conceito de probabilidade, "portador de maior segurança do que a mera verossimilhança" (CÂNDIDO DINAMARCO, "A Reforma do CPC", ed. Malheiros, nº 106).

c) é ainda imprescindível, para a concessão da tutela antecipatória, que o autor possa invocar situação de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (o periculum in mora, comum às ações cautelares) ou, alternativamente, que seja evidenciado o manifesto propósito protelatório do réu - o que pressupõe, nesta segunda hipótese, a concessão da antecipada tutela somente após apresentada a contestação;

d) e ainda, last but not least, que não ocorra o perigo de irreversibilidade dos efeitos do provimento antecipatório.

Nas palavras de JOÃO BATISTA LOPES, há que ressaltar "que a antecipação da tutela exige equilíbrio e cautela do julgador para que não traduza injusto prejuízo ao réu" (art. dout. "Rev. de Direito Processual Civil", Curitiba, nº 01, pág. 51).

38. Convém os autores em que o juiz poderá (e deverá) autorizar a tutela antecipatória somente quando lhe parecer altamente provável que a sentença definitiva virá a confirmar os efeitos provisoriamente antecipados. Ocorrendo dúvidas, e tendo em vista que igualmente impõe-se resguardar `o possível direito do demandado', cumpre ao juiz reservar-se para prover somente após a cognição plena, exauriente.

No dizer do mestre ARRUDA ALVIM, a expressão prova inequívoca significa "que o juiz, para conceder a tutela, deverá estar firmemente convencido da verossimilhança da situação jurídica apresentada pelo autor e, bem assim, da juridicidade da solução pleiteada" (estudo in ob. cit., pág. 111).

39. Postas estas premissas, e em face de muitas decisões liminares que têm sido proferidas por juízes de ambos os graus de jurisdição, devo referir que, data venia, algumas delas padecem de equívocos bastante evidentes.

Os autores das demandas revisionais com freqüência requerem que o juiz proíba antecipadamente à empresa de leasing, tout court, ajuizar ações reintegratórias, ou outras, em defesa de seus direitos contratuais; ou intentam ser liminarmente eximidos de pagar o montante contratado das contraprestações. Estas pretensões vêm sendo, de regra, indeferidas.

Assim, aliás, a orientação remansosa no STJ, no sentido de que não é cabível, em sede cautelar ou antecipatória, nas ações de revisão ou anulação de cláusulas contratuais ou de títulos executivos, obstar à outra parte o acesso ao Judiciário na defesa de seus direitos contratuais ou legais.

Reporto-me, aqui, a recentíssimo aresto da 3ª Turma dessa Corte, prolatada à unanimidade no REsp. 57.169, relator o Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (ac. de 10 de março do corrente ano, DJU de 22.04.97) sob a seguinte ementa:

"Título de Crédito. Revisão de contratos a que os títulos estão vinculados. Precedentes na Corte.

1. Como é de comum sabença, o título de crédito goza de autonomia e esta não se abala pelo fato de estar ele preso a um determinado contrato.

2. O ajuizamento de uma ação para a revisão do contrato não tem o condão de invalidar o título de crédito, retirando-lhe a configuração de título apto a apoiar a execução, revestido das características de líquido, certo e exigível.

3. Recurso especial conhecido e provido."

40. Vale salientar que a tutela antecipada apresenta-se, em princípio, incabível em ações revisionais de contratos de leasing financeiro:

a) porque a concessão liminar do `direito de permanecer na posse do bem' implica, a posteriori, em tornar defeso à arrendadora o ajuizar ação reintegratória de posse em face do inadimplemento do arrendatário, com isso vetando à empresa de leasing o direito constitucional de pleno e eficaz acesso ao Judiciário na defesa de pretensão contratualmente assegurada;

b) porque a concessão liminar do direito de depositar em juízo, com caráter liberatório, contraprestações em valores menores do que aqueles expressamente constantes de cláusula contratual livremente discutida e pactuada, ou do direito de nada mais pagar, implica, a posteriori, em impedir à arrendadora o exercício do direito constitucional de pleno e eficaz acesso ao Judiciário para cobrança do que contratualmente lhe é devido;

c) porque, em última análise, e diante da própria estrutura de tal contrato, sendo imperioso à viabilidade do negócio de leasing financeiro que a arrendadora recupere o custo do financiamento, as despesas operacionais e obtenha sua margem de lucro, `a demanda não apresenta a Verossimilhança da Alegação', pressuposto inafastável para a concessão de liminar antecipatória.

41. Apresenta-se necessário, ainda, sublinhar que, em caso de inadimplemento por parte do arrendatário, à arrendadora mercantil assiste, havendo cláusula resolutória expressa no contrato e comprovando a mora do cliente, direito a ajuizar ação reintegratória na posse do bem arrendado, `bem este, não esquecer, que é de propriedade dela arrendadora'; facultativamente, poderá a empresa cumular ainda pedido de condenação do arrendatário nas perdas e danos, de forma a que a arrendadora receba do cliente as prestações a que este se obrigou em decorrência do financiamento concedido (geralmente as perdas e danos serão iguais às prestações em mora, mais as prestações vincendas - deduzidos os juros nelas embutidos, mais o valor residual devido, e menos o valor de mercado do bem que retornou à posse da financiadora e por esta será vendido).

E nessa ação reintegratória, se exercida dentro do prazo de ano e dia a contar do inadimplemento, poderá a empresa de leasing postular a reintegração liminar, nos termos do contrato e da lei material civil.

A circunstância de haver o arrendatário inadimplente ajuizado, anteriormente, ação revisional do contrato, não é de forma alguma obstáculo quer à propositura da demanda de natureza possessória, quer à observância do devido processo legal inerente a tais demandas.

Entendimento diverso, denegatório da liminar possessória, equivaleria a conceder ao devedor em mora, por vias travessas, a antecipação de tutela no processo revisional, antecipação esta de regra incabível, como vimos. EASING: O CONTRATO DE LEASING FINANCEIRO E AS AÇÕES REVISIONAIS

(Publicada na RJ nº 237 - JUL/97, pág. 5)

Athos Gusmão Carneiro - LEASING: O CONTRATO DE LEASING FINANCEIRO E AS AÇÕES REVISIONAIS

Ministro aposentado do STJ

Advogado em Porto Alegre e Brasília

1. O contrato de leasing, que no Brasil tomou a denominação, algo imprópria, de "arrendamento mercantil", é em realidade um contrato novo, surgido nos Estados Unidos na década de 1950 e com rapidez adotado em outros países de maior desenvolvimento econômico, porquanto responde a necessidades surgidas na indústria e no comércio, com vistas a uma mais fácil e proveitosa obtenção do uso de máquinas e instrumentos de trabalho.

2. O leasing afigura-se, como menciona ARNALDO RIZZARDO, "uma simbiose da locação, do financiamento e da venda" (Leasing, ed. RT, 2ª ed., 1996, pág. 18). Ou, na definição de CELSO BENJÓ, é negócio jurídico complexo, que encerra "em si mesmo o financiamento de uma locação. Os dois efeitos principais do instituto (locação e financiamento) são conseqüências normais, intrínsecas, indicam a função que desempenha e estão indissoluvelmente ligados à própria complexidade do arrendamento mercantil". É este "o financiamento de uma locação com possibilidade de aquisição do domínio" (RF, ano 1981, v. 274/11).

3. Não se cuida de simples locação, pois as prestações pagas pelo "arrendatário" não representam um mero aluguel, mas sim representam principalmente o pagamento parcelado do bem: o "aluguel" já compreende "a totalidade dos custos suportados pelo operador, acrescidos do seu lucro, o que torna impossível considerar o contrato como de simples locação" ("Natureza Jurídica do Leasing", RDM, 14/35). Como quer que seja, na atualidade, como bem referiu DANIÈLE CRÉMIEUX-ISRAËL, "le crédit-bail et le leasing constituent aujord'hui par leur souplesse d'utilisation personnalisée à chaque entreprise, un des facteurs clefs de l'économie contemporaine" ("Leasing et Crédit-Bail Mobiliers", Dalloz, Paris, 1975, pág. 275).

Vale sublinhar o magistério de ARNOLDO WALD, para quem o leasing é um negócio jurídico complexo porquanto, associando elementos de diversos negócios, "estes se formam por manifestação unitária de vontade, não se decompondo em outros contratos" (ARNOLDO WALD, "Obrigações e Contratos", ed. RT, 9ª ed., 1990, nº 240).

Para CLÁUDIO SANTOS apresenta o leasing, para o arrendatário-empresa, duas grandes vantagens: "uma, de ordem financeira, de modo a liberar capital de giro ou de suprir a falta de capital para uma imobilização e, ainda, permitir-lhe apresentar um balanço com melhor índice de liqüidez do que se adquirisse o bem, lançando-o contabilmente em seu ativo imobilizado; outra, de ordem tributária, pois a paga mensal do arrendamento é, em princípio, despesa operacional, dedutível da receita tributária, para fins de operação do lucro tributável pelo imposto de renda" (artigo "Leasing - Questões Controvertidas", REVISTA JURÍDICA, 223/5 - Porto Alegre).

4. No Direito Brasileiro, o contrato de leasing, sob o nomen iuris de "arrendamento mercantil", veio a ser regulado pela L. 6.099/74, que aliás visou basicamente seu `tratamento tributário', como aliás consta da respectiva ementa.

A L. 7.132/83, alterando a redação do art. 1º, parág. único, da L. 6.099, abriu a possibilidade do leasing às pessoas físicas. Assim ficou constando do dispositivo legal:

"Art. 1º ..................................................................................................................................

Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos dessa Lei, o negócio jurídico realizado entre a pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta."

5. Recentissimamente, com a edição pelo BACEN da Res. 2.309, de 28 de agosto do ano corrente, foram revogadas as Resoluções 980 e as subseqüentes Resoluções e Circulares sobre a matéria, que recebeu renovada regulamentação, valendo transcrever os dispositivos alusivo às "modalidades de arrendamento mercantil", verbis:

"Art. 5. Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que:

I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos;

II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;

III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.

Art. 6. Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que:

I - as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o custo de arrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação a disposição da arrendatária, não podendo o total dos pagamentos da espécie ultrapassar 75% (setenta e cinco por cento) do custo do bem arrendado;

II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado seja de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária;

III - o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado.

Parág. único - As operações de que trata este artigo são privativas dos bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades de arrendamento mercantil.

6. Desde logo, convém sublinhar a diferença substancial entre as duas modalidades de arrendamento mercantil:

a) no leasing financeiro, as contraprestações devem ser suficientes a que a arrendadora recupere `o custo do bem arrendado' e ainda `obtenha um retorno', ou seja, um lucro sobre os recursos investidos;

b) já no leasing operacional, as contraprestações destinam-se basicamente a cobrir `o custo de arrendamento do bem' e ainda dos serviços prestados pela arrendadora com a manutenção e assistência técnica postos à disposição da arrendatária, previsto ainda que o preço para a opção de compra será sempre o do "valor de mercado do bem arrendado".

Ultima ratio, vê-se que no leasing financeiro prepondera o fator `financiamento', enquanto no leasing operacional sobreleva o aspecto `locação'.

7. No leasing operacional, ou renting, como foi dito, é prevalecente o aspecto `locação', com o pagamento pela arrendatária de contraprestações equivalentes ao custo de arrendamento do bem (com total não superior a 75% do custo do próprio bem arrendado) e às despesas de assistência técnica que a empresa é obrigada a fornecer à arrendatária.

8. No leasing financeiro, expõe ARNALDO RIZZARD, "domina o sentido de financiamento" (Leasing, ob. cit., nº 3.2). E traz à balha o ensinamento de JACQUES COILLOT: "Tandis que le renting s'attache a l'exploitation en location, por une durée variable, d'un parc préexistant de matériels standart, le leasing consiste, avons-nous vu, pour une firme à vocation finacière, à louer à un industriel un équipement, adapté a des besoins particuliers, qu'elle ne peut donc acheter qu'en moment même ou l'opération se noue" ("Iniciation ao Leasing ou Crédit-Bail", Delmas, Paris, 1969, pág. 196).

Refere ainda o professor COILLOT que todos os riscos são assumidos pelo arrendatário: "ceci découle naturellement de la vocation purement financière de la sociètè acheteuse et de la seule compétence technique du locataire qui a décidé de s'équiper indirectement par l'intermédiaire du leasing".

O professor FRAN MARTINS, discorrendo sobre o leasing financeiro, alude a que suas prestações "normalmente são altas, porquanto leva-se em conta o valor do bem e a remuneração do seu uso e gozo pelo arrendatário. Assim, ao pagar uma prestação, o arrendatário como que paga uma parte do valor do bem e uma parte do arrendamento propriamente dito" ("Contratos e Obrigações Comerciais", Forense, 1990, nº 407).

9. No leasing financeiro, a empresa de leasing não era anteriormente a proprietária do bem: "esse bem é escolhido e indicado pela arrendatária, que para tanto entra em contato com o vendedor, podendo, inclusive, discutir o preço. Assim acontecendo, é feita a indicação do bem à empresa de leasing, que o adquire e em seguida arrenda ao cliente que o indicou" (id., ib.). Outra característica do leasing financeiro é "a obrigatoriedade do contrato no período determinado para a vigência do mesmo. Assim, todas as prestações pactuadas serão devidas, ainda mesmo que o arrendatário queira dar fim ao contrato, devolvendo o bem à arrendadora antes de terminado o prazo contratual" (id., ib.).

10. Isto porque, adiantemos desde logo, à empresa de leasing não interessa lhe seja `restituído' o bem: necessita, isto sim, recuperar o valor do financiamento que precisou fazer junto ao mercado bancário a fim de habilitar-se a adquirir o bem, para poder, de sua vez, contratá-lo em leasing com o cliente. Temos, portanto, de certa forma um "duplo financiamento": a empresa de leasing é geralmente financiada por instituições prestadora de capitais, para lograr adquirir o bem; e necessita, imediatamente após, por sua vez "financiar" o cliente, em geral a médio prazo (mínimo de 2 ou 3 anos), mediante o leasing, recuperando assim paulatinamente os custos financeiros de aquisição do bem, as despesas operacionais e, ainda, obtendo sua margem de lucro no negócio.

O leasing implica, para quem o contrata, "uma decisão de investimento e financiamento" (ARNOLDO WALD, "História e Desenvolvimento do Leasing", Rev. de Direito Mercantil, 1973, v. 10/25).

11. O professor JORGE R.G. CARDOSO, em interessante artigo de doutrina, após análise das características diferenciais do leasing operacional e do financeiro, ressalta que naquele, no leasing operacional, é permitido ao cliente devolver o bem ao arrendador, pois sua característica dominante é "a cessão do uso do bem a terceiro".

Mas quanto ao leasing financeiro, "as partes objetivam também a transferência da propriedade do bem arrendado, o que justifica tenha sido acoplado ao arrendamento o termo `mercantil', pois a propriedade necessariamente será transferida do arrendador, quer para o arrendatário em caso de exercício da opção de compra, quer para terceiros, caso não haja o seu exercício". Em conseqüência disso, conclui o articulista que no leasing financeiro não é admitido "que o arrendatário devolva o bem ao arrendador e pretenda, eventualmente, desfazer o negócio e sustar o pagamento das contraprestações sob a alegação de que não deseja o uso do bem a ele dado em arrendamento mercantil, pois o contrato versa também sobre a transferência de sua disponibilidade" ("Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas" - RT, 1993, v. 5, pág. 76).

Além disso, como alude CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, "no leasing financeiro, o arrendatário assume os riscos da coisa, obriga-se pela sua conservação, e sofre a sua obsolescência" ("A Nova Tipologia Contratual no Direito Civil Brasileiro", RF, vol. 281/9).

12. Passemos, agora, a abordar brevemente o leasing financeiro em face do Código de Proteção ao Consumidor.

Indaga-se se as normas do CDC aplicam-se aos contratos de leasing financeiro, que para uso/aquisição de bens de produção vêm sendo firmados.

Partamos do texto da L. 8.078/90 - CDC, que firmou, no âmbito do direito positivo brasileiro, os conceitos de consumidor e de fornecedor:

"Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final."

"Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.

§ 1º. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista." 13. Sublinhou LUIZ GASTÃO PAES DE BARROS LEÃES, em parecer, que "o consumo se define, antes de tudo, como função de satisfação das necessidades, sugnificando o uso imediato e final de bens e serviços, para satisfação das necessidades humanas"; e remete ao magistério de ALBERT MEYERS, ("Elementos da Economia Moderna", trad. brasil., Livro Ibero-Americano, 1962, pág. 13) no sentido de que "consumo é o uso imediato e final de bens e serviço, para satisfazer as necessidades de seres humanos livres. Consumo não significa uso de um bem, a menos que seja usado pelo consumidor final (grifamos).

14. Surge, não obstante, um problema: a lei brasileira, ao contrário de várias legislações alienígenas, também considera como consumidor a pessoa jurídica, e não apenas as pessoas naturais. Todavia, e esta ponderação ostenta-se como fundamental, impende considerar que o art. 2º refere-se à pessoa jurídica que adquire produto ou utiliza serviço como destinatário final.

Mestre MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO (em douto parecer sob o título "O Direito do Consumidor na Constituição" - Cadernos IBCB 22) traz à balha distinção que se nos afigura inafastável, com base no magistério de RAYMOND BARRE, em sua obra "Économie Politique".

"Pode-se distinguir duas grandes categorias de bens e de serviços:

- bens e serviços de consumo, ou finais, que satisfazem diretamente as necessidades dos consumidores (pão, por exemplo);

- bens ou serviços de produção, ou indiretos, que são utilizados no primeiro estágio da produção, para fornecer bens de consumo (o instrumento ou a máquina)." (ob. cit., Paris, 2ª ed., 1957, t. I, pág. 10) (grifamos).

Com base nisso, conclui o parecerista que não será considerada como consumidora, para efeito da tutela do CDC, aquela empresa que adquire bens para utilizá-los como insumos, ou como instrumento de trabalho: "não os repassando a terceiros, nem os utilizando como instrumentos de produção".

15. O professor GERALDO VIDIGAL assumiu posição taxativa: "a empresa nunca é consumidora", pois, sendo uma organização que reúne os fatores de produção, a fim de oferecer no mercado produtos e prestar serviços com a finalidade de auferir lucros, a empresa "jamais adquire ou utiliza produto, ou serviço, como destinatário final" (Cadernos IBCB 22, pág. 16) (grifamos).

Abre ele, no entanto, exceções para aquelas pessoas jurídicas que, alheias a fins produtivos ou lucrativos, operam como destinatários finais em proveito e para uso de seus associados ou beneficiários: assim o clube de lazer, a associação esportiva, a cooperativa de consumo, o asilo de idosos, a creche para crianças.

16. Mais ou menos sob idêntica diretriz opinou o mestre ARNOLDO WALD, para quem o legislador nacional, ao incluir a pessoa jurídica como consumidor, art. 2º do CDC, cuidou de "certas pessoas jurídicas de direito civil sem caráter empresarial, como as fundações e as associações, ou admitiu que as pessoas jurídicas de direito comercial também pudessem invocar a proteção da lei especial, mas, tão somente, nos casos nos quais a contratação de bens ou serviços de consumo não tivesse vinculação alguma com a sua atividade produtiva ou empresarial, não se tratando de bens ou de serviços utilizados, ou utilizáveis, direta ou indiretamente, na produção ou comercialização" (Parecer, Cadernos IBCB 22, pág. 57) (grifamos).

Em sinópse: o consumidor a que se dirige a especial tutela seria a pessoa que, para suas necessidades pessoais, contrata o fornecimento de bens e serviços, não os repassando a terceiros, nem os utilizando como instrumentos de produção (JACQUES GHESTIN, "Traité de Droit Civil", v. II/36).

17. Posta esta premissa, configura-se evidente que os contratos de leasing financeiro, firmados entre a empresa de leasing e empresas industriais, comerciais, de prestação de serviços de transporte de cargas pela via rodoviária etc., visando o arrendamento mercantil de caminhões e outros veículos, de máquinas, de instrumentos de produção de bens e de prestação de serviços profissionais, tais contratos não se apresentam como "atos de consumo" sendo, pois, alheios à especial tutela proporcionada pela L. 8.078/90 aos consumidores.

18. É que, como já exposto, as arrendatárias mercantis, em tais hipóteses, `não são destinatárias finais dos produtos objeto do leasing'; trata-se do impropriamente chamado `consumo intermediário', pelo qual:

a) a arrendatária mercantil obtém `bens de capital', que a ela servirão ou para a produção de novos bens intermediários, ou diretamente para a produção de bens finais, a serem, estes sim, adquiridos ou utilizados por consumidor sob a proteção do CDC; ou

b) a arrendatária mercantil obtém `bens de capital' que lhe possibilitarão a prestação de serviços aos consumidores, estes sim, destinatários finais dos serviços.

Na síntese de GERALDO VIDIGAL, "a empresa se dedica sempre à atividade produtiva. Nessa qualidade, nunca é destinatária final: na empresa, a utilização de bens ou de serviços, trate-se de trabalho, de matérias-primas, de energia consumida, de instalações, de equipamentos, representam sempre insumo - mas jamais consumo" (Cadernos IBCB 22, pág. 18) (grifamos).

19. São abarcadas pelo regime do CDC, como refere CARLOS BITAR, "as relações com os consumidores finais. Apartam-se, pois, de seu contexto, as operações referentes ao denominado consumo "intermediário", ou seja, decorrentes de uso por empresas de bens ou de serviços para o próprio processo produtivo - compreendendo, pois, bens chamados "indiretos" ou de produção, ou seja, que não satisfazem diretamente necessidades, ou porque requerem transformação para consumo, como as matérias-primas, ou porque atuam como instrumentos, como as máquinas, combustíveis e outros" ("Direitos do Consumidor", Forense Universitária, nº 12, pág. 25).

Assim sendo, a empresa comercial, industrial ou de prestação de serviços, que adquire bens de capital para utilizá-los na produção de outros bens ou na prestação profissional de serviços, dispõe para tais contratos de fornecimento da tutela das leis comerciais e civis; mas não ingressa no sistema da L. 8.078/90, reservado exclusivamente à proteção dos consumidores, dos destinatários finais do produto acabado ou do serviço usufruído.

20. É de afirmar, portanto, que os contratos de leasing financeiro avançados entre uma empresa de leasing e uma pessoa jurídica, ou uma pessoa física com fins comerciais, visando o arrendamento mercantil de `bens de produção/bens de capital' não se enquadram no âmbito de incidência das normas do CDC.

Pelo exposto, os dispositivos da L. 8.078/90 não são aplicáveis direta e especificamente a tais contratos, porquanto tais contratos não dizem respeito às relações de consumo tuteladas no `microsistema' do CDC.

21. Passemos, sempre sucintamente pela limitação de tempo, ao tema da onerosidade, imprevisibilidade e anatocismo nas operações de leasing financeiro.

Como já foi visto, os contratos de leasing financeiro, quando tiverem por objeto `bens de capital', não se enquadram no âmbito do CDC.

Não obstante, em homenagem ao princípio da cumutatividade, por certo é viável o entendimento de que mesmo tais contratos, como aliás quaisquer outros de natureza sinalagmática, estarão sujeitos, em tese e em determinados casos, à possibilidade de revisão judicial de cláusulas contratuais, relativamente às prestações de trato sucessivo, se devidamente comprovadas:

a) uma excessiva onerosidade em desfavor da parte que se possa razoavelmente considerar como sendo a mais `frágil', e

b) vantagem excessiva à parte que se possa presumir como em posição prevalecente.

Conforme SERPA LOPES, "A teoria da imprevisão exige, para configurar a possibilidade de revisão, que se cogite de acontecimentos extraordinários, fora do curso habitual das coisas" ("Curso de Direito Civil", Freitas Bastos, v. III, 2º ed., 1957, nº 75, pág. 116).

E ainda FRANCISCO CAMPOS: "O acontecimento que produz a mudança deve ser anormal, extraordinário, de ordem daqueles que entram na definição de força maior" ("Direito Civil", Freitas Bastos, 1956, págs. 9/10).

Segundo TRABUCCHI, para a incidência da teoria de imprevisão deve ter ocorrido, após a celebração do contrato de execução diferida, a superveniência de eventos extraordinários e imprevisíveis ("Instituzioni di Diritto Civile", 17ª ed., Padova, CEDAM, 1968, págs. 727/728).

22. Postas estas considerações doutrinárias, passemos a apreciar sua aplicabilidade aos contratos de leasing financeiro que tenham por objeto bens de produção.

Examinando numerosos casos que nos foram presentes, verificamos que as ações de revisão judicial baseiam-se, de regra, em assertivas dos querelantes de que os contratos questionados:

a) incluiriam juros exorbitantes nas contraprestações, com a prática de anatocismo;

b) revelariam grande diferença para maior, se considerado o valor do bem arrendado e o somatório das prestações e do valor residual constantes do contrato;

c) traduziriam onerosidade excessiva, violadora do CDC, em se ponderando "os valores atuais de mercado dos veículos objeto dos arrendamentos mercantis" e os valores somados das contraprestações;

d) teriam suportado a superveniência de fatos novos, tais como a "queda vertiginosa do valor do bem financiado", ou a "recessão no setor de transporte rodoviário de carga e achatamento de frete", não sendo destarte "mantidas estáveis as condições gerais econômicas em cujo ambiente foram gerados";

e) apresentariam valores "absurdos, irreais e desproporcionais à realidade do valor financiado"; e assim por diante.

23. Antes do mais, tendo em vista os princípios que regem a interpretação dos contratos, convirá examinar se os aludidos contratos de leasing, cujos instrumentos particulares já vêm impressos, podem ou não ser considerados como `contratos de adesão' stricto sensu, em os quais "uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que se encontra definida em todos os seus termos". (ORLANDO GOMES, "Contratos", Forense, 8ª ed., 1981, nº 81).

Muito importante, desde logo, no pertinente à exegese dos contratos de adesão, é a observação de que de regra suas cláusulas serão interpretadas "contra a parte que as ditou". Cabe, entretanto, uma fundamental distinção, "à raiz de ponderações feitas por DEREUX entre duas espécies de cláusulas: `as cláusulas essenciais, que são comumente datilografadas ou manuscritas, e as cláusulas acessórias, geralmente impressas'. As primeiras estipulam-se particularizadamente e comportam, às vezes, certa margem de liberdade no seu ajuste e até certa variação" (ORLANDO GOMES, ob. cit., nº 86).

24. Verificando os contratos de leasing financeiro, vemos, em primeiro lugar, que é o cliente quem indica o bem a ser objeto do leasing, escolhendo o fornecedor e podendo, pois, com o mesmo discutir o preço. `Neste ponto, o da "escolha do bem" e o da "aceitação do preço", a liberdade do cliente é ampla.

Se não encontrar o bem que deseja, pelo preço que lhe pareça justo, poderá buscar outro fornecedor, optar por um bem de menor preço, ingressar em um consórcio ou, meditando sobre a relação custo/benefício, simplesmente desistir do almejado negócio.

Após determinado pelo cliente qual será o bem a ser objeto do arrendamento mercantil, a empresa de leasing irá adquiri-lo, para tanto buscando recursos financeiros "no mercado de capitais", a fim de pagar de logo ao fornecedor o respectivo preço e colocar-se, assim, em condições de transferir a posse direta ao cliente, que assume a posição de arrendatário mercantil.

Já vimos, pela estrutura mesma do contrato de leasing financeiro (Capítulo II), que o arrendatário assume o compromisso de pagar à empresa de leasing as contraprestações e o valor residual, incorporando:

a) o preço do bem, pago ao fornecedor;

b) o custo do capital, que a empresa desembolsou no mercado financeiro;

c) as despesas operacionais da empresa; e

d) o lucro da empresa.

25. O valor das contraprestações e o valor residual são previamente combinados entre empresa e cliente. Não há imposição alguma `e, como se cuida da' cláusula nuclear do contrato, `este não se caracteriza como um' contrato de adesão stricto sensu.

Aceitando o negócio, de livre acordo os contratantes irão avençar `o prazo para o pagamento', obedecidos os limites mínimos fixados pelo CMN; conforme o prazo, as `contraprestações' serão maiores ou menores; o valor residual será combinado, com a possibilidade de seu pagamento ao termo do prazo contratual, ou de o arrendatário prestar adiantamentos, - `valor residual garantido' - mediante depósitos parcelados conjuntamente com o valor das contraprestações; a primeira prestação poderá ser paga no ato, ou dentro de determinado prazo etc.

Em suma: o `plano de pagamentos' é pré-estabelecido, de acordo com o que as partes avençarem.

26. Em conclusão, impende referir que os contratos de leasing financeiro não se caracterizam, de regra, como contratos de adesão stricto sensu, eis que as cláusulas nucleares, as alusivas ao `Plano de Pagamentos', são objeto de debate e acordo das partes, não existindo nenhuma imposição a esse respeito. São, melhor dito, contratos-tipo.

Pode parecer ao cliente, quando das tratativas pré-contratuais, que o valor calculado para as contraprestações, que é um valor que não sofre acréscimo outro que não o da variação cambial com o dólar, mais o preço residual, resulta em somatório em seu entender demasiadamente elevado com relação ao preço do bem por ele escolhido; neste caso, ao cliente restam abertas as várias outras opções do mercado de capitais: financiamento bancário direto, consórcio, alienação fiduciária etc.

Se o cliente, todavia, já perfeitamente sabedor dos valores das contra-prestações e do preço residual, e dos prazos para os pagamentos, resolve firmar o negócio de leasing, é porque o mesmo na oportunidade lhe é conveniente; assim, não poderá ele posteriormente invocar os riscos inerentes a toda atividade empresarial, ou o seu insucesso como empresário, ou a própria desvalorização do bem, para tentar furtar-se aos compromissos antes assumidos livre e conscientemente. Aqui, pacta sunt servanda.

27. Apreciando o negócio em sua comutatividade, não cabe deixar ao oblívio que as empresas de leasing, ao contratarem com os fornecedores e deles comprarem os bens indicados pelos clientes, efetuam um imediato e elevado desembolso de capital, o qual necessariamente terá de ser recuperado pela empresa, sob pena de tal gênero de negócios tornar-se inviável!

Portanto, é `essencial' ao leasing financeiro que os valores das contraprestações, mais o valor residual, necessariamente incluam, como de fato incluem:

a) o custo do dinheiro, que a empresa de arrendamento mercantil captou no mercado de capitais, sob condições notoriamente severas, estando adstrita, a empresa, a honrar seus compromissos para com os bancos independentemente de o cliente lhe estar pagando pontualmente ou não as contraprestações e o valor residual;

b) o spread, porquanto a empresa de leasing necessita cobrir seus encargos operacionais e precisa, naturalmente, auferir lucro na operação.

28. Em suma: a empresa dedicada ao arrendamento mercantil, para tornar possível o leasing financeiro, ou seja, para poder despender aquele capital necessário à aquisição do bem indicado pelo cliente, deverá, sempre, contar com o pagamento pontual pelo cliente de `todas as contraprestações e do valor residual', sob pena de lhe ser impossível manter-se atuante nessa modalidade de negócio.

Como já foi mencionado, por se tratar de leasing financeiro, à empresa não interessa de forma alguma ficar com o bem propriamente dito, mas sim `necessita do retorno do capital investido para a compra do aludido bem', na forma avençada: contraprestações + valor residual. Aliás, se ao final do contrato a arrendatária não exercer a opção de compra e devolver o bem, este será vendido e o respectivo preço imputado como pagamento do `valor residual', devolvendo-se à arrendatária o excesso se houver, e dela cobrada a diferença a menor se, acaso, o bem for alienado por preço inferior ao `valor residual'.

29. As regras da boa-fé, tão justamente exaltadas por CLÓVIS DO COUTO E SILVA e RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, em princípio não sofrem qualquer mossa durante a execução dos contratos, mesmo porque todos os pontos nucleares, máxime os valores das prestações a serem pagas, são pré-estabelecidos pelas partes e, salvante a correção monetária (que não é um plus que se acrescenta, mas um minus que se evita...) pelo índice cambial (aliás o mais favorável aos mutuários em geral), mantém-se inalterados.

Nenhuma circunstância anormal é geralmente acusada como capaz de motivar fundada alegação de quebra da `base do negócio' e justificar a incidência de normas de eqüidade, mesmo porque os riscos próprios do contrato não podem ser conceituados como anormalidades, segundo mesmo a lição de KARL LARENZ.

Sob tais aspectos, destarte, e considerada a sistemática do leasing financeiro, vê-se a sem-razão dos arrendatários que, ante o insucesso em seus negócios, ou face à desvalorização do bem pelo próprio uso ou por injunções do mercado (facilitação de importações, v.g.), pretendem a revisão das cláusulas contratuais e a diminuição dos valores das contraprestações, sob pretexto de onerosidade excessiva, de imprevisibilidade, de anatocismo etc.

30. Outro argumento do qual com freqüência se valem os arrendatários nas ações revisionais, é o de que as empresas de arrendamento mercantil estariam cobrando juros exorbitantes, capitalizados, praticando o anatocismo.

Todavia, o contrato-tipo, em geral, não prevê a cobrança de juros, salvo os moratórios em caso de inadimplemento.

É normalmente apresentado ao cliente, de forma clara, o valor da contraprestação mensal, sobre o qual não há a incidência de juros. Sofre, apenas, a correção pelo indexador convencionado entre as partes.

Cumpre realçar que os fatores, ligados aos custos dos financiamentos e aos demais elementos (despesas operacionais, spread) já expostos, e que levam a empresa de arrendamento mercantil a fixar um determinado valor para a contraprestação mensal, são alheios ao arrendatário. A este último cabe é examinar e verificar se os valores das contraprestações, e bem assim o valor residual garantido, lhes são interessantes, inclusive em razão dos benefícios fiscais que irá auferir com a realização da operação de leasing financeiro.

Tendo em vista, como dito, que sobre tais valores das contraprestações e do valor residual garantido, pelo arrendatário havidos como bons no início do contrato, incide apenas e tão somente o reajuste monetário, `não incidindo juros', não haverá como alegar, durante o decorrer da operação, a ocorrência de anatocismo.

31. No alusivo ao leasing financeiro e à antecipação do "valor residual", temos que o valor residual, conforme aliás definido na Portaria 564/78, inc. 2, é o "preço contratual estipulado para o exercício da opção de compra, ou valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado, na hipótese de não ser exercida a opção de compra".

Sem que ocorra a mínima descaracterização do contrato de leasing, o valor residual pode ser "adiantado" pelo arrendatário, não a título de exercício da Opção de Compra, mas sim como mero adiantamento em garantia das obrigações contratuais assumidas.

32. Todavia, `mesmo em antecipando a totalidade do valor residual', o `arrendatário ainda não exerceu a opção de compra, e não está obrigado a comprar'!

Se optar pela compra, o valor residual será considerado pago mediante a "apropriação", pela arrendadora, dos valores já antecipadamente entregues a título de `provisão de recursos'; todavia, se o arrendatário `resolver não comprar' e nem renovar o contrato, o caminhão, v.g., será devolvido à arrendadora, que irá pô-lo a venda. Neste caso, o valor da alienação do veículo, ou de qualquer outro bem arrendado em leasing financeiro, irá cobrir o `valor residual' devido; e, como já foi dito, em sendo o preço de venda superior a tal valor, a arrendadora devolverá ao arrendatário a quantia excedente; se inferior, o faltante mantém-se como débito a ser satisfeito pelo arrendatário.

Pois bem: alguns arrendatários, estando em curso o contrato, interrompem o pagamento das contraprestações e os depósitos das parcelas do VRG, alegando em juízo que o leasing estaria descaracterizado em virtude do pagamento antecipado do valor residual garantido!

Todavia, o equívoco dos demandantes parece-nos evidente.

Como bem exposto no magistério do professor JORGE CARDOSO, e nos termos da Portaria nº 140/84, II, a antecipação do VRG é tratada como passivo do arrendador e ativo do arrendatário, e pois

"... não implica nem em quitação do VRG e nem em pagamento pelo exercício da opção de compra. É mero valor `dado por conta' ou em garantia de obrigação contratual assumida; ou seja, é simples caução em dinheiro. Continuam em vigor quer a possibilidade contratual de optar pela compra, quer a possibilidade de devolver o bem, quer ainda a possibilidade de prorrogar o contrato, possibilidades deferidas por lei e pelo contrato ao arrendatário.

Em síntese: a antecipação do pagamento, no caso, não implica em antecipação do exercício da opção, que continua aprazada para quando do término do contrato" (ob. cit., pág. 750).

Cumpre sublinhar que o arrendatário, ao firmar o contrato, está plenamente ciente do mecanismo do valor residual garantido, notando-se que nos carnês de pagamento estão separadas as parcelas das contraprestações e as parcelas do VRG. Até a mídia, aliás, divulga na propaganda das empresas de leasing os percentuais dos valores residuais.

33. Não há, destarte, possibilidade jurídica de cogitar da descaracterização do contrato de leasing, o qual mantém-se íntegro e plenamente eficaz.

Não vemos como, em desapaixonada análise jurídica, considerá-lo `convertido' em contrato de compra e venda em prestações, e isto inclusive pela simples ponderação de que, muito embora os adiantamentos do VRG, a "opção" em favor do arrendatário, de comprar ou de não comprar o bem, ou de renovar o contrato, mantém-se até o final do prazo contratual!

34. No que diz respeito ao leasing financeiro e à teoria da imprevisão, já mencionamos que aos contratos de leasing financeiro, tendo por objeto bens de produção, não incidem as normas do CDC.

Em assim sendo, a possibilidade de invocar a teoria da imprevisão, aliás para justificar não a resolução do contrato mas sim a alteração de suas cláusulas (eis que os demandantes pretendem ficar com os bens arrendados!), estaria a exigir, quando menos, a demonstração cabal da quebra do princípio da comutatividade, em virtude de fato superveniente imprevisível ou dificilmente previsível.

35. A alegação, suscitada com certa freqüência por arrendatários mercantis de veículos de carga, de que o `mercado de fretes' se teria deteriorado, ou de que as contingências do mercado transportador lhes estariam acarretando prejuízos, não são de molde a motivar o reajuste judicial das cláusulas de contrato de leasing.

Também a teoria da `base do negócio', como já exposto, não cobre os riscos próprios do negócio, e um risco inerente ao transporte de cargas é exatamente o de, pela concorrência e pela injunções da oferta e da procura, o valor do frete modificar-se para maior ou para menor!

Como consta de v. aresto do STJ, de que foi relator o Ministro EDUARDO RIBEIRO, com relação à teoria da imprevisão:

"Inexiste razão para invocar essa doutrina quando, em contrato de mútuo tenha o mutuário dificuldade de cumprir aquilo a que se obrigou, em virtude de prejuízos que sofreu. Não há falar em desequilíbrio das prestações nem em enriquecimento injustificável do mutuante" (DJU, 19.08.91, p. 10.991).

E o mesmo dir-se-á da argüição vinculada à eventual deterioração do bem, normalmente devida quer ao seu uso normal, como à falta de cuidados do arrendatário em sua boa conservação e utilização.

Para fatos outros, como o furto do bem, ou sua perda em acidente, o arrendatário deve precaver-se pela providência, absolutamente elementar, de contratar um seguro.

Conclusão: aos contratos em exame, de leasing financeiro, sujeitos a demandas revisionais, apresenta-se inaplicável a teoria da imprevisão, por manifesta ausência de seus pressupostos de incidência.

36. Finalmente, quanto à tutela antecipada nas ações revisionais de contratos de leasing financeiro, diga-se que a possibilidade de adiantamento dos efeitos da tutela, mediante cognição sumária e em todos os processos de conhecimento, foi introduzida no direito processual brasileiro pela L. 8.952, de 13.12.94, no intuito de assegurar a tão almejada garantia, efetiva e célere, dos direitos por meio da `ação judicial', consoante norma constitucional, art. 5º, XXXV.

A norma do novo art. 273 apresenta o grande mérito de, no plano doutrinário, destrinçar a confusão entre liminar antecipatória e liminar de caráter cautelar, extinguindo a necessidade de uso, na prática forense, das assim denominadas "cautelares satisfativas", as quais, como igualmente disse NELSON NERY, constituíam por si "uma contradictio in terminis, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa é porque, ipso facto, não é cautelar" (ob. cit., pág. 66).

37. O art. 273, de forma prudente, estabelece os pressupostos de concessão de liminar provisoriamente satisfativa:

a) exige a prova inequívoca, que a melhor doutrina tem conceituado como "aquela que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu respeito, não possa ser oposta qualquer dúvida razoável, ou, em outros termos, cuja autenticidade ou veracidade seja provável" (J.E. CARREIRA ALVIM, "CPC Reformado", ed. Del Rey, 2ª ed., pág. 115);

b) dispõe que tal prova deve levar o julgador ao convencimento da verossimilhança da alegação, chegando, assim, ao conceito de probabilidade, "portador de maior segurança do que a mera verossimilhança" (CÂNDIDO DINAMARCO, "A Reforma do CPC", ed. Malheiros, nº 106).

c) é ainda imprescindível, para a concessão da tutela antecipatória, que o autor possa invocar situação de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (o periculum in mora, comum às ações cautelares) ou, alternativamente, que seja evidenciado o manifesto propósito protelatório do réu - o que pressupõe, nesta segunda hipótese, a concessão da antecipada tutela somente após apresentada a contestação;

d) e ainda, last but not least, que não ocorra o perigo de irreversibilidade dos efeitos do provimento antecipatório.

Nas palavras de JOÃO BATISTA LOPES, há que ressaltar "que a antecipação da tutela exige equilíbrio e cautela do julgador para que não traduza injusto prejuízo ao réu" (art. dout. "Rev. de Direito Processual Civil", Curitiba, nº 01, pág. 51).

38. Convém os autores em que o juiz poderá (e deverá) autorizar a tutela antecipatória somente quando lhe parecer altamente provável que a sentença definitiva virá a confirmar os efeitos provisoriamente antecipados. Ocorrendo dúvidas, e tendo em vista que igualmente impõe-se resguardar `o possível direito do demandado', cumpre ao juiz reservar-se para prover somente após a cognição plena, exauriente.

No dizer do mestre ARRUDA ALVIM, a expressão prova inequívoca significa "que o juiz, para conceder a tutela, deverá estar firmemente convencido da verossimilhança da situação jurídica apresentada pelo autor e, bem assim, da juridicidade da solução pleiteada" (estudo in ob. cit., pág. 111).

39. Postas estas premissas, e em face de muitas decisões liminares que têm sido proferidas por juízes de ambos os graus de jurisdição, devo referir que, data venia, algumas delas padecem de equívocos bastante evidentes.

Os autores das demandas revisionais com freqüência requerem que o juiz proíba antecipadamente à empresa de leasing, tout court, ajuizar ações reintegratórias, ou outras, em defesa de seus direitos contratuais; ou intentam ser liminarmente eximidos de pagar o montante contratado das contraprestações. Estas pretensões vêm sendo, de regra, indeferidas.

Assim, aliás, a orientação remansosa no STJ, no sentido de que não é cabível, em sede cautelar ou antecipatória, nas ações de revisão ou anulação de cláusulas contratuais ou de títulos executivos, obstar à outra parte o acesso ao Judiciário na defesa de seus direitos contratuais ou legais.

Reporto-me, aqui, a recentíssimo aresto da 3ª Turma dessa Corte, prolatada à unanimidade no REsp. 57.169, relator o Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO (ac. de 10 de março do corrente ano, DJU de 22.04.97) sob a seguinte ementa:

"Título de Crédito. Revisão de contratos a que os títulos estão vinculados. Precedentes na Corte.

1. Como é de comum sabença, o título de crédito goza de autonomia e esta não se abala pelo fato de estar ele preso a um determinado contrato.

2. O ajuizamento de uma ação para a revisão do contrato não tem o condão de invalidar o título de crédito, retirando-lhe a configuração de título apto a apoiar a execução, revestido das características de líquido, certo e exigível.

3. Recurso especial conhecido e provido."

40. Vale salientar que a tutela antecipada apresenta-se, em princípio, incabível em ações revisionais de contratos de leasing financeiro:

a) porque a concessão liminar do `direito de permanecer na posse do bem' implica, a posteriori, em tornar defeso à arrendadora o ajuizar ação reintegratória de posse em face do inadimplemento do arrendatário, com isso vetando à empresa de leasing o direito constitucional de pleno e eficaz acesso ao Judiciário na defesa de pretensão contratualmente assegurada;

b) porque a concessão liminar do direito de depositar em juízo, com caráter liberatório, contraprestações em valores menores do que aqueles expressamente constantes de cláusula contratual livremente discutida e pactuada, ou do direito de nada mais pagar, implica, a posteriori, em impedir à arrendadora o exercício do direito constitucional de pleno e eficaz acesso ao Judiciário para cobrança do que contratualmente lhe é devido;

c) porque, em última análise, e diante da própria estrutura de tal contrato, sendo imperioso à viabilidade do negócio de leasing financeiro que a arrendadora recupere o custo do financiamento, as despesas operacionais e obtenha sua margem de lucro, `a demanda não apresenta a Verossimilhança da Alegação', pressuposto inafastável para a concessão de liminar antecipatória.

41. Apresenta-se necessário, ainda, sublinhar que, em caso de inadimplemento por parte do arrendatário, à arrendadora mercantil assiste, havendo cláusula resolutória expressa no contrato e comprovando a mora do cliente, direito a ajuizar ação reintegratória na posse do bem arrendado, `bem este, não esquecer, que é de propriedade dela arrendadora'; facultativamente, poderá a empresa cumular ainda pedido de condenação do arrendatário nas perdas e danos, de forma a que a arrendadora receba do cliente as prestações a que este se obrigou em decorrência do financiamento concedido (geralmente as perdas e danos serão iguais às prestações em mora, mais as prestações vincendas - deduzidos os juros nelas embutidos, mais o valor residual devido, e menos o valor de mercado do bem que retornou à posse da financiadora e por esta será vendido).

E nessa ação reintegratória, se exercida dentro do prazo de ano e dia a contar do inadimplemento, poderá a empresa de leasing postular a reintegração liminar, nos termos do contrato e da lei material civil.

A circunstância de haver o arrendatário inadimplente ajuizado, anteriormente, ação revisional do contrato, não é de forma alguma obstáculo quer à propositura da demanda de natureza possessória, quer à observância do devido processo legal inerente a tais demandas.

Entendimento diverso, denegatório da liminar possessória, equivaleria a conceder ao devedor em mora, por vias travessas, a antecipação de tutela no processo revisional, antecipação esta de regra incabível, como vimos.
 
 

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