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OS CONTRATOS NACIONAIS E A MOEDA ESTRANGEIRA

 
Luís Marcelo Benites Giummarresi
Professor Universitário, Mestrando em Direito das Obrigações,
Advogado com Pós-Graduação "lato sensu" em Direito Empresarial
1. Considerações iniciais

Com a recente mudança da política cambial operada no Brasil, o cenário jurídico voltou a ser palco de uma discussão que já parecia estar definitivamente sepultada desde o advento do Plano Real, com a relativa estabilidade de nossa moeda.

Efetivamente, com raras exceções, havia sido deixada de lado a prática da celebração de contratos para pagamento em moeda estrangeira, ou mediante indexação do preço à variação de determinada moeda estrangeira, notadamente o dólar norte-americano. E, mesmo quando presente tal prática, a verdade é que se tratava de uma informação irrelevante, visto que, como se disse, estava-se frente a uma situação de estabilidade econômica, em que pouco ou quase nada existia de defasagem entre a nossa moeda e a estrangeira.

E as raras exceções, conforme ressalvado, ocorriam por conta de algumas operações financeiras ou de singulares contratos internacionais.

Pois bem. Com a mudança da política cambial, verificou-se novamente a discussão sobre a legalidade e as conseqüências da celebração de contratos cujo pagamento deverá ocorrer através de moeda estrangeira, ou mesmo quando tais contratos estabeleçam a indexação à determinada moeda estrangeira, do preço a ser pago.

2. Pagamento em moeda estrangeira.

A estipulação de pagamento em moeda estrangeira recebe forte resistência, por parte dos tratadistas. Com efeito, a moeda é uma das formas de expressão da soberania nacional, pelo que não pode nem deve sofrer percalços e ter reduzida significância frente a moedas estrangeiras. Além do mais, a moeda constitui um instrumento através do qual o Estado intervém na economia interna. Por meio dela, o Poder Público efetua seus pagamentos, razão por que é mister que o dinheiro nacional conserve um poder liberatório absoluto, nos exatos dizeres do Professor Caio Mário da Silva Pereira.

Deve-se, portanto, atribuir à moeda nacional a mais forte expressão de poder liberatório, dando-lhe curso forçado, de modo que seja obrigatória a sua exigência, e impositivo o seu recebimento.

Portanto, deve o legislador nacional cuidar de proteger este elemento de expressão da soberania, sob pena de conceder a fator externos um canal de intromissão nos negócios nacionais, e por conseqüência, na própria identidade nacional.

O Código Civil Brasileiro estabelece, em seu art. 947, que o pagamento em dinheiro, sem determinação da espécie, far-se-á em moeda corrente no lugar do cumprimento da obrigação. Trata-se do chamado princípio do nominalismo, que se constitui numa ficção legal de que a moeda constitui um valor invariável.

Os antigos parágrafos 1º e 2º do citado art. 947 permitiam a estipulação de pagamento em moeda estrangeira, o que ficava ao inteiro alvedrio das partes, remanescendo ao devedor a escolha entre pagar o valor na própria moeda estrangeira, ou mediante o seu equivalente em moeda nacional. Estes parágrafos encontram-se sem vigência, em virtude do atual texto do Decreto-Lei 857, de 11.6.69. Este, aliás, em seu art. 1º expressamente determina serem nulos de pleno direito os contratos, títulos e quaisquer documentos, bem como as obrigações que, exeqüíveis no Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro.

Hodiernamente, portanto, essa é a situação legal, estando, pois, em plena vigência, a proibição contida no art. 1º do Decreto-Lei 857/69. 

2.1. Exceções

Exceções à regra contida no art. 1º do citado Decreto-Lei 857/69 encontram-se em seu art. 2º. Com efeito, contemplou o legislador cinco exceções, a saber: I) contratos e títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias; II) contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos às operações de exportação de bens de produção nacional, vendidos a crédito para o exterior; III) contratos de compra e venda de câmbio em geral; IV) empréstimos e quaisquer outras obrigações cuja credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de imóveis situados no território nacional (com a exigência adicional de que estes contratos estejam registrados no Banco Central do Brasil), e V) contratos que tenham por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no país.

Nota-se, mediante uma análise de cada uma dessas exceções, que a pedra de toque que proporciona ao caso a possibilidade de utilização da moeda estrangeira, é justamente a presença do elemento externo, ou internacional.

Vale salientar que estas exceções, e bem assim as demais matérias, foram confirmadas pela legislação que instituiu o Plano Real, e posteriores medidas complementares.

3. Pagamento indexado a moeda estrangeira.

No que diz respeito à indexação do valor a ser pago, igualmente está-se frente à proibição de que tal mecanismo esteja vinculado a moeda estrangeira. Com efeito, as disposições da Lei nº 9.069/95, instituidora do Plano Real, coloca uma pá de cal sobre o assunto, quando dispõe em seu art. 27 que a correção, em virtude de disposição legal ou estipulação de negócio jurídico, da expressão monetária de obrigação pecuniária contraída a partir de 1º de julho de 1994, inclusive, somente poderá dar-se pela variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor Série r (IPC-r).

Descabe aqui argumentar, por óbvio, acerca da natureza cogente da norma em questão. Além do mais, o próprio §2º do transcrito artigo estabelece que considerar-se-á de nenhum efeito a estipulação, a partir de 1º de julho de 1994, de correção monetária em desacordo com o estabelecido neste artigo.

Nem sempre, porém, foi assim entendido pelos doutrinadores. Anteriormente à sobrevinda dos instrumentos legais de proibição da indexação, acima transcritos, os juristas entendiam perfeitamente possível e legal a referência contratual à moeda estrangeira com o fim específico de estabelecer uma forma de resguardo às perdas inflacionárias da moeda nacional.

3.1. Exceções

Á essa regra geral, porém, também deve se evidenciar a existência da exceção contemplada na Lei nº 8.880, de 27.05.94, em cujo art. 6º é permitida a correção em moeda estrangeira para os contratos de arrendamento mercantil com adaptação de recursos provenientes do exterior.

Além disso, deve-se fazer uma breve referência à possibilidade prevista através da Resolução nº 63 do Banco Central do Brasil, em que, em se tratando de contrato de repasse de mútuo, a responsabilidade do devedor é pela correção cambial até a efetiva liquidação da dívida, não limitada até o dia da elaboração da conta de liquidação, ou, por outras palavras, o valor do principal é exigível pelo seu valor em moeda nacional, ao câmbio do dia da liquidação.

4. Considerações Finais

Por todo o exposto, pode-se concluir que:
      1. a estipulação de pagamento em moeda estrangeira é, entre nós, proibida expressamente pelo art. 1º da Lei nº 857/69, sob pena de nulidade de pleno direito, excetuados os casos previstos em seu art. 2º; 
      2. a indexação do pagamento a uma moeda estrangeira é, igualmente, vedada expressamente pelo §2º do art. 27 da Lei nº 9.069/95, excetuados os casos previstos pela Lei 8.880/94 (arrendamento mercantil) e pela Resolução nº 63 do Banco Central do Brasil. 

Reitado de: www.direito.adv.com.br