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EXECUÇÃO - CONTRATO DE ABERTURA DE
CRÉDITO COMO TÍTULO EXECUTIVO

 
(Publicada na RJ nº 236 - JUN/97, pág. 132)

Humberto Theodoro Júnior - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO I - PARECER EXECUÇÃO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO COMO TÍTULO EXECUTIVO

Desembargador aposentado do TJMG

Prof. da Faculdade de Direito da UFMG

Doutor em Direito. Advogado

Sumário: I - A tutela dos direitos e a execução forçada; II - Requisitos do processo de execução; III - A ampliação das vias de acesso à execução forçada; IV - O contrato bancário de abertura de crédito; V - A força executiva das aberturas de crédito; VI - A jurisprudência liderada pelo STF sobre o contrato de abertura de crédito; VII - Os novos rumos dos títulos de crédito na versátil economia contemporânea; VIII - Conclusão.

CONSULTA

Para efeito de obter meu parecer, a FEBRABAN, por meio do seu ilustre coordenador operacional, Dr. EDMAR HISPAGNOL, narra o dissídio jurisprudencial que se esboça, no momento, entre a 3ª e 4ª Turmas do STJ, a propósito da exeqüibilidade do contrato bancário de abertura de crédito.

Lembra que, antes da CF de 1988, o STF, no exercício da competência que então lhe cabia, relativamente à interpretação da lei federal, havia firmado a exegese de que o contrato de abertura de crédito, configurava título executivo extrajudicial, desde que observados os requisitos formais aludidos no art. 585, II, do CPC, e uma vez acompanhado de extrato de conta para demonstrar a formação do respectivo saldo devedor.

Com a passagem da referida competência para o STJ, não houve, de início, maiores conseqüências, pois a nova Corte Judicial continuou a decidir no mesmo rumo antes traçado pelo STF.

Recentemente, todavia, a 3ª Turma do STJ, mudou de orientação e, inicialmente por maioria e depois por unanimidade, passou a decidir que o contrato de abertura de crédito não poderia ser havido como título executivo porque nele não se encontra a obrigação de pagar determinada quantia de dinheiro. E não caberia completá-lo pelo extrato de conta porque este seria documento unilateral do credor (REsp. 36.981-8-MG, DJU 23.05.94; REsp. 29.597-3-RS, DJU 13.09.93).

Diante desse quadro novo estabelecido na última instância recursal em matéria infraconstitucional, indaga-me a consulente sobre a possibilidade de defender-se, ou não, o entendimento tradicional, consagrado pela Suprema Corte ainda sustentado pela 4ª Turma do atual STJ. (REsp. 66.181-1-PR, DJU 14.08.95; REsp. 46.251-7-DF, DJU 19.12.94; REsp. 36.803-0-SP, DJU 11.10.93).

I - A TUTELA DOS DIREITOS E A EXECUÇÃO FORÇADA

O Estado moderno, assumindo o monopólio da Justiça, através do exercício soberano da jurisdição, deu o maior passo que a história registra no sentido da manutenção da paz social e do império da ordem jurídica.

Dentro, porém, da atividade jurisdicional o ponto alto da missão pacificadora do Estado encontra-se na execução forçada, pois é através dela que a vontade da lei encontra incidência prática e efetiva no relacionamento social.

Pode-se, nessa ordem de idéias, traçar um perfil da evolução político-social dos povos por meio do exame dos seus métodos de tutelar os direitos através da execução. Fraco e individualista, o Estado primitivo não tinha sequer autoridade moral e poder suficiente para impor os julgados de seus juízes. Incumbia, então, ao próprio titular do direito, reconhecido na sentença, a tarefa de torná-lo efetivo, perante o vencido, usando para tanto suas próprias forças.

O segundo estágio, na evolução da atividade executiva, é aquele em que o Estado incluiu na função jurisdicional o encargo de também pôr em prática o comando contido nas sentenças de seus magistrados. Operou-se a jurisdicionalização da execução forçada, embora ainda limitada apenas aos casos já soberanamente apreciados e julgados pelos tribunais.

O estágio mais avançado teve princípio quando as necessidades do comércio e do inter-relacionamento jurídico exigiram que a atividade executiva fosse facilitada aos titulares de direito de crédito, mesmo sem a prévia sentença judicial, levando em conta a idoneidade do documento de que dispunham para demonstrar a existência do crédito contra o inadimplente.

A execução forçada com base em documentos outros, públicos ou particulares, que não a sentença condenatória, abriu à humanidade novos horizontes para o incremento da economia e para valorização do processo judicial como instrumento cada vez mais eficiente para a missão pacificadora que lhe fora confiada.

Os anseios da humanidade, no entanto, não ficaram saciados com a instituição de um pequeno número de documentos que se equiparavam à sentença para o fim de propiciar ingresso à execução forçada. Há alguns séculos que a tônica do comércio e da ciência jurídica, nesse tema, tem sido a de ampliar o elenco dos títulos executivos extrajudiciais e de facilitar aos credores, no máximo possível, o acesso a tais títulos e, conseqüentemente, à tutela jurisdicional executiva.

Chegou-se, assim, ao consenso de que um sistema processual seria tão mais perfeito e satisfatório quanto mais eficiente se mostrasse sua capacidade de colocar em pronta atuação a tutela jurisdicional necessária para garantir a realização concreta dos direitos creditórios não satisfeitos voluntariamente pelos devedores.

Em outras palavras: fixou-se o índice de eficiência do sistema processual de um povo, precipuamente, no fator de maior ou menor versatilidade do seu processo de execução para a tutela dos direitos de crédito.

Daí a justa e lúcida observação doutrinária de que "a força da lei, e como ela a autoridade do Estado, está em jogo no processo de execução tanto ou mais que no processo de cognição" (Relación del guardasellos al código de procedimiento civil, nº 31, apud MICHELI, Derecho procesal civil, ed. 1970, vol. III, p. 383), já que de nada valeria aperfeiçoar o mecanismo do processo cognitivo, se depois o processo executivo não propiciasse instrumentos igualmente ágeis e enérgicos para garantir a observência prática da lei.

É, de tal sorte - como observa MICHELI -, no processo de execução que se obtém a vitalidade do princípio de legalidade em que se baseia o estado moderno, porque a pronta e segura realização do direito do credor, por meio da força de cocação da execução forçada "constitui a melhor confirmação da autoridade da lei, e, portanto, da garantia que a própria lei assegura aos direitos dos cidadãos" (MICHELI, ob. cit., III, p. 384).

Aliás, na maioria das vezes, as pessoas que têm de usar o processo como meio de defesa ou realização de direito subjetivo, quase nunca o fazem em busca de uma sentença apenas. O que move o comum dos homens a procurar a Justiça é, realmente, o desejo de obter uma tutela que seja efetiva na realização da prestação material devida pelo inadimplente ou na restauração do bem da vida agredido pelo demandado ou na recuperação daquilo que lhe foi indevidamente subtraído. Todos estes desígnios somente se concretizam quando a atividade jurisdicional entra no plano da concretude, pondo em ação as medidas de alteração compulsória do mundo fático para adequá-lo ao direito subjetivo reconhecido à parte. E isto é a meta específica do processo de execução, de sorte que, na maioria das vezes, a tutela jurisdicional prometida pelo Estado, como garantia constitucional, somente se realizará quando a execução forçada se ultimar. Daí a relevância notória e irrecusável desse tipo de função jurisdicional, no Estado Democrático de Direito.

II - REQUISITOS DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

A valorização do processo executivo, como meio de incrementar o intercâmbio econômico e assegurar maior liquidez aos títulos de crédito, não pode, é claro, ser feita sem atentar para o fato de que o direito se preocupa, também, em evitar execuções injustas e em fornecer meios ao devedor de evitá-las ou repeli-las.

Do equilíbrio entre a tutela ao credor e o direito de defesa do devedor, surge a fixação de certos requisitos sem os quais a ordem jurídica moderna não tolera o manejo da coação estatal executiva.

Com esse objetivo, o sistema processual de nossos dias condiciona o uso da execução forçada a dois pressupostos indispensáveis: I - o título executivo, judicial ou extrajudicial; II - o inadimplemento do devedor.

O primeiro, também chamado requisito formal, atesta documentalmente a certeza e liquidez da dívida, de par com a legitimidade ativa e passiva para a ação. O segundo, chamado requisito substancial, evidencia a exigibilidade da dívida.

Não se concebe, modernamente, execução que não seja baseada em título executivo (art. 583 do CPC), de sorte que nulla executio sine titulo.

Mas, o título executivo não é apenas o documento que contenha a denominação e alguns requisitos formais estabelecidos em lei. Só tem o poder de autorizar a execução forçada quando seja título certo, líquido e exigível (art. 586 do CPC).

É que, eliminada a antiga ação executiva do Código de 1939, onde se mesclavam atividades de declaração e realização de direitos, não há mais lugar para acertamento dos direitos ou pretensões das partes no bojo do processo de execução. Desse modo, "a tutela executiva do direito de crédito pressupõe a certeza do direito mesmo, cuja realização coativa constitui o objeto do processo executivo". (MICHELI, ob. cit., III, pág. 385).

Estabelece-se, assim, a nítida distinção entre o processo de cognição - como meio de compor as lides de pretensão contestada, através da definição da vontade concreta da lei - e o processo de execução, como meio de compor as lides de pretensão apenas insatisfeita, através da realização da vontade concreta da lei já previamente definida.

Daí ensinar FREDERICO MARQUES, com inteira procedência, que o "processo de conhecimento é processo de sentença, enquanto o processo executivo é processo de coação" (Manual de direito processual civil, 1ª ed., vol. IV, nº 738, pág. 11; LIEBMAN, Proceso de execução, 3ª ed., nº 18, pág. 37; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Processo de execução, 4ª ed., págs. 11/12).

Diante deste posicionamento "é fácil compreender que não se pode proceder à realização forçada de um crédito senão quando ele esteja provido dos três requisitos acima" (CALAMANDREI, El procedimiento monitório, ed. 1953, pág. 105), isto é, a via da execução forçada só se abre ao credor que se apresente munido "de uma declaração de certeza, provinda de ato de autoridade ou de contrato, da qual resulte (pelo menos, provisoriamente) fora de controvérsia, não só a existência e o valor do crédito, como também o direito do credor de obter sem dilação a satisfação respectiva" (CALAMANDREI, ob. cit., loc. cit.).

III - A AMPLIAÇÃO DAS VIAS DE ACESSO À EXECUÇÃO FORÇADA

Havendo consenso sobre ser a execução o meio de realizar a concreta tutela jurisdicional, nosso século tem-se caracterizado por uma permanente revisão do direito positivo em busca de rever as regras processuais pertinentes ao processo de execução. A preocupação do legislador tem sido empregá-lo na programação traçada para impregnar o processo civil do caráter de efetividade, de maneira cada vez mais adequada à consecução do objetivo máximo da jurisdição, que é o de proporcionar ao titular do direito subjetivo sua completa e real satisfação, em qualquer conjuntura litigiosa.

Não só as obrigações de cunho financeiro têm ocupado a atenção do legislador. Em 1937, o DL. 58, por exemplo, instituiu a adjudicação compulsória, como forma de execução específica para as obrigações de contratar, prestigiando com a força de efetividade uma obrigação de fazer da mais larga utilização social. No CPC de 1939, a execução de obrigações da espécie viria a ser generalizada de modo a tutelar não apenas o compromisso de compra e venda mas toda e qualquer promessa de declaração de vontade, regime que se ratificou e ampliou na sistemática do CPC de 1973 (arts. 639 a 641).

Sob outro ponto de vista, o novo e atual CPC fixou com largueza o conceito de título executivo judicial, fazendo com que, para efeito de sustentar a execução forçada, fossem equiparadas plenamente a sentença condenatória com a sentença criminal e a sentença homologatória da conciliação ou transação (CPC, art. 584).

Mais recentemente, o rol dos títulos executivos judiciais foi ampliado, mais uma vez, para abrigar também a homologação da transação, ainda que esta se refira a controvérsia ainda não deduzida como objeto de ação pendente (L. 8.953, de 13.12.94, que deu nova redação ao art. 584 do CPC).

Foi, contudo, no campo dos títulos executivos extrajudiciais que se deu, entre nós, nos últimos cinqüenta ou sessenta anos, a maior revolução no que diz respeito ao reforço e ampliação da execução forçada.

Primeiramente, o Código de 1973 eliminou a antiga distinção entre ação executiva (título extrajudicial) e ação executória (título judicial). No regime do Código anterior, a ação executiva não podia, na verdade, ser tratada como integrante do processo de execução, visto que o portador do título extrajudicial não conseguia realizar, de maneira efetiva, seu crédito, sem passar pelo acertamento de uma sentença condenatória. Apenas ocorria uma antecipação de penhora, mas os atos de expropriação e satisfação somente se davam depois que o procedimento de cognição transcorresse todos os seus trâmites e após transitar em julgado a sentença que julgasse procedente a ação e subsistente a penhora. Tinha-se, na realidade, um adiantamento de penhora dentro de um processo de cognição, que mais se assemelhava a uma providência cautelar.

Com o CPC de 1973, deu-se a completa equiparação, quanto à força executiva plena, entre os títulos judiciais e extrajudiciais. A execução forçada pura, sem qualquer mescla com o acertamento do processo de conhecimento, tornou-se a mesma para sentença e os títulos negociais que a lei a ela equiparou.

Cuidou, outrossim, o novo diploma processual de enumerar, com largueza, os títulos que julgava merecedores da força executiva, ao mesmo tempo que, fora de seu rol explícito, conservava como títulos da espécie todos aqueles a que a legislação anterior atribuia "força executiva" (CPC, art. 585, VII).

Já antes do CPC de 1973 era clara a tendência legislativa de ampliar sempre o elenco dos títulos executivos extrajudiciais.

Deve-se lembrar que ainda na década de 1930, houve grande incremento do crédito à agro-pecuária, e contratos tradicionais de abertura de crédito, com garantia pignoratícia passaram a ser utilizados em massa, principalmente pelos estabelecimentos governamentais de crédito, sempre com o expresso reconhecimento de sua força jurídica de títulos adequados para sustentar a antiga ação executiva (L. 492, de 30.08.37).

Depois de vinte anos de aplicação do penhor rural, a L. 3.523, de 27.08.57, facilitou grandemente a contratação e execução das operações de financiamento da produção agro-pastoril, criando títulos de crédito, para substituir o antigo contrato de abertura de crédito com garantia pignoratícia.

Enquanto isso, uma série considerável de leis criava, a todo instante, novos títulos executivos extrajudiciais, como a L. 4.591, de 16.12.74 (encargos de condomínio); L. 6.458, de 01.11.77 (duplicata sem aceite); o DL. 911, de 01.10.69 (contrato de alienação fiduciária); o DL. 73, de 21.11.66 (prêmio do contrato de seguro); a L. 6.206, de 07.05.75 (crédito dos órgãos controladores do exercício profissional); a L. 6.822, de 22.09.80 (multas impostas pelo TCU); a L. 4.215, de 27.04.63 (honorários de advogado); a L. 4.728, de 14.07.65) (contratos de câmbio e de adiantamentos aos exportadores) etc. etc.

O mais significativo, porém, para o enfoque visado pelo presente estudo se passou na área do financiamento bancário aos diversos segmentos da atividade econômica. Praticamente todos eles foram contemplados com modernos títulos de crédito, concebidos não como documentos de mútuo, mas de abertura de crédito, ora com garantia real, ora com garantia fidejussória, ora sem qualquer garantia, a não ser a própria responsabilidade pessoal do creditado. Foi assim que surgiram as cédulas de crédito rural (DL. 167, de 14.02.67), as cédulas de crédito industrial (DL. 413, de 09.01.69), a cédula de crédito à exportação e a nota de crédito à exportação (L. 6.313, de 16.12.75) e a cédula de crédito comercial e a nota de crédito comercial (L. 6.840, de 03.11.80).

IV - O CONTRATO BANCÁRIO DE ABERTURA DE CRÉDITO

Pelo contrato de mútuo, o banco (mutuante) empresta ao cliente (mutuário) certa soma de dinheiro (coisa fungível), ficando este "obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade" (CC, art. 1.256, Cód. Comercial, art. 247). Trata-se de contrato real, pois seu aperfeiçoamento não se dá pelo consenso apenas mas pela entrega da coisa fungível ao mutuário, que lhe adquire, pela tradição, o domínio, tornando-se devedor não da própria coisa e, sim, de seu equivalente (CC, art. 1.257) (PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, 2ª ed., RJ, Borsói, 1963, § 4.589, nº 5, pág. 26).

O contrato de abertura de crédito, diversamente do que se dá com o mútuo, realiza-se pelo puro consenso. O banco (creditador) nada entrega, de imediato, ao cliente (creditado). Põe à sua disposição "soma de dinheiro por determinado tempo ou por tempo indeterminado", mas sempre com a obrigação para o creditado de restituir soma equivalente, caso venha a utilizar o crédito que lhe foi concedido (PONTES DE MIRANDA, ob. cit., § 4.623, nº 1, pág. 169).

Obrigando-se a propiciar a soma convencionada ao creditado, o banco se torna, com a assinatura do contrato, obrigado a acolher a exigência do cliente da prestação prometida, ou seja, o crédito. Desde o momento da celebração do negócio, "o creditador, em vez de se fazer credor, faz-se devedor. O creditado, que nada prestou que correspondesse ao seu crédito, é credor (PONTES DE MIRANDA, ob. cit., loc. cit.).

Com a consumação do contrato, o creditado (credor) vincula-se a uma obrigação do creditador (devedor) que corresponde a um crédito que "é certo, líquido e exigível" (Idem, ibidem, pág. 170). Adquire, assim, o direito de efetuar as retiradas conforme o que for estabelecido no contrato e sempre vinculado "a restituir a soma que retire" (Idem, ibidem, nº 2, pág. 171).

O creditador, ao abrir o crédito, portanto, cria para o creditado "o direito de se fazer devedor", caso resolva utilizar a faculdade contratual de sacar "o crédito líquido, certo e exigível" posto à sua disposição (Idem, ob., cit., § 4.624, pág. 172). O uso do crédito, portanto, inverte a posição jurídica dos contratantes: o creditador torna-se credor e o creditado, devedor da soma contratual que, obviamente, continua líquida, certa e exigível, só que, agora, em sentido contrário (obrigação de repor).

O contrato é cumulativo: a prestação que incumbe ao creditador "é prestação de crédito"; e "se o creditado retira algo ou se retira tudo, tem de restituir". Não há qualquer tipo de álea: "O creditador conhece a pessoa a quem outorga a pretensão ao crédito e as circunstâncias em que o faz; o creditado sabe quem vai exigir. Ao creditado não se dá qualquer risco, nem ao creditador. Um deve, o outro pode retirar; se retira, tem de restituir. Até o momento de ter de restituir, é devedor o creditado, porque retirou, utilizando o crédito aberto. Antes de qualquer retirada, o devedor só é o creditador" (PONTES DE MIRANDA, ob. cit., § 4.624, nº 7, pág. 178).

O crédito a ser exigido pelo creditador, em face do creditado, não se irradia diretamente do contrato, mas de sua execução, ou mais propriamente do adimplemento da obrigação contraída no contrato junto ao creditado: "Não é da relação jurídica de abertura de crédito que o débito do creditado se irradia; e sim do fato de ter utilizado o crédito" (PONTES DE MIRANDA, ob. cit., § 4.624, nº 7, pág. 178). "O dever de restituição apenas advém de ter sido utilizado o crédito" (Idem, nº 9, pág. 181).

Por ser possível divisar obrigação líquida, certa e exigível na relação advinda do uso do crédito aberto, a jurisprudência havia se consolidado no sentido de reconhecer ao contrato em questão a natureza de título executivo extrajudicial, desde que observadas as demais exigências formais do art. 585, II, do CPC (assinatura de duas testemunhas), além da exibição do extrato de conta para demonstrar a utilização do crédito pelo creditado.

Essa corrente jurisprudencial logrou o prestígio de adesão do STF, ao tempo em que lhe competia uniformizar a exegese das leis federais infraconstitucionais: "O saldo constante de extrato de movimentação de abertura de crédito em conta corrente, devidamente formalizado o instrumento contratual e ciente o creditado dos registros contábeis, é representativo de dívida líquida e certa para legitimar a execução por título extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do CPC" (RE 91.769-1, Rel. Min. RAFAEL MAYER, ac. 24.11.81, 1ª T., RTJ 101/260). No mesmo sentido: 1º TACivSP (Inc. de Uniform. de Jurisp. nos EI 283.540, RT 570/103; Ap. 312.972, ac. 23.11.83, RT 590/153; Ap. 510.521-7, ac. 09.12.93, RT 704/125); TJMS (Ap. 23/79, ac. 16.04.79, RT 532/211); TAPR (Ap. 41.430-4, ac. 07.08.91, RT 676/167; Ap. 340/89, ac. 28.03.89, RT 625/151); TAMG (Ap. 35.580, ac. 17.11.87, DJMG, 21.04.89; ap. 123.982-7, ac. 05.08.92, DJMG, 06.02.93, p. 07; Ap. 125.157-2, ac. 22.04.92, DJMG 17.10.92, p. 5).

Dentro dessa tradição, o STJ também vinha decidindo que o contrato de abertura de crédito exigia o acompanhamento do extrado de conta para ser havido como título executivo extrajudicial (4ª T., REsp. 9.784, ac. 16.06.92, RT, 692/165; REsp. 9.786-0-RJ, ac. 16.03.93, DJU, 30.08.93, p. 17.294; REsp. 9.786-0-RJ, ac. 16.03.93, DJU, 30.08.93, p. 17.294; REsp. 38.125-8-RS, ac. 11.10.93, DJU, 29.11.93, p. 25.890, etc.).

No entanto, mais recentemente, a 3ª Turma entendeu que o contrato de abertura de crédito apenas ensejaria a utilização de determinada quantia, não consubstanciando, por isso, a "obrigação de pagar quantia determinada", o que afastaria a correspondência com o modelo previsto no art. 585, II, do CPC". Decidiu, mais, que os extrato de conta não se prestariam a completar o título, por serem "documentos unilaterais, não sendo dado às instituições de crédito "criar seus próprios títulos executivos, prerrogativa própria da Fazenda Pública" (REsp. 29.597-3-RS, ac. de 10.08.93, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO; DJU, 13.09.93. No mesmo sentido: REsp. 30.445-7-GO, ac. 02.03.93, DJU, 05.04.93, p. 5.837).

Teria havido uma evolução ou uma involução jurisprudencial?

Creio que a 3ª Turma, data maxima venia, não se posicionou em harmonia com o rumo da evolução nitidamente observável não só na jurisprudência como na própria legislação brasileira dos últimos cinqüenta anos. É o que demonstraremos no tópico seguinte.

V - A FORÇA EXECUTIVA DAS ABERTURAS DE CRÉDITO

A partir do final da década de 30, quando o Governo resolveu incrementar o financiamento da produção agro-pecuária do País, o contrato de abertura de crédito com garantia de penhor rural foi o grande instrumento jurídico utilizado para implemento da política creditícia oficial. Esses contratos, amparados na L. 492, de 30.08.37, sempre gozaram da força executiva, muito embora não fossem instrumento de mútuo, e sim de abertura de crédito. As execuções, desde então, se baseavam no conjunto do contrato de abertura de crédito e na conta gráfica da utilização do numerário posto à disposição do creditado. Essa prática foi intensivamente observada pelas Carteiras de Crédito Agrícola do Banco do Brasil e de outros estabelecimentos de crédito engajados no sistema de assistência creditícia aos produtores rurais, durante duas décadas, sem que ninguém pusesse em dúvida a força executiva dos contratos utilizados.

A liquidez e exeqüibilidade era tão evidente, que o exemplo do crédito rural foi logo transplantado para o financiamento da indústria, tendo sido criados vários tipos de penhor industrial para garantir contratos de abertura de crédito similares aos que primeiramente se conceberam para a atividade campesina (DL. 1.271/39; 2.064/40; 3.169/41; 4.191/42; 4.312/42; L. 2.931/56; e 3.408/58).

Quando o volume dos financiamentos rurais e industriais atingiu uma dimensão que se embaraçava na complexidade dos contratos tradicionais, o legislador procurou criar títulos de crédito que os substituíssem e que se revestissem dos atributos da cartularidade própria das cambiais, os quais, porém, não deveriam afastar a essência da operação de financiamento, que se situava no mecanismo da abertura de crédito.

Depois de uma curta experiência com as cédulas da L. 3.253, de 27.08.57, o crédito rural passou a basear-se, fundamentalmente, na cédulas de crédito rural instituídas pelo DL. 167, de 14.02.67, ainda hoje em vigor.

Pouco tempo depois, a experiência seria transplantada para o financiamento da indústria, criando-se a cédula de crédito industrial, à imagem e semelhança da cédula de crédito rural (DL. 413, de 09.01.69, também vigente nos dias atuais).

Mais tarde, a mesmíssima concepção de título de crédito viria a ser adotada pelas Leis 6.313, de 16.12.75, e 6.840, de 03.11.80, na criação de títulos especiais para as operações de financiamento à exportação e ao comércio. Surgiram, assim, nos mesmos padrões da cédula de crédito rural, a cédula de crédito à exportação e a cédula de crédito comercial.

Hão de ser destacados em todos esses títulos de crédito alguns elementos essenciais comuns a todos eles, a saber:

a) todos são definidos como títulos líquidos e certos (DL. 167, art. 10; DL. 413, art. 10; L. 6.313, art. 1º; L. 6.840, art. 5º);

b) todos são articulados com a estrutura de abertura de crédito, ou seja, são instrumentos que permitem "financiamento para utilização parcelada", devendo o financiador abrir "conta vinculada à operação, que o financiado movimenta por meio de cheques, saques, recibos, ordens, cartas ou quaisquer outros documentos, na forma e tempo previstos na cédula ou no orçamento" (DL. 167, art. 4º, DL. 413, art. 4º; L. 6.313, art. 3º; L. 6.840, art. 5º);

c) todos são exigíveis pelo saldo da conta, que compreende os levantamentos feitos, menos os pagamentos parciais e mais "juros, comissão de fiscalização, se houver, e demais despesas que o credor fizer para segurança, regularidade e realização de seu direito creditório" (DL. 167, art. 10 e § 1º; DL. 413, art. 10 e § 1º; L. 6.313, art. 3º; L. 6.840, art. 5º); as cédulas industriais, comerciais e de exportação admitem que a abertura de crédito seja fixa ou em conta-corrente, pois permitem que convencione a reutilização do crédito após amortizações, dentro do prazo de vigência do contrato (DL. 413, art. 47; L. 6.313, art. 3º; L. 6.840, art. 5º);

d) todos podem ser emitidos com ou sem garantia real (DL. 167, arts. 14, 20, 25 e 27; DL. 413, arts. 15 e 19);

e) a todos são aplicáveis as normas do direito cambial, inclusive quanto ao aval (DL. 167, art. 60, DL. 413, art. 52; L. 6.313, art. 3º; L. 6.840, art. 5º);

f) a todos é atribuída a força de título executivo extrajudicial (DL. 167, art. 41, DL. 413, art. 41; L. 6.313, art. 3º; L. 6.840, art. 5º).

O fato de as cédulas em análise abrigarem a estrutura de abertura de crédito não representou, nem para a lei, nem para a doutrina, embaraço algum a que se lhes atribuísse a qualidade de título de crédito e de título executivo.

Embora a dívida do financiado não se constitua pela assinatura ou emissão da cédula, mas pela posterior utilização do crédito aberto, a lei considera que a cédula já é "promessa de pagamento" (DL. 167, art. 9º; DL. 413, art. 9º) e que, após a utilização do crédito, configura, para o financiador, "título líquido, certo e exigível" (DL. 167, art. 10, DL. 413, art. 10).

A utilização do crédito aberto, portanto, é o negócio subjacente que justifica o título de crédito, existente em qualquer das cédulas em exame, título que, sem embargo de suas peculiaridades, apresenta "as características e prerrogativas das cambiais, ou seja, literalidade, autonomia e capacidade de serem transferidos mediante endosso" (ALBERICO TEIXEIRA DOS ANJOS, Títulos de crédito industrial, RF, 266/438).

São as cédulas - segundo THEÓFILO DE AZEREDO SANTOS - títulos de crédito "específicos, líquidos e certos, semi-formais, confessórios, causais e incorporantes de obrigações, com ou sem garantia cedularmente constituída". Por isso, "podem ser avalizadas e transferidas pelo endosso, aplicando-se-lhes, no que for cabível, as normas da legislação cambial" (Manual dos títulos de crédito, 3ª ed., RJ, Pallas S.A., 1975, p. 320).

A cédula rural, para FRAN MARTINS, "é um título que, procurando financiar atividades rurais, se vale de princípios dos títulos de crédito em geral (princípios que atuam no campo do direito comercial), possuindo, contudo, outras características que dão a esses documentos uma configuração própria" (Títulos de Crédito, 7ª ed., RJ, Forense, 1994, v. II, nº 159, p. 253).

Uma vez que a obrigação do financiado será cobrável pelo saldo do crédito utilizado, acrescido de juros e despesas, FRAN MARTINS observa que uma das peculiaridades da cédula reside em que:

"o título poderá ser exigível não pela importância no mesmo mencionada, mas por importância diversa, não prevalecendo, portanto, o princípio da literalidade, característico dos títulos de crédito em geral" (ob. cit., nº 159, p. 254).

Tanto no financiamento rural como no industrial, a cédula importa no ajuste segundo o qual "o financiador abrirá um crédito em favor do financiado, o que é feito através de uma conta vinculada à operação, que o financiado movimentará por meio de cheques, saques, recibos, ordens, cartas, ou quaisquer outros documentos, na forma e no tempo previstos" (FRAN MARTINS, ob. cit., nº 170, p. 276). Mesmo assim, a lei considera que o emitente da cédula de crédito, pelo simples fato de tê-la subscrito já está contraindo com o agente financiador uma "promessa de pagamento em dinheiro" (Idem, nº 171, p. 277).

O fato de se tratar de negócio de abertura de crédito, fixo ou em conta-corrente, não desnatura o título executivo, justamente porque há uma conta vinculada ao negócio jurídico de financiamento onde se encontrará o montante líquido e certo do crédito utilizado pelo financiado. Nesse sentido, é a lição de THEÓFILO AZEREDO DOS SANTOS e ANTÔNIO FERREIRA ÁLVARES DA SILVA, verbis: "Embora sejam as Cédulas de Crédito Rural títulos civis líquidos e certos, a determinação de seu valor depende de prévia apuração, porque a utilização do crédito poderá ser feita parceladamente e a elas poderão ser acrescidos juros, comissão de fiscalização e outras despesas indispensáveis à segurança, regularidade e realização do direito creditório; além disso, admitem as cédulas a convenção de amortizações periódicas, cuja importância deverá ser abatida do valor do título" (AZEREDO SANTOS, ob. cit., p. 320).

Em suma: a lei consagra, de maneira claríssima, a convivência plena entre o negócio jurídico de abertura de crédito e os mais modernos e numerosos títulos de crédito, atribuindo à simbiose entre os dois institutos a categoria de título executivo extrajudicial complexo, graças à reunião das cédulas ("promessa de pagamento") com a conta gráfica (forma de revelar o "crédito utilizado" e o "montante a restituir").

Se o legislador não encontra obstáculo algum para definir as cédulas de financiamento da agricultura, indústria, comércio e exportação como títulos executivos, no quadro que se acaba de retratar, à evidência não se pode recusar aos usuais contratos de abertura de crédito, tão largamente difundidos no comércio bancário, a mesma natureza jurídica. A estrutura jurídica deles é idêntica à dos negócios de financiamento por via das aludidas cédulas, ou seja: um instrumento inicial abre o crédito, fixando seu valor, determinando a forma de utilização e o prazo de pagamento, tudo vinculado a uma conta gráfica, escriturada na contabilidade do agente financiador, onde se determina o saldo devedor do financiado, representativo de sua dívida líquida, certa e exigível no devido tempo.

A objeção de que o extrato da conta-corrente contratual seria documento unilateral e, assim, não poderia dar liquidez ao título do creditador, é, data venia, equivocada. A conta-corrente é uma parte essencial do negócio da abertura de crédito. Não é um ato de vontade unilateral do creditador. É um mecanismo previsto pelo contrato e, portanto, fruto do acordo bilateral que criou a própria abertura de crédito.

O creditador não lança o que quer na conta-corrente, mas apenas o que o contrato o autorizar a lançar. O que cria a obrigação de restituir para o creditado não é o extrato, é o contrato, cujo objeto previa a utilização de certa soma com a obrigação de restituí-la, na forma e tempo bilateralmente ajustados. O crédito, que era líquido e certo na abertura, transforma-se em débito também líquido e certo, após a utilização feita pelo creditado. Tudo remonta ao contrato e nele encontra justificativa para a certeza da relação obrigacional e para a liquidez da quantia a ser restituída.

Não é o contrato de abertura de crédito o único que se integra por atos e documentos posteriores ao originário instrumento do acordo de vontades. Assim, por exemplo, a duplicata sem aceite torna-se título executivo (líquido e certo) quando o sacador comprova ter entregue a mercadoria no local de destino, sem que a lei exija que o sacado sequer tenha assinado o recibo respectivo (L. 5.474, de 18.07.68, art. 15, II). O contrato de compra e venda, que tem como elementos essenciais a coisa, o preço e o consenso, não perde sua eficácia, nem tem diminuída sua força jurídica de obrigar o comprador a pagar o preço a que tem direito o vendedor, quando o negócio contenha a previsão de que o respectivo quantum será arbitrado por terceiro (CC, art. 1.123) ou quando será determinado pela taxa do mercado ou da bolsa (CC, art. 1.124).

Nestes e em muitos outros casos similares, o ato de terceiro que determina o aperfeiçoamento da obrigação, embora não contenha em si uma nova declaração bilateral de vontade, já se acha, desde a origem vinculado ao contrato e sofre todo o impacto de certeza e liquidez que o negócio bilateral previu.

Portanto, uma vez que o contrato de abertura de crédito tenha instituído a respectiva conta de movimento e tenha estabelecido o que nela poderá ser lançado, definida estará a liquidez do respectivo saldo, não pelos lançamentos em si, mas pela previsão bilateral ou negocial que os autorizou, de maneira certa e incontroversa, ao mesmo tempo em que se definia a obrigação de repor ao creditado as verbas lançadas com os acessórios ajustados.

Diante das previsões contratuais, os lançamentos da conta gráfica não passam de demonstrativo das operações aritméticas capazes de revelar o saldo devedor oriundo do contrato. E como já decidiu o STJ, acerca de cédula rural, "a dívida não deixa de ser líquida, se precisa, para saber em quanto importa, de simples operação aritmética" (STJ - 4ª T., REsp. 15.346, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, ac. 11.02.92).

As contas gráficas, por espelharem as retiradas e lançamentos previstos na cédula rural, fonte da abertura de crédito, não dependem, para sustentar a execução, de perícia ou outras provas que justifiquem o débito do financiado. Justamente porque tal conta é parte integrante do negócio jurídico bilateral ajustado entre creditador e creditado. É certo que o devedor não está impedido de impugnar a conta ou algum lançamento nela efetuado de forma indevida ou exorbitante. Não pode, todavia, simplesmente recusar a aceitar a conta do credor.

"Não concordando a parte executada com os valores lançados no "demonstrativo contábil" que instrui a execução, cumpre-lhe, com base no que foi pactuado e na legislação que considere aplicável, impugná-los e indicar o quantum que entenda devido" (STJ - 4ª T., REsp. 46.251-7-DF, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, ac. 25.10.94, DJU, 19.12.94, p. 35.321).

Justamente porque a conta gráfica do financiamento já tem a função de revelar o quantum da dívida do creditado, é que o STJ considerou, no aresto supra, ser descabido o requerimento do executado de "requerer perícia que encerre pretensão de remessa dos autos ao contador judicial para que esse, segundo sua interpretação do contrato e das normas legais que repute pertinentes, elabore conta que se preste ao cotejo com a elaborada pela parte exeqüente".

Nessa mesma linha de entendimento, decidiu o TAMG que a possibilidade de o financiado impugnar o quantum cobrado pelo financiador não impede o ajuizamento da execução porque "não retira a liquidez e a certeza do débito objeto da execução, desde que não seja ilíqüida a dívida principal constante do título, o fato de encontrar-se representado pelo demonstrativo de saldo devedor, elaborado unilateralmente pelo credor e nos termos do art. 4º do DL. 167, de 14.02.67" (TAMG, Ap. 29.191, Relª Juíza BRANCA RENNÓ, ac. 22.11.85, DJMG, 01.11.86).

Embora represente uma abertura de crédito e não um mútuo previamente consumado, a jurisprudência do STF sempre proclamou que: "a cédula de crédito industrial não é título abstrato, mas promessa de pagamento com garantia real, constituída contratualmente" (RE 104.920-SP, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, ac. 15.04.86, RTJ, 118/270).

Em interessante julgado, onde o devedor punha sob discussão o quantum da execução, mas não o financiamento que se lhe concedera sob abertura de crédito cedular, o TJSC fez as seguintes e oportunas observações: "Em execução da cédula industrial, os acessórios juntamente com o principal constituem a dívida líquida e certa, nos termos do art. 10 do DL. 413, de 1969 e do DL. 911, de 1969. De regra, quem exibe o título, é credor do valor nele constante. Essa presunção decorre da própria natureza do título... Se o devedor vier a alegar que emitiu o título mas não recebeu o dinheiro do empréstimo, aí sim será admissível a produção de provas. Não havendo negativa do débito, o título vale por si só" (TJSC, Ap. 27.819, Rel. Des. NORBERTO UNGARETTI, ac. 03.05.88, COAD/1988, nº 41.805).

VI - A JURISPRUDÊNCIA LIDERADA PELO S.T.F. SOBRE O CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO

Tomando como paradigma a legislação pertinente aos financiamentos das atividades produtivas, é de admitir-se como válida e freqüente a dinâmica negocial, estabelecida em contrato para instituir um mecanismo de criação e aperfeiçoamento do título executivo por etapas sucessivas, provocando o surgimento de um título complexo, visto que à declaração principal e originária de vontade seguem-se etapas outras adrede programadas que aperfeiçoam a definição e exigibilidade da dívida final, antes que sua execução venha a ser proposta em juízo.

Como já se demonstrou, esse tipo de formação ou integração progressiva e complexa do título executivo extrajudicial nada tem de inusitado ou de inadmissível. Muito pelo contrário: por expressa autorização do direito positivo, a grande e esmagadora maioria dos títulos executivos utilizados nos financiamentos da agro-pecuária da indústria e do comércio observa exatamente esse mecanismo, seja por meio dos tradicionais contratos de abertura de crédito, seja por via das modernas cédulas rurais, industriais, comerciais ou de exportação.

Nenhum financiamento, dos milhares que se fazem diuturnamente na rede bancária, tem de imediato a configuração do débito do produtor. Ao longo da execução do financiamento é que os levantamentos se fazem, de sorte que ao financiador toca comprovar, quando da eventual execução da dívida, não só a existência do contrato, mas também dos levantamentos efetuados pelo devedor e ainda os lançamentos de acessórios e complementos realizados na conta-corrente do crédito aberto.

Por isso mesmo, vários são os julgados que, a propósito, assentam que "o contrato de abertura de crédito em conta corrente constitui título executivo extrajudicial, ocorrendo a certeza e liquidez do saldo da conta, constante de extrato de movimentação" (1º TACivSP, Ap. 312.972, ac. 23.11.83, RT, 590/153. No mesmo sentido: 1º TACivSP, Ap. 276.141, ac. 29.12.80, RT, 549/121; 1º TACivSP, Pleno, Un. Jur. 283.540, ac. 21.10.82, RT Inf. 321/322; p. 41, TAMG, Ap. 29.152, ac. 20.09.85, Julgados, 24-25/283; TARJ, Ap. 88.627, RT 527/228.

Submetido ao crivo da Suprema Corte, o tema mereceu o seguinte enfoque: "Execução por título extrajudicial (art. 585, II, do CPC). Contrato de abertura de crédito em conta corrente (cheque-ouro). Certeza e liquidez do saldo da conta.

O saldo devedor constante de extrato de movimentação de abertura de crédito em conta corrente, devidamente formalizado o instrumento contratual e ciente o creditado dos registros contábeis, é representativo de dívida líquida e certa para legitimar a execução por título extrajudicial, nos termos do art. 585, II, do CPC. RE conhecido e provido" (STF - 1ª T., RE 91.769-RJ, Rel. Min. RAFAEL MAYER, ac. unânime de 24.11.81, RTJ 101/260).

Para afirmar a natureza de título executivo extrajudicial, desfrutada pelo contrato bancário de abertura de crédito, o Pretório Excelso, seguiu a seguinte linha de argumentação: "Atendida à parte formal de sua assinatura pelo devedor e subscrição por duas testemunhas, não se deve perder de vista o tipo de contrato que nele se estipula, contendo necessariamente uma relação continuativa na qual se sucedem operações de retirada ou depósito, sempre tendentes à resultância de um determinado saldo, o que é da essência do próprio contrato, revelador da posição jurídica do creditado, ou de ser credor de disponibilidade ou devedor do que tenha utilizado.

Ora, em um contrato de execução dinâmica, em que há um intercâmbio constante de registros contábeis, sem dúvida, o que resulta desses extratos, devidamente admitidos como expressivos do estado da conta pela própria cláusula contratual acima transcrita, é a certeza e liquidez de quantia residual, em determinado momento, apta a figurar como título executivo.

Assim, quer pela natureza do contrato cuja execução se cumpre em atos sucessivos e correlacionados, de onde resultará a existência de tais quantias, créditos ou débitos, quer pelo próprio desenvolvimento da conta corrente segundo os registros contábeis que lhe são inerentes, não há dúvida de que o saldo devedor, constante do extrato de conta remetido pelo creditador ao creditado, sem a mínima oposição deste, e na forma do contrato, está revestido da condição de certeza e liquidez necessárias à legitimidade do título executivo" (RTJ, 101/264-265).

Julgados recentes dos mais variados e mais importantes Tribunais do País aceitam a tese de que um contrato de abertura de crédito, que tenha de completar-se pelos atos posteriores de movimentação da conta pelo mutuário possa apresentar-se em juízo como título executivo judicial, desde que integrado pelos comprovantes da referida movimentação do crédito pelo mutuário.

O TJMG, por exemplo, decidiu, há pouco tempo, que: "O contrato de abertura de crédito celebrado entre o estabelecimento bancário e o correntista, com limite de garantia e saldo devedor apurado, pelos extratos, inferior a ela, constitui título executivo extrajudicial, previsto no art. 585, II, do CPC, pois dele consta a obrigação de pagar "quantia determinada", o que equivale à exigência de liquidez e certeza da obrigação" (TJMG, Ap. 17.951-5, Rel. Des. HUGO BENGTSSON, ac. 11.11.93, JM, 124/248. No mesmo sentido: 1º TACivSP, RT 624/100, 570/103; TARS, Julgados TARS, 85/277).

O 1º TACSP já incluiu, até mesmo, em Súmula o entendimento em questão, verbis: "O contrato de abertura de crédito, feito por estabelecimento bancário a correntista, assinado por duas testemunhas e acompanhado de extrato de conta-corrente respectiva, é título executivo extrajudicial" (Súm. 11).

Não é diverso o entendimento do TJMS, ou seja, se a execução se fundou em contrato de abertura de crédito subscrito pelo devedor e duas testemunhas, que, por sua vez, se fez acompanhar do extrato da conta corrente que demonstra o saldo devedor do mutuário, "a execução está, assim, perfeitamente embasada em título de dívida líquida e certa" (RT, 532/211).

Em três acórdãos recentíssimos, o TARS acaba de reiterar a mesma exegese:

"O contrato bancário de abertura de crédito, firmado por duas testemunhas, se acompanhado de extrato de movimentação da conta, mostra-se apto ao aparelhamento da execução" (AC 195082599, 6ª C.Civ., Rel. Juiz MARCELO BANDEIRA PEREIRA, ac. unânime de 08.08.95).

"O contrato de abertura de crédito em conta corrente, acompanhado de demonstrativo de todos os lançamentos feitos pelo banco, é título certo e líquido. No caso trata-se de título complexo, formado pelo contrato que lhe dá certeza e complementado pelo demonstrativo que lhe dá liquidez. O reconhecimento da executividade é maior, agora, após o advento da L. 8.953, que não mais exige que do documento particular conste obrigação de pagar quantia determinada" (TARS, AC 195082573, 3ª C.Civ., Rel. Juiz GASPAR MARQUES BATISTA, ac. unânime de 09.08.95).

"O contrato de abertura de crédito (conta especial), estando acompanhado dos respectivos extratos de movimentação da conta corrente, deve ser considerado como título executivo extrajudicial, a teor do art. 585, II, do CPC" (TARS, AC 195077680, 6ª C.Civ., Rel. Juiz MOACIR ADIERS, ac. unânime de 17.08.95).

Essa linha de posicionamento jurisprudencial que já contava com o prestígio da liderança do STF (RE 91.769, RTJ 101/260), manteve-se, após a CF de 1988, junto ao STJ, especialmente na sua 4ª Turma:

"O contrato de abertura de crédito rotativo, desde que acompanhado do respectivo extrato de movimentação da conta corrente e presentes os demais requisitos legais, impende ser considerado como título executivo extrajudicial" (STJ - 4ª T., REsp. 11.037-0-DF, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, ac. unân. de 12.05.92, DJU, 08.06.92, p. 8.620. No mesmo sentido: STJ - 4ª T., REsp. 36.803-0-SP, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, ac. unân. de 13.09.93, DJU, 11.10.93, p. 21.326).

Estranhamente, todavia, a 3ª Turma do mesmo Tribunal, dissentindo de decisões anteriores, decidiu, há pouco tempo, por maioria, que o contrato de abertura de crédito não seria título executivo porque:

a) não conteria a "obrigação de pagar quantia determinada"; e

b) os extratos da conta não poderiam completar o título por serem "documentos unilaterais" elaborados pelo credor (REsp. 29.597-3-RS, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, DJU, 13.09.93).

VII - OS NOVOS RUMOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO NA VERSÁTIL ECONOMIA CONTEMPORÂNEA

A agilidade de que se impregnou o comércio moderno fez com que o instituto do título de crédito, especialmente nas modalidades que a linguagem atual apelida de "valores mobiliários", procurasse novos padrões formais capazes de dar à documentação e circulação dos créditos líquidos e certos versatilidade e presteza compatíveis com a dinâmica da economia.

Assim é que, nos últimos tempos, títulos tradicionalmente cartulares, como as ações, as debêntures, as letras da dívida pública, e até os certificados de depósito bancário puderam liberar-se dos rigores da cártula e, sem perda de sua natural liquidez e certeza, assumiram a forma puramente escritural, conservando, não obstante, e quase sempre, a qualidade de título executivo extrajudicial.

Destaca a doutrina mais atualizada que o título de crédito em sentido lato (abrange também os "valores mobiliários" que os franceses colocam na categoria, de "título-valor") compreende "o documento no qual se acha corporificado direito que circula segundo regime próprio, distinto do regime de cessão civil de direitos" (ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA, A Lei das S.A., RJ, Renovar, 1992, p. 314).

A função caracterizadora do título de crédito reside na aptidão para criar um mecanismo que facilita a "circulação de direitos" e que assegura a sua realização em "condições de certeza e segurança jurídicas" (LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA, ob. cit., p. 315; ALBERTO ASQUINI, Corso di diritto Commerciale; Titoli di credito e in particolare cambiale e titoli bancari di pagamento, Padova, Cedam, 1966, p. 32; FREDERICO MARTORANO, verbete Titoli di credito-diritto privado, "Novissimo digesto Italiano", Torino, Utet, v. XIX, págs. 324/325; TULLIO ASCARELLI, Teoria geral dos títulos de crédito, 2ª ed., SP, Saraiva, 1969, p. 5/6).

O título de crédito, em sua história, apareceu no mundo jurídico comercial como o instrumento criado e aperfeiçoado para propiciar ao comércio um regime de circulação de direitos que fosse tão simples como o das coisas móveis, baseado na tradição, e que, dessa maneira, pudesse liberar-se das complicações da cessão civil de direitos.

Daí que o título de crédito, na sua forma clássica ou típica, assume a forma de "um documento autônomo e volante no qual são declarados ou descritos, mediante sinais gráficos, direitos que variam conforme a espécie do título. Esse documento (ou certificado) funciona como veículo do direito, segundo lei própria de circulação que varia com a forma do título. A posse do certificado legitima o exercício do direito nele declarado e a aquisição do direito é conseqüência da aquisição da propriedade do certificado" (LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA, ob. cit., p. 315/316).

"É graças" - prosseguem os referidos comercialistas - "a essa conexão entre a titularidade do direito e a propriedade do documento que o título de crédito permite a aplicação a direitos do regime de circulação das coisas móveis. Daí a expressão "incorporação do direito no documento", que representa (figurativamente) a ação de dar forma corpórea ao direito, em que consiste a criação do título de crédito: o direito descrito no título é destacado da relação jurídica de que se tenha originado (dita fundamental), passa a ser elemento de nova relação jurídica (dita cartular) nascida com a criação do título, e pode ser exercido por qualquer pessoa que se torne possuidor do documento segundo sua lei de circulação" (ob. cit., p. 316).

A letra de câmbio, na origem do direito cambiário, funcionou como o padrão do título de crédito. Mas, com a evolução das práticas comerciais, outros títulos foram concebidos, com as mesmas regras de segurança e circulação, sem que, contudo, apresentassem o mesmo grau de literalidade e abstração daquela cártula que deu origem à figura do título de crédito. Alguns continuaram transmissíveis por simples tradição (ao portador), outros assumiram a forma nominativa obrigatória e somente poderiam circular mediante endosso (como a nota promissória e a duplicata), alguns, ainda, dependiam de registros, não só de sua criação, como dos atos de cessão (como as ações, debêntures, cédulas de crédito rural, industrial e comercial).

A evolução maior da formalização do título de crédito se deu quando o direito passou a tratar como título da espécie, ou como "valor mobiliário" de ampla circulação no comércio, títulos não incorporados num documento avulso e volante, mas em assentos contábeis ou escriturais apenas, tudo sem prejuízo da segurança e circulabilidade do direito assim documentado.

Esse regime escritural que às vezes foi introduzido como facultativo (ações, debêntures, certificados de depósito), em alguns casos passou a ser o único e obrigatório ("Bônus do Tesouro Nacional - BTN" - L. 7.777/89, art. 5º, § 2º; "Letras Financeiras do Tesouro - LFT" - DL. 2.376/87, art. 5º, § 2º).

Embora não seja unânime a qualificação doutrinária destes títulos escriturais como títulos de crédito, pois alguns preferem catalogá-los à parte como "valores mobiliários", o certo é que se lhes reconhece mobilidade e certeza equivalente aos títulos cambiários, fazendo com que o credor, mesmo sem a cártula, possa agir fora das peias da cessão civil e sob regime de negociação tão segura e ágil como o dos tradicionais títulos de crédito.

Munido do extrato de conta o credor se sente plenamente assegurado quanto a seu crédito, já que nele tem a prova suficiente do registro escritural onde a existência e titularidade do direito encontram meio de propiciar ao investidor os atributos da certeza e liquidez. A conta de escrituração, aberta em nome do respectivo titular ou seu cessionário corresponde ao documento incorporador do direito como a cártula o faz em relação à cambial comum. Por isso a circulação dos títulos escriturais se faz de maneira autônoma e segura como a de qualquer outro título de crédito, isto é, sem passar pelos percalços e complicações do regime ordinário da cessão civil de crédito.

Justamente por isso, a doutrina mais atualizada não duvida de que o título escritural, como "valor mobiliário", é "espécie de título de crédito que a lei considera como bem corpóreo móvel" (LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA, ob. cit., p. 323), porque com ele se obtém, enfim, reunião do conjunto de direitos e obrigações da relação creditícia corporificado em documento.

Isto revela que, para o direito atual, não é preciso que o credor se faça sempre munir da cártula, firmada pelo devedor, para se considerar portador de título de crédito e, conseqüentemente de título executivo. Mesmo sem exibir o original do documento onde seu direito se acha incorporado, pode o credor exercer as faculdades de proprietário de título de crédito (ou de "valor mobiliário"), dotado dos predicamentos da certeza, liquidez e exigibilidade.

VIII - CONCLUSÃO

Nada há no sistema do CPC que impeça o reconhecimento ao contrato de abertura de crédito da qualidade de título executivo, desde que se refira a um valor definido, a ser utilizado e reposto pelo creditado e esteja subscrito por este e por duas testemunhas.

O extrato da respectiva conta é o demonstrativo gráfico de como o crédito foi utilizado. É elemento integrante do próprio contrato e não documento unilateral criado pelo creditador.

O argumento de que não constaria do contrato de abertura de crédito, desde logo, a "obrigação de pagar quantia determinada" (o que impediria seu enquadramento no art. 585, II, do CPC), não tem procedência, data venia, porque em relação a quase todos os títulos executivos o crédito exeqüendo nunca corresponde ao valor inicialmente lançado no título. Sempre há acréscimos ou reduções que se definem por documentos ou cálculos fora do título, sem que se pense em invalidar sua normal força executiva.

Aliás, o próprio texto do art. 585, II, do CPC, que dava como requisito do título executivo a obrigação de pagar "quantia determinada", foi alterado, justamente para eliminar tal referência (L. 8.953, de 13.12.94).

A inovação operada pela modificação do referido texto legal - como decidiu o TARS - "num momento em que se pretende afastar do processo o excesso formal e dar-lhe a celeridade desejada, é uma clara tendência no sentido de alargar mais o âmbito do processo executivo e dar maior liberdade ao Judiciário de autorizar o emprego da execução, sempre que houver certeza da obrigação e possibilidade de determinar-se com rapidez o valor" (AC 195.082.573, ac. 09.08.95).

Não é, mais, na menção direta e expressa da quantia a pagar que a lei identifica o título executivo do art. 585, II, do CPC. Atualmente, pois, o que se exige é apenas, em caráter geral, que a obrigação se apresente para o órgão judicial como certa, líquida e exigível (CPC, art. 586), qualquer que seja o título e qualquer que seja a obrigação.

Hoje, no mundo inteiro é usual, por exemplo, a contratação de dívida com juros flutuantes, assumindo o devedor a obrigação acessória de conformidade com taxas fixadas por organismos comerciais ou segundo a média vigente no mercado. Sendo de fácil verificação a taxa a ser utilizada, mesmo fora do título, não lhe nega a jurisprudência, só por isso, a qualidade de título executivo extrajudicial. O STJ, por exemplo, já teve oportunidade de assentar, sobre a matéria, que: "Não retira exeqüibilidade do título a circunstância de algum acessório dever ser fixado com base em elemento a ele estranho, como a taxa de juros" (REsp. 33.743-8-SP, 3ª T., Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, ac. unânime de 23.11.93, RSTJ, 67/359).

O caso decidido no aresto do STJ era o de um contrato bancário acompanhado de extrato de contas e cambiais a ele vinculadas, tendo sido estipulado critério de apuração dos juros segundo "o libor e taxas de mercado". Considerou o acórdão que ao título executivo bastaria a definição dos critérios de remuneração e que não seria atingida a sua exeqüibilidade somente porque o cálculo final teria de levar em conta "elemento a ele estranho". Ponderou, ainda, o decisório, com inteira procedência, que a divergência, entre as partes acerca do cálculo do saldo contratual, por si só, não conduza à iliqüidez do título, lembrando, a propósito, que:

"Cumpre ter-se em conta que qualquer execução por quantia certa sujeita-se a controvérsia quando se cuida de estabelecer o exato quantum do débito. Sua atualização não escapa de alguma dificuldade, em face de eventual dúvida quanto aos índices de correção. As partes, entretanto, podem perfeitamente trazer os elementos necessários, e isso rotineiramente se faz, sem que se torne necessário o concurso de expertos" (voto do Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, RSTJ, 67/360).

Se se pode fixar o saldo devedor com base em taxas calculadas por estranhos e apuradas fora do contexto do título, com mais razão se tem de reconhecer que se pode apurar o mesmo saldo devedor com apoio na conta gráfica vinculada ao contrato de abertura de crédito.

O extrato de tal conta, na verdade, não é a causa constituidora do crédito exeqüendo; é apenas o demonstrativo de como a utilização do crédito aberto alcançou o quantum que o creditado deve repor ao creditador. A causa justificadora do direito do exeqüente (isto é, o seu título executivo) é, realmente, o contrato, onde se previu o crédito que seria utilizado pelo financiado e que teria que, ao final, ser restituído ao financiador. O extrato de conta, in casu, cumpre exatamente a função do demonstrativo analítico que a lei exige deva sempre acompanhar a petição inicial da execução por quantia certa (CPC, art. 614, II, com a redação da L. 8.953/94). Nada mais do que isto.

A liqüidez e certeza da obrigação quem, de fato, as dá é o contrato de abertura de crédito, por força de sua própria e intrínseca estrutura jurídica. Tanto é assim que a lei, repetidas vezes, tem usado a abertura de crédito como negócio subjacente a diversas cédulas de financiamento bancário, sempre reconhecendo que a própria cédula, firmada pelo devedor antes de usar o crédito que o banco lhe defere, já figura, desde logo, como "promessa de pagamento" e "título de dívida líqüida e certa" (STF, RE 100.690-SP, RTJ, 111/1.297 e 1.298).

Por isso mesmo, "a execução por títulos de crédito rural, pelo saldo apurado de acordo com a conta corrente a eles vinculada, não desfigura seu caráter de título civil, líqüido e certo exigível, segundo o art. 10, e § 1º, do DL. 167/67" (RE 92.342-0-GO, RT, 542/233).

Não há, segundo pensamos, critério melhor e mais seguro para aferir a liqüidez e certeza de um contrato, para fim de analisar a possibilidade de conferir-lhe a natureza de título executivo, do que pesquisar a orientação adotada pelo legislador no disciplinamento de títulos similares. Se negócios jurídicos de igual estrutura obrigacional são freqüentemente dotados, pela lei, de força executiva, não há razão para negá-la ao contrato sob análise.

Qualquer contrato de abertura de crédito provoca, enfim, a movimentação de uma conta escritural junto ao creditador que deve encerrar-se no termo fixado no negócio jurídico. Assim como era de início líqüido e certo o direito do creditado de usar o crédito que lhe foi concedido (PONTES DE MIRANDA, ob. cit., t. 52, § 5.413, p. 11), também líqüida e certa é sua obrigação de restituir o quantum levantado, com seus acessórios, na forma e tempo contratuais: "Com a expiração do termo final, é exigível o saldo, no caso de crédito, sem que seja de mister a intimação para se constituir a mora ou para fazê-la eficaz" (PONTES DE MIRANDA, ob. cit., t. 42, § 4.631, p. 204).

Não cabe ao creditado, uma vez extinta a relação jurídica de abertura de crédito, senão a obrigação "de restituir as somas ou valores que retirou, de acordo com a lei e as cláusulas contratuais ou pactos adjectos" (Idem, § 4.632, p. 208).

Ainda muito recentemente, a MP 1.131, de 26.09.95, reiterando o que outros atos normativos da mesma natureza já haviam assentado, dispôs que:

"Art. 4º. É facultado às instituições financeiras conceder financiamento rural sob a modalidade de crédito rotativo, com limite de crédito fixado com base em orçamento simplificado, considerando-se líqüido e certo o saldo devedor apresentado no extrato ou demonstrativo da conta vinculada à operação".

Reafirmou-se, destarte, aquilo que se tornou uma constante no direito positivo acerca da liqüidez certeza e exigibilidade do saldo da conta corrente vinculada do contrato de financiamento.

E uma vez que a obrigação remanescente para o creditado, ao termo da relação de abertura de crédito, é líqüida, certa e exigível, tem o creditador, sem dúvida, assegurado o acesso ao processo de execução, se não houver o voluntário adimplemento por parte do devedor. Isto porque, conforme decidiu recentemente a 4ª Turma do STJ, em acórdão unânime:

"O contrato de abertura de crédito, desde que acompanhado do correspondente extrato de movimentação de conta corrente e presentes os demais requisitos legais, é de ser havido como título executivo extrajudicial" (REsp. 66.181-PR, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, ac. unânime de 13.06.95, DJU, 14.08.95, p. 24.034).

É esse, igualmente, o nosso parecer, s.m.j.

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