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PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO ORDENAMENTO BANCÁRIO E FINANCEIRO

ADV. JOÃO ANTÔNIO C. MOTTA PALHARES, ADVOGADOS ASSOCIADOS S/C

1. Introdução.
2. A Reforma Bancária (Lei 4.595/64).
3. A Constituição de 1988.
4. Globalização e a Visão do Sistema.
5. Concessão do Crédito, um novo modelo.
6. Conclusões
 
 

INTRODUÇÃO

 A questão que se colocará aqui em reflexão diz respeito ao ordenamento bancário nacional, sua inserção em um contexto globalizado e a forma de atuação das instituições financeiras nacionais à luz deste ordenamento.

 Mais ainda, se buscará delinear ser, ou não, necessária uma nova lei que reestruture o Sistema Financeiro Nacional, segundo a exigência contida no art. 192 da Constituição Federal.

 Por último, será proposta uma forma de atuação do Sistema Financeiro, sob a ótica geral do consumidor de crédito, bem como suas implicações em um mercado comum.
 

A REFORMA BANCÁRIA

 Devido ao fim que se propõe este Simpósio, de trazer temas à discussão e não esgotá-las em uma exposição, torna-se sem sentido traçar uma perspectiva do Sistema Financeiro antes de seu divisor de águas que foi a Lei 4.595/64.

 Inobstante isso, para a correta visão de que sob o ponto de vista estrutural de sua relação com o Poder Político nada, absolutamente nada, foi alterado com a reforma de 1964, impõe-se observar os motivos embrionários do surgimento do sistema.
 No 'Alvará de Funcionamento do Banco do Brasil' de 1808 (apud Afonso Arinos de Melo Franco in História do Banco do Brasil, Banco do Brasil, 1979, pp. 28 e 29), consta como exposição de motivos para sua criação '... permitir ao Real Erário realizar os fundos de que depende a manutenção da Monarquia ...' criando '... um banco público que facilite os meios e os recursos de que as minhas rendas reais e as públicas necessitarem para ocorrer às despesas do Estado'.

 Como se verifica com facilidade, e quem acompanha com um mínimo de proximidade a Política Econômica não tem como contestar, seja em 1808, 1964 ou 1998, o uso do Sistema Financeiro permanece exatamente o mesmo - financiar o gasto da coisa pública, ou melhor, do déficit público.

 Presente esta premissa básica, que melhor será colocada em contexto no curso desta exposição, cumpre enforcar as razões para a profunda reforma de 1964.

 Durante a década de 50 o país seguiu o caminho da industrialização, sendo que não seria possível desenvolvimento sem a democratização do crédito e um efetivo controle sobre ele.

 Ou seja, de nada adiantaria fomentar a indústria se não era possível implementar meios de aquisição aos produtos por ela gerados.

 Essa idéia maior, aliada ao crescimento da classe média e suas aspirações de consumo, igualmente ligada a uma regulamentação caótica do Sistema Financeiro, onde a denominada SUMOC - Superintendência da Moeda e do Crédito se digladiava com o Banco do Brasil pelo controle efetivo do sistema financeiro, deu contornos propícios a que viesse a ser procedida a reforma.

 Assim, em dezembro de 1964, sob a égide de um regime político forte (aliás única forma de sufocar os interesses corporativos do Banco do Brasil e da SUMOC), veio a ser editada a lei que, posteriormente, veio ter a alcunha de Lei da Reforma Bancária.

 Este diploma legislativo veio a definir integralmente o Sistema Financeiro Nacional, traçando normas gerais, definindo instituições e responsabilidades, limites de atuação de seus dirigentes e, principalmente, traçando normas em branco que, durante os anos seguintes e até o presente momento serviram para regular o sistema.

 Ocorre que, seguindo os princípios insculpidos no 'Alvará de Funcionamento do Banco do Brasil' de 1808 (!!!), ditas normas, em especial aquelas em branco de poder regulamentador, foram sistematicamente utilizadas pelo Poder Político para financiamento do déficit público.

 Isso gerou uma distorção no sistema, que da idéia básica inicial, louvável e justa, veio a se tornar um elemento de financiamento do gasto político.

 Os bancos e demais instituições vieram a se tornar, pelo desenvolvimento do mercado aberto e participação obrigatória em leilões primários de títulos públicos, em meros financiadores do enorme rombo do custo político do Estado.

 Observe-se: Isso em nada implica em a Lei ser ruim.  Ao contrário, apenas evidencia o mau uso da lei.

 O Banco Central passou então a ser utilizado como mecanismo não regulamentador do mercado, mas, sim, regulador das emissões para cobertura dos rombos orçamentários.

 Isso pode ser claramente exemplificado se for observada a redação original do art. 4º da Lei, onde estava definido que ao Conselho Monetário Nacional competia, entre outras coisas,  '... autorizar emissões de papel-moeda, as quais ficarão na prévia dependência de autorização legislativa, quando se destinarem ao financiamento direto pelo Banco Central da República do Brasil, das operações de crédito com o Tesouro Nacional, nos termos do art. 49 desta Lei'.
 

 Mais ainda, o mesmo inciso I daquele artigo da Lei delimitava que, '... para atender às exigências das atividades produtivas e da circulação de riqueza do País' poderia ser emitida moeda até o limite de 10% dos meios de pagamento existentes a 31 de dezembro do ano anterior, solicitando o Presidente autorização do Poder Legislativo para emissões acima deste limite.

 A franca conclusão é no sentido de que a Lei regulou bem às emissões, contingenciando os agregados monetários e, principalmente, exigindo autorização legislativa, participação popular, para os casos de emissão de moeda.

 Contudo, em 1974, tornando legal o fato de nunca ter sido efetivamente implementado tal controle, veio a ser editada a Lei nº 6.045, delimitando que as emissões deveriam seguir '... diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República'.

 Atualmente, por força da Lei 9.069 de 30/06/1995, a emissão está condicionada à veiculação prévia das reservas internacionais existentes, com limitação em percentuais preestabelecidos, mas, com a seguinte ressalva: 'O Conselho Monetário Nacional, para atender a situações extraordinárias, poderá autorizar o Banco Central do Brasil a exceder em até 20% (vinte por cento) os valores estabelecidos nesta Medida Provisória, submetendo ao Presidente da República, por intermédio do Ministro da Fazenda, os critérios referentes à alteração'.

 Evidentemente, a conclusão somente pode ser no sentido do mau uso da legislação como instrumento de afirmação da Política Econômica.

 Se note que não se está aqui apresentando críticas à política econômica do Governo, nem é esse o objetivo do Simpósio.  Aqui, se está apenas apresentando que há um instrumento legislativo moderno e eficaz para a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional e que, por seu mau uso, ou por seu não uso, não significa, necessariamente, que se deva colocar outra lei em substituição.
 Aliás, é típica a voracidade legiferante em nosso país.

 Há conflitos sociais decorrentes da economia, a solução é alterar a lei (sequer se pensa em aplicar a existente, ou mesmo alterá-la nos pontos de tensão).

 Entendo que a chamada Lei da Reforma Bancária se aplica tanto no cenário de 1964 quanto no cenário atual, de 1998.   Aliás, 10 (dez) anos após a promulgação da Constituição atual, não vejo motivo plausível para que se processe a decantada reforma do Sistema Financeiro, dada a atualidade da Lei 4.595.

 A questão, como será a seguir desenvolvida, não é de reformulação, mas de aplicação da lei.
 

A CONSTITUIÇÃO DE 1988

 Ao editar o art. 192 entendo que os eméritos Constituintes, ressalvada a limitação de juros nele inserida, não apresentaram absolutamente nenhum cenário novo que permitisse a derrocada dos postulados insertos na Lei 4.595 de 1964.

 Em primeiro lugar, coloque-se que a limitação dos juros nele inserida é de uma impropriedade absoluta.

 E assim se diz porque uma Constituição não se presta a regular o cenário em que foi editada, mas sim uma situação perene ao futuro.

 Definir os juros como sendo necessariamente de 12% ao ano é desconsiderar o fato de que um dia, como hoje, dez anos após, o que é um lapso de tempo infinitamente pequeno na vida de um país, a inflação poderia estar reduzida a menos de um dígito.

 As taxas internacionais, como a Prime Rate ou a Libor, sempre variaram historicamente em proporção menor a dois dígitos e isso sinaliza, sem dúvidas, que juros reais de 12% ao ano (acima da inflação) podem se tornar um absoluto excesso.

 Certo, se poderia dizer que no cenário atual, com inflação reduzida e juros altíssimos seria manejável e desejável a limitação contida no artigo constitucional.  Contudo, penso que a questão não passa pela pura e simples limitação, mas sim pelo postulado maior contido no art. 173, § 4º, que veda o aumento arbitrário do lucro, o que é questão para o Poder Judiciário resolver com a aplicação da lei ao caso concreto.

 O principal a saber e o que se propõe a aqui definir é atinente ao ordenamento jurídico do Sistema Financeiro, sua atualidade.

 O jurista José Afonso Silva (in Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 692), bem entendeu que a Constituição Federal, quanto ao Sistema Financeiro, é inteiramente inútil '... porque tudo isso que ela manda que a lei complementar faça já está, por regra, feito na lei em vigor.  É absolutamente sem propósito estar a constitucionalizar normas que já constam de lei ordinária e não estão exigindo nada de especial quanto à sua estabilidade'.

 Então o que de novo, quanto ao Sistema Financeiro, se pode retirar da Constituição Federal ?

 Creio firmemente que a pedra de toque inserida na Carta Política diz respeito a tênue tentativa de derrocada do 'Alvará de Funcionamento do Banco do Brasil' de 1808.

 E se diz tentativa, tímida tentativa, porque a norma em questão, apesar de estar lá na Constituição, imediatamente em seguida, na própria Constituição, foi derrogada.

 É que no art. 164, § 1º, da Carta, está claramente disposto que ao Banco Central é vedado conceder '... direta ou indiretamente' empréstimos ao Tesouro Nacional, somente podendo realizar empréstimos à instituições financeiras, que em última análise representam empréstimos de liquidez (e não de solvência).

 Contudo, já no parágrafo segundo do mesmo art. 164, o legislador constituinte contribui decisivamente para nada mudar, apontando que o '... Banco Central poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros'.

 Como bem disse o professor Mário Henrique Simonsen em artigo publicado na grande mídia, tal norma apresenta '... um empréstimo disfarçado'.

 A conclusão é que as normas constitucionais em nada alteraram o cenário que desde 1808 reina absoluto no País.  O Sistema Financeiro Nacional tem por fim, basicamente, a rolagem e financiamento da dívida pública.
 

GLOBALIZAÇÃO E A VISÃO DO SISTEMA.

 Nesta ordem de idéias, o panorama atual apresenta a existência de um diploma legislativo eficaz, claro e definido que, apenas e tão-somente, precisa ser podado dos excessos arbitrários e mau uso que a máquina governamental nele empreendeu durante estes 34 (trinta e quatro) anos de sua edição.

 É preciso reavaliar a vontade de legislar.

 Atualmente se fala muito em globalização, integração de mercados e, nesta perspectiva, meses atrás, estive a convite da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em um curso sobre Direito Bancário em Portugal.

 A preocupação maior, pelo que pude constatar, é uma adequação de normas quanto aos procedimentos da União Européia.  Questões de tecnologia, instrumentos de crédito e limites de atuação dos Bancos Centrais.

 Em nosso caso, especificamente, entendo que a boa lei de 1964 está potencialmente adequada aos princípios norteadores de qualquer mercado comum, existindo instrumentos jurídicos internacionais (as Convenções sobre títulos - Letras de Câmbio, Nota Promissória e do Cheque; Acordo da Basiléia sobre controles de risco e comprometimentos de capital) para dar contornos ao principal, e normas em branco para regular procedimentos diversos (meios eletrônicos de transação monetária p. ex. - smart cards, etc.).

 No entanto, a partir da atividade distorcida do Sistema Financeiro nacional desde a sua incipiente criação em 1808, como reles instrumento de financiamento do déficit público, entendo que, antes de se pensar em globalização e integração de mercados, o que, repito, não observo trauma algum presente na legislação atual que seja um impediente, faz-se necessária uma reforma de visão, de relacionamento entre os bancos e a sociedade.

 Não é de hoje a proteção que o Governo Federal dispensa ao seu setor mais querido, lhe alcançando mecanismos econômicos (floating) ou jurídicos para que atinjam sempre o mesmo e invariável objetivo, o financiamento do déficit público.

 Em épocas de inflação alta, desenfreada, a atividade bancária parecia se desenvolver em um mar de rosas, financiava-se a máquina pública através do que se convencionou chamar de ciranda financeira e eram perseguidas metas de depósito a vista pelos bancos, que lucravam de forma obscena com o diferencial inflacionário.

 Atualmente, os lucros são perseguidos através da disparidade entre as pontas de captação e aplicação, notadamente o repasse de recursos tomados no exterior, onde se compra o capital a juros civilizados e aqui os empresta de forma selvagem e extorsiva.  Isso tudo sem considerar o preço das tarifas, que em muitos casos chega a possibilitar o pagamento de mais de oitenta por cento da folha salarial.

 Com efeito, é preciso repensar o modelo.

 Já quando da fundação do INSTITUTO LIBERAL em São Paulo, nos idos de 1987, Roberto Bornhausen apontava que era necessário vencer o 'egoísmo humano', para que se efetivasse um melhor entrosamento entre os agentes econômicos.

 Isso não mudou.  A única forma de se atingir resultados coesos em sociedade é vencer a barreira da selvageria de alcançar lucros excessivos e arbitrários.

 No caso, sempre e invariavelmente, quando da publicação do balanço dos bancos, a mídia especializada dirige críticas quanto aos polpudos resultados apresentados.

   Relembre-se notícia de 1992:

 Já em 1997:
 

 É franca a conclusão quanto a enorme desproporção entre o custo de captação e o de aplicação (ou o lucro) à instituição financeira, verdadeiramente afrontando a consciência do homem médio.

 De outra banda, não se pode deixar enganar que daquela margem bruta de lucro haveria de se considerar os custos da instituição financeira, tais como impostos, pessoais, materiais, etc.

 Com efeito, para impostos e outras exações fiscais e sociais se sabe que não é, visto que na REVISTA VEJA de 03 de abril de 1996, Seção 'RADAR', p. 25, restou noticiado:

 Já quanto aos salários de seus empregados é despicienda qualquer argumentação, visto ser fato público e notório o achatamento e as seguidas greves em setembro (data de dissídio) para ao menos recolocar a parcela corroída pela inflação !!!

 Aliás, para que se realce o nível de abuso se deve colher dados globalizados, onde se pode lançar mão das taxas de juros e inflação nos países do MERCOSUL:

TÓPICO                       BRASIL                     URUGUAI                                ARGENTINA                             CHILE
INFLAÇÃO                     5,92%                      24,30%                                     8%                                      6,60%
JUROS                        42,30%                      40,00%                                 12 A 18%                               10 A 12%
JUROS REAIS               36,38%                     15,70%                                   4 A 10%                            3,40 A 5,40%

OBS.:  DADOS ANUALIZADOS
 INFLAÇÃO URUGUAI/ARGENTINA/CHILE REF. AO ANO DE 1996
 INFLAÇÃO BRASIL REF. AO PERÍODO JUL/96 A JUL/97
 JUROS REAIS PELA MÉDIA NOS CASOS COM FAIXA DE JUROS
 

 Ou seja, os produtores e comerciantes no Brasil, que são obrigados a competir no MERCOSUL, com economias – estas, sim, de mercado – financiam a sua produção com taxas de juros quase dez vezes menores que a brasileira.

 Presentes estes argumentos, é evidente que nos moldes em que está posta a atividade dos bancos atualmente, somente se favorece o capital especulativo, devendo urgentemente ser redimensionada a atividade de crédito para que, aí sim, se possa falar em economia globalizada.
 

 A questão que se coloca é simples: enquanto não houver uma reestruturação do Estado, no sentido de acabar com a prodigalidade do gasto com público, não se pode inserir o Brasil em um contexto globalizado que não seja a especulação com o capital volátil.
 
 

CONCESSÃO DO CRÉDITO, UM NOVO MODELO.

 Como já dito anteriormente, não é de hoje a proteção que o Governo Federal dispensa ao seu setor mais querido, lhe alcançando mecanismos econômicos ou jurídicos para que atinjam sempre o mesmo e invariável objetivo, o financiamento do déficit público.

 Pois bem, a mobilização do crédito, sua democratização, processou-se após o advento da Lei da Reforma Bancária (L. 4.595/64) e com os diplomas legislativos que lhe seguiram, tais como o DL 70/67 (crédito imobiliário), DL 167/67 (crédito rural), o DL 413/69 (crédito industrial), o DL 911/69 (alienação fiduciária), a Lei 6.313/75 (crédito à exportação), 6.840/80 (crédito comercial), entre outros.

 Em todos estes normativos se assentam fundamentos básicos que, sob a ótica do Sistema Financeiro, permitem a mobilização do crédito (legalidade, contratualidade, etc.).

 Contudo, dentre estes fundamentos um exsurge como fator determinante:  A possibilidade de, em caso de inadimplência, expedida recuperação do crédito.

 O ilustre advogado THOMAS FELSBERG na obra II CICLO DE ESTUDOS DE DIREITO ECONÔMICO (1994, p. 10), corroborando o acima exposto, aponta o seguinte:
 

 Este entendimento sobre o leasing pode, perfeitamente, ser transposto a qualquer contrato bancário e se centra na possibilidade, drástica e expedita, de realizar o crédito, independentemente, é claro, de qualquer discussão quanto a eventual direito do devedor.

 Aliás, segundo o Sistema Financeiro, devedor (qualquer que seja) é sinônimo de contumaz inadimplente e, como tal, não tem direitos, apenas a obrigação de solver o débito.

 É vital que se ultrapasse este preconceito e se tornem transparentes as relações junto ao Sistema Financeiro.  Não é possível que os bancos, no Brasil, continuem financiando o déficit público e se afastem de seu objetivo primordial que é a aproximação dos agentes superavitários dos deficitários.

 Esta aproximação deve ser observada sob um ângulo diametralmente oposto ao que é atualmente efetivado.

 Com efeito, como amplamente do conhecimento de todos, qualquer pessoa física ou jurídica que venha a se relacionar com uma empresa bancária disseca sua vida, bens e haveres patrimoniais em um cadastro, até para o comuníssimo 'cheque especial' faz-se necessária tal providência junto ao Banco.

 Essa relação patrimonial, segundo as diretrizes de crédito da instituição financeira, serve para que a mesma, consultada sobre um empréstimo por exemplo, possa definir o que irá exigir como garantia.

 Aliás, se pode ver no MANUAL DE NORMAS E INSTRUÇÕES DO BANCO CENTRAL - MNI que é 'vedado' ao banco comercial realizar operações com clientes que não possuam ficha cadastral (MNI - 16.7.2.2.'e').

 O cliente, como é prática junto ao Sistema Financeiro, assina o contrato em que são ditadas as garantias que deverão forrar a concessão do crédito e, tanto é assim, que no já citado MANUAL DE NORMAS E INSTRUÇÕES DO BANCO CENTRAL - MNI, consta que o banco ‘... na realização de operações de crédito, deve exigir, do tomador de empréstimos, garantias adequadas e suficientes ...’ (MNI - 16.7.8.1).

 Nessa esteira, para a concessão do crédito, basta ao banco o conhecimento de toda a relação patrimonial de qualquer um de seus devedores, sendo impertinente saber quanto ao uso que o cliente fará do numerário a ele alcançado.

 Este posicionamento é que urge uma total redefinição.

 Não se pode entender que o simples fim especulativo do capital possa atender os reclamos da sociedade moderna e os preceitos de globalização.

 E isso porque, nesta ótica, que se pode dizer clássica de concessão do crédito, a única preocupação do banqueiro é se forrar de garantias à concessão do crédito.

 Isso é equivocado, profundamente equivocado.

 Há muitos anos, quando ainda advogava para um grande conglomerado financeiro nacional, estava convencido e seguidamente apontava em procedimentos judiciais que o banco não se associava ao empresário quando lhe concedia o crédito, tanto que não lhe exigia participação em seu empreendimento, sendo profundamente injusto que, em caso de insucesso, viessem a lhe ser repassados os prejuízos experimentados.

 Este entendimento, dentro de um conceito maior de integração de mercados e, afastando o que Roberto Bornhausen definiu como 'egoísmo humano', não tem mais sustentação nos dias atuais.

 Certo.  O banqueiro continuará a não se associar ao seu cliente quando vier a lhe conceder crédito, sendo não menos certo que dele não se poderá exigir participação nos prejuízos.

 Contudo, deve o banqueiro ter um novo foco de visão, quanto ao projeto que vier a ser elaborado com o capital emprestado.  Isso quer dizer examinar, participar, aconselhar (sob a ótica financeira, é claro), quanto ao destino do capital que está captando dos agentes superavitários e entregando aos deficitários.

 A doutrinadora CLÁUDIA LIMA MARQUES (in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2ª edição, ed. RT) pondera que se trata:
 

 E são justamente estes denominados deveres anexos, dentro do prisma da boa-fé objetiva, que impedem, nos moldes em que o direito das obrigações hoje se situa, continue a concessão do crédito a ser visualizada pela ótica medieval em apenas o banqueiro se forrar de garantias e especular com o spread assim alcançado.

 Hoje é vital que se entenda e entenda o banqueiro como um partícipe na obrigação, como um aliado, um parceiro, e nunca um algoz que pratica um capitalismo predatório e isento de riscos.  Os tão decantados ventos neoliberais assim exigem, que se processe um novo renascimento tendo o homem como o foco - início, meio e fim da atividade econômica.

 Nesta ordem de idéias, não se pode entender a concessão do crédito analisada apenas sob a ótica de garantias exigidas, mas sim quanto a um apoio por análise de um projeto, seja de consumo ou de produção.

 Deve o banqueiro analisar se o financiamento do automóvel importado é adequado ao perfil de seu cliente, bem como se a construção de um novo prédio industrial está de acordo com a previsão de incremento do empresário à luz de sua situação no mercado.

 Não basta que os gerentes, para a concessão do crédito, apenas se contentem com a alienação fiduciária do automóvel, ou da hipoteca do prédio industrial (o que normalmente vem aliado a alienação fiduciária do maquinário e, inclusive, alienação fiduciária dos insumos fabris).  Isso demonstra uma visão totalmente ultrapassada, sem lugar no mundo, onde apenas se concede crédito mediante a facilidade que os instrumentos jurídicos permitem à sua recuperação.

 Aqui, novamente há de se evocar a legislação (que aliás é o objeto desta manifestação).

 Tanto quanto a dizer que a lei mestra do Sistema Financeiro (4.595/64) não precisa ser mudada, mas adaptada e cumprida para que não se preste apenas a encobrir o financiamento da dívida pública, é vital apontar que as soluções encontradas na década de 60 quanto ao crédito rural, industrial e comercial, se mostram com viva atualidade.

 É que estes diplomas legislativos apresentam, sempre e invariavelmente, além das garantias fortes e meios expeditos para a recuperação dos capitais alcançados (o que, diga-se, não é nenhum pecado), uma exigência simples e eficaz - sua vinculação a um orçamento de aplicação.

 Este orçamento, durante anos considerado como peça decorativa, tanto que em diversos instrumentos contratuais se verifica que está disposto em apenas uma cláusula, afirmando que a utilização do capital é '... para capital de giro' da empresa mutuária, deve ser revisto para que as empresas bancárias realmente avaliem o que se pede, o uso do capital.

 Enquanto assim não for feito, enquanto continuar a atividade bancária ligada a conceitos medievais especulativos, não atingirá o necessário respeito e seriedade, continuando o Poder Judiciário a ser assolado de reclamações quanto os abusos praticados.
 

CONCLUSÕES

 Como se desenvolveu durante toda esta exposição, a legislação que regulamenta o Sistema Financeiro Nacional, apesar de visceralmente ser toda da década de 60, ainda mantém atualidade e potencialidade de desenvolvimento, consoante as normas em branco ditadas pela Lei 4.595/64.

 O que deve mudar, e urgentemente, são os princípios fundamentais que direcionam a atividade bancária.

 Continuar a entender que seu fim é meramente especulativo, onde o estabelecimento de garantias é o suficiente para sua manutenção, constitui conceito totalmente ultrapassado e dissociado da moderna orientação quanto ao direito das obrigações.

 É preciso, vital mesmo, que haja uma cumplicidade (o que não significa associação em fins econômicos, mas sim em idéias) do banqueiro e aqueles a quem concede o crédito.

 Que se cumpra a lei, que a atividade dos bancos nacionais, altamente evoluídos em tecnologia mas pré-históricos em idéias, se modifique para um patamar acima da mesquinhez de isenção de riscos e altíssimas margens de lucratividade, que se conseguirá efetivamente implementar a livre iniciativa e a economia de mercado como todos almejam, onde a certeza de lucro não continuará sendo de apenas um dos partícipes da relação - os bancos.

 Retirado de: http://www.infojus.com.br/area2/joaomota.htm