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Antonio Joaquim Ferreira Custódio*
SUMÁRIO: I. Visão geral da questão – II. Natureza do
ato decisório – III. A Constituição e o poder econômico – IV. O art. 54 da lei antitruste
e a Constituição: interpretação conforme – V. Inaplicabilidade do artigo 170,
parágrafo único da Constituição – VI. Considerações finais.
I – Visão geral da questão.
A Lei 8.884, de 11.6.1994, conhecida como lei antitruste, transformou o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em autarquia e dispôs sobre
a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. Seu art. 54
prescreve devam ser submetidos à apreciação do CADE os atos que possam limitar
ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou resultar na dominação
de mercado relevante de bens e serviços. Seus parágrafos enunciam outras
normas: condições para que esses atos sejam autorizados (§§ 1° e 2°); indicação
de atos passíveis de submissão ao CADE (§ 3°); estabelecimento de prazo para
sua apresentação (§ 4°) e multa por sua inobservância (§ 5°); fixação de prazo
para deliberação do CADE e sua suspensão (§§ 6° e 8°); condicionamento da
eficácia desses atos à aprovação dessa autarquia (§ 7°); competência para, em caso
de não aprovação, determinar as providências cabíveis para sua desconstituição
(§ 9°) e imposição à Comissão de Valores Mobiliários e ao Departamento Nacional
de Registro Comercial do Ministério da Indústria e Comércio do dever de
comunicar as mudanças de controle acionário de companhias abertas e os
registros de fusão (§ 10).
As disposições que interessam diretamente às presentes observações são
do seguinte teor:
"Art. 54 – "Os atos, sob qualquer
forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre
concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou
serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.
§ 1° - O CADE poderá autorizar os atos a que
se refere o caput, desde que atenda as seguintes condições:
I - tenham por objetivo, cumulada ou
alternativamente:
a) aumentar a produtividade;
b) melhorar a qualidade de bens e serviços;
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento
tecnológico ou econômico;
II - os benefícios decorrentes sejam
distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os
consumidores ou usuários finais, de outro;
III - não impliquem eliminação da
concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços;
IV - sejam observados os limites estritamente
necessários para atingir os objetivos visados.
§ 2° - Também poderão ser considerados
legítimos os atos previstos neste artigo, desde que atendidas pelo menos 3
(três) das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, quando
necessários por motivos preponderantes da economia nacional e do bem comum, e
desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final.
§ 3° - Incluem-se nos atos de que trata o
caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja
através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para
exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que
implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em 20% (vinte
por cento) ou mais de um mercado relevante, ou em que qualquer dos
participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço
equivalente a R$400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).
§ 4°... omissis... .
§ 5°... omissis... .
§ 6° - Após receber o parecer técnico da
SEAE, que será emitido em até 30 (trinta) dias, a SDE manifestar-se-á em igual
prazo, e em seguida encaminhará o processo devidamente instruído ao Plenário do
CADE, que deliberará no prazo de 60 (sessenta) dias.
§ 7° - A eficácia dos atos de que trata este
artigo condiciona-se à sua aprovação, caso em que retroagirá à data de sua
realização; não tendo sido apreciados pelo CADE no prazo estabelecido no
parágrafo anterior, serão automaticamente considerados aprovados.
§ 8º - Os prazos estabelecidos nos parágrafos
6° e 7° ficarão suspensos enquanto não forem apresentados esclarecimentos e
documentos imprescindíveis à análise do processo, solicitados pelo CADE, SDE ou
SEAE.
§ 9° - Se os atos especificados neste artigo
não forem realizados sob condição suspensiva ou deles já tiverem decorrido
efeitos perante terceiros, inclusive de natureza fiscal, o Plenário do CADE, se
concluir pela sua não aprovação determinará as providências cabíveis no sentido
de que sejam desconstituídos, total ou parcialmente, seja através de distrato,
cisão de sociedade, venda de ativos, cessação parcial de atividade ou qualquer
outro ato ou providência que elimine os efeitos nocivos à ordem econômica,
independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos eventualmente
causados a terceiros.
§ 10... omissis... ."
Os atos de que trata o caput
do art. 54 são os atos jurídicos que o Código Civil de 1916 (art. 85)
conceituava como sendo aqueles lícitos que tivessem por fim imediato adquirir,
resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. A doutrina civilista
já classificava os atos jurídicos como fatos jurídicos decorrentes da ação do
homem; subdividia os atos jurídicos em lícitos e ilícitos e os lícitos em atos
meramente lícitos e negócios jurídicos. Estes, os negócios jurídicos, são
aqueles "inspirados num propósito negocial, ou seja, na deliberação de
alcançar um efeito jurídico"; os meramente lícitos, aqueles "onde o
efeito jurídico alcançado não é perseguido pelo agente" [1]. O novo Código
Civil (Lei 10.406, de 10.1.2002) classifica como fatos jurídicos o negócio
jurídico, o ato jurídico lícito e o ato jurídico ilícito (arts. 104 a 188),
mandando aplicar, no que couber, aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, as
disposições estatuídas para estes. Ou seja, o novo Código considera os negócios
jurídicos como atos jurídicos lícitos.
Para a lei antitruste, esses negócios jurídicos, qualquer que seja sua
forma, devem ser submetidos à apreciação do CADE se deles puder resultar
limitação ou qualquer forma de prejuízo à livre concorrência, ou dominação de
mercados relevantes de bens e serviços. Não indica o tipo ou grau de limitação
ou de prejuízo, nem esclarece o que entende por dominação de mercado relevante.
O § 3° desse art. 54 inclui em tais atos "aqueles que visem a qualquer
forma de concentração econômica (...) que implique participação de empresa ou
grupo de empresas (dele) resultante em 20% (vinte por cento) ou mais de um
mercado relevante", ou aquele "em que qualquer dos participantes
tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a
R$400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais)". No entanto, o grau de
participação no mercado ou o valor do faturamento não são os únicos critérios
legais determinantes da submissão do negócio jurídico ao CADE. Com efeito, a
norma que impõe essa submissão é a do caput
do artigo, que é excessivamente abrangente e imprecisa; os atos a que alude o §
3° são outros negócios que também se incluem entre os atos referidos pelo caput dessa disposição.
Segundo a dicção legal, todo negócio jurídico, qualquer que seja sua
forma, de que possa resultar limitação ou prejuízo à livre concorrência ou
dominação de mercado relevante, inclusive os indicados pelo § 3° do art. 54,
deve ser apreciado pelo CADE, ficando sua eficácia condicionada à aprovação
dessa autarquia, que dispõe do prazo de sessenta (60) dias para apreciá-lo (§
6°), passível de suspensão (§ 8°); se não o fizer nesse prazo, considera-se
automaticamente aprovado (§ 7°).
Ainda que desses atos possam decorrer os efeitos previstos no caput do art. 54, o CADE pode
aprová-los se eles satisfizerem as condições previstas em seu § 1°, ou se
caracterizada a hipótese de seu § 2°. Caso contrário, o negócio jurídico
firmado pelos participantes não será aprovado, isto é, não lhe será atribuída
eficácia jurídica, hipótese em que o plenário do CADE deve prescrever "as
providências cabíveis no sentido de que sejam desconstituídos, total ou
parcialmente" (§ 9°).
II – Natureza do ato decisório
De acordo com a lei antitruste (art. 54, § 7°) a eficácia do negócio
jurídico depende de sua aprovação pelo CADE, mas ela não impõe sua realização
sob condição suspensiva. Ao contrário, permite (art. 54, § 9°) que "os
atos especificados neste artigo não (sejam) realizados sob condição
suspensiva" e que, quando de sua apreciação pelo CADE, "deles já
(tenham) decorrido efeitos perante terceiros, inclusive de natureza
fiscal". Se o CADE "concluir pela sua não aprovação determinará as
providências cabíveis no sentido de que sejam desconstituídos, total ou
parcialmente" (art. 54, § 9°). Enquanto em um dispositivo (art. 54, § 1°)
atribui ao CADE competência para autorizar
esses atos e em outro (art. 54, § 2°) diz que eles poderão ser considerados legítimos se satisfizerem
as condições nele indicadas, em pelo menos três outros preceitos (art. 54, § 7°
e § 9°; art. 55) alude a sua aprovação
pela referida autarquia.
Autorização é, segundo Hely Lopes Meirelles [2], "o ato
administrativo discricionário e precário pelo qual o Poder Público torna
possível ao pretendente a realização de certa atividade, serviço ou utilização
de determinados bens particulares ou públicos, de seu exclusivo ou predominante
interesse, que a lei condiciona à aquiescência prévia da Administração (...)".
E a aprovação "é o ato administrativo pelo qual o Poder Público verifica a
legalidade e o mérito de outro ato ou de situações e realizações materiais de
seus próprios órgãos, de outras entidades ou de particulares, dependentes de
seu controle, e consente na sua execução ou manutenção". Segundo esse
autor, a aprovação pode ser "vinculada ou discricionária, consoante os
termos em que é instituída, pois em certos casos limita-se à conformação de
requisitos especificados na norma legal e noutros estende-se à apreciação da
oportunidade e conveniência". Para Celso Antônio Bandeira de Mello [3],
autorização "é o ato unilateral pelo qual a Administração,
discricionariamente, faculta o exercício de atividade material, tendo, como
regra, caráter precário"; a aprovação "é o ato unilateral pelo qual a
Administração, discricionariamente, faculta a prática de ato jurídico ou
manifesta sua concordância com ato jurídico já praticado, a fim de lhe dar
eficácia". Esse entendimento também é perfilhado por Maria Sylvia Zanella
di Pietro [4] e Diogenes Gasparini [5] que os consideram atos discricionários.
Embora a lei (art. 54, § 1°) diga que o CADE pode autorizar esses negócios jurídicos, essa autorização não
pode ser considerada como ato administrativo que, além de discricionário, seria
precário. A precariedade representaria a inviabilidade potencial de exercício
dos direitos decorrentes do negócio jurídico, cuja autorização poderia vir a
ser cassada, revogada ou suspensa ao bel prazer da administração.
A autorização e ou a aprovação de que cogita o art. 54 da lei antitruste
também não podem ser concebidas como atos administrativos discricionários,
porque ao CADE não é facultado "apreciar o caso concreto, segundo
critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais
soluções, todas válidas perante o direito" [6]. Abstraídas, por ora, as
normas constitucionais adiante focadas, sob o ângulo estritamente legal, isto
é, de acordo com o regramento da lei antitruste, se do negócio jurídico
submetido à apreciação do CADE não resultam limitação ou prejuízo à livre
concorrência, nem dominação de mercado relevante, a autarquia não pode deixar
de aprová-lo. Ainda que dele possam defluir esses efeitos, a aprovação se impõe
se concorrerem as condições estatuídas pelo § 1° ou pelo § 2° do mesmo
preceito. Vale dizer, não lhe é facultada a escolha entre duas ou mais
soluções; ao contrário, são apenas duas, sob a ótica da disciplina legal, as
soluções possíveis, porém excludentes. A autarquia deve aprovar o negócio jurídico,
se ausentes os efeitos previstos no caput
do art. 54 ou, ainda que ocorrentes, se cumpridas as condições previstas em
seus §§ 1° e 2º, ou deve negar a aprovação em hipótese contrária. É evidente
que, para decidir, cabe-lhe, à vista do caso concreto, interpretar se há
limitação ou prejuízo à livre concorrência, ou dominação de mercado relevante.
Se entender presentes essas conseqüências, também é sua atribuição avaliar a
presença das condições estatuídas pelos referidos parágrafos (aumento de
produtividade, melhoria da qualidade de bens e serviços, eficiência e
desenvolvimento tecnológico ou econômico, distribuição eqüitativa de
benefícios, não eliminação da concorrência em parte substancial do mercado e os
limites estritamente necessários à consecução dos objetivos visados pelos
participantes do ato). Coloca-se, nesse ponto, a relação entre
discricionariedade e conceitos legais indeterminados, questão, no entanto, que
não cabe analisar no âmbito destas observações.
Mesmo à luz da lei antitruste a decisão do CADE se apresenta como ato
administrativo vinculado [7]. Para o escopo destas anotações, o que importa
ressaltar é a obrigatoriedade de submissão a essa autarquia federal dos
negócios jurídicos de que trata o art. 54 da lei antitruste. A não submissão ou
a inobservância do prazo legal fixado são punidas com multa, sem prejuízo de
instauração de processo administrativo. Além do mais, a lei considera
ineficazes esses atos, segundo o teor do § 7° desse preceptivo.
III – A Constituição e o poder
econômico
Da maior relevância é, no entanto, perquirir se essas normas legais
encontram lastro constitucional. A exploração da atividade econômica é função
que a Constituição cometeu, preferencialmente, à livre decisão dos indivíduos,
permitindo-a ao Estado, além dos casos nela previstos, somente quando
"necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei" (art. 173). Essa norma é decorrência
natural do estatuído pelo art. 1°, inciso IV, da Lei Magna, onde se firmam como
fundamentos ou princípios fundamentais da República "os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa". Eles encontram-se reproduzidos no
capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica, reprisando o
art. 170 que a ordem econômica fundamenta-se na "valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa", observados os princípios ali elencados,
entre eles o da livre concorrência (inciso IV). De maneira a eliminar possíveis
dúvidas ou interpretações equivocadas, estatui o parágrafo único desse
dispositivo ser "assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei".
É evidente que a liberdade de iniciativa, como a liberdade individual
sob qualquer de suas facetas, não deve ser exercida abusivamente, mediante o
emprego de expedientes que contravenham os fins inscritos na Lei Suprema. A
liberdade de iniciativa econômica não pode, destarte, justificar condutas
causadoras de danos à coletividade e muito menos amparar o maltrato de outros
princípios de igual envergadura. Prudentemente o constituinte repudiou seu
exercício abusivo, dispondo que "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros" (art.173, §
4°).
Insofismavelmente, a Constituição assegura a liberdade de iniciativa
econômica, reconhece a existência do poder econômico e condena seu exercício
abusivo. O poder econômico é fato irrepreensível, assim como o poder político,
o poder militar etc., e, ainda que não tivesse sido explicitamente reconhecido
pela Constituição, não poderia ser ignorado ou negado. Ensina Luís Roberto
Barroso, que "não é o poder econômico que deve ser reprimido, mas sim o seu mau uso, seu emprego
distorcido para finalidades não contempladas pela Constituição e pelas
Leis" [8] (destaquei). José Afonso da Silva observa que "condenado é
o abuso, não o poder em si, que é de fato" [9], porque "a
Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional"
[10] (destaquei). Celso Ribeiro Bastos registra que o poder político desfruta
de posição hegemônica, no entanto, "continuam a existir os poderes
sindical, militar, econômico, religioso e de imprensa" [11]. Para ele,
"o poder econômico surge
naturalmente da organização da atividade de prestação de serviços e
geração de bens. Esta atividade dá lugar ao lucro, ao dinheiro; portanto, este
poder, sem dúvida, sempre teve grande influência em qualquer tempo histórico. É
fonte de poder também na medida em que a empresa moderna emprega muitos homens.
Da mesma maneira que se torna um agente no processo econômico, responsável
muitas vezes por compras e aquisições gigantescas. Tudo isso conduz a um
extravasamento do poder, que não é na
verdade reprimido pela Constituição" [12] (destaquei).
Na mesma linha interpretativa é a lição de Hely Lopes Meirelles. Ensina
o mestre que "o domínio econômico, como todo domínio, gera poder para seus
detentores. Esse poder econômico há de ser utilizado normalmente para assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF, art. 170).
Quando o uso desborda em abuso,
a própria Constituição impõe sua repressão (art. 173, § 4°)" [13] (destaquei).
É também o escólio de Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem "por
força do princípio estatuído no art. 170, IV, relativo à livre concorrência, e
no inc. V do mesmo artigo, que impõe a defesa do consumidor, é dever do Estado
repelir o uso incorreto do poder econômico,
isto é, de modo gravoso para os princípios da ordem econômica" [14]
(destaquei). Para Heloisa Carpena, "o
uso regular do poder econômico não enseja reações em defesa da concorrência.
Assim, não basta ter poder econômico, seja consentido repetir, para
caracterizar ameaça ao equilíbrio do mercado, apenas o seu abuso será reprimido" [15] (destaquei).
Segundo Sérgio Varella Bruna, "a diferenciação de produtos, as economias
de escala e as concentrações de poder econômico são coisas normalmente
presentes na realidade e não
representam necessariamente um mal a ser combatido, senão muitas vezes um
objetivo a alcançar, em prol da eficiência e da competitividade,
mormente no campo internacional" [16] (destaquei).
Decisão prolatada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região referenda
essa doutrina, enfatizando que "o
poder econômico, em si, não é contra legem, o exercício do poder
econômico com o fim de sua preservação ou manutenção de posição no mercado não é ilegal; o será se for exercido abusivamente,
nos termos antes definidos na legislação de regência" [17] (destaquei).
O comando constitucional (art. 173, § 4°) é claro e induvidoso, não
permitindo tergiversações quanto a seu conteúdo. Para que não pairem
incertezas, registra-se, pela pena dos mais autorizados intérpretes, que o poder econômico não é combatido ou
rejeitado pela Lei Suprema. Ela repudia
com veemência o exercício abusivo desse poder, prescrevendo que a lei o
reprima. Ainda que não o determinasse, legítima seria a repressão, à semelhança
da coibição do exercício abusivo de qualquer outro direito ou poder.
IV – O art. 54 da lei antitruste
e a Constituição: interpretação conforme.
A exegese do art. 54 da Lei 8.884/94 deve ser empreendida à luz dos
preceitos constitucionais conformadores da ordem econômica, sob pena de
inconstitucionalidade de todo e qualquer ato administrativo que, preso a sua
literalidade e desgarrado desses princípios e fundamentos, negue aprovação a
negócio jurídico submetido à apreciação do CADE. O § 3° desse artigo induz o
intérprete menos atento a presumir que a empresa detentora de 20% (vinte por
cento), ou mais, de um mercado relevante, ou cujo faturamento tenha atingido o
montante nele inscrito, desfruta de condições para limitar ou prejudicar a
livre concorrência ou dominar mercado relevante. Com relação à participação de
mercado, essa presunção está expressamente lançada no art. 20, § 3°, da lei
antitruste, segundo o qual "a posição dominante (...) é presumida quando a
empresa ou grupo de empresas controla 20% (vinte por cento) de mercado
relevante, podendo esse percentual ser alterado pelo CADE para setores
específicos da economia". Trata-se de disposição absolutamente
incompatível com os ditames da ordem econômica constitucional, que, como exaustivamente
referido, não impede o regular
exercício do poder econômico, apenas condenando o seu uso abusivo. A
propósito esclarece Heloisa Carpena,
"a definição legal não é suficiente para se concluir pela
existência de posição dominante, visto que esta não prescinde da demonstração
da capacidade da empresa agir de forma independente, exercendo efetivo controle
sobre os preços praticados no dado mercado. A conclusão sobre a existência de
posição dominante, permita-se frisar, dependerá da análise de vários fatores, e
não apenas da parcela de mercado. A empresa pode deter posição dominante,
possuindo notável poder econômico e ainda assim atuar competitivamente. O comportamento relevante para a
concorrência não será o mero exercício do poder de mercado, mas sim o seu
abuso" [18] (destaquei).
Todo e qualquer negócio jurídico licitamente celebrado entre
particulares que, por imposição do disposto no art. 54 da lei antitruste, seja
submetido à apreciação do CADE não poderá, com amparo nessa esdrúxula
presunção, deixar de ser aprovado.
Sob o aspecto material, as normas desse artigo devem ser tidas por
inconciliáveis com a Lei Magna. Com efeito, agridem princípios fundamentais da
Constituição (art. 1°, IV; art. 170, caput
e V), além de contradizerem o comando do § 4° do art. 173. No entanto,
parece-me possível salvar, em parte, o preceito, se lhe for conferida
interpretação que o reconduza ao seio da Lei Suprema. Para esse efeito, o CADE
somente pode negar aprovação a qualquer negócio jurídico submetido a sua
apreciação se demonstrar que ele é fruto de exercício abusivo do poder
econômico detido por seus participantes e que esse negócio é o meio por eles
empregado para dominar mercado, eliminar concorrentes e aumentar arbitrariamente
o lucro. Sem a comprovação do vício do negócio jurídico (uso abusivo de poder
econômico) e de sua finalidade (dominar mercado, eliminar concorrente e
aumentar arbitrariamente o lucro), qualquer decisão do CADE denegatória de
aprovação do ato deve ser reputada inconstitucional. Qualquer decisão do CADE
que, sem embasamento comprovado em fatos dessa natureza, negue aprovação a
negócio jurídico firmado entre as partes está, pura e simplesmente, aniquilando
esses princípios fundamentais, cerceando o legítimo exercício de direitos
outorgados constitucionalmente aos indivíduos, entre eles o uso regular de
poder econômico. Sem falar na ofensa ao princípio que garante a propriedade
privada e sem embargo de estar, igualmente, renegando um dos objetivos
fundamentais da República, o desenvolvimento nacional (art. 3°, II).
Sob o aspecto formal também é necessário adequar a interpretação da Lei
8.884/94 aos princípios constitucionais. No título que trata das infrações contra a ordem econômica,
ela considera como tal os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por
objeto ou possam "limitar, falsear, ou de qualquer forma prejudicar a
livre concorrência ou a livre iniciativa, dominar mercado relevante de bens e
serviços, aumentar arbitrariamente os lucros (e) exercer de forma abusiva
posição dominante" (art. 20). As penas aplicáveis aos responsáveis pela
infração são as previstas no art. 23 (multas) e no art. 24 (publicações,
proibições etc.), estabelecendo o inciso V deste como penalidade "a cisão
de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação
parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a
eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica".
Como é cediço na doutrina e na jurisprudência, a apuração da infração e
de seu responsável, com a conseqüente aplicação das penas legalmente previstas,
deve obedecer ao devido processo legal, compreendendo, especialmente a garantia
do contraditório e da ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes (CF,
art. 5°, LIV e LV). Assim, para que alguém seja validamente privado de sua
liberdade ou de seus bens, exige a Constituição que a razão fundante dessa
privação seja efetivamente comprovada (demonstração da materialidade do fato
infracional e de sua autoria) através do devido processo legal. Evidenciada,
por essa forma, a concreta ocorrência da infração e identificado seu
responsável, se a gravidade dos fatos ou o interesse público geral a
justificarem cabe a aplicação da sanção cominada pelo inciso V do art. 24. Ou
seja, a cisão de sociedade, a transferência de controle societário, a venda de
ativos, a cessação parcial de atividade, ou qualquer outra providência
considerada hábil à eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica, somente
se harmonizam com os ditames constitucionais após escorreita conclusão do
processo administrativo, no curso do qual deverá ser facultado ao acusado o
exercício de seu lídimo direito de defesa.
No título que cuida da forma de
controle dos atos e contratos, a lei prescreve que, se negar aprovação
ao negócio jurídico, o CADE deve determinar sua desconstituição total ou
parcial, seja por distrato, cisão de sociedade, venda de ativos, cessação
parcial de atividade ou qualquer outro ato ou providência adequada à eliminação
dos efeitos nocivos à ordem econômica (art. 54, § 9°). Vale dizer, "as providências" que essa
norma relativa aos meios de controle dos negócios jurídicos determina sejam
impostas pelo CADE são absolutamente idênticas
à sanção prevista pelo inciso V do art. 24 da lei antitruste.
Nota-se, porém, substancial diferença de procedimentos: enquanto a
válida aplicação da sanção por infração à ordem econômica (art. 24, V) exige
que ela o seja através de regular processo de natureza punitiva, que obedeça ao
devido processo legal (instauração por ato de autoridade competente, com
acusação precisa e fundada em norma legal, garantido ao acusado o pleno
exercício do direito de defesa e somente mediante comprovação da materialidade,
escopo e autoria da infração – arts. 20 e 21), na hipótese do art. 54, em
procedimento qualificado como de controle, portanto, despido de acusação formal
e sem a garantia do direito de defesa, a desaprovação do ato enseja punição
idêntica.
Ocorre, por conseguinte, absoluta dissonância procedimental em detrimento,
na hipótese do § 9° do art. 54, do direito ao devido processo legal. Em
síntese, concluindo o CADE que o negócio jurídico a ele submetido não deve ser
"autorizado" ou "aprovado", a norma enfocada impõe-lhe o
dever de determinar medidas de conteúdo punitivo da mesma natureza da sanção
prevista no inciso V do art. 24, como se estivesse julgando uma acusação por
infração à ordem econômica.
Sob esse aspecto é inequívoca a incompatibilidade do § 9° do art. 54 com
os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da
ampla defesa. Para que, também por essa razão, não se tenha de reputar
inconstitucional esse preceito, a única exegese passível de conformá-lo aos
comandos de Lei Suprema é a de que o CADE apenas pode negar aprovação se, entendendo
que o negócio jurídico configura hipótese de exercício abusivo do poder
econômico e tem por finalidade a dominação de mercado, eliminação de
concorrência e aumento arbitrário de lucro, facultar às partes que o pactuaram,
após formal e precisa acusação, o exercício da ampla defesa, ou seja, através
do devido processo legal.
V – Inaplicabilidade do
parágrafo único do art. 170 da Constituição
A aprovação do negócio jurídico que, nos termos da lei antitruste,
emprestar-lhe-ia eficácia não deve ser confundida ou equiparada à autorização
de que trata o parágrafo único do art. 170 da Constituição. Essa disposição, ao
garantir a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, é
decorrência natural da livre iniciativa, fundamento da República e da ordem
econômica, e consectário inafastável do princípio da livre concorrência. A Lei
8.884/94 esteia-se, na parte que dispõe sobre a repressão ao abuso do poder
econômico, no § 4°, do art. 173. A lei antitruste não disciplina o exercício de
qualquer atividade, seja para autorizá-la ou não; objetiva, unicamente, regrar
o exercício abusivo do poder econômico.
Comentando o preceito constitucional Celso Ribeiro Bastos, alertando
para o respeito aos limites impostos ao Estado no campo econômico, doutrina:
"Não é lícito à lei fazer depender de autorização de órgãos
públicos atividades não sujeitas à exploração pelo Estado nem a uma especial
regulação por parte do poder de polícia. É aceitável, pois, que dependam de
autorização certas atividades sobre as quais o Estado tenha necessidade de
exercer uma tutela, quanto ao seu desempenho no atinente à segurança, à
salubridade pública etc. Traduzir-se-á em inconstitucionalidade se a lei
extravasar estes limites e passar, a seu talante, a fazer depender de
autorização legislativa as mais diversas atividades econômicas. Isto equivaleria sem dúvida a uma manifesta
negação do princípio da livre iniciativa inserido na cabeça do artigo.
Trata-se de dispositivo que melhor seria não tivesse sido incluído na
Constituição. É ambíguo. Sob uma aparente liberalidade no fundo tenta insinuar
uma abominável discrição da lei quanto às atividades que podem ser exercidas
independentemente de autorização" [19] (destaquei).
Registre-se, adicionalmente, que a lei antitruste, de forma ampla e
genérica, incide sobre toda e qualquer atividade econômica que extravase os
limites do regular exercício do poder econômico. Segundo seu art. 15, ela
aplica-se "às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações
de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que
temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio estatal".
Sob o ponto de vista da repressão ao exercício abusivo de poder, essa
disposição não merece censura, porque é notório que o poder econômico não é
detido ou exercitável apenas pelos particulares. O próprio Estado e suas
ramificações autárquicas e empresariais, qualquer que seja a forma jurídica por
elas adotada, também o detém e o exercem. Assim, em tese, qualquer pessoa
jurídica de direito público ou entidade paraestatal pode, utilizando indevida e
abusivamente seu poder econômico, adotar condutas configuradoras de infrações
contra a ordem econômica. Em tal caso, não podem, apenas por força de sua
natureza pública ou por submeterem a controle de pessoas jurídicas públicas,
usufruir de isenção ou imunidade por atos de semelhante índole.
A sedutora tentativa de que a "autorização" prescrita pelo
art. 54 da lei antitruste lance âncoras no preceito do parágrafo único do art.
170 da Constituição conduz a absurda e inconcebível exegese. Se assim fosse,
essa "autorização" ou "aprovação" seria exigível para o
exercício de atividades sob regime de monopólio estatal e também para o
exercício de atividades sob regime de concessão. Os negócios jurídicos
pactuados nessa seara também estariam submetidos à condição suspensiva imposta
pelo referido art. 54 e somente adquiririam eficácia se aprovados pelo CADE. As
atividades sob regime de monopólio, que são unicamente as que a própria
Constituição assim preceitua, "correspondem, pura e simplesmente, a
atividades econômicas subtraídas do âmbito da livre iniciativa" [20].
Incogitável que tais atividades, que a própria Constituição comete a pessoa
determinada, dependessem para seu exercício da autorização de que cuida o art.
54 da lei antitruste. Da mesma forma, inconcebível pretender sujeitar a essa
autorização o exercício de atividades sob regime de concessão, notadamente
aquelas que a Lei Suprema conceitua como serviços públicos de titularidade de
entidades de idêntica natureza. Vejam-se, a título exemplificativo, as
hipóteses do art. 21, inciso XI (serviços de telecomunicações) e do inciso XII (serviços
de radiodifusão sonora e de sons e imagens, energia elétrica e aproveitamento
energético dos cursos de água, navegação aérea, aeroespecial e infra-estrutura
portuária, transporte ferroviário e aquaviário, transporte rodoviário
interestadual e internacional de passageiros e portos marítimos, fluviais e
lacustres). Sendo a exploração dessas atividades atribuídas constitucionalmente
à União, a quem compete decidir pela exploração direta ou indireta,
inimaginável sua sujeição à autorização contida no art. 54 da lei antitruste. É
o suficiente para patentear que essa disposição legal não se arrima no cânon do
parágrafo único do art. 170 da Constituição.
A propósito do art. 170 da Lei Maior, elucida Celso Antônio Bandeira de
Mello [21] que:
"(...) a Administração não tem título jurídico para aspirar reter
em suas mãos o poder de outorgar aos particulares o direito ao desempenho da
atividade econômica tal ou qual; evidentemente, também lhe faleceria o poder de
fixar o montante da produção ou comercialização que os empresários porventura
intentem efetuar. De acordo com os termos constitucionais, a eleição da
atividade que será empreendida assim como o quantum a ser produzido ou
comercializado resultam de uma decisão livre dos agentes econômicos. O
direito de fazê-lo lhes advém
diretamente do Texto Constitucional e descende, mesmo, da própria
acolhida do regime capitalista, para não se falar dos dispositivos
constitucionais supramencionados" (destaquei em itálico/negrito; o itálico
simples é do original).
Relativamente a seu parágrafo único, o mesmo jurista evidencia de forma
inquestionável que a autorização ali encartada é substancialmente diversa, não
visando a conferir eficácia a qualquer tipo de negócio jurídico. Ensina ele que
[22]:
"(...), dita autorização
(ou denegação) evidentemente não concerne aos aspectos econômicos, à livre
decisão de atuar nos setores tais ou quais e na amplitude acaso pretendida,
mas ao ajuste do empreendimento a exigências atinentes à salubridade, à
segurança, à higidez do meio ambiente, à qualidade mínima do produto em defesa
do consumidor etc. É claro que, se fosse dado ao Poder Público ajuizar sobre a
conveniência de os particulares atuarem nesta ou naquela esfera e decidir sobre
o volume da produção, estar-se-ia desmentindo tudo o que consta dos artigos
citados e do próprio parágrafo único do art. 170, como se acaba de
referir" (destaquei).
E, ao final de sua percuciente análise, arremata [23]:
"É fundamental realçar – repita-se – que
tais autorizações não dizem respeito, nem podem dizer respeito, aos aspectos econômicos do empreendimento,
pois no que a isto concerne os agentes econômicos são livres. Têm assegurados
pela Constituição seus direitos à liberdade de iniciativa, à liberdade de
concorrência e à garantia de que o planejamento econômico que o Poder Público
faça apresentar-se-lhe-á com caráter meramente indicativo, não podendo implicar
sujeição ou cerceio algum à liberdade econômica que lhes é reconhecida pela Lei
Magna. A não ser assim, o art. 170, o inciso IV do mesmo preceptivo e o art.
174 seriam palavras vãs, juridicamente inexistentes" (itálico e negrito
do original).
VI – Considerações finais
Resta consignar, conquanto possa parecer desnecessário, que a questão
ora analisada não o pode o ser ao largo dos princípios constitucionais que, não
bastassem serem os alicerces da República e do Estado Democrático de Direito,
consubstanciam os pilares da própria ordem econômica constitucional. E os
princípios são o cerne do sistema, as artérias irrigadoras do organismo
constitucional. Mais precisa, substancial e irretorquível é a lição de Celso
Antônio Bandeira de Mello [24]:
"Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um
sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre
diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua
exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das
diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico
positivo."
"Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.
A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido,
porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua
estrutura mestra."
Em consonância com a exegese de Luís Roberto Barroso [25], que reputa os
princípios constitucionais como fundamentos ou qualificações essenciais da
ordem jurídica, eles são
"a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. A
Constituição (...) é um sistema de normas jurídicas. Ela não é um simples
agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sistema
funda-se na harmonia de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica
existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas
diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas
básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os
caminhos a serem percorridos" (destaquei).
Com estas observações, não há como deixar de concluir, em homenagem à
interpretação conforme [26] que permite salvar da pecha de
inconstitucionalidade o art. 54 da lei antitruste, que:
a) a Constituição não condena, nem combate ou repudia o poder econômico
que, como outros (político, sindical, militar etc.) constitui uma realidade;
ela, no entanto, repele, expressamente, o abuso do poder econômico, impondo à
lei sua repressão;
b) o CADE somente pode negar aprovação a negócio jurídico submetido a
sua apreciação se esse negócio caracterizar exercício abusivo de poder
econômico e visar a dominação de mercado, eliminação de concorrente ou aumento
arbitrário de lucros; sua decisão configura ato administrativo vinculado aos
princípios e fins constitucionais;
c) qualquer decisão denegatória do CADE fundada em razões de diversa
natureza constitui ato administrativo inconstitucional por ofensa, além de
outros, ao § 4° do art. 173 da Constituição;
d) se, no curso de processo administrativo de controle, o CADE constatar
o vício do negócio jurídico e a finalidade vedada pela Constituição, deve ser
assegurado aos participantes o devido processo legal, sob pena de
inconstitucionalidade por afronta aos incisos LIV e LV do art. 5° da
Constituição.
NOTAS
1. RODRIGUES, Sílvio.
Direito Civil, 2ª ed., 1964, Max Limonad, vol. I, p. 175. Com relação ao Código
de 2002, ver TEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao Novo Código Civil, 2003,
Forense, vol. VIII, tomo II, p. 2 e seguintes.
2. Direito
Administrativo Brasileiro, 33ª ed., 2007, Malheiros, p. 189/190.
3. Curso de Direito
Administrativo, 18ª ed., 2005, Malheiros, p. 407.
4. Direito
Administrativo, 15ª ed., 2003, Atlas, p.218/221.
5. Direito
Administrativo, 9ª ed., 2004, Saraiva, p.83.
6. DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988,
Atlas, 1991, p. 41.
7. OLIVEIRA, Amanda
Flávia de. O Direito da Concorrência e o Poder Judiciário, Forense, 2002, p.
79. Em nota de rodapé, a autora remete a trabalho de Hely Lopes Meirelles
(Natureza jurídica do CADE na administração federal) que, na vigência da antiga
lei antitruste (Lei 4.137/62), asseverou que "as decisões do CADE são atos
vinculados, e não discricionários como podem parecer a uma primeira
vista."
8. Modalidades de
intervenção do Estado na ordem econômica. Regime jurídico das sociedades de
economia mista. Inocorrência de abuso de poder econômico. Parecer in Temas de
Direito Constitucional, Renovar, 2002, 2ª ed., p. 424.
9. Comentário
Contextual à Constituição, Malheiros, 2005, p. 720.
10.
Curso de Direito Constituição Positivo, Malheiros,
21ª ed., 2002, p. 771.
11.
Comentários à Constituição do Brasil (em conjunto
com Ives Gandra Martins), Saraiva, 1990, 7º vol., p. 93.
12.
Comentários..., 7º vol., p. 94.
13.
Direito Administrativo..., 33ª ed., p. 643.
14.
Curso..., 18ª ed., p. 738.
15.
O Consumidor no Direito da Concorrência, Renovar,
2005, p. 86/87.
16.
O Poder econômico e a conceituação do abuso em seu
exercício, apud BARROSO, Luíz Roberto, Modalidades..., p. 425.
17.
MC 2000.01.00.000454-3/DF, Juíza Selene Maria de
Almeida, 5ª Turma, DJ 09/04/202, p. 265, apud CARPENA, Heloisa. O
Consumidor..., p. 86/87.
18.
O Consumidor..., p. 85.
19.
Comentários..., 7° vol., p. 39.
20.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso..., 18ª
ed., p. 744.
21.
Curso..., 18ª ed., p. 732.
22.
Curso..., 18ª ed., p. 735.
23.
Curso..., 18ª ed., p. 736.
24.
Curso..., 18ª ed., p. 882/883.
25.
Interpretação e Aplicação da Constituição, Saraiva,
1996, p. 142.
26.
A interpretação conforme ocorre "quando, entre interpretações
plausíveis e alternativas, exista alguma que permita compatibilizá-la com a Constituição".
È a lição de BARROSO, Luís Roberto. Interpretação..., p. 174.
* Advogado.
Procurador do Estado de São Paulo aposentado. Autor de "Constituição
Federal Interpretada pelo STF" (Juarez de Oliveira, 9ª edição).
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11673
Acesso em: 04 set.
2008.