® BuscaLegis.ccj.ufsc.br

ARRENDAMENTO MERCANTIL ("LEASING") E REGISTRO

AFRÂNIO DE CARVALHO Professor da UFRJ

1 Lei reguladora – Facilitação de financiamento. 2 Opção de compra do arrendatário – Direito pessoal irregistrável. 3 Semelhança entre a opção de compra e o pacto de retrovenda. 4 Eficácia real do pacto de retrovenda – Dependência de inscrição. 5 Diferença entre a opção de compra e o pacto de retrovenda – Necessidade e desnecessidade de novo título. 6 Unidade de instrumento e pluralidade de contratos – Observância da fidelidade registral e indispensabilidade de lei para o registro da opção.

A Lei 6.099, de setembro de 1974, regulamentada por uma resolução do Banco Central, previu expressamente entre nós o chamado "arrendamento mercantil" (leasing), ideado para facilitar o financiamento de pequenas e médias empresas, proporcionando-lhes capital de giro sem as endividar insuportavelmente. Segundo essa lei, "considera-se arrendamento mercantil a operação realizada entre pessoas jurídicas, que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos a terceiros pela arrendadora, para fins de uso próprio da arrendatária, e que atendam às especificações desta" (Lei 6.099, parágrafo único do art. 1.°).

Embora a operação comum seja realizável entre três pessoas jurídicas – a vendedora, a compradora e a arrendatária – também se dá entre duas pessoas apenas, quando a vendedora do bem efetua a venda para tornar-se no mesmo ato arrendatária dele sem perder-lhe a posse (lease back). Assim, coexistem a operação tríplice, havida como típica, e a operação dual, a saber, contratada com o próprio vendedor do bem, que a lei tornou privativa de instituição financeira (lei cit., art. 9.º e § 1.º).

Definida como empresarial, a operação gira tanto em torno de equipamentos de alto custo como de imóveis e tem um prazo ordinariamente longo, de vários anos. Como, para obter um montante mais significativo de dinheiro, o mais acertado é dispor de um dos elementos das imobilizações, numerosas pequenas empresas, atravessando um período de falta de liquidez, vendem um imóvel de seu ativo a uma instituição financeira autorizada, com o preconcebido propósito de reavê-lo em período de folga financeira. A operação desdobra-se essencialmente do seguinte modo:

1. A empresa vende o imóvel à instituição financeira, recebendo, em contrapartida, o preço.

2. A instituição financeira, no mesmo ato, arrenda o imóvel à empresa por um aluguel mensal onde inclui englobadamente não só a amortização do preço de compra, à maneira de simples contrato de mútuo, como também outros encargos, entre os quais juros e taxas.

3. Como remate do ato, a instituição financeira confere à empresa arrendatária a opção para readquirir o imóvel arrendado por seu valor residual.

Como se sabe, há fórmula que calcula o valor residual, levando em conta o montante dos aluguéis pagos anteriormente. Não há, todavia, fórmula que proteja adequadamente a opção do arrendatário para readquirir o imóvel, de vez que, como promessa unilateral, é suscetível de ser rompida pela instituição financeira com a venda do imóvel a outrem.

A fim de obter essa proteção, os interessados pugnam por que a sua opção de compra, solta no vasto descampado dos direitos pessoais, encontre excepcionalmente um abrigo no registro. A insistência com que vem sendo pleiteada a sua inscrição induz a examinar a idéia de proteger o direito do arrendatário de reaver o imóvel sem que a instituição financeira o passe adiante.

Antes de tudo, convém recordar que o Registro de Imóveis se destina a receber os direitos reais, e não os direitos pessoais, que, pelo fato de o serem, ficam fora do seu âmbito. A lei de Registros Públicos não contempla, pois, a opção, que, alheia à norma geral do seu art. 172, tampouco consta da enumeração taxativa do art. 167.

Daí excluir-se a opção, prima facie, do Registro de Imóveis. Todavia, a Lei de Registros Públicos, ao longo de sua enumeração, prevê a inscrição tanto da compra e venda pura como da compra e venda condicional (art. 167, I, n. 29). Nessa conformidade, a compra e venda em cujo contexto se insira uma condição resolutiva é registrável.

A compra e venda com pacto de retrovenda apresenta-se inegavelmente como compra e venda condicional, porque o referido pacto importa condição resolutiva, de acordo com a qual a venda se desfaz, voltando o imóvel ao antigo dono, se este o desejar, dentro do triênio (CC, arts. 1.140 e 1.141). A causa interna de resolubilidade acompanha a figura da compra e venda desde o seu nascimento, pelo que, chegado o momento próprio, essa força congênita leva ao desfazimento do contrato (Afrânio de Carvalho, Registro de Imóveis, 3.ª ed., Forense, pp. 26 e 27).

Ora, a opção de compra aposta ao arrendamento mercantil tem visíveis traços de semelhança com o pacto de retrovenda. Na retrovenda o vendedor é compelido a passar adiante o seu imóvel premido por dificuldades financeiras que espera superar em prazo não muito dilatado. No arrendamento mercantil, analogamente, o vendedor se vê na contingência de alienar o imóvel para vencer dificuldades transitórias, isto é, para atravessar uma fase de escassez de capital de giro.

Por outro lado, na retrovenda gera-se a obrigação de devolver para o comprador, mas nenhuma obrigação para o vendedor; na opção igualmente gera-se a obrigação de devolver para o comprador-arrendador, mas nenhuma obrigação para o vendedor-arrendatário. Em ambas as situações o primitivo vendedor está juridicamente livre, tem apenas a faculdade – que pode exercer ou não – de reaver o imóvel vendido.

O Código Civil empresta eficácia real ao pacto de retrovenda: "O vendedor conserva a sua ação contra os terceiros adquirentes da coisa retrovendida ainda que eles não conhecessem a cláusula de retrato" (art. 1.142). O projeto do futuro Código Civil reproduz a declaração de que "o direito de resgate pode ser exercido contra o terceiro adquirente" (art. 507).

Nem um nem outro, porém, exigem a inscrição para que a retrovenda tenha eficácia real, o que constitui um lapso notado no primeiro e não corrigido no segundo. Para obter a eficácia real precisa a cláusula resolutiva ser inscrita no Registro de Imóveis, conforme procurei esclarecer alhures, no que, aliás, não fiquei só (Afrânio de Carvalho, ob. cit., pp. 26 e 27; Caio Mário, Instituições de Direito Civil, vol. III/182).

Assim, se se deseja estender à opção de compra de arrendamento mercantil a mesma proteção facultada ao pacto de retrovenda, é indispensável cogitar de levá-la a inscrição no Registro de Imóveis. Só depois de armada com essa inscrição é que adquirirá eficácia real e poderá valer contra o terceiro adquirente do imóvel, cuja recompra fora prometida preferencialmente ao vendedor-arrendatário.

Não se pense, porém, em colher esse resultado por interpretação analógica do texto da atual Lei de Registros Públicos, equiparando a opção de compra do arrendamento mercantil a uma condição resolutiva da compra e venda (art. 167,I, n. 29). De um lado, não cabe interpretação analógica em matéria registral; de outro lado, a opção é pacto adjeto, não à compra e venda, mas à locação.

Aí é que surge a diferença relevante entre a opção de compra do arrendamento mercantil e o pacto de retrovenda. Na retrovenda, desde que o titular do direito de reaver o imóvel pretenda exercê-lo, obterá automaticamente a devolução pelo simples implemento da condição resolutiva, sem necessidade de novo título. Na opção de compra, ao contrário, se o titular do direito entender de exercê-lo, não poderá valer-se do mesmo título, mas, em respeito ao princípio de continuidade, terá necessidade de novo título.

Por quê? Na aparência o negócio do arrendamento mercantil (leasing) se apresenta como único, interna e externamente, já que todas as estipulações se relacionam entre si, enlaçadas pelo fim econômico, e se reúnem em um só ato solene: a escritura de arrendamento mercantil. No entanto, além de procurar uma pluralidade de efeitos jurídicos, envolve uma pluralidade de figuras jurídicas distintas, notadamente os contratos de compra e venda e de locação.

Desses dois contratos, o de compra e venda aparece inteiriço e incondicionado, ao passo que o de locação exibe o encargo da opção de compra do imóvel em favor do locatário. Esse pacto não figura, portanto, como elemento interno do contrato de compra e venda, suscetível de, em dado momento, produzir o seu desfazimento, mas, sim, como elemento interno do contrato de locação. Se a opção estivesse adjeta ao contrato de compra e venda, poder-se-ia sugerir, mas debalde, que corresponde a uma condição resolutiva, mas está desenganadamente atrelada a um contrato de locação.

A aparência de negócio jurídico único cede lugar à realidade ou de um contrato misto ou de uma reunião de contratos, em cujo centro está a locação, embora o tema seja difícil, adverso a uma afirmativa peremptória ou a uma negativa terminante. Quando o conteúdo da declaração negocial é composto, levanta-se a questão de saber se se trata de negócio único ou de pluralidade de negócios, não existindo, conforme a doutrina, um critério seguro para discerni-lo (von Tuhr, Teoria Geral, vol. II/214).

No caso, o arrendamento mercantil oferece à vista em primeiro lugar uma compra e venda, isto é, um ato de disposição translativa que não deixa entre o alienante e o adquirente nenhuma relação suscetível de ser invocada para desfazê-lo. Para o desfazimento seria preciso que contivesse internamente uma causa de autodestruição, mas a condição resolutiva, se houvesse, não apareceria nela, mas no adjunto contrato de locação.

Por conseguinte, parece razoável ver no arrendamento mercantil uma operação em que se justapõem dois contratos distintos, o de compra e venda e o de locação, que, apesar de reunidos em um único ato, podem ser desligados. Foi o que fez um acórdão do CSMSP para o fim de mandar inscrever isoladamente a compra e venda no Registro de Imóveis (in RDI 13/80, ac. de 17.10.83).

Ao desligá-los, não atingiu o princípio de fidelidade registral, que recomenda reproduzir no livro tudo o que se contém no título. É que num único instrumento se continham dois títulos jurídicos, no sentido causal, havendo, pois, o acórdão mandado efetivamente reproduzir no livro tudo quanto se continha no título.

Concluindo, o arrendamento mercantil somente poderá ingressar no Registro de Imóveis quando sobrevier uma lei que, à semelhança do Código Civil atual no tocante à locação com cláusula de vigência contra o adquirente (CC, art. 1.197; Lei 6.015/73, art. 167,I, n. 3), preveja, a respeito do arrendamento mercantil, a sua inscrição no Registro de Imóveis e assegure efetivamente ao vendedor-arrendatário a sua opção de compra do imóvel

Retirado de: http:www.direitobancario.com.br/doutrina_acessolivre/01mar_00_32.htm