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O Leasing e a Variação Cambial. Há Saída ?


 
 
João Antônio César da Motta

Advogado em São Paulo-SP

Sócio de Palhares, Advogados Associados S/C

Por primeiro, há de se sublinhar que a questão do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (C.D.C.) incidir às contratações junto a instituições financeiras é posição de há muito tempo vencida, eis que já em março de 1994, confirmando a incidência da Lei Federal sobre a espécie versada, foi proferida conclusão alçada no II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, realizado em Brasília, que assim dirimiu a questão:

O crédito e a poupança popular integram o conceito de serviço, nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º do CDC.

Situação pacificada junto a excelsa Corte de Justiça que tem a palavra final a respeito da matéria:

1. Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no artigo 3º, parágrafo segundo, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor. A circunstância de o usuário dispor do bem recebido através da operação bancária, transferindo-o a terceiros, em pagamento de outros bens ou serviços, não o descaracteriza como consumidor final dos serviços prestados pelo banco.

STJ - 4ª Turma, REsp. nº 57.974-0-RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 29/05/95, Seção 1, p. 15.524

Mas não fosse suficiente a dicção do emérito SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, se poderia observar um aspecto básico e incontrastável.

Diz a Lei 8.078/90:

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

Este artigo se insere no Capítulo V que trata das práticas comerciais, e o seguinte, o VI, cuida 'Da Proteção Contratual'. Logo, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, quando regula as práticas comerciais e quando estabelece a proteção contratual EQUIPARA a consumidor qualquer pessoa – vale dizer: consumidor ou não – que esteja exposta às práticas previstas e sancionadas pelos Capítulos V e VI da lei !!!

O verbo 'equiparar' torna evidente a intenção do legislador de ampliar, para os efeitos da tutela das práticas comerciais e proteção contratual, o conceito de consumidor, porquanto, 'equiparar', significa tornar alguma coisa semelhante a outra; equiparam-se dessemelhantes para alguns e específicos efeitos. Assim, o C.D.C. equipara a consumidor, para efeitos de proteção contratual, quem não o é, mas que se encontra vulnerável às práticas contratuais abusivas.

Mais importante que a interpretação gramatical, a teleológica permite concluir que o art. 29 do C.D.C. resolve um grave problema de interpretação contratual.

Com efeito, é assistêmico que, para situações iguais, produzam-se incidências e eficácias jurídicas distintas. Ora, imaginar-se que, em duas relações jurídicas, regradas por idênticos instrumentos contratuais - sendo uma relação de consumo e outra não - possa-se, na primeira hipótese, concluir pela nulidade de determinada cláusula face à incidência do C.D.C. e, na segunda, concluir-se por sua higidez e eficácia, em que pese o mesmo conteúdo de abusividade detectado na primeira, constitui-se em um contra-senso, repudiado pela boa técnica jurídica.

O art. 29 do C.D.C. possibilita a interpretação harmônica de contratos iguais.

Em outras palavras, quando se trata de práticas comerciais e proteção contratual, a lei incide independentemente de se tratar ou não de relação de consumo. Basta que a parte contratante, na dicção da lei (art. 29), encontre-se exposta às práticas ali sancionadas.

O enfraquecimento da autonomia da vontade, como decorrência da contratualidade de adesão, é fenômeno que não se limita à relação de consumo, atingindo pessoas físicas e jurídicas, pequenas e, até, grandes empresas.

A palavra chave, em matéria de proteção contratual contra a abusividade, não está, portanto, no tipo de relação jurídica, senão que decorre da maior ou menor vulnerabilidade do aderente; da maior ou menor possibilidade de ele resistir à inclusão de cláusulas abusivas.

Pode-se, portanto, afirmar, com boa razoabilidade jurídica, que os capítulos V e VI do C.D.C. constituem uma nova principiologia geral dos contratos.

Excelente acórdão, verdadeiro leading case, de origem no colendo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, sendo relator o eminente jurista Antônio Janyr Dall’ Allagnol Jr., enfrenta a questão da equiparação assentada no art. 29 do C.D.C.:

Código de Defesa do Consumidor. Conceito de Consumidor. Atividade bancária.

...

A terceira questão, expressamente não esgrimida pelas partes, tem sido objetivo, no entanto, da análise de doutrina e jurisprudência (cf. ap. civ. 192188076, 2ª CC, TARS, 24.9.92, rel. Dr. Paulo Heerdt). Refiro-me aos limites que se há de reconhecer, no CDC, ao conceito de consumidor. Conforme sabido, Lei pródiga em definições, o consumidor foi conceituado como "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Essa, no entanto, não é conceituação definitiva e exauriente, pois, ao menos, em três oportunidades, realiza-se ampliação, as mais das vezes, por "equiparação". Assim, no único parágrafo do art. 2º, no art. 17 e no art. 29. Fixo-me nesse último, que é o que, no caso, releva.

Ubicado no Capítulo V - "Das práticas comerciais", consigna, in verbis: "Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas". O capítulo seguinte a que se refere o dispositivo é o "da proteção contratual", onde previstas, em elenco não exaustivo, as "cláusulas abusivas" (art. 51). Desse modo, não obstante a resistência de alguns (v.g., José Geraldo Brito Filomeno, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, cit., pp. 24-27), denotativa de preconceitos, afinal não abrigados pelo direito positivo pátrio, correto é o entendimento, esposado por um especialista do nível de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, de que " o consumidor é, então, não apenas aquele que "adquire ou utiliza produto ou serviço" (art. 2º), mas igualmente as pessoas "expostas às práticas" previstas no Código (art. 29)" (ob. Cit. P. 147. No mesmo sentido, Carlos Eduardo M. Hapner, Comentários ao CDC, Forense, 1991, p. 153).

Essa ampliação em tema de práticas comerciais e de proteção contratual é indiscutivelmente salutar, pois via pela qual se há de contagiar o ordenamento jurídico em geral de princípios, como o da boa-fé, anteriormente apenas implícitos no sistema positivo brasileiro.

Não há, como visto, distinção entre pessoa física e jurídica; a tão decantada "vulnerabilidade" quando não aferível do indiscutível desequilíbrio que se há de reconhecer entre uma poderosa instituição financeira, de um lado, e de uma pequena ou média empresa comercial, de outro, ressai da utilização de contrato com cláusulas unilateralmente predispostas pelo economicamente mais forte, como no caso (cf. fl. 07). Se dúvidas não se têm de que a lei incide mesmo em contratos individuais, inclusive verbais (cf. v.g., Nelson Nery Júnior, ob. cit., p . 315; Carlos Eduardo Manfredo Hapner, Comentários ao Código do Consumidor, Forense , 1991, p. 168), a fortiori se há de concluir em se cuidando de contrato de adesão.

TARGS - 7ª Câm. Cível, julgando a Apelação nº 193051216, em 10 de maio de 1993, rel. Juiz Antônio Janyr Dall'agnol Júnior.

Conseqüentemente, sob qualquer ótica que se observe, há inequívoca incidência da legislação consumerista à espécie, seja direta ou indiretamente.

Aliás, conclusão esta plenamente amoldada ao entendimento da emérita magistratura paulista:

O CDC cria um microssistema legal que se insere e se harmoniza com as relações jurídicas regidas pelas leis civis, mercantis, administrativas. Dúvidas inexistem que qualquer relação bancária trata com o consumidor, aquele que se serve da instituição financeira, para toda e qualquer atividade negocial, desde um simples pagamento de prosaica conta de consumo de energia elétrica, ao mais elaborado contrato de financiamento.

...

Especificamente sobre o tema se manifestou o Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, em brilhante voto proferido pelo juiz Antonio Janyr Dall´Agnol Júnior: "O CDC rege operações de crédito, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo. O produto da empresa de banco é o dinheiro ou o crédito, bem juridicamente consumível, sendo, portanto, fornecedora; e o consumidor o muturário ou creditado" (7ª C., in Direito do Consumidor 9, RT).

1º TACiv.SP – 5ª Câm., julgando a Apelação nº 515.772-4, em 05 de setembro de 1994, rel. Juiz Carlos Luiz Bianco (in Revista do Direito do Consumidor nº 13/168).

Aliás, há de se ver que, já em 1964, há quase 35 (trinta e cinco) anos atrás, o emérito ClOvis VERÍSSIMO do Couto e Silva em sua tese de doutorado apontava:

A boa-fé dá o critério para a valorização judicial, não a solução prévia. Num sistema jurídico sem lacunas, a função do juiz resume-se em elaborar mecanicamente as soluções, esvaziando-se o direito de conteúdo vital. Num sistema jurídico concebido, não como uma Geschlossenheit, como um mundo fechado, mas sim, como algo com aberturas por onde penetram os princípios gerais que o vivificam, não se poderá chegar a uma solução concreta apenas por um processo dedutivo ou lógico matemático. Com a aplicação do princípio da boa-fé, outros princípios havidos como absolutos serão relativados, flexibilizados, ao contato com a regra ética.

A Obrigação como Processo, Ed. José Bushásky, p. 42, 1976.

Como resta claro, há mais de três décadas atrás já se buscava superar o critério subjetivo à boa-fé, que veio a ser normatizada no país em 1850 pelo Código Comercial (art. 131) e '... que permaneceu letra morta por falta de inspiração na doutrina e nenhuma aplicação pelos Tribunais' (RUY ROSADO in A Boa-Fé na Relação de Consumo, Rev. Direito do Consumidor 14/20).

Se observe a centenária lei:

Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases:

1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras;

2. as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes e subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as ambíguas;

3. o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes tiverem no ato da celebração do mesmo contrato;

4. o uso e prática geralmente observada no comércio nos casos da mesma natureza, e especialmente o costume do lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a qualquer inteligência em contrário que se pretenda dar às palavras;

5. nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segundo as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do devedor.

Ora, em contratos como o leasing é absolutamente impossível perquirir-se sobre a intenção das partes e, aliás, totalmente desnecessário, posto que o conceito de boa-fé objetiva, que pode ser retirado do diploma comercial de 1850, é justamente aquele onde a boa-fé se desvincula completamente da análise da volição das partes, gerando o que atualmente se convencionou denominar deveres anexos que, ainda segundo a doutrina do professor CLOVIS do couto e silva ( A Obrigação como Processo, pág. 32), '... podem nascer e desenvolver-se independentemente da vontade'.

Aliás, de há muito, mesmo na doutrina de CLOVIS, já de se podia observar a completa desvinculação entre a Boa-Fé Objetiva e a vontade:

O aspecto capital para a criação judicial é o fato de a boa-fé possuir um valor autônomo, não relacionado com a vontade. Por ser independente da vontade, a extensão do conteúdo da relação obrigacional já não se mede com base somente nela, e, sim, pelas circunstâncias ou fatos referentes ao contrato, permitindo-se construir objetivamente o regramento do negócio jurídico, com a admissão de um dinamismo que escapa, por vezes, até mesmo ao controle das partes.

O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português, in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português, pp. 43 e ss.

Nesta ordem de idéias, a interpretação do contrato não pode restar atada a existência, ou não, de uma imaginária intenção das partes que, como se vê da antiga lei comercial - a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras -, haverá de ser analisado sob a ótica da boa-fé objetiva, ao verdadeiro espírito e natureza do contrato !!!

Releve-se ainda que, apesar da Teoria da Boa-Fé Objetiva restar lançada na doutrina há mais de três décadas, é relativamente recente a sua discussão, com a introdução do termo específico no C.D.C., quando se vem aprofundando e introduzindo nas decisões judiciais tal temática.

E isso porque se viu, se pôs a nu, que os contratos não podem ser analisados sob a ótica da parte forte e fraca economicamente, sob critérios meramente subjetivos. Mas, sim, que a partir de um esperado princípio de conduta (não obter vantagem excessiva, p. ex.), haverão de ser analisados com olhos de estabelecer um real equilíbrio na relação obrigacional.

Pois bem, o Princípio da Boa-Fé Objetiva vem, recentemente, obtendo notável desenvolvimento, quer na doutrina, quer na jurisprudência.

Trata-se de resposta efetiva e adequada que a técnica jurídica desenvolve a partir das necessidade impostas pela moderna contratualidade.

A boa-fé objetiva deriva do Princípio Geral de Boa-Fé que deve presidir todas as relações negociais. Distingue-se, no entanto, da noção clássica de boa-fé contratual, que tem sua tônica no elemento subjetivo, ou seja, no agir sem malícia tanto na formação como na execução do contrato.

A boa-fé objetiva parte da constatação de que, ao lado das obrigações explicitadas no contrato, outras tantas existem, não escritas, mas de igual importância para o regular desenvolvimento do vínculo negocial; tratam-se dos denominados deveres anexos .

Os deveres anexos, como o nome o sugere, se constituem em dever de conduta, ao passo que as obrigações se constituem em dever de prestar. Os deveres anexos, posto que emanações de um princípio geral dos contratos, aderem aos negócios jurídicos sem estarem expressamente pactuados, porque, em o estando, deixariam de ser deveres anexos e passariam a ser autênticas obrigações.

Neste sentido ensina Claudia Lima Marques:

Como novo paradigma para as relações contratuais (...) propõe a ciência do direito o renascimento ou a revitalização de um dos princípios gerais do direito há muito conhecido e sempre presente desde de o movimento do direito natural: o princípio geral da Boa-fé. Este princípio ou novo "mandamento" (Gebot), obrigatório a todas as relações contratuais da sociedade moderna e não só às relações de consumo, será aqui denominado de Princípio da Boa-fé Objetivo para destacar a sua nova interpretação e função. Efetivamente o princípio da Boa-Fé Objetiva na formação e na execução das obrigações possui uma dupla função na nova teoria contratual: 1) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vínculo contratual, os chamados deveres anexos e 2) como causa limitadora, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos.

Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação "refletida", uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.

in Contratos no Código de Defesa do Consumidor, pp. 78/79.

Pois bem, importa observar que as Companhias de leasing, por terem alta especialização no tema e condições do mercado financeiro, têm, indiscutivelmente, o dever anexo de informar, orientar, seu cliente aos riscos de determinada contratação (estipulação de variação cambial, p.ex.), apresentando mecanismos suficientes de proteção (hedge, swap, etc.) para a operação ofertada ao público.

A incontrastável conclusão é no sentido de que as Companhias Arrendadoras, ao não orientar, ao não informar completamente a extensão dos seus contratos, em especial os riscos da variação cambial, romperam a boa-fé objetiva consistente no dever anexo de informar !!!

A Prof. Cláudia Lima Marques, na obra supra mencionada assim se refere ao dever de informar:

O primeiro e mais conhecido dos deveres anexos (ou das obrigações contratuais acessórias) é o dever de informar (Informationspflicht) (veja arts. 30, 31 do CDC).

Este dever já é visualizado na fase pré-contratual, fase de tratativas entre o consumidor e o fornecedor, quando o consumidor escolhe, por exemplo, o modelo de carro que pretende adquirir, uma simples geladeira ou qual plano de saúde deverá proteger sua família pelos próximos anos, tipo, quais as carências, exclusões de cada tipo de plano etc. Aqui as informações são fundamentais para a decisão do consumidor (qualidade, garantias, riscos, carências, exclusões de responsabilidade, existência de assistência técnica no Brasil etc.) e não deve haver indução ao erro, qualquer dolo ou falha na informação por parte do fornecedor ou promessas vazias, uma vez que as informações prestadas passam a ser juridicamente relevantes, integram a relação contratual futura e, portanto, deverão depois de cumpridas na fase de execução do contrato, positivando a antiga noção da proibição do venire contra factum proprium.

ob. cit., p. 83

A lição serve como uma luva para o caso de contratos de leasing indexados à moeda norte-americana, porquanto, indiscutivelmente, com a não informação por parte das Companhia de Arrendamento Mercantil de mecanismos de proteção existentes no mercado financeiro (hedge, swap, etc.), se deu o rompimento da boa-fé objetiva consistente no dever anexo de informação.

O contrato de leasing deve ser interpretado à luz da nova teoria contratual, ou seja, considerando-se o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (C.D.C., art. 29), notadamente no que concerne à boa-fé e seus deveres anexos.

Não bastasse, é ainda da doutrina do notável CLOVIS do couto e silva:

A teoria da base do negócio jurídico, tal como está formulada, abrange dois aspectos: o subjetivo e o objetivo. Sob o aspecto subjetivo, de expectativa ou previsão comum de ambas as partes, inegavelmente encontra obstáculo na determinação do art. 90 do Cód. Civil. No sentido de base objetiva do negócio, isto é, de que o negócio jurídico, segundo o conceito imanente da justiça comutativa, supõe a coexistência de uma série de circunstâncias econômicas, sem as quais ele se descaracterizaria, sem dúvida alguma, vige e é utilizável em nosso direito.

in A Obrigação como Processo, pág. 134 e 135.

Ora, com o incremento da Teoria da Boa-Fé Objetiva, reanimada no C.D.C., já seria francamente possível no arcabouço jurídico nacional a utilização da Teoria da Base do Negócio Jurídico, sendo importante evidenciar que tal doutrina é absolutamente desvinculada da denominada TTeoria da Imprevisão, eis que naquela desimporta a ocorrência de fato futuro excepcional mas, sim, que não haja rompimento das premissas básicas do negócio jurídico.

Contudo, a denominada Teoria da Base, com o advento do C.D.C., veio expressamente ser normatizada, quando em seu art. 6º, inc. V, segunda parte, consta de forma categórica a possibilidade de revisão das cláusulas contratuais '... em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas'.

Pois bem, segundo o Prof. LUÍS RENATO FERREIRA DA SILVA, a aplicação de tal princípio legal de modificação judicial dos contratos repousa em que:

... a base objetiva liga-se ao desaparecimento do fim essencial do contrato ou à destruição da relação de equivalência. Estas diferenças vão se refletir tanto nas condições para a aplicação, quanto nos efeitos. A interpretação, à luz da boa-fé, será o elemento essencial para a superação do impasse criado pela superveniência e o rastreador dos elementos componentes da base.

palestra proferida no Iº Simpósio Internacional de Direito Bancário, ocorrido em São Paulo, de 04 a 07 de março de 1998 (no prelo).

A inapelável conclusão converge no sentido de que, pelo rompimento do dever anexo de informação, não orientando seus clientes quanto a existência de mecanismos suficientes de proteção junto ao mercado financeiro (hedge, swap, etc.), as Companhias de leasing objetivaram concorrer ao rompimento da base do negócio jurídico, ocorrida pela maxidesvalorização da moeda norte-americana, justificando seja revisto o pacto para que seja reposta a equação econômica do contrato.

Ponto finalizando e ilustrando a absoluta desconsideração que as instituições financeiras têm para com seus deveres anexos, em especial o de informação, visto que não é de se esperar que o homem médio possa lidar com a complexidade dos meandros da matemática financeira, é oportuno trazer à colação e por ilustração, o exame pericial obtido no processo nº 466/95 (Ruzi vs. Banco Cidade Leasing) o qual tramita frente ao digno Juízo da 34ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo-SP, de onde se colhe o seguinte excerto:

16) Pode o Sr. Perito dizer, com toda segurança, pela larga experiência que possui em matemática financeira, se é possível ao homem médio, que não seja técnico, calcular os valores das contraprestações do arrendamento, na vigência do contrato, ou os cálculos somente são acessíveis a técnico em matemática-financeira?

Resposta

Impossível seria imaginar que um "homem médio" tivesse discernimento para entender e calcular "os valores das contraprestações do arrendamento, na vigência do contrato", como demonstrado nas respostas oferecidas aos quesitos das partes e Anexos 01 e o2.

É preciso lembrar que as Instituições Financeiras, possuem em seus quadros técnicos profissionais altamente qualificados para executar as tarefas de cálculos financeiros, sendo esses em sua maioria Engenheiros, Matemáticos, Economistas ou Administradores de Empresas especializados em finanças.

Pois bem, via de regra faz-se necessário exame por técnico altamente especializado para deslindar o que está sendo cobrado pelas instituições financeiras, ou mesmo o que realmente é devido, o que de pronto compromete o dever anexo de informação necessário e indissociável a qualquer moderna forma obrigacional.

Reforçando em mesmo sentido, quanto as intrincadas fórmulas de engenharia financeira que se utilizam os bancos e demais instituições financeiras:

Como as taxas pactuadas o foram em bases mensais, evidentemente, até o prazo de 30 (trinta) dias os juros lineares são superiores aos exponenciais, ao passo que esta situação se inverte quando os prazos são superiores aos mesmos 30 (trinta) dias, o que, na prática, trata-se de engenharia econômica aplicada pelo banco em seu próprio favor.

Processo nº 1.903/94, 35ª Vara Cível do Foro Central, CASA MOYSÉS ENXOVAIS E TECIDOS LTDA. vs. BANCO ECONÔMICO S/A, Perito Dr. Jubray Sacchi, fls. 467

10. Queira a perícia informar se a estipulação de contagem de juros exponenciais conduz ao cálculo de juros capitalizados no contrato. Caso contrário explicar.

RESPOSTA

Positiva é a resposta.

No caso específico dos autos, a perícia constatou que o banco aplicou os juros de 02 (duas) formas distintas a saber:

a) Juros lineares: nos casos em que o prazo foi inferior à taxa mensal contratada;

b) Juros compostos: nos casos em que o prazo foi superior à taxa mensal contratada;

Tecnicamente falando, o acima exposto significa que o banco calculou e cobrou os juros da forma que melhor lhe aprouvesse. (grifo não no original).

Processo nº 1.854/94, 3ª Vara Cível do Foro Central, CASA MOYSÉS ENXOVAIS E TECIDOS LTDA. vs. BANCO SCHAHIN CURY S/A, Perito Dr. Arles Denapoli, fls. 299

Estes argumentos servem de reforço, no sentido de que:

i. é perfeitamente possível a aplicação do C.D.C. aos contratos de leasing;

ii. não é o homem médio competente para deslindar tais intrincados contratos, onde se bosquejam complexas fórmulas matemáticas ou, mesmo, armadilhas (variação cambial) pela falta do dever anexo de informação;

iii. em vista da ruptura do dever de informar, é coerente afirmar que as Companhias Arrendadoras concorreram ao rompimento da base do negócio jurídico em contratos de leasing indexados à variação da moeda norte-americana;

iv. em decorrência, justifica-se a revisão da cláusula contratual de variação cambial '... em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas' (C.D.C., art. 6º, inc. V, segunda parte), o que não requer, em absoluto, a imprevisibilidade de fato superveniente.

Retirado de: www.infojus.com.br