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CONTRATO BANCÁRIO E O CONSUMIDOR


 
Raimundo Gomes de Barros*
Direta ou indiretamente, as atividades bancárias estão sempre envolvendo toda a sociedade, pouco importando o nível sócio-econômico em que se encontre este ou aquele indivíduo. Assim é que praticamente todas as pessoas estão vinculadas a instituições financeiras, via das quais, recebem seus salários ou proventos, pagam suas contas de diferentes matizes, movimentam o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, recebem rendimentos do PIS/PASEP, obtêm o financiamento da casa própria, conseguem crédito pessoal, cheques com limites garantidos, etc. É uma relação jurídica compulsória, pois que, na sociedade de consumo atual, seria mesmo impossível imaginar que alguém pudesse tocar a vida, sem algum tipo de dependência de um banco.

Por isto que o Código do Consumidor, (art.3º, § 2º) arrola a atividade bancária como componente da relação de consumo. De fato, os bancos prestam serviços aos consumidores quando recebem tributos e carnês mesmo de quem não é seu cliente, fornecem extratos, contratam aluguel de cofres, operacionalizam contas de poupança e cuidam de aplicações financeiras, de modo geral. Comercializam produtos quando concedem o crédito, pois que este é um produto imaterial, como tal definido no § 1º do art.3º do CDC.

Nas relações ocorrentes entre o banco e o consumidor, de regra, há um contrato de adesão, cujas cláusulas devem evitar o caráter da abusividade (art.51 do CDC). Inevitável que é o contrato adesivo, seu conteúdo tem que afeiçoar-se ao princípio da boa-fé, subsumindo-se ao comando do inciso III, do art.4º do CDC, para possibilitar a plena harmonia dos interesses dos bancos com as expectativas dos seus clientes, única forma de ser compatibilizada a proteção do consumidor com o desenvolvimento tecnológico.

Entrementes, não se tem notícia de que algum banco tenha refeito seus contratos, adequando-se ao art.46 do CDC, que exige seja dado prévio (e ostensivo) conhecimento ao consumidor do conteúdo das cláusulas pre-elaboradas. Assim também, como regrado no art.52 do mesmo diploma, caberia aos bancos, nos contratos de concessão de crédito ou de financiamento, informar previamente ao consumidor sobre a taxa efetiva de juros reais, (não apenas as nominais). Quer dizer: Em um empréstimo de R$100.000,00 com taxa nominal de juros de (11%) ao mês, o consumidor pagará dentro de 30 dias R$111.000,00. Ocorre que ao firmar tal contrato, os juros já foram descontados antecipadamente, pelo que o consumidor recebeu apenas R$89.000,00. Assim, os juros foram aplicados sobre R$89.000,00 e não sobre R$100.000,00, disso decorrendo que a taxa real efetiva de juros foi de 25%. A cláusula que assim dispõe é nula, por incompatível com o elenco exemplificativo do art.51 do Código. Há clara ofensa ao princípio da boa-fé, ausência total de transparência, embora os bancos estejam obrigados a assegurar informações (prévias) corretas, claras, precisas e ostensivas (arts.31 e 52, c.c. § 2º do art.3º CDC).

Desenganadamente, pois, as cláusulas leoninas (que desequilibram a relação contratual) são presentes em inúmeros contratos de financiamento, dentre elas destacando-se, exemplificativamente, a que elege foro longínquo da residência do consumidor, nos instrumentos de bens de consumo, especialmente veículos, sob a forma de alienação fiduciária em garantia. A finalidade, neste caso, é uma só: impedir que o consumidor possa exercer o seu direito de defesa nas ações de busca e apreensão do bem. Neste passo, traz-se à colação o trecho de uma palestra proferida em março de 1994, no Congresso Nacional de Direito do Consumidor, realizado no auditório do Banco Central em Brasília, pelo Doutor Paulo Salvador Frontini, à época Diretor de um grande banco, reportando-se às cláusulas abusivas nos contratos bancários: "...elas existem nos contratos financeiros, e quantas. Pegando aqui o art.51 do Código é difícil achar um inciso em que a gente não consiga enquadrar os bancos, inclusive aquele em que eu trabalho, onde não tenho prestígio suficiente para convencê-los de que é preciso modificar isto. Porque o raciocínio não é fundamentalmente jurídico na empresa, o raciocínio é empresarial, grande parte um raciocínio atuarial. Vamos calcular percentualmente quantos vão criar caso, quantos consumidores dentre, por exemplo um banco como..., ele tem três milhões de correntistas, pessoas físicas, sem falar nas pessoas jurídicas. É gente que não acaba mais, de três milhões e quantos irão à fila do Procon. Uma fila com três milhões não existe...se for montar um Procon para atender três milhões de pessoas. Então o cálculo é atuarial, o raciocínio empresarial é este. Ora, não há dúvida. Obrigações consideradas iníquas, abusivas, que colocam o consumidor em desvantagem exagerada, isto existe freqüentemente" (in Código de Defesa do Consumidor - Questões Controvertidas, de Cláudio Bonatto e Paulo Valério Dol Pai Moraes, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1998, ps.50/51).

Por óbvio, o controle de qualidade, inclusive no atendimento ao cliente, não se ajusta a uma visão assim posta. A rigor, isso é chamado "pulo do gato" e não é razoável supor que os contratos bancários no Brasil continuarão submetidos ao império das cláusulas "surpresas", como, exemplificativamente, aquelas que a propósito de adotar o anatocismo (juros sobre juros) pontificam que "os juros incidirão repactuados no fator "k", quando seria mais correto explicitar que "o valor do contrato será repactuado mensalmente, com incidência de juros sobre juros, observada a taxa de tanto por cento ao mês.

De toda sorte e, conclusivamente, com o processo de globalização em plena efervescência, também os bancos terão que enfrentar o seu "momento de verdade". A competitividade exige controle de qualidade de produtos e serviços. Compreensível, pois, que os bancos de países do primeiro mundo, a cada dia apoderando-se de fatias do mercado brasileiro, mostrem-se mais atraentes pela atenção que dispensam aos consumidores, pondo à disposição destes todo um arsenal de informações, inclusive quanto aos contratos. Ocorrerá um inevitável abalo na conduta desse seguimento empresarial, quando então, a prática de cláusulas abusivas, na forma como acima demonstrada, deverá ser substituída pelo princípio da transparência. Melhor dizendo: deverá ocorrer inevitável amadurecimento, com profissionalismo solidário e competitivo. Para os que insistirem em ignorar as normas de relações de consumo, com jogo aberto e conduta adequada, só restarão as brigas de cartéis, interagindo com o mercado sem o mínimo de racionalidade, desaguando na eventual mudança de negócio ou mesmo ficando acuados em posição de confronto contra os consumidores, em evidente atitude suicida para qualquer atividade empresarial.

Retirado de: www.infojus.com.br